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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.21 n.1 Brasília mar. 2001

 

ARTIGOS

 

O ensino do Rorschach em uma amostra brasileira1

 

Paulo Francisco de Castro*

Departamento de Psicologia Clínica da Universidade Mackenzie - São Paulo - SP
Universidade Metodista de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Apresenta-se uma descrição de um levantamento realizado sobre as características do ensino do Psicodiagnóstico de Rorschach em uma amostra de Instituições de Ensino Superior brasileiras. Serão enfocados aspectos da caracterização das Instituições e de suas disciplinas; além disto, serão apresentados dados sobre o sistema de classificação adotados, sobre a metodologia de ensino adotada e uma descrição das atividades práticas.

Palavras-chave: Rorschach, Sistemas de classificação, Ensino de testes psicológicos, Ensino-aprendizagem, Atividades práticas.


ABSTRACT

A description of a survey realized about the teaching characteristiecs of the Method of Rorschach is presented in a model of brazilian higher education institutes. Characterization aspects from the institutes will be put in focus and its subjects. Furthermore, information on the adapted classification system and the adapted teaching metodology will br presented and one practical activities description as well.

Keywords: Rorschach, Classification systems, Psychological tests teaching, Learning-teaching, Practical activities.


 

 

Vários fatores devem ser considerados ao se tratar do ensino de técnicas psicológicas, abrangendo desde a escolha dos instrumentos, passando por sua fundamentação teórica e pelos aspectos éticos, chegando até as estratégias práticas (Gonzalez, 1995). Embora essa tarefa não seja fácil, cabe aos professores e pesquisadores que se dedicam às técnicas psicológicas estabelecerem um caminho para que os currículos possam privilegiar tanto as necessidades acadêmicas, como as profissionais, contextualizando seu ensino sobre paradigmas relevantes para a comunidade em que esteja inserido.

Constantes indagações sempre permearam os professores de testes e sempre estiveram presentes nas discussões e reuniões científicas da área, questões , entre outras, do tipo: Qual técnica ensinar? Como ensinar? Como adequar o ensino de testes à realidade de cada instituição? Como propor atividades práticas viáveis de serem aplicadas? Custódio (1995) já colocou acerca da relevância e pertinência destes questionamentos em dois momentos distintos: no Congresso Latino-americano de Rorschach e no I Encontro de Técnicas de Exame Psicológico, mas, como a autora mesmo coloca, estas reflexões sempre se mostram polêmicas, sendo assim, atuais e necessárias para aqueles que trabalham com testes psicológicos.

Uma proposta de organização destes conteúdos é apresentada por Jacquemin (1995) que enfatizou a necessidade de se estabelecer uma programação nacional básica, relativa ao ensino de testes psicológicos, de conhecimento de todo psicólogo.

Para isso, inicialmente, é necessário uma descrição que identifique como o ensino de técnicas psicológicas é realizado nas agências formadoras de Psicologia no Brasil. O presente artigo objetiva a apresentação destes dados no que concerne ao Psicodiagnóstico de Rorschach.

 

Método

Para o levantamento de dados da presente pesquisa, no mês de maio de 1998, foram enviados questionários aos professores de Rorschach de todas as instituições de ensino superior do Brasil que possuem o curso de Psicologia, num total de 104, juntamente com uma carta, solicitando a colaboração dos professores e explicando os objetivos e as justificativas do levantamento dos dados. O instrumento possuía questões que versavam sobre dados da instituição, do curso e do ensino de Rorschach (Anexo). Para facilitar o envio das respostas, o questionário foi anexado a um envelope auto-endereçado e selado.

Obteve-se, inicialmente, o retorno de 46% (N=44) dos questionários. Assim foi enviada uma segunda correspondência, em agosto de 1998, solicitando aos professores sua colaboração para responder ao questionário.

Os dados a seguir referem-se à tabulação das informações obtidas após a segunda solicitação aos professores.

 

Apresentação e Discussão dos Dados

Os dados que serão apresentados foram obtidos a partir das respostas de 58% (N=59) das Instituições de Ensino Superior no Brasil que possuem o curso de Psicologia e que responderam o questionário enviado.

Identificação das Instituições de Ensino Pesquisadas

O maior número de informações relatadas nesta descrição referem-se às Universidades, uma vez que 86,5% (N=51) das instituições que responderam ao questionário são Universidades, enquanto 13,5% (N=8) são Faculdades.

As instituições particulares ou privadas compuseram a maior parte desta amostra, já que 51% (n=30) das instituições que responderam ao questionário são privadas, 32% (n=19) são públicas e 17% (n=10) são confessionais ou religiosas.

No que se refere aos Estados em que as agências formadoras estão localizadas, temos um levantamento abrangendo treze estados brasileiros, sendo que prevalecem os resultados das instituições localizadas no Estado de São Paulo, com 35,6% (N=21); seguido por oito de Minas Gerais; sete do Rio Grande do Sul; seis do Rio de Janeiro; cinco do Paraná; duas da Paraíba, Mato Grosso do Sul, Ceará e Pará e somente uma de Brasília, Pernambuco, Santa Catarina e Rondônia.

Dados sobre o Ensino do Psicodiagnóstico de Rorschach

Instituições que não ensinam o Psicodiagnóstico de Rorschach

No tocante ao ensino do Rorschach no Brasil, tem-se que 32% (n=19) das Instituições pesquisadas não ensinam esse instrumento em seus cursos. As justificativas apresentadas foram descritas, em resumo, na tabela 1:

Instituições que ensinam o Psicodiagnóstico de Rorschach

Tem-se que 68% (N=40) das agências formadoras pesquisadas contemplam o Psicodiagnóstico de Rorschach em seus currículos. A seguir serão descritas as características levantadas junto a estas instituições no que se refere à disciplina, sua identificação e caracterização e, por fim, ao ensino do instrumento propriamente dito:

Identificação e caracterização da disciplina:

O Rorschach é apresentado, na composição dos currículos dos cursos em diferentes disciplinas. A partir dos dados dos questionários, foi possível identificar estas disciplinas, sendo que prevalecem os currículos em que o Rorschach é ensinado na disciplina de Técnicas de Exame Psicológico. Assim temos, apresentadas na Tabela 2, a distribuição das disciplinas que ensinam o teste.

Com relação à obrigatoriedade do cumprimento das disciplinas expostas anteriormente, tem-se que 82,5% (N=33) das referidas disciplinas são obrigatórias, enquanto que 15% (N=6) configuram-se como disciplinas optativas e apenas 2,5% (N=1) não respondeu a esta questão. Configurando, na maioria das instituições, a obrigatoriedade do cumprimento da disciplina que ensina o Rorschach na maior parte das instituições pesquisadas.

Com relação ao período da formação em que o aluno cursa a disciplina, observou-se que existe uma grande variedade de momentos do curso em que a disciplina é oferecida, compreendendo do quinto ao décimo semestre.

A carga horária total destinada à disciplina também sofre variações de acordo com a instituição pesquisada, compreendida entre o mínimo de 60 horas-aula e o máximo de 120 horas-aula, sendo que o maior número de agências formadoras oferece cursos de 60 e de 90 horas-aula.

Sistemas de Classificação Empregados

Das instituições que apresentam o Rorschach como parte integrante de seu currículo, observa-se, de acordo com a Figura 1, que o sistema de classificação empregado na cotação das respostas divide-se: 47,5% (n=19) utilizam o sistema de Klopfer, sendo destacado como o sistema de classificação de maior utilização nas instituições brasileiras pesquisadas; 27,5% (n=11) utilizam o sistema da Escola Francesa; 15% (n=6) utilizam o sistema de Silveira; 2,5% (n=1) utiliza o Sistema Compreensivo de Exner e 2,5% (n=1) utiliza a união dos sistemas de Klopfer e Exner; 2,5% (n=1) não estabelece um sistema específico, devendo o supervisor estabelecê-lo; e 2,5% (n=1) não respondeu esta questão.

Ao informar sobre o sistema de classificação ensinado em cada instituição, o professor apresentava uma justificativa para essa opção. Não houve, como demonstrado na tabela 3, uma uniformidade de motivos da escolha do sistema adotado.

O sistema de classificação é um dos principais aspectos no Rorschach e que, inclusive, garante a identidade do instrumento no que se refere à forma de cotação e dirigem a interpretação do material do teste. Os dados quanto às justificativas para a escolha do sistema de classificação mostram que uma parte dos profissionais apresentou justificativas pertinentes e fundamentadas quanto a esta escolha, mas a falta de justificativas pode estar indicando uma escolha aleatória do sistema.

Os professores também identificaram a Metodologia de Ensino adotada em suas disciplinas, em que tem-se: 42,5% (N=17) dos professores adotam a estratégia de aulas teóricas combinadas com aulas práticas; o mesmo número utiliza aulas práticas associadas a exercícios em sala de aula e 15% (N=6) dos professores não informaram qual é a metodologia por eles utilizada.

Foi solicitado aos professores que informaram sobre a existência das atividades práticas em seu programa que realizassem uma descrição suscinta destas atividades. Observou-se que 58% (N=21) das disciplinas pesquisadas desenvolvem as atividades práticas de Rorschach em clínicas-escola ou clínicas conveniadas, setores especializados de aplicação de testes e locais de estágio, configurando a existência de uma real prática supervisionada. Por outro lado, 28% (N=10) desenvolvem as atividades práticas em sala de aula, demonstrando a realização de um exercício ou de um treinamento dirigido, o que não configura, sob o ponto de vista deste pesquisador, como uma atividade prática, mas sim como uma estratégia pedagógica, uma vez que o aluno não vivencia diretamente as etapas de aplicação do Rorschach, nem o contato com um colaborador. Finalmente, 14% (N=5) não descreveram como são realizadas suas atividades práticas. A tabela 5 apresenta a descrição realizada pelos professores.

 

Considerações Finais

Sobre a descrição realizada anteriormente, pode-se perceber que não foi observada, nesta amostra, uma uniformização de informações, nem mesmo de posicionamentos, frente ao ensino do Psicodiagnóstico de Rorschach junto aos profissionais que se comprometeram a ensinar este instrumento.

As instituições que retiraram o Rorschach de seus currículos parecem não saber da grande importância deste instrumento, fato observado a partir de suas justificativas que se mostram sem qualquer embasamento mais consistente e, às vezes, sem crítica para fundamentar a exclusão ou a suspensão do ensino de uma das técnicas mais utilizadas tanto em pesquisas, como nas áreas clínica, educacional e jurídica (Ardoino e Garcia, 1997).

Quanto às atividades práticas também há um conjunto significativo de profissionais que aplicam exercícios em sala de aula e chamam esta atividade dirigida de atividade prática, sendo que para se configurar como prática existe a necessidade de aplicações e contato com o material e com o colaborador em situações que se assemelham, o máximo possível, a uma atividade profissional, para que, desta forma, o estudante possa realizar uma aplicação dentro de um contexto clínico e vivenciar a prática de forma mais consistente (Castro e Rocha Júnior, 1997).

Inicialmente, destacou-se a necessidade de uma uniformização de informações para que o ensino de técnicas projetivas pudesse possuir uma identidade dentro da profissão de psicólogo. Mas, antes disto, é necessário maior informação quanto ao uso destes tão importantes instrumentos que, pela garantia do manuseio e do uso exclusivo a psicólogos, constituem parte da própria identidade da profissão.

Em particular, quanto ao Psicodiagnóstico de Rorschach, pode-se perceber a necessidade de uma especialização no teste, dentro de um sistema de classificação definido, para que se configure uma identidade do instrumento. É necessário, ainda, o oferecimento de atividades práticas de aplicação, cotação e interpretação de um protocolo, pelo menos, a partir de uma vivência com colaborador ou paciente para que o aluno possa desenvolver uma atitude profissional e contextualizada para o uso do instrumento; desnecessário ressaltar a necessidade vital de um professor especialista supervisionar, de perto, todo o trabalho de atendimento.

Em suma, a partir destas diferenças e divergências apresentadas, observa-se a grande necessidade de maiores discussões sobre este assunto, subsidiando futuras reflexões sobre o tema, a fim de que possamos possibilitar uma formação mais consistente e, talvez, uniformizada para nossos alunos.

 

Referências bibliográficas

Ardoino, G. e Garcia, R.C. (1997) Tests mas empleados en la Practica Profesional. Anais do VII Encontro Nacional sobre Testes Psicológicas e I Congresso Ibero-Americano de Avaliação Psicológica. Porto Alegre - RS : 103-104.        [ Links ]

Castro, P.F. & Rocha Jr, A. (1997) A Importância das Atividades Práticas no Ensino de Técnicas de Exame Psicológico. Anais do VII Encontro Nacional sobre Testes Psicológicos e I Congresso Ibero-Americano de Avaliação Psicológica. Porto Alegre - RS : 288.        [ Links ]

Custódio, E.M. (1995) O Ensino das Técnicas de Exame Psicológico. Boletim de Psicologia 65 (102) : 27-34.        [ Links ]

Gonzalez, M.M.P. (1995) Reflexiones Epistemologicas acerca de la Enseñansa del Psicodiagnostico de Rorschach en la Universidad. Psicodiagnosticar 5 (5) : 33-44.        [ Links ]

Jacquemin, A. (1995) Ensino e Pesquisa sobre Testes Psicológicos. Boletim de Psicologia 65 (102) : 19-21.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Paulo Francisco de Castro
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Faculdade de Psicologia
Departamento de Psicologia Clínica
Rua: Itambé, 145 - Prédio 14 Higienópolis
01239-902 São Paulo - SP
E-mail: psicoclinica@mackenzie.br

Recebido 18/10/99
Aprovado 22/09/00

 

 

* Professor do Departamento de Psicologia Clínica. Psicólogo, e Mestre em Educação da Universidade Mackenzie, São Paulo - SP. Doutorando em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo.
1 Trabalho apresentado na Mesa Redonda "O Ensino dos Testes Psicológicos: ênfase nas técnicas projetivas", durante o III Encontro da Sociedade Brasileira de Rorschach e outros métodos projetivos, em dezembro de 1998, Ribeirão Preto - SP.

 

ANEXO