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Psicologia: ciência e profissão

versión impresa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.21 n.2 Brasília jun. 2001

 

ARTIGOS

 

O reconhecimento das emoções no cenário da psicologia: implicações epistemológicas e reflexões críticas

 

 

Maurício da Silva Neubern*

Universidade de Brasília (UnB)
Associação Centro-Oeste De Terapia Familiar (ACOTEF)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Partindo de uma breve contextualização do estudo das emoções, o presente trabalho visa apontar caminhos para a construção de referências mais apropriadas ao estudo das mesmas, seja como constituintes do processo subjetivo, seja no sentido de apontar seu potencial para reformas epistemológicas na psicologia. A partir de uma análise sobre importantes cosmovisões do pensamento atual e as denúncias epistemológicas promovidas pelas emoções, destacam-se a sua condição marginalizada no conhecimento psicológico, bem como a necessidade e as implicações de incluí-las como imprescindíveis no estudo do humano.

Palavras-chave: Emoções, Epistemologia, Subjetividade, Psicologia.


ABSTRACT

Starting from a brief contextualization of the study of emotions, the present paper aims at indicating ways to the construction of a more appropriate frame of reference for such study, regarding emotions as constituents of the subjective process and pointing to their potential for epistemological change in psychology. From the analysis of important world views in contemporary thought and the epistemological denunciation promoted by emotions, the text tries to emphasize their marginal condition in psychological knowledge and both the need for and the implications of their inclusion as crucial for the study of the human condition.

Keywords: Emotions, Epistemology, Subjectivity, Psychology.


 

 

O tema das emoções consiste em um parâmetro de fundamental importância para a reflexão sobre a construção do conhecimento em psicologia. Ele não apenas aponta para uma diversidade de exigências necessárias para a concepção e abordagem de seus objetos de estudo, mas também destaca os problemas epistemológicos que fundamentam suas bases de compreensão. Dentro de uma reflexão crítica pode-se destacar que o tema das emoções consiste em um grande denunciador das contradições presentes na psicologia em sua tentativa de se firmar como disciplina científica.

A clássica divisão do paradigma do conhecimento ocidental (Santos, 1987;Morin, 1998), trouxe para a psicologia obstáculos problemáticos, principalmente quando surgiram as primeiras tentativas de apresentá-la como ciência. Isso se deu, dentre outros motivos, porque de um lado da divisão encontravam-se as ciências sob a égide da física, numa linguagem objetiva, preferencialmente técnica e respaldada pela matemática e objetos de estudo1 próprios à manipulação experimental e às noções de previsão e controle. O conhecimento científico era concebido, por excelência, como o mais confiável, capaz de desnudar a natureza indo além de suas aparências para chegar às leis universais que regiam seus fenômenos. Fazia-se, assim, necessária uma atenção obsessiva sobre o saber de modo que fossem exorcizados quaisquer resquícios de subjetividade : corpos de conhecimento como a química, a medicina e a astronomia sofriam uma intensa vigilância a fim de expurgar definitivamente todas as influências místicas da alquimia, dos fluidos e da astrologia. Do outro lado da divisão, encontravam-se as filosofias, a religião, o direito, as artes, a música e o senso comum, marcados por uma linguagem qualitativa e temas de especulação próprios da subjetividade humana como a existência, a alma, o amor, as relações humanas, dentre outros. Desse modo, estabelecia-se imensa contradição para a psicologia, pois existiam, em muitos de seus setores, fortes movimentos para torná-la um conhecimento confiável para os requisitos científicos, mas, ao mesmo tempo, seus interesses e objetos de estudo encontravam-se do outro lado do abismo e poderiam também implicar em consideráveis riscos para suas pretensões objetivistas.

Nesse sentido, pode-se acrescentar que, malgrado todos avanços obtidos pela psicologia em pouco mais de um século, as conseqüências para o estudo das emoções e para a própria qualificação do homem não deixaram de apresentar seu lado drástico. De um ponto de vista epistemológico, pode-se acrescentar que diversas escolas de psicologia quanto mais sistematizaram as emoções como objeto de estudo, mais sistematicamente a descaracterizaram (Neubern, 1999). Houve espaço para compreendê-la como um processo subjetivo em si que mantém estreitas relações com as demais dimensões do homem, como a linguagem e a biologia, mas não se esgota em nenhuma delas (Gonzalez Rey, 1997). Desse modo, para um estudo confiável e objetivo das mesmas, eram necessárias graves mutilações que a reduziam a subprodutos de reações bioquímicas ou unidades atomizadas e isoladas entre si. As constantes operações de disjunção e redução2 implicavam ainda em um conjunto de relações isomórficas, estabelecidas arbitrariamente que pouco remontavam à suas complexidade, características e múltiplas conexões que possuem com os demais processos subjetivos. Mesmo uma escola como a psicanálise, que efetivamente logrou importantes rupturas com as tendências dominantes nas ciências psíquicas, apresentava freqüentemente a influência das mesmas, como ao buscar explicar o aparelho psíquico numa concepção da mecânica dos fluidos.

No entanto, a descaracterização das emoções abrangeu não apenas a dimensão epistemológica, pois tal dimensão liga-se estritamente com as demais produções de pensamento no cenário social. Mahoney (1991) destaca, nessa linha de pensamento3, como as ciências psíquicas concorreram para uma compreensão altamente pejorativa das emoções. Segundo ele (p.190), em geral elas são compreendidas, dentre outros pontos, como desvinculadas dos processos superiores (sendo uma herança animal), forças primárias que antecedem o pensamento e a ação e conduzem os sujeitos em geral a ações destrutivas, promotoras de desadaptação do comportamento e indesejáveis (quando se trata de medo e ira, por exemplo, que são consideradas como “negativas”).

Uma vez que as emoções se constituem em processos fundamentais da subjetividade humana (Gonzalez Rey, 1997) entende-se que uma descaracterização sistemática das mesmas sempre esteve ligada à um conjunto de contradições e concepções distorcidas do próprio homem na psicologia. Dentro de uma perspectiva tradicional do pensamento científico, ao mesmo tempo em que o homem foi colocado como o senhor da natureza, ele negou sua subjetividade como objeto de estudo, uma vez que esta seria capaz de ameaçar a confiabilidade de seus procedimentos. Tornou-se, também, um excluído. De uma forma similar, enquanto as emoções puderam servir como objetos de estudo (desde que esquartejadas para serem enquadradas em procedimentos e concepções), elas foram praticamente banidas da subjetividade do pesquisador, pois apenas a racionalidade aliada a um forte aparato experimental poderiam garantir um conhecimento cientificamente válido.

Desse modo, pode-se afirmar que, pelo posicionamento marginal que as emoções ocuparam até então, não foi possível um reconhecimento efetivo de sua importância e relevância, seja como um processo constituinte do humano, seja em termos epistemológicos. As implicações disso, podem, sem dúvidas, estar entrelaçadas com as mais variadas questões da relação do homem com a psicologia, tanto para o conhecimento em si (seu lugar epistemológico, o papel do sujeito, as possibilidades de intervenção e abordagem) como para as questões sociais próprias da atualidade (a exclusão social, o compromisso social, os programas para problemas complexos como AIDS e drogadição, a ineficiência de várias tentativas de abordá-los, dentre outros). Sendo assim, o presente artigo busca efetivar uma reflexão crítica, analisando brevemente o momento atual do tema na psicologia e apontando caminhos tanto no sentido de buscar referências para compreendê-la como constituinte do processo subjetivo, como no de indicar seu potencial para reformulações epistemológicas. Pretende-se também levantar algumas contribuições significativas nesse sentido que envolvem os problemas desse novo percurso.

 

Na Busca de uma Cosmovisão para as Emoções

A reflexão epistemológica presente no século XX, que abrangeu tanto os setores da ciência em geral (Bachelard, 1934/1985; 1938/1996;Morin, 1983; 1996; 1998; Santos, 1987; 1989) como a própria psicologia (Bateson, 1972/1998; Gonzalez Rey, 1997; Gergen, 1996; Mahoney, 1991) contribuíram sobre-maneira para uma compreensão distinta da subjetividade, particularmente quanto à sua participação na própria construção do conhecimento. Gonzalez Rey (1997), por exemplo, enfatiza a necessidade de compreendê-la não como uma oposição à objetividade,4 mas como processo da constituição psíquica do sujeito que se objetiviza, ganha um estatuto ontológico e implica em exigências epistemológicas profundas de abordagem5. Nesse sentido, inicia-se uma forma interessante para a compreensão do sujeito humano e de suas emoções que aponta para rumos epistemológicos significativos: abre-se um espaço para um estudo aberto e abrangente para a subjetividade em que ela se qualifique como momento fundamental da construção do saber e seja, ao mesmo tempo, reconhecida como um dos temas centrais das questões humanas6. No entanto, tal processo, mesmo que nascente, implica em uma reflexão epistemológica atenta sobre os pressupostos sobre os quais se baseiam as construções em psicologia.

Na atualidade, tal teor de reflexão tem ocorrido de modo relevante, tanto no sentido de denunciar as influências simplificadoras do paradigma dominante, como no de denunciar um problema epistemológico freqüente na psicologia – a importação de metáforas explicativas provenientes de outras ciências. A psicanálise pode servir como um exemplo interessante nesse sentido. Malgrado toda a contribuição freudiana, que remontava a uma cosmovisão de considerável complexidade, sua concepção do aparelho psíquico consistiu em uma compreensão materialista, de certa forma, ao atribuir ao mesmo propriedades físicas comuns à mecânica dos fluidos. Dentro disso, não se pode acatar a argumentação de que Freud tenha se utilizado simplesmente de uma metáfora explicativa para os fenômenos inconscientes, uma vez que tal processo implicou em uma cosmovisão substancialista da psique (conforme se verifica em noções como libido, relações de objeto, narcisismo) que lhe atribuiu propriedades materiais, não lhe permitindo outras formas de investigação que levassem a concepções mais condizentes com seu teor subjetivo. A própria noção de angústia (Freud, 1917/1976), potencialmente diversificada e rica para o estudo das emoções, é enquadrada dentro de uma concepção substancialista que a concebe como o acúmulo de energia recalcada. Não é sem motivos que a noção de causalidade psíquica é questionada por Sartre (1971) que aponta a incompatibilidade entre tal noção e a noção compreensiva7, ambas presentes na psicanálise.

A influência pós-moderna, principalmente a que tem caracterizado a terapia familiar, também contribui significativamente para tal processo de reflexão. Anderson e Goolishian (1988) denunciam acentuadamente o uso de metáforas que, sejam provenientes de outras ciências, sejam próprias das construções psicológicas, freqüentemente excluem dimensões centrais do humano. Segundo eles (Anderson e Goolishian, 1996), enquanto as escolas psicodinâmicas utilizam-se da metáfora do “self encapsulado” e as escolas sistêmicas e cognitivistas baseiam seus aportes no computador, a psicologia se mantém enraizada em um pensamento modernista, que implica em inúmeras limitações. Logo, enfatizando o self construído nos jogos lingüísticos das relações sociais, tais autores abrem espaço para considerações de grande relevância no tema da subjetividade como a pluralidade de narrativas (e soluções possíveis para os problemas) e a consideração do sujeito à partir de seu cenário relacional sem a utilização de uma teoria que imponha conceitos e noções à priori que freqüentemente fazem pouco sentido aos dramas e situações cotidianas vividos pelos mesmos. Em outras palavras, sustenta-se nessa tendência do movimento pós-moderno que a única metáfora condizente com os seres humanos é a da construção social e lingüística.

As contribuições pós-modernas são sobre-maneira relevantes, uma vez que permitem a inclusão de uma dimensão simbólica dos problemas humanos numa perspectiva muito mais coerente. Efetivamente, quem quer que observe o sofrimento ligado à perda de um ente querido, à um divórcio ou ao vício persistente de um filho drogadito poderá associá-los de modo mais condizente com os dramas sociais e culturais8 em que tais pessoas participam do que com o “funcionamento de um sistema em si” próprio de um conjunto de células ou máquinas que freqüentemente referem-se muito pouco aos processos subjetivos então envolvidos. Efetivamente, tal proposta implica em conseqüências importantes não só para a compreensão do problema, mas também para práticas como a psicoterapia em que as conseqüências epistemológicas costumam possuir impacto quase imediato (Gergen e Kaye, 1998).

No entanto, tal movimento apresenta limitações contundentes em diferentes sentidos. Primeiramente, o pressuposto de que o construcionismo seja ontologicamente mudo (Gergen, 1996), isto é, ele não se manifesta sobre a possibilidade de acesso ao real, implica na perda definitiva da investigação dos processos subjetivos. Toda e qualquer construção que se faça nesse sentido transforma-se em uma narrativa; não se refere, em hipótese alguma, a uma ontologia. Desse modo, fica comprometida qualquer tentativa de compreensão e pesquisa dos processos subjetivos, como as emoções, em suas formas de organização e articulação com os demais processos. Desconsidera-se mesmo o papel que possam representar no seio dessas organizações. Além disso, tais contribuições parecem implicar em um reducionismo marcante. Por um lado, o social se impõe sobre o sujeito, desconsiderando seu mundo interno na sua diversidade de processos que mantém certa ligação com o mundo social, mas que, ao mesmo tempo, apresentam certa autonomia quanto ao mesmo que garante uma qualificação singular da influência externa. Tal dimensão se reveste de importância no estudo das emoções, pois elas participam ativamente dessa auto-regulação (Gonzalez Rey, 1997; Mahoney, 1991) que o sujeito desenvolve em sua relação com o mundo. Por outro lado, a linguagem não deixa de ser apresentada de modo hipertrofiado, chegando a propor as emoções como uma construção lingüística e social (Hoffman, 1992; Gergen, 1996). Tal absorção dos processos emocionais na linguagem acompanha todo um conjunto de concepções em que o humano, com toda sua diversidade antropológica, social, psíquica, sociológica e biológica é concebido fundamentalmente em função da mesma.

Entretanto, dentro de uma perspectiva distinta, pode-se reconhecer um papel diverso para as emoções. Concebe-se que os processos emocionais próprios da subjetividade apresentam uma característica fundamental: permitem a constituição do humano, sobretudo pelos vínculos que são capazes de estabelecer. Dito de outro modo, além das funções próprias da organização interna do sujeito, as emoções permitem o acesso, dentro de um processo histórico, ao mundo social e cultural, participando de forma efetiva na construção dos sentidos que os componentes desses universos venham a obter. Sendo assim, não é apenas o cerco criado pela linguagem que permite a subjetivação e o acesso ao simbólico e ao cultural, mas trata-se de um envolvimento subjetivo9 mais complexo (em que as emoções adquirem papel essencial) que passa a permear o percurso de cada sujeito. Logo, uma criança que aprende a temer o lobisomem (ou qualquer outra criatura lendária) não o faz simplesmente em função da transmissão da linguagem, mas também devido aos sentidos que dita criatura assumiu em sua subjetividade. É numa perspectiva semelhante que Sartre (1971) se refere às emoções como uma “transformação do mundo” (p. 85) e, entendendo-se aqui por mundo, o apreendido pelo sujeito. Portanto, não seria equivocado afirmar que o acesso ao universo da cultura e da subjetividade social é uma questão de sentido, em que as emoções desempenham papel constitutivo10. Embora não atinjam a um detalhamento mais profundo, Greenberg, Rice e Elliot (1993) apontam para um papel semelhante das emoções ao colocarem-na como “ponto de encontro” do biológico, das relações macro e micro sociais, da cultura, da história, do sujeito, dentre outros.

Diante do exposto, pode-se acrescentar que a reflexão epistemológica que toma impulso nos últimos anos pôde conduzir a uma cosmovisão da subjetividade e das emoções apenas inicial, embora significativa. Um dos problemas que novamente se levanta nesse processo é que o tema da subjetividade deve constituir-se sempre em um cenário em que as metáforas provenientes de outras ciências11 apareçam apenas como fontes que forneçam instrumentos explicativos coerentes diante dos percalços que emergem da abordagem do real. Dito de outro modo, o aprendizado promovido por tais ciências não deve definir objetos de estudo, como a subjetividade que apresenta mais diferenças que semelhanças com ditos sistemas, mas apenas participar dessa construção em certos momentos. Do contrário, incorre-se mo mesmo equívoco já destacado da psicanálise. Além disso, deve-se destacar que a tarefa epistemológica deve estender-se de forma reflexiva sobre outras questões, sobre-tudo as de teor empírico para que promovam, sempre que necessário, um questionamento teórico, metodológico e epistemológico também12.

Outro caminho necessário para tanto é o pensamento complexo (Morin, 1996; 1998), principalmente na integração das diferentes dimensões humanas em que as emoções tomam parte. Os sujeitos apresentam, ao mesmo tempo, dimensões históricas e atuais, cognitivas e afetivas, sociais e individuais, construtivas e constitutivas, que mantém uma relação recursiva entre si, sem se esgotarem, mas que comumente aparecem subjugadas umas às outras nas escolas de psicologia. Torna-se então necessário um processo de integração de diferentes contribuições (como as pós-modernas, as fenomenológicas, as qualitativas, psicanalíticas, construtivistas, sistêmicas, dentre outras, que têm a contribuir sobre o tema da subjetividade) num conceito mais amplo13 que abarque semelhante complexidade dessa questão. Entretanto, não se pode deixar de considerar que o problema ainda está em aberto, principalmente no que diz respeito ao parâmetro para tais articulações (Neubern, 1999).

 

As Denúncias Epistemológicas Promovidas pelas Emoções

Dentro de uma perspectiva nova de pensamento, cogitar sobre as denúncias, quaisquer que fossem elas, promovidas pelas emoções poderia incorrer no mesmo absurdo concebido no paradigma dominante: o isolamento das emoções de seu contexto e processo histórico. Mais que isso, os leitores poderiam ser levados à uma noção empirista de que a realidade em si desses fenômenos seria capaz de denunciar algo. Tais equívocos implicam na necessidade de esclarecimento e explicitação de dois pontos epistemológicos importantes.

Primeiramente, o estudo das emoções remontam ao seio da subjetividade, aos processos complexos com que se integram e que constituem a vida de alguém que é necessariamente marcada pela sua ação social. Dito de forma mais simples, as emoções em si mesmas não podem denunciar nada, não são capazes de fala, não possuem uma identidade, nada sentem e não participam das atividades que cotidianamente ou ao longo da vida os sujeitos tomam parte: nascer, desenvolver-se, casar-se, torcer por um time de futebol, integrar uma família e as instituições de seu país, lamentar a perda de alguém, dentre outras. Logo, um dos primeiros pontos de denúncia epistemológica é o seguinte: as emoções devem ser estudadas como constituintes da vida de alguém numa perspectiva em que o cenário do próprio sujeito seja privilegiado. Em outras palavras, além de contextualizada no seio da subjetividade, deve-se buscar compreendê-la em função dos sentidos e papéis que possuem para tal sujeito sem a imposição de noções teóricas à priori14.

Outro ponto derivado deste consiste na necessidade de explicitação das próprias condições em que a investigação pode se dar, ressaltando-se seus pressupostos e noções que permearam tal processo. Gonzalez Rey (1997; 1999) além de explicitar seus parâmetros epistemológicos explica suas relações com noções fundamentais na pesquisa15 qualitativa como a interpretação, a comunicação, a qualidade do vínculo e os indicadores. Para este autor, o estudo das emoções se faz por meio de uma perspectiva de interpretação, principalmente devido ao caráter não linear que as emoções apresentam com as expressões (verbais ou não verbais) do sujeito. O pesquisador, ao longo do contato com o sujeito estudado, constrói um pensamento em que são integradas as informações relevantes para a continuidade desse processo.

Em segundo lugar, enquanto as noções acima citadas referem-se, de certa forma, à influência que o empírico deve possuir sobre a construção do pesquisador (no sentido de que o empírico opõe dificuldades e desorganizações sobre esse pensamento – o que deve ser produtivo para o mesmo) há ainda outras noções a serem destacadas como características das emoções. Tais características, que nada possuem de absoluto, não apenas levantam uma condição necessária para o seu estudo no sentido de fornecer-lhe uma base conceitual16 , mas referem-se também a outro ponto importante. Podem permitir a denúncia de formas tradicionais de conceber o problema, principalmente as utilizadas sob nova nomenclatura, mas em um modo antigo de pensar. Logo, pode-se, de acordo com Gonzalez Rey (1997), acrescentar que as emoções:

• São singulares e referem-se ao sujeito e, em seu processo, não guardam necessariamente alguma relação com conteúdos universais. Portanto, nem toda temática neurótica se liga a um conteúdo edipiano.

• Não são totalmente dominantes no sujeito, uma vez que a subjetividade, em contato com variados cenários sociais, apresenta múltiplas faces. Sendo assim, o problema da delinqüência de um jovem, não se dá em função de uma natureza perversa, mas devido à uma construção prolongada que geralmente abrange a múltiplos cenários que concorrem para tal problema (como a família, a escola, a comunidade, os valores sociais etc). Essa mesma diversidade pode implicar em alternativas significativas para a compreensão e abordagem do problema (Neubern, 1999).

• Nos sujeitos permitem a qualificação do mundo em que se inserem, ao mesmo tempo em que podem promover sua ação na modificação desse mundo social. Pelas vinculações que se estabelecem, podem compor sistemas emocionais. Não consistem, portanto, em propriedades exclusivas de um sujeito hermético, embora sejam fundamentais para compreendê-lo.

• Organizam-se em sistemas configuracionais que, com certa flexibilidade, integram outros processos subjetivos, conforme já mencionado. Elas não remontam a noções de uma estrutura inconsciente que precede os movimentos do consciente. Embora boa parte das configurações sejam inconscientes e influenciem a consciência do sujeito, elas também podem ser influenciadas pelas ações intencionais do mesmo que em geral participam intensamente dos processos de mudança. Não consistem, portanto, no “primer movers” que impulsiona os sujeitos em suas ações e pensamentos (Mahoney, 1991).

• São processos subjetivos e, desse modo, não são compreensíveis sob uma ótica substancialista. Tais conceitos, além de poder descaracterizá-las como subjetivas, incorrem no risco de reificá-las aproximando-as dos objetos materiais. Noções como estrutura e libido não são coerentes com a teorização das emoções.

• Não guardam relações isomórficas com quaisquer dimensões humanas, malgrado mantenha relações estreitas com as mesmas. Estas relações são irregulares e devem ser compreendidas de acordo com o cenário dos sujeitos e não por concepções externas e arbitrárias. Assim, se alguém afirma amar o outro a investigação conduzirá a um desenho mostrando que tal qualidade relacional pode possuir de modo singular múltiplas facetas, como insegurança e mágoa.

• Portanto, as informações provenientes de outras fontes sobre as emoções (como a biologia ou as construções narrativas) devem servir como indicadores para a interpretação desse processo, interpretação essa que se constitui como inacabada. Do contrário, as emoções seriam reduzidas à reações bioquímicas (como se dá nas escolas tradicionais do pensamento biológico e médico) ou às construções lingüísticas (como ocorre no construcionismo social).

• Sua organização configuracional e a não linearidade que estabelece com as expressões do sujeito não permitem sua mensuração no sentido psicométrico tradicional, marcadamente isomórfico.

• Demandam um processo reflexivo constante sobre o momento da pesquisa, para onde concorrem dimensões históricas e atuais (Neubern, 1999). Deve-se buscar sempre integrar na construção da pesquisa as condições em que se estabelecem os vínculos e a comunicação com os sujeitos estudados, uma vez que tais indicadores são fundamentais para a abordagem dos eventuais temas e problemas.

• Não são fixas e estáticas, mas processuais e podem, de forma irreversível, apresentar modificações significativas. De modo similar, não permitem uma abordagem finalista, no sentido de um ponto a ser atingido pela pesquisa ou trabalho terapêutico, mas implicam em uma continuidade, pois uma vez que certos sentidos venham a ser trabalhados, novas zonas de sentido se abrem para a investigação.

• Por implicarem numa vinculação como condição de pesquisa, não condizem com epistemologias que enfatizam um enfoque de neutralidade. Abrem espaço, sobretudo, para a subjetividade do pesquisador que também precisam ser qualificadas no processo de construção da pesquisa (Neubern, 1999).

Pelo conjunto complexo de dimensões que articulam, as emoções referem-se ainda ao próprio cenário científico, perpassado por jogos interativos que se dão numa atmosfera cultural. Referindo-se a tal tema, numa perspectiva construcionista, Gergen (1996) destaca os núcleos de inteligibilidade, enquanto Morin (1983; 1998) aponta para todo um universo complexo presente nessas comunidades, onde se inserem crenças e valores compartilhados, veladas, relações de simpatia e antipatia que são perpassados por variadas dimensões, como as culturais, sociais, econômicas, políticas e noológicas17. Tal reflexão, a que o próprio estudo das emoções incita, torna-se necessária para o mesmo pelo seguinte motivo: trata-se de uma condição importante para um saber aberto ser capaz de dialogar com o real, sem a tentativa de aprisioná-lo numa perspectiva doutrinária. Na perspectiva de um paradigma que busca romper com a tradição simplificadora, o estudo das condições em que o conhecimento surge é uma condição imprescindível que, uma vez não cumprida, pode implicar em fortes incoerências, repetindo posturas anteriores incompatíveis com a de um paradigma emergente e complexo.

Essa reflexão vai além de uma tarefa epistemológica, abrangendo suas conexões com o universo humano complexo em que surge. A própria epistemologia passa a depender de tal reflexão, sob a pena de incorrer gravemente nas patologias e falhas de que é passível (Koch, 1981; Morin, 1998). Ela remete a um ponto-chave de análise: as idéias não existem independentes dos homens, pois é em seu cotidiano (nas ruas, nos encontros corriqueiros, nas congregações científicas ou na simples leitura de um livro) que elas ganham vida. Entre o sujeito, os grupos, as comunidades e os sistemas de idéias mais amplos existem diferentes elos que recursivamente se alimentam e são decisivos para os destinos do homem e do saber. Logo, diante de todo o exposto, percebe-se novamente a importância das emoções nesse nível de reflexão. Elas participam ativamente do cenário em que surge o saber (mesmo aquele em que é tomada como objeto de estudo) qualificando idéias, mundos e relações e participando de decisões e atividades de reflexão. Enfim, ganhando vida também.

Contudo, não se pode pensar tal proposta de conhecimento, sem a cogitação das grandes batalhas em que podem implicar seus diferentes níveis. O cenário científico, humano por excelência, é constantemente permeado por influências de diversas ordens, como a econômica e a política. E, freqüentemente, as análises veiculadas sobre a atual situação do país e do mundo consistem em convites apelativos (que podem ser aceitos ou não) para uma postura pessimista. Porém, sustentando-se a crença de que o mundo também é construído pelos homens, prefere-se acatar o otimismo de Morin (1990) quando sustenta que o mundo e o próprio conhecimento humano ainda se encontram na sua pré-história.

 

Conclusão: Conhecimento e Compromisso Social – Uma Relação Possível?

A clássica divisão do paradigma ocidental, mencionada no início do texto, ainda se faz indiscutivelmente presente nos dias atuais, em que as diferentes instituições parecem em ressonância com seus ecos. O estudo das emoções, numa perspectiva como a aqui descrita, pode ser de grande valor para a consideração de tal tema, uma vez que procura privilegiar a subjetividade e os sujeitos como cenário, o que não tem se constituído como uma constante nas ciências em geral e na própria psicologia. Isso toca diretamente o debate sobre o compromisso social por questionar e refletir sobre a sua possibilidade, uma vez que o sujeito é marginalizado diante do saber e suas instituições, mesmo nas ciências humanas ou da saúde que buscam promover alguma forma de atendimento aos mesmos. Questiona-se, portanto, como é possível se comprometer com alguém que mal se conhece, e isso, ao menos em dois sentidos. Ainda não se dispõe de uma cosmovisão dominante18 do sujeito em sua subjetividade que permita conhecê-lo em sua complexidade, principalmente em suas demandas e sentidos.

Por outro lado, talvez sob a influência dessa falta, a própria realidade cotidiana dos sujeitos (sejam eles o público alvo de um programa, sejam seus profissionais) seja freqüentemente pouco conhecida ou desconsiderada em importantes momentos de seu processo. A discussão epistemológica torna-se uma necessidade ao invés de um capricho intelectual, pois a exclusão epistemológica do sujeito parece andar de braços dados com a exclusão social em diferentes níveis. Por tais razões, a proposta de um compromisso social corre o risco de fracassar devido à marcante contradição entre o esforço institucional sistemático para fazer uma proposta a uma comunidade (como serviços e campanhas) e as resistências sistemáticas dessas instituições quanto o acesso do sujeito às suas propostas.

Sendo assim, em vista do exposto neste trabalho, o estudo das emoções pode contribuir significativamente de diferentes modos, dos quais dois podem ser destacados. Primeiramente, no sentido de apontar condições para um saber aberto, consistente não por uma autoridade em si, mas devido à sua capacidade de dialogar com o real. Deve-se atentar principalmente para os riscos de considerar o conhecimento como uma entidade fixa, inatacável, estável e reificada, em que seus argumentos estão acima das contradições da realidade subjetiva, quando na verdade, ele se constitui de um modo muito distinto: evolui num processo suscetível às intempéries das sociedades, possuindo, segundo a afirmação de Morin (1996), um corpo biodegradável. Em seu vir-a-ser, ele pode mesmo degradar-se em processos que comumente acentuam a exclusão epistemológica do sujeito e contribuem muito pouco para reduzir os problemas de marginalização19. Pode dogmatizar-se na forma de uma doutrina (embora seja apresentada sob um discurso científico), pode ser arrebatado por um furor pragmático (onde o que possui valor é o que funciona ou cura) que desconsidera a importância de reflexões como as críticas epistemológicas20 , ou ainda padecer uma influência pop, em que as teorias, notadamente as da moda, passam a propor explicações acomodadas e mágicas que desconsideram as contradições do real e suas dificuldades cotidianas (Morin, 1996). Vêm muito nesse sentido, as críticas dirigidas à psicologia e suas instituições, como as de Santos (1989) que apontam para seu papel de acomodação social e as de Gergen e Kaye (1998) que questionam acentuadamente sobre suas possibilidades de explicação e abordagem dos problemas e dramas complexos do cotidiano.

Por outro lado, ao privilegiar a complexidade subjetiva, o estudo das emoções contribui para que sejam asseguradas as condições para que os sujeitos sejam o cenário, tal como já mencionado. Trata-se da abertura de uma via importante para se trabalhar a questão do acesso. Nesse sentido, não só os problemas epistemológicos, teóricos e metodológicos ligados aos motivos, configurações, sentidos e emoções ganham importância, mas principalmente passam a assumir papel central as condições e a qualidade em que os vínculos começam a se delinear. Entretanto, ao se refletir sobre os vínculos, deve-se considerar não só que demandas estão presentes nesses cenários, em seus sistemas configuracionais, mas sobre-tudo o tipo de oferecimento que é efetivado aos sujeitos, comunidades e mesmo sociedades, sem deixar de estar atento para o fato de que todo oferecimento consiste também em uma promessa.

Esse ponto traz uma consideração ética irrefutável. O tipo de tarefa que se impõe nesse terreno transcende à uma reflexão epistemológica e implica em um debate e intervenção sobre os próprios cenários sociais e políticos em que os pensamentos são gerados e tomam corpo da mesma forma que as decisões. Os quadros de um país como o Brasil, em suas contradições, com freqüência envolvem os profissionais, notadamente os que buscam se comprometer socialmente, em um misto de paixão e desânimo. A tarefa é uma tarefa de cidadania, profissionalismo e engajamento, no intuito de visar transformações. Contudo, vale uma última ressalva para encerrar o trabalho: cidadania e profissionalismo por mais rigorosos que sejam, e justamente por implicarem num engajamento e vínculo, não podem se constituir sem um mínimo de amor e entrega21.

 

Referências bibliográficas

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Endereço para correspondência
Maurício da Silva Neubern
SQS 411 bl C apt. 101
70277 – 030 Brasília – DF
E-mail: mneubern@solar.com.br

Recebido 16/03/00
Aprovado 22/09/00

 

 

* Doutorando em Psicologia Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Psicologia Clínica. Membro da Associação Centro-Oeste De Terapia Familiar (ACOTEF).
1 Como o movimento dos corpos, dos astros, as propriedades da matéria e as reações químicas.
2 Termos tomados de Morin (1996; 1998). Disjunção e redução implicam nas principais operações do paradigma simplificador.
3 Mahoney (1991) também não deixa de destacar que todos os avanços científicos e mesmo epistemológicos têm contribuído para modificações importantes nesse sentido. No entanto, tais tendências ainda parecem ser dominantes ou ao menos muito arraigadas na psicologia.
4 Conforme se dava no paradigma tradicional. Os aportes recentes têm procurado buscar justamente um questionamento sobre as grandes separações do paradigma ocidental como a que ocorre entre subjetividade e objetividade
5 Segundo este autor, deve-se buscar conceber a relação entre o conhecimento e a realidade (a subjetividade como algo real) numa perspectiva dialética em que sujeito e objeto estão interligados, mas ao mesmo tempo possuem relativa autonomia entre si. Isso difere do pensamento tradicional em que a relação com o real se dá quase sempre considerando a dissociação sujeito-objeto e implica num conhecimento isomórfico do real (isto é, uma relação linear e direta).
6 Embora não se possa afirmar que a ciência seja sempre a maior alavanca de transformação social, uma reflexão desse tipo pode vir a ser interessante nesse sentido, pois a ciência nasce no meio social com o qual interage constantemente. A abordagem das questões complexas da atualidade numa perspectiva de reconhecimento do sujeito e compromisso com o mesmo, poderia resultar em conseqüências de relevo para a sociedade.
7 Essa noção compreensiva, estaria mais ligada a uma concepção do singular e histórico do indivíduo.
8 É nesse sentido que Gergen (1996) aponta a influência da crítica literária sobre o construcionismo social, um movimento marcadamente pós-moderno. Os problemas humanos parecem, nesse sentido, ser mais condizentes com noções como drama, comédia e novela de que com o funcionamento de uma rede de informática.
9 As emoções não se encontram isoladas nesse processo, pois sempre se integram a configurações mais amplas em que também se articulam elementos lingüísticos, cognitivos, motivacionais, dentre outros. A fala de alguém, portanto, está ligada a processos emocionais, embora nem sempre estes se encontrem ligados a um processo de linguagem. Mesmo nesses casos, as emoções, de certo modo, não deixam de significar algo, pois apontam para processos subjetivos de alguém.
10 O termo sentido é tomado de Gonzalez Rey (1997) e implica em uma organização configuracional composta por elementos cognitivos, emocionais, motivacionais etc. Trata-se de uma organização em geral inconsciente que apresenta uma qualidade emocional dominante, sem deixar de integrar emoções contraditórias. Logo, o sentido que um pai tenha para um filho pode ser de amor e compreender também emoções como a raiva e a revolta. Os sentidos não devem ser confundidos com significados, que para tal autor remontam aos significados lingüísticos.
11 Boa parte das explicações que alimentam o pensamento complexo tão necessário para essa tarefa provêm de outras ciências como a física, a química e a biologia.
12 Os elos entre epistemologia, teoria e método devem ser recursivos e permitir um questionamento mútuo.
13 Gonzalez Rey (1997) usa a subjetividade como um macroconceito que integra as dimensões recursivas citadas. Ele se aproxima, portanto, da proposta de Morin (1996) ao ressaltar uma articulação entre noções classicamente opostas como ser e existência.
14 Por exemplo, nem sempre a manifestação de ódio contra um terapeuta deriva de um fenômeno transferencial ligado ao passado remoto do sujeito e suas relações com os pais. Isso pode ocorrer em função de problemas atuais dessa relação com sentidos muito específicos da mesma.
15 Dentro dessa perspectiva não existe a dicotomia entre clínica e pesquisa ou entre teoria e aplicação. A atividade de campo implica em uma geração de pensamento que deve ser qualificada dentro de uma teoria, o que pode conduzir a novas reflexões sobre o campo ou os pressupostos teóricos. Tal processo consiste em pesquisa.
16 Isso porque todo estudo parte de algum pressuposto de pensamento. Mesmo a descrição mais rigorosa parte de algum fundamento conceitual e epistemológico.
17 Para este autor, noosfera refere-se a um mundo das idéias (seres bio-antropomórficos, doutrinas, sistemas de idéias, mitos) que são criados pelo homem, dependem dele para existir, mas possuem certa autonomia quanto ao mesmo, podendo até se impor sobre ele.
18 Logicamente, existem propostas nesse sentido, conforme o próprio texto destacou. No entanto, são ainda iniciais e ainda não chegaram a se impor, não como conceitos, mas como nova forma de pensar e intervir sobre os problemas e temáticas humanas.
19 O próprio termo exclusão social deve ser criticado, caso se considere que nenhum grupo social está excluído da sociedade, mas incluído nela de forma marginal ou mesmo perversa.
20 Para se pensar o compromisso social deve-se conceber um debate integrado à ações, onde o debate gerador de idéias e reflexões de diferentes níveis mantenha um elo recorrente com as ações, seus percalços, contradições e dificuldades. A formação simplificadora presente em grande parte das instituições e profissionais dificulta essa integração, o que implica em um risco grave de permanecer em extremos intelectualistas ou assistencialistas que pouco podem fazer pelas problemáticas sociais.
21 Termos como ética, profissionalismo e cidadania, com freqüência são utilizados destituídos de seu próprio teor subjetivo que deveria se constituir em sua principal base. Amor e entrega se aproximam de um espírito missionário não no sentido institucionalizado da religião, mas de um conjunto de exigências profundas que se impõem ao sujeito que reflete e participa ativamente de seu meio social, e isso, não apenas quanto aos profissionais envolvidos, mas também quanto aos próprios sujeitos e comunidades atendidos, pois não se pode pensar em um trabalho desse tipo, sem o engajamento e a participação ativa dos mesmos.