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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.21 n.3 Brasília set. 2001

 

ARTIGOS

 

Considerações sobre elaboração de currículos para formação de psicólogos: a partir de uma perspectiva didática

 

 

Carlos Alberto Dias*

Universidade Vale do Rio Doce - MG

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho realizado através de pesquisa bibliográfica, tem como objetivo chamar a atenção dos profissionais envolvidos na elaboração de currículos dos cursos de Psicologia, para a necessidade de se atuar segundo uma metodologia científica.Da forma atual, resultados desastrosos são percebidos na atuação dos estudantes durante estágio curricular em clínica; tendem a desqualificar o discurso dos pacientes, quando as suas experiências se situam além das teorias estudadas, sobretudo, tratando-se de conteúdos ligados à sexualidade.O autor propõe que os responsáveis pelos currículos comprometam-se, eticamente, com o futuro dos estudantes, partindo da realidade sócio-cultural na qual os mesmos atuarão.

Palavras-chave: Realidade sócio-cultural, Sexualidade, Formação profissional, Processo psicoterápico.


ABSTRACT

The present work was accomplished through bibliographical research and has the purpose to warn all the professionals involved in the elaboration of the psychology course curricula to the need of acting according to a scientific methodology. The way it is conducted, the curricula cause disastrous results in the students’ performances during apprenticeship curricular in clinic. They tend to disqualify the patients’ speech, when their experiences are put beyond the theories studied, specially on the contents concerning sexuality. The author proposes that those in charge of the curricula commit themselves ethically to the students’ future, taking as a base the social and cultural reality on which these individuals will act.

Keywords: Socialcultural reality sexuality, Professional formation, Psycotherapic process.


 

 

Diversos autores têm colocado em questão a competência do psicólogo para atuar de maneira mais eficaz junto a pacientes que apresentam queixas de distúrbios da conduta sexual. De fato, tal percepção não diz respeito à competência profissional, mas à preparação do psicólogo durante os cinco anos de sua formação. A questão principal que poderíamos propor seria: estariam os cursos de formação de psicólogos, devidamente preparados para fornecerem à sua clientela os conhecimentos básicos necessários ao exercício profissional? Podemos, ainda, formular a questão de outra maneira: sendo a população brasileira em geral inadequadamente educada para lidar com questões que dizem respeito à sexualidade, estariam os sujeitos provenientes desta realidade socio-cultural recebendo ao longo do curso de formação de psicólogos uma educação sexual que trabalhe na eliminação de estereótipos, proporcionando um melhor conhecimento desse fenômeno, para então intervir, ao nível da prática clínica, junto a pacientes que apresentem queixas neste campo?

Asseguramos que, em sua grande maioria, os indivíduos concluem sua formação profissional com tantos estereótipos relativos à prática sexual, quanto quando a iniciaram. Não atribuímos a responsabilidade dessa situação aos centros de formação propriamente dito, muito menos aos sujeitos em formação profissional; entendemos que isso se dá em função de um erro estratégico no nível didático.

Por muito tempo, a didática foi percebida como uma disciplina responsável por ensinar técnicas de manejo e controle de estudantes, bem como por fornecer « fórmulas » de se ministrar eficientemente os diversos conteúdos contidos nos programas de ensino. A visão de que a didática se constitui num processo de análise da realidade, a partir da qual se constrói uma metodologia de ação capaz de produzir nela mudanças significativas, para muitos não é ainda considerada. A maneira pela qual diversos cursos em nível de terceiro grau têm sido estruturados, nos dá uma mostra dessa postura equivocada.

Especificamente, os cursos de formação de psicólogos têm por muito tempo formado profissionais que pouco se mostram preparados para atuar eficazmente nas diversas oportunidades que o mercado de trabalho tem proporcionado. É possível perceber que muitas das grades curriculares se organizam como uma colcha de retalhos, revelando muito mais os diversos níveis de força política que gozam os profissionais que compõem o corpo docente, que uma política institucional preocupada com o ambiente socio-cultural em que está inserida. Nesse contexto, cada profissional, a partir de sua experiência ou interesse, diz que disciplinas são importantes ou que poderiam tornar o currículo pleno especialmente interessante. Isso se agrava quando essa tarefa torna-se responsabilidade de um pequeno grupo de docentes, pois, dessa forma, a tendência é a criação de um programa voltado mais para a defesa de posições teóricas assumidas, que por uma preocupação com os futuros pacientes dos indivíduos que serão formados pela instituição. Aqui o curso de certa maneira é para o «gozo» e interesse de poucos, colocando em ação um processo de formação de profissionais com uma visão profissional extremamente limitada.

 

O Que Existe como Consenso

Tendo sido regulamentada a profissão de psicólogo no Brasil em 1962, foi a partir de 1975, que a questão da formação profissional passou a ocupar um espaço significativo no universo de preocupação entre os profissionais que atuam como agentes formadores. Witter e colaboradores (1992) registraram mais de cem trabalhos dedicados à formação do psicólogo e à atividade profissional de um modo geral. Apesar disso, observa-se que os avanços nesse campo são reduzidos, pois existem inúmeras questões ainda sem respostas. Para Duran (1994), a literatura apresenta pontos de estrangulamento devido a oposições como: «a) entre filosofias que informariam o currículo de psicologia (como o dilema entre formar psicólogos generalistas ou especialistas); b) entre modos de estruturação curricular (como o dilema entre um currículo rígido e um currículo flexível); c) entre ênfases diferentes (como a configuração de cursos eminentemente teóricos ou eminentemente práticos)...».

É ponto pacífico entre vários estudiosos nesse campo que o currículo, entre tantos outros elementos, não deve perder de vista o compromisso ético de ter como meta atender as demandas da porção majoritária da população brasileira. Em outras palavras, um currículo deve priorizar conteúdos que possibilitem ao futuro profissional responder as expectativas dos cidadãos, estando o psicólogo apto a lidar com as questões que afetam a sociedade como um todo.

Bock (1997) sistematiza dez elementos que devem fazer parte da formação de psicólogo.

Dentre elas consideramos duas como fundamentais, visto que, de certa maneira, sintetizam todas as outras: « 8. É preciso uma formação generalista, com um pequeno grau de especialização apenas no último ano. Os estudantes de psicologia devem compreender que o aprendizado da Psicologia implica o conhecimento de todas as suas possibilidades e contribuições. Devem ser formados para serem psicólogos capazes de utilizar o conhecimento específico da Psicologia para intervenções que se fizerem necessárias. 10. É preciso uma formação de um profissional comprometido com o seu tempo e sua sociedade, que trabalhe na promoção de saúde desta comunidade. Um profissional que discuta seu compromisso com a sociedade, um profissional que retire deste debate a finalidade social de seu trabalho; um profissional cidadão».

 

A História de uma Prática Pedagógica

Pensar em psicologia, significa necessariamente lançar um olhar para o universo da saúde mental o qual pressupõe um saber não só do campo das ciências humanas, como também das ciências médicas. Buscando firmar-se como ciência, os primeiros psicólogos se viram comprometidos com o modelo positivista, trabalhando a princípio como fornecedores de um saber que complementava o saber médico. Dessa forma, a Psicopatologia, como uma ciência independente que busca estabelecer um padrão de comportamento normal e patológico, se tornou referência para a psicologia tanto quanto para a medicina e psiquiatria. Os sedutores escritos de Freud, que por ser uma descrição mais apaixonada a respeito da conduta humana, descrição essa que se assemelha ao modo como nós, quando crianças, retratávamos o mundo ao nosso redor, tornou-se um roteiro a ser utilizado pelo profissional. Muitos se referiam a ele como um caminho seguro para o alcance do prazer e redução do sofrimento psíquico daqueles que se posicionavam como pacientes.

As pressões políticas, religiosas e familiares, sofridas pelos jovens brasileiros nas décadas de 60 e 70, reforçavam a idéia de que o inconsciente e seus mecanismos de repressão das forças primárias, orientadas pelo princípio do prazer, mais que uma literatura, eram uma verdade inconteste. A psicanálise se torna então a possibilidade de compreensão desse fenômeno, a partir do qual a realidade poderia ser transformada de uma maneira científica. Nossos jovens pesquisadores do comportamento humano buscavam neste período suas inspirações nas grandes mudanças sociais vivenciadas na Europa.

De outra parte, a influência política e econômica norte-americana, nos levou a ver como uma possível alternativa de fuga de um pensamento extremamente determinista, as teorias humanistas difundidas pelas faculdades católicas e behaviorismo, alvo de interesse por universidades voltadas eminentemente para uma postura cientificista. Isso tornou possível uma reflexão sobre a estruturação da pessoa a partir da realidade social, bem como buscou desenvolver formas alternativas para fugirmos a esse controle, tornando-nos capazes de assumirmos as rédeas de nossa própria história. O behaviorismo nos possibilitou, a princípio, uma análise histórica da ação social de forma semelhante à perspectiva marxista, sem implicações políticas dos profissionais o que seria embaraçoso, devido às perseguições políticas comuns durante aquele período.

Está claro que falar de mudanças, de liberdade, era a princípio um tema excessivamente comprometido com os aspectos políticos, mesmo que ocorresse no seio de um pequeno grupo sem qualquer representatividade diante de um contexto macro-cultural. Portanto, embora não adequado a uma ciência que no país se encontrava ainda em implantação, se fazia necessário uma adaptação das grades curriculares dos cursos de psicologia ao contexto para que não fosse abortado, ao contrário, pudessem se desenvolver de forma livre e autônoma. Uma vez que o investimento afetivo no desejo de liberdade não poderia exceder os limites da individualidade, foi necessário uma mudança estratégica: o alvo que antes era a realidade que circunscrevia o indivíduo, foi mudado para a realidade que se situava dentro de cada indivíduo. Era preciso pensar em uma liberdade no nível do imaginário, tornando possível a satisfação dos impulsos de cada indivíduo sem com isso o expor aos riscos próprios que seu desejo lhe proporcionava.

 

O Psicólogo Hoje se Insere no Mundo Real?

Assim, inúmeros cursos de psicologia no Brasil se constituíram sobre bases psicanalíticas em que a atenção do psicólogo se volta aprioristicamente para os aspectos intrapsíquicos dos pacientes. O centro de atenção, fundamentalmente, é o primeiro ano de vida do paciente, por se acreditar que o sofrimento psíquico é provocado por fatores estruturais da personalidade. A relação que o indivíduo estabelece com seu meio, além da primeira infância, serve apenas para confirmar o que foi anteriormente estabelecido. Os interesses do adulto não são, sob essa perspectiva, oriundos da relação que mantém com outros indivíduos adultos, mas um reflexo de impulsos recalcados no período da infância que se encontra alojado no inconsciente. Assim, grande número de psicólogos busca compreender uma parte do sujeito como se essa parte fosse o todo e, tendo como referência tais profissionais, os estudantes de psicologia se tornam herdeiros dessa concepção e modo de ação profissional.

A forte influência da Psicanálise produziu inúmeros psicólogos que, em sua prática clínica, buscam apreender os inúmeros elementos geradores de sofrimento psíquico de seus pacientes, desqualificando as complexas relações que eles mantêm com seu contexto sócio-cultural. Uma liberdade buscada a partir da análise do puro subjetivismo, não levando em conta o fato de que somos seres humanos em função não só de nossas experiências infantis, mas também do processo histórico do qual fazemos parte, não ultrapassará os limites da fantasia. Por assumir tal posição diante de uma prática que considero alienante, compartilhamos com Bonet (1998) suas reflexões, em especial quando diz que « este processo ilusório de alcance de uma subjetividade livre nos leva a negligenciar nossos sentidos, razão e sentimentos na relação diária com os poderes que nos cercam e, portanto, a relação com a verdade desaparece, desaparecendo com ela a nossa capacidade de construir uma subjetividade pautada no que nos é possível construir, dada a correlação entre as forças que nos são inerentes e as que nos rodeiam. Somos, a cada minuto, tomados pelo pânico da exclusão, o castigo conhecido desde o núcleo familiar para aqueles que assumem um comportamento diferente. É o quarto escuro na infância em casa, é a exclusão da sala de aula ou até mesmo a expulsão da escola na adolescência; é a prisão ou o manicômio na idade adulta, é a excomunhão, sem falar na exclusão econômica que isola pela fome. Infelizes daqueles que embarcam no navio fantasma em busca de um paraíso. Não constroem mecanismos de defesa ou pelo menos o suficiente, para lidar, cotidianamente, com esses micro poderes que, se não os vencemos ou neutralizamos, nos comem».

Se na prática clínica, o psicólogo conduz o paciente ao questionamento acerca de seu sofrimento, desvinculando-o do fenômeno socio-cultural que o rodeia, não estaria este sendo excluído da realidade ao nível da percepção, e portanto impossibilitado de se situar em relação ao outro de forma a construir um mecanismo que torne possível o alcance da liberdade tanto sonhada? Como pode nosso paciente alcançar a liberdade, quando excluímos a realidade que o envolve dia-a-dia do seu mundo de conhecimento, fazendo-o acreditar que o impacto desta não é significativo sobre o seu existir?

O homem, além de uma história que o antecede, possui também no presente um projeto que tende a se constituir numa história que o sucede. As inúmeras experiências que fazem parte do nosso existir não se cristalizam necessariamente em um padrão de comportamento a ser reproduzido, mas em referenciais que sinalizam nosso caminhar, bem como as inúmeras relações que manteremos com o outro e com nossa própria pessoa. Acostumados a um longo período de repressão política e principalmente a séculos de repressão religiosa, no que tange aos nossos desejos mais naturais considerados anti-sociais, torna-se difícil aceitar uma perspectiva que nos faça responsáveis por nossa própria ação. Afinal, por muito tempo tínhamos que acreditar ou que somos o resultado de experiências não resolvidas de nossa infância, ou o resultado das múltiplas contingências criadas pelo meio a fim de que nos tornemos em sujeitos programados. O sujeito que se coloca diante de nós como paciente, necessariamente não se enquadra em nenhuma de nossas teorias. Isto nos obriga a nos lançamos numa busca atroz de cursos de especialização na tentativa de compreender, teoricamente, este sujeito concreto que é testemunha de nossa incompetência por não sermos capazes de o enxergarmos tal como é.

O que é o paciente? quem é o paciente? Qual seu verdadeiro desejo? É algo que nos assombra. Não acreditamos no que ele diz, pois em nossa prática clínica observou-se que grande parte dos pacientes desconhecem seus verdadeiros desejos ou ao perceber os transtornos que esses lhes poderiam provocar, distorcem sua própria realidade e passam a almejar aquilo que não gostariam de vivenciar. Buscamos então ouvir o discurso não pronunciado do outro, que acreditamos estar escondido por detrás de cada palavra que nos é dirigida. O nosso descrédito sobre o real que o outro nos apresenta, nos impulsiona a perceber o discurso do paciente como um emaranhado de símbolos. De alguma forma, agimos segundo aquele ditado que diz: «de mil palavras que pronuncias, desconfio de mil e uma ». Se essa prática se mostrou eficaz em muitos dos casos, não podemos afirmar que seja ideal para todos os outros. Que poder temos nós de duvidar do existir que ao outro pertence? O lugar que ocupamos não nos garante onisciência. Tal como nossos pacientes, somos também, além de profissionais, seres que buscamos compreender a nós mesmos. Como eles, sofremos também os impactos da exclusão acerca do conhecimento que deveríamos ter de nós mesmos.

O paciente não necessariamente vive um discurso ao inverso. É preciso trabalharmos com a hipótese de que ele também pode ter consciência de seu problema e de seu desejo, porém, busca em nós pistas que o levará simplesmente a visualizar os inúmeros fatores que se interpõem entre ele e seus objetivos. Todos estamos sujeitos a nos deixar levar por um sentimento de extrema ousadia, a partir do que poderemos trair nosso propósito como profissionais: diante do discurso do outro, nos fechamos no interior de nós mesmos e ao falar para nosso paciente, não fazemos alusão alguma a seu próprio discurso, mas ao discurso estandardizado e estereotipado que se situa no interior de nós mesmos.

 

Um Discurso Existente no Interior do Psicólogo Que Põe em Risco o Discurso do Paciente.

Inegável o fato de que não buscamos exercer uma profissão simplesmente a partir de um «chamamento divino», ou seja, de uma vocação, mas de inúmeras situações significativas que se interpõem em nosso processo de desenvolvimento. Evidentemente, para cada profissão existem razões mais características que motivam o sujeito a nela se engajar. Em nossa experiência profissional observamos que as questões que fazem parte do mundo de preocupação dos estudantes dos primeiro e segundo anos de psicologia podem ser agrupadas segundo os seguintes temas:

• conflitos vividos junto à família parental,
• conflitos relativos à vida matrimonial,
• dificuldades de auto-aceitação e busca de alternativas de mudanças,
• busca de um conhecimento para redução do sofrimento psíquico alheio,
• desejos de exercer uma profissão liberal e obter sucesso financeiro,
• conflitos relativos à prática da vida sexual,
• conflitos relativos à própria identidade sexual.

Não estamos aqui preocupados em estabelecer uma hierarquia rigorosa entre os diversos grupos de preocupações, mas interessados em mostrar que, de alguma maneira, os sujeitos que procuram a profissão de psicólogo apresentam a priori uma problemática que precisa ser trabalhada ao longo de seu processo de formação. Alguém poderia nos perguntar o porquê dessa necessidade. Se o psicólogo se propõe a trabalhar com indivíduos portadores de sofrimento psíquico ajudando-os a superarem as barreiras que os impedem de serem felizes, se faz necessário que o profissional tenha superado também várias de suas dificuldades, principalmente aquelas que poderão se constituir em tema de análise trazido por seus pacientes. Essa superação a ser realizada pelo profissional em formação se faz de duas maneiras: pelo próprio estudo dos problemas humanos em si, ao longo do curso de formação e pelo processo psicoterápico ou de análise a que o estudante deve, por recomendação, se submeter. Porém, é fundamental perguntarmos sobre o que será estudado e o que será trabalhado em psicoterapia e/ou processo analítico. Para respondê-las poder-se-ia observar o fato que se segue:

Atualmente, a Região Sudeste conta com sessenta (60) centros de formação de psicólogos. Através da análise do « currículo pleno » adotado em vinte deles foi possível observar a existência de um número de disciplinas que privilegiam, em primeiro lugar, a visão psicanalítica, em segundo, a visão humanista e, em terceiro, a comportamentalista. É marcante a focalização no estudo do indivíduo enquanto um ser isolado de seu contexto socio-cultural, uma vez que o número de disciplinas que tratariam deste enfoque é inexpressivo. Porém, em apenas um dos currículos pesquisados está presente o estudo da sexualidade humana sob uma perspectiva extrapsíquica, com ênfase nos aspectos relacionais e socio-culturais que influem na prática sexual dos parceiros envolvidos. Essa constatação nos leva à compreensão de que, para a maioria esmagadora das equipes responsáveis pela formação dos psicólogos, a questão do estudo da sexualidade sob o ponto de vista extrapsíquico não se configura importante. Dessa forma, não seriam também considerados os problemas vividos no nível da sexualidade pelos indivíduos em processo de formação. Sob essa perspectiva, parece-nos inevitável que as questões-tabus ou que se configuram como «fantasmas» assombrando a vida psíquica do calouro, tendem a continuar, sob certa medida, a assombrá-lo no início de sua vida profissional. Exemplo disso, veremos adiante.

Atualmente, observa-se uma preocupação crescente com questões que envolvem a manifestação sexual, principalmente, entre os jovens e a quebra de valores morais e o aumento do índice de doenças sexualmente transmissíveis.

A sociedade brasileira tem vivido uma situação de extrema fragilidade no que tange os valores e orientações que giram em torno da sexualidade humana: os “bailes-funk”, onde se praticam o ato sexual em pleno salão sem nenhuma forma de proteção; as orientações governamentais sobre a preservação da saúde mediante o uso de camisinhas durante as relações sexuais; e as posições contraditórias da Igreja Católica no tocante à vida sexual dos indivíduos, nos revelam a existência de uma crise sem precedentes. A falta de referência e de valores embasados na realidade sócio-cultural têm produzido um caos nas relações entre os sexos. A questão da sexualidade, bem como de sua prática, é na sociedade brasileira um fenômeno que precisa ocupar um lugar privilegiado nas discussões acadêmicas, passando pelas preocupações e construção de projetos na área da saúde pública, até à elaboração de planos de governo de cunho eminentemente político.

Pode-se dizer que as questões em torno da sexualidade do sujeito brasileiro, bem como de sua prática, não se constituem em um tema importante, mas num ponto de partida para que outros possam vir a ser abordados, tais como as relações familiares, a educação de crianças, jovens e adultos e mesmo o repensar das relações de gênero. Além de observarmos facilmente essa situação de efervescência dentro de um macro contexto de forma mais restrita, constatamos uma elevação significativa no número de pacientes que nos procuram em função de problemas de ordem sexual. Por isso, perguntamo-nos: Se nos consultórios aumenta, diariamente, o número de pacientes que têm como demanda a solução de problemas sexuais que geram o sofrimento psíquico, como pode o psicólogo - profissional indicado para atuar na solução de tais problemas - não estudar, de forma exaustiva, tais questões durante sua formação profissional?

É incompreensível que um «currículo pleno» abra espaço para uma clínica referente à terapia de casal sem que a questão da prática sexual tenha sido cuidadosamente estudada. Essa questão é, como nos mostra Foucault (1976), um fenômeno que se encontra na base das grandes instituições sociais, uma vez que procuram exercer o controle sobre os cidadãos mediante a administração sistemática de sua sexualidade. Isso faz com que a grande maioria das demandas levadas ao consultório do psicólogo tenha como base uma insatisfação relativa à prática sexual, quer por parte do próprio sujeito, quer por parte de um relacionamento conduzido de maneira inadequada.

Não podemos desconsiderar o fato de que na sociedade brasileira a questão do prazer e do desempenho é um fator que assegura ao sujeito a manutenção de sua identidade sexual. Porém, esse mesmo sujeito, que deseja se auto-afirmar e se consolidar socialmente enquanto homem ou mulher, vive um intrincado dilema que lhe é trazido por uma visão religiosa onde tudo o que é mundano e carnal se configura como pecado. Somos uma sociedade mítica, onde o desejo e a fé estão em constante disputa e isso ultrapassa o mero controle do sujeito enquanto indivíduo desejante.

Ora, essa problemática presente em nossos clientes é, em grande medida, um eco persistente interferindo no discurso do psicólogo que não superou ainda as barreiras que o impedem de definir-se adequadamente quanto à sua postura diante dos impulsos naturais de que é feito e quanto às exigências socio-culturais que lhe são impostas. Precisamos instrumentalizar as novas gerações de psicólogos com recursos que os tornem aptos a fazer face aos desafios da modernidade. Precisamos pensar em uma formação dialética onde nossa teoria e nossa prática seja constantemente reavaliada e reformulada, como um eco de uma realidade que se coloca diante de nós e nos desafia a repensar nosso saber e nossa forma de intervenção nessa realidade.

 

Nossa Responsabilidade como Agentes Formadores

Que prática nós profissionais-educadores estamos passando para aqueles que se encontram em processo de formação como psicólogos? Se o sofrimento do paciente tem suas fontes em suas experiências, em sua realidade, não seria necessário conhecê-la tal como é para assim compreendermos melhor tudo o que se passa com esse sujeito? Não deveríamos estar ajudando nossos alunos a terem como primeiro objetivo o de mergulhar nessa realidade para então emergir com o paciente facilitando-lhe o caminho de forma a chegar a um momento onde possa viver seu desejo de ser feliz?

Em minha atuação como supervisor de estágio em Clínica Psicoterápica é visível a dificuldade que os alunos apresentam em ouvir seus pacientes, sem que priorizem os conceitos teóricos aprendidos ao longo dos quatro anos iniciais de curso. De fato, o que deveria servir de referência para a compreensão de uma série de lacunas observadas no discurso dos pacientes se torna uma camisa-de-força, dificultando que o estudante (imagino que também a diversos psicólogos nos anos iniciais de experiência profissional) busque a compreensão do problema do outro a partir da perspectiva deste. Ocorre, dessa maneira, que, mesmo a queixa principal do paciente, não é adequadamente compreendida.

A experiência recente vivida por uma estagiária em Clínica I do último ano de psicologia, E.C.S.M., reforça a necessidade de nos perguntarmos sobre que bases devem se pautar nossa atuação, a partir do momento em que atuamos como agentes formadores de profissionais que irão lidar com o sofrimento humano. Sua paciente trouxe, na primeira entrevista, uma série de queixas a respeito de sua vida matrimonial. Parecia-lhe impossível realizar-se como pessoa, de maneira ao menos satisfatória, caso sua vida não passasse por mudanças significativas. Relatou que seu casamento ocorreu devido seu desejo de sair de casa e de poder usufruir com maior liberdade do relacionamento sexual, o que era vivido desde o namoro. Relata a paciente: «as relações me eram agradáveis, apesar de rápidas. Sempre ocorriam na casa de meus pais». Segundo a paciente, era um relacionamento de poucas palavras e, depois de casados, o medo de desagradá-lo era tão forte que se tornou incapaz de proceder a qualquer reivindicação, pois temia que ele a abandonasse. «Não sei se tinha orgasmo. Normalmente não conseguia acompanhar meu marido e com isso ele obtinha seu prazer quando eu estava ainda me excitando ». Relatou ainda que tudo estava «muito bem» até que, durante o resguardo de seu primeiro filho, o marido, por volta do décimo-quarto dia, depois de ter insistido por toda a semana, não aceitou sua recusa em ter relação sexual.

«...foi doloroso, sentia que estava sendo violentada. A partir desse dia, não consegui mais sentir nenhum prazer. Hoje me sinto insatisfeita sexualmente, porém não me arrisco em dizer isso para meu marido. Tenho medo de que ele arranje outra, penso que sou fria». A paciente não se arrisca em dizer ao marido de sua falta de prazer durante o ato sexual. Ocorre-lhe que seu parceiro poderá entender que ela é fria sexualmente e com isso venha a desejar outra mulher. Teme perdê-lo e, dessa forma, sujeita-se ao desejo dele, transformando cada momento de intimidade em uma peça teatral, onde ela vive o papel da mulher sexualmente feliz.

A estagiária interrompeu a fala da paciente, pedindo que falasse um pouco sobre o relacionamento com seus pais. Houve uma série de considerações importantes, porém, a questão em torno da atividade sexual da paciente, foi deixada de lado. Quando digo deixada de lado, não me refiro apenas durante o restante da sessão, mas também não se tornou parte integrante das hipóteses diagnósticas feitas pela estagiária. Ao relatar a sessão, a questão da vida sexual de sua cliente não lhe chamou a atenção, acreditando tratar-se de algo «... pouco relevante, pois imaginei que as queixas em torno do ato sexual eram apenas sintomas. ».

Está claro que a estagiária não pode ser responsabilizada por esse momento de imperícia. Isso nos deve chamar a atenção sobre nós professores e supervisores que orientamos nossos estudantes quanto àquilo que deve ou não ser considerado relevante. Seguramente não foi oportunizado a essa estudante, como a inúmeros outros, uma percepção da realidade de uma forma globalizada. Foi-lhe ensinado apenas que era para buscar sempre, « algo » que se esconde por detrás do discurso proferido pelo paciente.

O relato da estagiária E.C.O.N., também do último ano de psicologia, é ainda mais elucidativo: «Na sessão anterior, havíamos começado a trabalhar a questão relativa a suas dificuldades de liderança. Esperava que iríamos então dar continuidade ao tema. Logo ao se assentar, disse-me o paciente, que gostaria de falar sobre sua vida afetiva. À medida em que fazia o relato, senti-me a princípio, perdida por não saber como conduzir de forma adequada à discussão. O conteúdo de seu discurso me assustava e ao mesmo tempo me fez criar raiva do paciente, levando-me inicialmente como que a um estado de choque. Seu comportamento em relação às mulheres com as quais se relacionava, embora parecessem naturais para ele, me soavam como uma falta de respeito e se chocava com aquilo pelo qual luto para defender. Depois de algum tempo, tentei me policiar por perceber que o assunto era delicado e minha postura deveria ser tão tranqüila quanto o foi ao ouvir sobre os temas que me trouxe anteriormente. Afinal, não estava ali para julgar suas ações. Controlei-me e pude, a partir de então, prosseguir com a sessão sem prejuízos para o processo. O fato é que não estava preparada para ouvir um homem falar de sua vida sexual e ainda me dizer «você sabe não é?». Primeiro, não fomos trabalhados socialmente para discutir tranqüilamente tais assuntos com outro pessoa. Ao mesmo tempo, durante nossa formação como psicólogos, também não fomos preparados para tal. Falar de sexualidade com um colega, namorado e com o meu terapeuta é muma coisa. Ouvir o paciente falar de seus jogos sexuais, levando-se ainda em conta nossos sexos serem diferentes, é outra coisa!»

A experiência dessa estagiária é enriquecedora. Felizmente ela foi capaz ao longo da sessão repensar sua atitude enquanto profissional, não produzindo prejuízo algum para o processo psicoterápico. De qualquer forma, os dois casos citados se colocam diante de nós como uma realidade da qual não estamos isentos de responsabilidade. Evidentemente, precisamos tomar consciência de que não é apenas durante o ultimo ano que construiremos um profissional comprometido com seus pacientes e inserido na realidade tal como ela é, mas ao longo dos cinco anos, os quais se acredita serem suficientes para tal. É inadmissível imaginar que o problema está no aluno. É fato que não escolhemos os alunos com os quais iremos trabalhar, porém temos um compromisso ético com a sociedade de lhe fornecer profissionais competentes. Para tal, se faz necessário trabalhar com estudantes que apresentam características pessoais, valores socio-culturais, valores religiosos e valores familiares os mais diversos.

Os agentes formadores não devem negligenciar o fato de que o estudante é também portador de questões pessoais que o impedem de centrar-se sobre as demandas trazidas pelos pacientes em processo psicoterápico. Além disso, é necessário fazer com que os estudantes percebam que seus valores são relativos ao seu mundo vivencial e que sem um certo grau de imparcialidade e tolerância não lhe será possível compreender seu paciente a partir de sua própria realidade. A didática a ser empregada, na formação dos futuros profissionais, não deve se restringir ao modo como se transmite o saber, mas estabelecer uma estratégia para ajudar o estudante na construção de seu próprio ser. Durante o período de formação do psicólogo, é necessário que o estudante possa repensar seus valores de forma a não percebê-los como paradigmas a serem divulgados, pois dessa forma, não será capaz de, ao se posicionar diante do paciente, aceitá-lo tal como é. Para que o psicólogo seja capaz de respeitar a história desse outro, certamente precisará ultrapassar a barreira da interdição da qual ele próprio foi vitimado. A profissão de psicólogo não existe em função do profissional, ou seja, de seu próprio « gozo », mas em função do prazer almejado por aquele que se coloca no lugar de paciente.

 

Uma Realidade para a Qual o Psicólogo deve Estar Preparado

A família tem sido atualmente um tema central no cenário das preocupações sociais. Essa estrutura celular se encontra fortemente abalada pela necessidade de mudanças de paradigmas. O Homem, não sendo mais suficiente para garantir a sobrevivência da família, se vê obrigado a aceitar que a mulher se torne co-provedora do lar e, portanto, menos subserviente. Esse novo papel da mulher lhe permitiu repensar o seu próprio existir, bem como o compromisso que tem com sua felicidade pessoal. Ela tomou consciência de que tem direito ao prazer e passou a assumir diante da estrutura social ser alguém desejante.

O paciente que hoje nos chega ao consultório, é alguém que de certa maneira tem consciência de que existem fatores que o impedem de alcançar uma vida feliz. A ajuda que busca junto ao psicólogo tem como meta localizar e neutralizar as variáveis que se interpõem entre ele e seus objetivos. Quando se tratam de questões ligadas à sexualidade, as informações de que dispõe lhe são ainda mais evidentes. Normalmente elas são acompanhadas ou por tabus e crendices, ou por sentimentos de incompetência a partir de vivências destrutivas ou por estar vivenciando uma crise de identidade sexual para a qual não possui recursos para administrar.

De outro lado, não podemos garantir que o psicólogo tenha ultrapassado as mesmas barreiras existentes na vida de seus pacientes, no tocante à vida sexual. O processo de análise por que passa o profissional durante o período de formação, raramente lida com tais questões, pois fazem parte de um mundo objetivo, e, como dissemos acima, os processos de análise se preocupam basicamente com os aspectos subjetivos e traumas vividos no período da infância, que se situam ao nível do inconsciente. Em nossa prática profissional, observa-se que o conhecimento do estudante de psicologia sobre a sexualidade, em seu sentido prático, não está além do conhecimento que possuem seus futuros pacientes. O saber que constroem de forma mais apurada, ao longo do período de sua formação profissional, é a respeito de uma sexualidade que se situa em um período particular da infância do indivíduo. Trata-se de uma sexualidade que se situa em um nível, que se assemelha ao «mundo das idéias» descrito por Platão. Ou seja, uma sexualidade ideal que faz com que a sexualidade vivida no dia-a-dia não seja mais que uma sombra, uma imagem imprecisa e portanto de valor questionável. A vida sexual dos indivíduos parece estar para uma psicologia voltada excessivamente para o inconsciente, tal como a arte estava para o «mundo das idéias». Segundo Platão, a arte era uma sombra das sombras, e por isso, sem nenhum valor.

É preciso repensar o profissional que desejamos formar. Antes, porém, é preciso voltar nossa atenção não para nossas próprias convicções, mas para uma realidade que não se enquadra necessariamente em nosso universo teórico. É preciso estudar a realidade como o fazemos com um texto literário que nos traz inúmeros elementos que enriquecem nossa imaginação, para então repensarmos a teoria que fala dessa realidade, deste texto. Tomo, como se fossem minhas, as palavras de Rand e Torok (1995) quando ao falarem sobre a psicanálise aplicada, no tocante a seu estudo da Gradiva de Jensen, finalizam com as seguintes considerações: « Terminemos com uma tomada de posição quanto à psicanálise literária. Desejamos conceber a literatura como um domínio de exploração da pesquisa psicanalítica, e isto, no intuito de promover o avanço sobre a compreensão humana através das possibilidades de aprendizagem que nos oferecem os textos. Como todo ser humano, as obras literárias nos fazem descobrir o inesperado, promovem o desenvolvimento do instrumento analítico e o privilégio retorna invariavelmente sobre o texto literário. O reencontro entre os dois dará lugar a modificações teóricas incessantes e não a confirmações, e muito menos ao conformismo. Melhor que adaptar a literatura à psicanálise é a psicanálise que deverá se adaptar ao discurso da literatura. Se a psicanálise não se mostrar capaz de uma tal abertura, ela corre o risco de perder sua razão de existir. Pois não estar à escuta da obra literária, é também se recusar a acolher sem preconceito o próprio ser humano.».1

 

Conclusão

No nível do conteúdo e da postura profissional, parece evidente a necessidade de repensar os inúmeros currículos até então praticados. Não nos referimos ao fato de simplesmente acrescentar uma nova disciplina ao curso de psicologia ou reescrever os objetivos com um discurso mais atualizado porém, sem lastro na realidade. É preciso redefinir a filosofia sob a qual o currículo deverá ser estruturado. Devemos reconhecer que o nível de conhecimento existente na Psicologia atingiu tamanha grandeza que não é possível sua apreensão em apenas cinco anos de estudos. Bianco A.C. e outros (1994), ao desenvolverem pesquisas sobre «Concepções e atividades emergentes na psicologia clínica: implicações para a formação», constatam que os cursos de formação de psicólogos devem proporcionar «uma formação básica, onde os conteúdos sejam integrados e os conhecimentos não compartimentados (sendo esta) uma exigência para uma verdadeira formação generalista ». Seguindo essa perspectiva, talvez tenhamos que repensar a questão da Residência para que o profissional se especialize para atuar eficazmente no mercado de trabalho, após uma formação generalista.

No nível didático, entendemos que uma mudança nas atuais práticas de estruturação das grades curriculares nos cursos de formação de psicólogos não passa simplesmente pela tomada de consciência da realidade. Passa principalmente pela mudança dos paradigmas que têm servido de orientação para aqueles que estão envolvidos nesse processo. De outra maneira, podemos garantir que toda reflexão didática continuará a ser processada segundo uma perspectiva ultrapassada.

Só através de uma postura ética comprometida com aqueles que investirão em sua formação profissional, poderão os agentes formadores dar início a um processo educativo que parta do seguinte questionamento: quais as demandas sociais no tocante à futura atuação dos profissionais da psicologia? É a partir de questionamentos como esse, que se pode iniciar um verdadeiro processo educativo. O estabelecimento de um perfil profissional não é algo a se obter a partir de interesses e desejos pessoais, mas através de pesquisas que busquem os dados necessários para a análise, em meio à realidade socio-cultural. Afinal, é para lá que se destinam nossos alunos.

É importante atentarmos para o fato de que tal perfil, onde as áreas de conhecimento, as habilidades, os conceitos e os comportamentos necessários ao profissional são pré-estabelecidos, não pode ficar confinado a um arquivo confidencial que seja de acesso exclusivo ao corpo docente. Os indivíduos que investem em sua formação possuem o direito de saber se o que lhes é oferecido está em conformidade com seus objetivos pessoais. As atuais exigências de se produzir profissionais capazes de atuar sobre a realidade modificando-a, não deixa espaços para uma política educacional segundo os moldes de uma educação bancária tal como nos alerta Paulo Freire em seu livro Pedagogia do Oprimido. O perfil do profissional a ser construído deve ser parte integrante das informações preliminares fornecidas ao «calouro», possibilitando-lhe o assumir junto com a agência formadora um compromisso de parceria, sem o qual não é possível uma didática transformadora e libertadora.

 

Referências bibliográficas

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Endereço para correspondência
Carlos Alberto Dias
45, Allée des Hensons, 29
80000 Amiens – França
Tel.: +33 3.22.80.85.41
E-mail: dias@wanadoo.fr

Recebido 15/06/00
Aprovado 22/09/00

 

 

* Psicólogo Clínico. Professor da Universidade Vale do Rio Doce - MG. Mestre em Psicopatologia (1996) pela Université de Picardie Jules Verne – França. Doutorando em Psicopatologia Clinica na mesma Universidade.
1 «Terminons sur une prise de position quant à la psychanalyse littéraire. Nous voulons envisager la littérature en tant que domaine d’exploration de la recherche psychanalytique, et cela afin de faire avancer la compréhension humaine à travers l’enseignement que nous offrent les textes. Comme toute être humain, les oeuvres littéraires apportent de l’imprévu, font mûrir l’instrument analytique, le privilège reviendra invariablement eu texte littéraire. La rencontre entre les deux donnera lieu à des modifications théoriques incessantes et non pas à des confirmations voire à des conformations. Plutôt que d’adapter, c’est la psychanalyse qui s’adaptera au dire de la littérature. Si la psychanalyse qui n’est pas capable d’une telle ouverture, elle risque de perdre sa raison d’être. Car ne pas être à l’écoute de l’oeuvre littéraire, c’est aussi refuser d’accueillir sans préjugés le propre de l’être humain ».