SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.22 número1Drogas e trabalho: uma proposta de intervenção nas organizaçõesPulsações contemporâneas do desejo: paixão e libido nas salas de bate-papo virtual índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.22 n.1 Brasília mar. 2002

 

ARTIGOS

 

Por uma ética na saúde: algumas reflexões sobre a ética e o ser ético na atuação do psicólogo

 

 

Giane Amanda Medeiros*

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A ética vem sendo tema freqüente de discussão, abarcando várias instâncias da sociedade. Nas instituições de saúde são prementes as questões referentes a parâmetros e limites na intervenção sobre os seres humanos. Neste artigo, proponho pensar a ética na saúde, bem como possíveis caminhos que sustentem uma postura profissional norteada pela/para a ética.

Palavras-chave: Ética, Moral, Saúde.


ABSTRACT

Ethics is becoming a frequent subject of discussion, in which several instances of the society are included. In the health institutions, the subjects related to parameters and limits in the intervention on the human bings are becoming more and more noticeable.This article concerns ethics in health, as well as possible ways that sustain a professional behaviour based on and turned to ethics.

Keywords: Ethics, Moral, Health.


 

 

O psicólogo, profissional presente nas instituições de saúde, tem a sua prática atravessada por vivências de grande significado na vida das pessoas: o nascimento, a doença e a morte. A presença ou iminência dessas situações geram ansiedades, angústias, medos, desencadeiam crises pessoais e familiares, configuram mudanças e impõem aos profissionais vinculados aos cuidados com a saúde inúmeras dúvidas com relação a práticas que sejam coerentes com o propósito ético da ciência que representam.

Às dúvidas concernentes a esses temas agrego as geradas pelas biotecnologias. Reprodução assistida, planejamento familiar, esterilização, aborto, transplantes de órgãos e tecidos, eutanásia, projeto genoma, experiências com embriões, entre outros procedimentos, estão sendo introduzidos direta ou indiretamente no cotidiano das instituições de saúde, trazendo benefícios, mas também gerando dúvidas, abusos e culminando em questões éticas complexas.

Além das questões éticas que emergem em decorrência das biotecnologias, são inúmeras as situações que constituem dilemas éticos na relação do psicólogo com a pessoa atendida e/ou familiares desta, ou na relação com a equipe de trabalho. Até onde manter o sigilo profissional? É possível quebrar o sigilo? Em quais situações? Como agir frente a atitudes anti-éticas de colegas de trabalho? Quais as informações sobre o paciente que devem constar no prontuário? Deve-se quebrar o sigilo em casos de violência física, abuso sexual ou negligência contra menores? Qual a atitude do psicólogo frente a um paciente portador do HIV positivo que está contaminando deliberadamente seus parceiros?

Além destas questões é possível enumerar muitas outras. Autores como Herrero (1999), Chiattone e Sebastiani (1997), Berlinguer (1996) e Lepargneur (1996) fazem referência à falência dos princípios morais em nossa época, alertando para a falta de direcionamento que muitos profissionais da saúde enfrentam diante de práticas e intervenções onde a moral vigente já não possibilita orientação. Frente a essa problemática, são muitas as questões envolvendo a ética, constituindo desafios constantes para a Psicologia e para as demais ciências. Questões essas que, para serem debatidas, nos obrigam a refletir sobre dois pontos centrais: O que é ética? O que é ser ético, ou, mais precisamente, em que o psicólogo que trabalha em instituições de saúde deve pautar-se para que sua postura possa ser considerada ética?

Tentando responder à primeira questão recorro a Chaui (1995) que compreende a ética como “[...] filosofia moral, isto é, uma reflexão que discuta, problematize e interprete o significado dos valores morais” (p.339). Aqui deparamo-nos com outro ponto a ser compreendido: a moral. Segundo a mesma autora, moral consiste nos “[...] valores concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, e à conduta correta, válidos para todos” (p. 339). A moral, portanto, refere-se à normatividade oriunda da sociedade, refere-se aos costumes, normas e regras que permeiam o cotidiano e que visama regular as relações entre os sujeitos. A ética é a reflexão crítica sobre a moral, ou seja, pensar naquilo que se faz, repensar os costumes, normas e regras vigentes na sociedade.

Ao refletir criticamente sobre a moral, o sujeito assume uma postura ativa - condição essencial para a existência do sujeito ético - pois não limita sua ação às circunstâncias, à vontade de um outro ou aquilo que é considerado moralmente como sendo certo ou errado. O sujeito ético/ativo indaga, problematiza, avalia, debate antes de partir para a ação.

Por outro lado, devemos considerar que as relações entre os sujeitos e entre estes e a sociedade não é regulada apenas pelas normas morais vigentes. As normas jurídicas também pautam as condutas que visam a regulamentar as relações dos seres humanos, cujo objetivo é garantir coesão social.

Os traços específicos que diferenciam a moral das normas jurídicas evidenciam a adesão íntima, característica particular da moral, e a coação externa, pertencente ao âmbito das normas jurídicas. Ou seja, a moral implica a livre escolha do sujeito frente às diferentes possibilidades de solução de uma determinada situação. Diferente da moral, as normas jurídicas não requerem convicção pessoal e liberdade no que se refere à escolha de possíveis alternativas de ação. As normas jurídicas são impostas pelo Estado e obrigatórias para todos. Mesmo considerando uma norma jurídica injusta, o sujeito deve cumpri-la, pois a desobediência implica punição. Para garantir o cumprimento das normas jurídicas, estas encontram-se codificadas formal e oficialmente – códigos e leis prescritos pelo poder legislativo.

As diferenças entre moral e normas jurídicas também apontam para a diversidade. Numa mesma sociedade podem existir várias morais, e estas podem ou não se harmonizar com as normas jurídicas vigentes. No entanto, na sociedade existe um único Estado, o que significa que há um sistema jurídico único para todos.

No quadro das normas jurídicas insere-se a Deontologia. Este termo foi criado em 1934 por Jeremy Bentham. É compreendida como ciência dos deveres, especificamente dos deveres profissionais (Doron e Parot, 1998). Constitui o que habitualmente é denominado de Código de Ética Profissional, onde estão expressos os direitos, deveres e responsabilidades dos membros de determinada categoria profissional. As normas deontológicas têm caráter coercitivo e o não-cumprimento das mesmas implica sanções que são garantidas pelo poder estatal.

Nesse ponto, posso tentar responder à segunda questão: em que o psicólogo que trabalha em instituições de saúde deve pautar-se para que sua postura possa ser considerada ética?

Tentarei responder a essa questão considerando três possibilidades: 1) o psicólogo deve pautar-se no Código de Ética Profissional do Psicólogo, pois o seu cumprimento garante uma postura ética; 2) o psicólogo deve agir com base em suas convicções pessoais, guiado por seus valores e princípios, construídos ao longo de sua formação pessoal e profissional; 3) o psicólogo deve agir tendo como base princípios éticos que servem a todos, ou seja, princípios que não priorizem crenças ou valores pessoais.

A primeira e a segunda possibilidade citadas baseiam-se no resultado de uma pesquisa realizada com psicólogas que atuam em instituições de saúde. Essa pesquisa constitui parte do Trabalho de Conclusão de Curso de minha autoria. Na oportunidade da pesquisa, foram entrevistadas seis psicólogas. O objetivo foi pesquisar, principalmente, o conceito dessas profissionais no que concerne a ética, e identificar quais princípios servem como norteadores de suas práticas profissionais. A terceira possibilidade apontada constituiu a hipótese da pesquisa do referido Trabalho de Conclusão de Curso. As considerações apresentadas a seguir baseiam-se na fundamentação teórica, discussões e conclusão do trabalho.

Considerando a primeira possibilidade, convém questionar: será que a conduta ética pode sustentar-se unicamente no cumprimento do Código de Ética Profissional do Psicólogo? E mais: o Código está no campo da ética ou no campo da moral?

Anteriormente citei que o Código de Ética Profissional ou Código Deontológico insere-se no quadro das normas jurídicas. Dessa forma, podemos considerá-lo como sendo um sistema de regras, externo ao sujeito, cuja finalidade é regular as ações dos profissionais da categoria, apontar suas responsabilidades e deveres, bem como demarcar seus direitos. Agir de acordo com as normas instituídas no Código Deontológico da categoria profissional não é evidência suficiente para demarcar uma postura ética, pois o Código de Ética Profissional tem caráter coercitivo devido às sanções a que são submetidos aqueles que infringem alguma das normas que constituem o mesmo. A ética, quando entendida como sendo uma postura reflexiva sobre a moral, possibilita a compreensão de que o Código de Ética Profissional é uma legislação com objetivos específicos, sendo assim, subordinado à ética.

Por ser a ética compreendida como uma reflexão acerca das normas morais vigentes, esta não se encontra expressa em Códigos, não existe na forma de leis, não implica sanções, não normatiza quais são os comportamentos adequados numa dada situação. Portanto, o cumprimento daquilo que está instituído é da ordem da lei, da moral, e não da ética. Não obstante, ser ético não implica cumprir o que manda a lei, mas refletir criticamente sobre as normas morais vigentes, sejam elas sustentadas por hábitos, normas ou leis regulamentadas pelo Estado ou órgão fiscalizador da categoria profissional.

Faz-se necessária a compreensão de que o Código não tráz, em seus cinqüenta artigos, respostas precisas às questões éticas. Daí a necessidade de não limitar-se aos conteúdos inscritos no Código. Fica demarcado, portanto, o caráter referencial do mesmo, ou seja, que este serve como um relevante norteador para as atividades dos profissionais da categoria, pois trata de direitos, deveres e responsabilidades. As particularidades de cada situação exigem uma ampla reflexão que inclui o Código de Ética Profissional do Psicólogo, mas não se limita a ele.

A segunda possibilidade apontada refere-se à ação do psicólogo guiada por seus valores e princípios, construídos ao longo de sua formação pessoal e profissional. Certamente devemos considerar que os princípios do psicólogo são relevantes e devem ser considerados e respeitados. No entanto, na relação com a pessoa atendida, não cabe ao psicólogo priorizar aquilo que ele, profissional da saúde, considera bom e correto, aquilo que acredita e valoriza. Atuando baseado unicamente em suas crenças e valores pessoais, o psicólogo estará trabalhando em prol da moralização, da adaptação da pessoa atendida a padrões que ele julga relevantes e, conseqüentemente, estará pondo em segundo plano os valores, crenças e princípios da pessoa a quem está prestando os seus serviços. É a postura ética que permite a coexistência de valores que podem diferir (valores do psicólogo e valores da pessoa atendida), pois o respeito permeia as relações onde há a reflexão crítica sobre a moral. Nesse caso, a diferença não é vista como desvio, mas como uma das muitas possibilidades de ser e viver.

A terceira possibilidade que apontei refere-se à ação do psicólogo baseada em princípios éticos que servem a todos, portanto, princípios que não priorizem crenças ou valores pessoais. Aqui interroguei-me acerca da existência de princípios éticos que orientem os psicólogos frente às intervenções em instituições de saúde. Pautar o agir em princípios sustentados pela ética talvez fosse o recurso para uma ação profissional livre de padrões fundamentados em regras, normas ou valores pessoais. No entanto, não foram encontradas, através de pesquisa bibliográfica, referências a princípios éticos que pautem, especificamente, a intervenção dos psicólogos nas instituições de saúde. Porém, foram encontrados princípios que norteiam o trabalho de todos os profissionais vinculados aos cuidados com a saúde.

Estes princípios, desenvolvidos pela Bioética, constituem campo de reflexão para enfermeiros, médicos, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, assistentes sociais, entre outros profissionais. Nos parágrafos a seguir faço uma breve explanação acerca destes princípios.

Conforme indica Lepargneur (1996), em 1978 a “Comissão norte-americana para a proteção dos sujeitos humanos na pesquisa biomédica e comportamental” publicou o Relatório Belmont. O relatório surgiu com o intuito de propor princípios que orientassem a solução de problemas concernentes à pesquisa com seres humanos. Foram elencados pela comissão: o princípio da autonomia, o princípio da beneficência e o princípio da justiça.

Esses mesmos princípios são apontados como princípios que fundamentam a Bioética, dando suporte às questões referentes às condutas e formas de intervenção dos profissionais voltados ao atendimento à saúde. A Bioética, buscando desenvolver e compreender esses princípios, “utiliza um discurso pluralista, onde deverão estar presentes todos esses elos da corrente do pensamento humano: a Filosofia, a Teologia, o Direito, a Sociologia, a Psicologia, a Biologia” (Cohen e Marcolino, 1995, p. 52).

A palavra autonomia vem do grego autos, significa “eu mesmo”, “si mesmo”, e nomos significa lei, norma, regra. “Aquele que tem o poder para dar a si mesmo a regra, a norma, a lei é autônomo e goza de autonomia ou liberdade” (Chaui, 1995, p. 338). Autonomia refere-se, portanto, a autodeterminação, a escolha individual, ao poder que a pessoa tem para tomar decisões que afetem sua vida, ou seja, suas relações, seu bem-estar, sua integridade físico-psíquica. Ao decidir o que é bom, o que é seu bem-estar, a pessoa age de acordo com seus valores, suas necessidades e prioridades, demarcando qual a sua vontade frente à realidade que vivencia.

A possibilidade de escolha é o alicerce da autonomia. Para que exista uma ação autônoma é preciso que existam alternativas de ação, pois somente assim o sujeito poderá escolher o que considera melhor para si. Se existe uma única opção, um único caminho a seguir, não existe possibilidade de exercer a autonomia.

Por outro lado, a autonomia individual não é sinônimo de liberdade total. O sujeito, vinculado a um contexto econômico, político e cultural tem, nas suas relações, fatores condicionantes e restrições à sua ação. Os fatores condicionantes são inerentes à condição de sujeito moral, inserido em um meio cuja organização prioriza a observância das regras e normas instituídas. No entanto, dentro de uma certa margem, é possível ao sujeito decidir e agir conforme sua vontade, seu desejo e interesse, ou seja, é possível que o sujeito exerça a sua autonomia. Chaui (1995) nomeia de deliberação a escolha feita diante da situação que é apresentada. “Não deliberamos e nem decidimos sobre aquilo que é regido pela Natureza, isto é, pela necessidade. Mas deliberamos e decidimos sobre tudo aquilo que, para ser e acontecer, depende de nossa vontade e de nossa ação” (op. cit., p. 341).

Conforme Muñoz e Fortes (1998), “a pessoa autônoma tem o direito de consentir ou recusar propostas de caráter preventivo, diagnóstico ou terapêutico que afetem ou venham a afetar sua integridade físico-psíquica ou social” (p. 63). Para que o sujeito possa escolher aquilo que acredita ser o melhor para si, é preciso que tenha sido esclarecido acerca da situação, das alternativas de escolha, das implicações, benefícios e possíveis conseqüências. Dessa forma, cabe aos profissionais de saúde, dar informações de modo adequado, evitando expressões técnicas que dificultem a compreensão, além de repetir as informações quantas vezes forem necessárias. É preciso que a pessoa compreenda o sentido das informações; que lhe sejam apresentadas alternativas de tratamento; que seja orientada a respeito dos procedimentos diagnósticos, terapêuticos ou preventivos; que saiba das possíveis complicações e seqüelas decorrentes de determinada intervenção; que lhe sejam dadas informações quanto à eficácia do tratamento, dores, desconfortos, custos e duração do tratamento, entre outras informações relevantes.

O princípio da beneficência, conforme a tradição hipocrática, é a regra básica na relação com a pessoa atendida, pois orienta o profissional a atender a pessoa procurando fazer-lhe o bem e evitando que ocorram prejuízos decorrentes de sua intervenção. Essa é regra norteadora das práticas de todos os profissionais vinculados aos cuidados com a saúde. Esse princípio está diretamente vinculado à não-male-ficência, “primeiramente ou acima de tudo não causar danos (primum non nocere)” (Kipper e Clotet, 1998, p.47).

O terceiro princípio elencado pela Bioética, o princípio da justiça, também chamado de princípio da eqüidade por alguns estudiosos, tem o propósito de orientar o debate em torno da distribuição dos recursos na saúde. Confor-me demonstram Garrafa, Oselka e Diniz (1997), a escassez dos recursos alocados à saúde em países ditos subdesenvolvidos ou em desenvolvimento revela um quadro de abandono onde a pobreza e escassez de recursos figuram como as principais causas de morbidade e mortalidade entre a população mais carente.

O modelo de assistência à saúde que predomina em nossa atualidade evidencia que o atendimento é farto para aqueles que tem condições financeiras de arcar com os custos das intervenções. Numa “segunda classe” estão aqueles que podem acrescentar às suas despesas mensais os custos dos planos de saúde; mesmo assim, em muitos casos não lhe é garantida a assistência integral. E em terceiro estão os pobres, aqueles que dependem da assistência gratuita e, na maioria das regiões do país, escassa. É em decorrência desse modelo que o princípio da justiça prima pela idéia de que a saúde deve ser compreendida como sendo um bem fundamental que contemple a todos e não apenas a uma pequena parcela da população.

Há muito o que discorrer a respeito do princípio da justiça ou eqüidade, principalmente por este estar diretamente envolvido com questões políticas, econômicas, sociais e de distribuição de renda. A complexidade do tema abarca um universo que ultrapassa os limites propostos por este artigo.

Frente a essa breve explanação acerca dos princípios elencados pela Bioética, cabe questionar se o cumprimento desses princípios configura uma atuação pautada na ética e, portanto, responde à questão proposta no início do presente artigo.

Se nos ativermos à leitura de textos daqueles que se propõem escrever sobre Bioética, podemos constatar que os autores, ao mencionar os princípios da autonomia, beneficência e justiça escrevem frases semelhantes a estas: “o princípio da beneficência tem como regra norteadora da prática...”, “é obrigação do profissional de saúde...”, “a pessoa atendida tem o direito de ... e, portanto, o profissional de saúde deve...”. As palavras grifadas são as mesmas contidas nos códigos que visam a normatizar e controlar a atuação dos profissionais ou a vida dos cidadãos. “Regra”, “obrigação”, “dever” são termos que constituem o campo da moral, daquilo que está instituído e deve ser cumprido porque assim diz a lei, as regras sociais ou a moral vigente. Por outro lado, no campo da ética não há demarcação de regras e normas, pois a mesma não se encontra expressa em códigos ou representada em forma de leis. Sua existência é determinada somente a partir da reflexão crítica sobre a moral, ou seja, a reflexão crítica sobre a regra, a norma, a lei, sobre aquilo que constitui o direito e o dever.

O fato de os princípios constituírem regras ou normas não diminui a relevância destes na relação do profissional de saúde com a pessoa atendida, familiares desta ou com a sociedade em geral. É inquestionável a virtuosidade expressa nos princípios, pois estes visam a preservar a dignidade e a valorizar a autonomia da pessoa. No entanto, não devem ser compreendidos como absolutos, pois dependem do ponto de vista com que são enfocados, bem como variam de acordo com a situação em questão.

Pode-se concluir que a postura ética exige muito mais do que uma consulta ao Código de Ética Profissional do Psicólogo, ou a observância dos princípios elencados pela Bioética. Exige reflexão. Mas essa é uma resposta ampla e certamente não satisfaz à questão proposta: em que o psicólogo deve pautar o seu agir para ser ético?

Acredito que a resposta possa residir na reflexão crítica baseada na inter-relação de fatores constituintes do dilema ético, bem como de recursos morais para a solução dos mesmos. Portanto, essa reflexão pressupõe a inter-relação de vários instrumentos ou fatores que precisam ser considerados: 1) o Código de Ética Profissional do Psicólogo; 2) os princípios elencados pela Bioética; 3) os valores e princípios do psicólogo; 4) os valores e princípios da pessoa atendida; 5) os conceitos morais que permeiam a sociedade e determinam os conceitos de certo e errado, bem e mal; 6) os princípios, regras e ideais da instituição na qual o psicólogo está inserido, pois quando vinculado a uma instituição o psicólogo tem responsabilidades morais e éticas frente não somente à pessoa atendida, mas também frente à instituição que o emprega.

Considero que é a inter-relação de todos os fatores citados que possibilita a reflexão crítica visando ao encontro de ações pautadas na postura ética, possibilitando, dessa forma, ações que vão ao encontro das necessidades daquele que, frente ao nascimento, à doença ou à morte iminente, busca no profissional de saúde o auxílio, bem como o reconhecimento de si como pessoa. Uma postura baseada unicamente na regra, na norma, naquilo que o psicólogo valoriza ou considera verdadeiro, sem considerar o que o outro acredita e valoriza, contribuem unicamente para a moralização, opressão e marginalização daqueles que esperam ser tratados com respeito e dignidade.

 

Referências bibliográficas

Berlinger, G. (1996). Ética da Saúde. São Paulo: Hucitec.        [ Links ]

Chaui, M. de S. (1995). Convite à Filosofia. São Paulo: Ática.        [ Links ]

Chiattone, H. B. de C. & Sebastiani, R. W. (1997). Ética na Saúde. Algumas reflexões sobre nossos desafios para o século XXI. Em Camon, V. A. A. (Org.), Ética na Saúde (pp. 175-182). São Paulo: Pioneira.        [ Links ]

______________. (1997). A Ética em Psicologia Hospitalar. Em Camon, V. A. A., Ética na Saúde (pp. 113-139). São Paulo: Pioneira.        [ Links ]

Cohen, C. & Marcolino, J. A. M. (1995). Relação Médico-Paciente. Em Segre, M. & Cohen, C., Bioética (pp. 51-62). São Paulo: Edusp.        [ Links ]

Doron, R. & Parot, F. (1998). Dicionário de Psicologia. São Paulo: Ática.        [ Links ]

Garrafa, V. Oselka, G. Diniz, D. (1997). Saúde Pública, Bioética e Eqüidade. Bioética, 5, nº 1, 27-33.        [ Links ]

Herrero, F. C. (1999). Desafios Éticos do Mundo Contemporâneo. Síntese - Revista de Filosofia. 26, nº 84, 5-11.        [ Links ]

Kipper, D. J. & Clotet, J. (1998). Princípios da Beneficência e Não-maleficência. Em Costa, S. I. F. Oselka, G. Garrafa, V., Iniciação à Bioética (pp.37-52). Brasília: Conselho Federal de Medicina.        [ Links ]

Lepargneur, H. (1998). O Lugar do Sujeito Moral - Tipologia. Reflexão, nº 70, 87-99.        [ Links ]

____________. (1996). Força e Fraqueza dos Princípios da Bioética. Bioética, 4, nº 2, 131-142.        [ Links ]

Muñoz, D. R. & Fortes, P. A. C. (1998). O Princípio da Autonomia e o Consentimento Livre e Esclarecido. Em Costa, S. I. F.. Oselka, G.. Garrafa, V.. Iniciação à Bioética. (pp. 53-70). Brasília: Conselho Federal de Medicina.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Giane Amanda Medeiros
Rua Dr. Penaforte Mendes, 86 apto 32 - Cerqueira César
01308-010 São Paulo - SP
E-mail: gianepsico@terra.com.br

Recebido em 14/03/01
Aprovado em 18/05/01

 

 

* Psicóloga. Especialista em Psicologia Hospitar pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.