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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.22 n.2 Brasília jun. 2002

 

ARTIGOS

 

Atitudes frente à avaliação psicológica para condutores: perspectivas de técnicos, estudantes de psicologia e usuários

 

 

Valdiney Veloso Gouveia; Deusivania Vieira da Silva; Maria dos Prazeres Vieira da Silva; Maria Waleska Camboim Lopes de Andrade; Severino Barbosa da Silva Filho; Danyelle Monte Fernandes da Costa

Universidade Federal da Paraíba

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo procurou conhecer as atitudes frente à avaliação psicológica para condutores, considerando três grupos de indivíduos: técnicos, estudantes de Psicologia e pessoas que se submetem a esta avaliação para obtenção ou renovação da CNH (Carteira Nacional de Habilitação). Um total de 196 pessoas responderam uma Escala de Atitudes frente a Avaliação para Condutores, composta de 20 itens. A maioria dos participantes era do sexo feminino (68%), universitário (71%) e já possuía habilitação para conduzir (54%); sua média de idade foi de 28 anos. Observou-se que, embora os respondentes tenham opinado que a avaliação psicológica era eficaz, julgavam que esta seria dispensável no processo de exame para a obtenção da CNH. As implicações deste estudo foram discutidas, assim como foram sugeridas alternativas para promover esta área de avaliação em Psicologia do Trânsito.

Palavras-chave: Avaliação psicológica, Condutor, Trânsito.


ABSTRACT

This study aimed to know the attitudes towards the psychological assessment for drivers, considering three groups of subjects: technicians, Psychology students, and people who are taking the driving test in order to obtain the CNH (driving license) or to extend it. A total of 196 subjects have completed an Attitude Toward Drivers Assessment Scale, composed of 20 items. Most of them were female (68%), undergraduate students or who had already concluded it (71%), and owned driving license (54%). Their mean age was 28 years old. It was verified that, in spite of the fact that the subjects had a positive opinion about the efficacy of the psychological assessments, they judged it not essential to the examination process of obtaining driving license. The implications of this study were discussed, and also alternatives were suggested in order to promote the assessment area in Traffic Psychology.

Keywords: Psychological assessment, Drivers, Traffic.


 

 

Nos últimos anos tem havido um crescente debate sobre a necessidade, ou não, da avaliação psicológica no processo de aquisição da habilitação de condutor. As discussões envolvem questões intrínsecas à segurança no trânsito, à validade dos testes psicológicos e à capacidade do profissional de Psicologia em avaliar o perfil do futuro motorista. Os psicólogos estão realmente aptos para avaliar o candidato a condutor e predizer seus possíveis comportamentos em situações reais de trânsito? Os testes aplicados atendem às exigências da medida, isto é, apresentam parâmetros psicométricos aceitáveis de validade e precisão? Tal processo de avaliação é realmente necessário para aquisição da carteira de habilitação? Estas são apenas algumas das indagações geralmente levantadas neste contexto, e por si merecem uma especial atenção. Obviamente não se pretenderá aqui buscar as respostas para tais questões, cujas raízes ultrapassam o escopo do presente trabalho. A proposta básica será considerar um dos elementos que pode ajudar a entender a polêmica gerada na sociedade civil sobre a necessidade da avaliação psicológica; trata-se de conhecer as atitudes daqueles diretamente envolvidos neste processo, como são os profissionais, os estudantes de Psicologia e os usuários ou sujeitos desta avaliação (os que pretendem obter a carteira pela primeira vez ou renová-la).

 

A Avaliação Psicológica

Pasquali (1999) comenta que o termo avaliação (assessment) possui uma história muito recente, porém seu uso, formal ou informal, data da origem dos organismos vivos. Formal no sentido de que o ser humano utiliza códigos de conduta através dos quais as pessoas e as sociedades julgavam e julgam o comportamento dos semelhantes – vale aqui ressaltar que se deve aos psicólogos do fim do século XIX a origem da avaliação formal e sistemática. Informal, na medida em que todo sujeito avalia seu meio ambiente e os outros indivíduos, fazendo representações de forma a tomar decisões de como agir para garantir sua sobrevivência e manter um nível próprio de desenvolvimento.

A tentativa de avaliar habilidades e traços psicológicos, seja através de técnicas projetivas e/ou objetivas (Formiga & Mello, 2000), tem sido um dos alicerces da intervenção e direção do conhecimento do profissional de Psicologia nas diversas áreas: clínica, escolar, organizacional, etc. Esta tem demonstrado seu valor ao longo da história. Por exemplo, foi fundamentalmente importante durante a Primeira Guerra Mundial, quando os militares passaram a ser recrutados e designados para determinadas funções segundo suas capacidades ou habilidades psicológicas (Prieto & Gouveia, 1997). Não obstante, existiram momentos em que sua utilidade não pareceu tão evidente. No Brasil, a avaliação psicológica teve bastante impacto nos anos 50 com a criação do Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP), vinculado à Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, tendo sido, porém, deixada um pouco de lado nos anos 70. Tal fato apresenta múltiplos elementos explicativos, cabendo levantar ao menos um: a “crise de identidade”. Esta foi dirigida sobretudo à Psicologia Social (Rodrigues, 1979), que exigia, entre outras coisas, soluções práticas em lugar das tipologias e classificações derivadas dos testes.

No início da década dos 90 parece ter se renovado o interesse pelos testes e outros instrumentos de avaliação psicológica. Um resultado direto foi a criação e/ou consolidação de laboratórios de pesquisa dedicados ao tema, como o LabPAM (Laboratório de Pesquisa em Avaliação e Medida), na Universidade de Brasília. Porém, a criação do IBAPP (Instituto Brasileiro de Avaliação e Pesquisa em Psicologia) está destinada a ser o marco principal de referência no cenário nacional.

Deixando de lado estes aspectos mais históricos e contextuais, é necessário captar a essência da medição em Psicologia, no presente caso a que se realiza desde a perspectiva psicometrista clássica. A respeito, Pasquali (1999) observa que os instrumentos psicológicos (testes, escalas, questionários) “representam a expressão cientificamente sofisticada de um procedimento sistemático de qualquer organismo, biológico ou social, a saber, o de avaliar as situações para tomar decisões que garantam a sobrevivência do próprio organismo, bem como seu auto-desenvolvimento” (p.13). Este processo de conhecer é, não somente na Psicologia, o que tem diferenciado as ciências mais avançadas de estágios pré-científicos. Atribui-se números às propriedades dos objetos (subsistemas, construtos) e isto permite diferenciá-los entre si, possibilitando um diagnóstico mais preciso e o conhecimento dos seus antecedentes e conseqüentes.

Embora a avaliação psicológica seja um tema principalmente acadêmico-científico, a sociedade civil certamente tem uma opinião formada a respeito. Por exemplo, o Senador Ramez Tebet (PMDB-MS) afirmou que “a avaliação psicológica é aquela que faz um prognóstico dos comportamentos da pessoa, tanto no que se refere ao manejo do veículo, como na situação geral do trânsito. Dessa forma, avaliam-se aspectos como inteligência geral, capacidade para perceber, prever e decidir, habilidades psicomotoras, características de personalidade, equilíbrio emocional, sociabilidade, controle de agressividade, tolerância, frustrações, entre outros. Tais características são avaliadas através de técnicas psicológicas, de uso exclusivo de psicólogos e cientificamente comprovadas, cuja eficácia é internacionalmente conhecida” (Davi, 1998, p.3).

Se os fundamentos da avaliação psicológica não suscitam maiores discórdias, o mesmo não pode ser dito sobre sua utilidade prática. Não existe um consenso sobre sua relevância e necessidade no processo de concessão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Por exemplo, o Presidente Fernando Henrique Cardoso vetou sua obrigatoriedade no novo Código Nacional de Trânsito, porém as intensas mobilizações dos psicólogos e de alguns parlamentares fez com que, no dia 15 de Janeiro de 1998, a Câmara dos Deputados aprovasse o Projeto de Lei que a instituía, sendo esta decisão ratificada pelo Senado seis dias depois. Uma situação de evidente confrontação de interesses, discutida no informativo mensal do CRP-05, matéria divulgada em Janeiro de 1998, sob o título “Avaliação Psicológica: Vitória da Psicologia”.

 

A Necessidade da Avaliação Psicológica do Condutor

Jonas Davi, então Secretário Geral do CRP-05, ajuda a ilustrar esta situação; descreve que uma das críticas mais freqüentes sobre o psicotécnico (palavra geralmente empregada para se referir à avaliação nos Departamentos de Trânsito) diz respeito à falta de critérios claros na forma de aplicação e utilização das técnicas psicológicas. Esta concepção, claramente desfavorável, traduz-se em algumas ações políticas contrárias a inclusão do especialista da Psicologia no processo de avaliação dos condutores. Este mesmo autor comenta que, desde a ótica do Governo, a avaliação psicológica e o psicólogo são dispensáveis no processo de regulamentação da CNH (Davi, 1998).

As discussões sobre a adequação ou não da avaliação psicológica ganhou destaque, paradoxalmente, na segunda metade da década dos 90; como mencionado anteriormente, foi objeto de comentários e inclusive de discussões na Câmara dos Deputados e no Senado. A Resolução 080/98 do CONTRAN, que altera a Resolução 51/98, representa uma “meia vitória” dos psicólogos. Esta regulamenta o Exame de Sanidade Física e Mental dos condutores, cabendo a estes profissionais, utilizando os recursos disponíveis, aferir suas capacidades psicológicas. Mas, reforçando a idéia geral da deficiência de formação dos avaliadores (Sbardelini, 1990), tal Resolução exige e regulamenta a realização de um Curso de Capacitação para Psicólogo Perito Examinador de Trânsito. Este, com carga horária mínima de 120 horas/aula e conteúdo pré-definido, é obrigatório para todo profissional responsável pela avaliação psicológica, seja em instituição pública ou em clínica privada credenciada.

Frente ao que se expôs, alguém poderia perguntar o por quê dessa discussão sobre a avaliação psicológica no contexto do trânsito. A resposta, obviamente, não é simples; competências profissionais, interesses de classe, verbas governamentais, etc. poderiam ser ponderadas na formulação de um argumento, favorável ou desfavorável. Procurar-se-á dar uma ênfase ao tema em razão do que representa o trânsito na realidade brasileira, o que provavelmente justifica a necessidade da avaliação psicológica do condutor. Desde logo, não se trata de sugerir o jargão “ruim com ela, pior sem ela”; tampouco se tenta maximizar a complexidade do trânsito neste país. Os Estados Unidos certamente apresentam mais veículos automotores do que o Brasil, mas as vias, regras do trânsito, pedestres e condutores deste país são algo diferenciados.

O trânsito representa o conjunto de todos os deslocamentos diários, feitos na infra-estrutura rodoviária da cidade, e que aparece na rua na forma de movimentação geral de pedestres e veículos (Vasconcelos, 1985). Na sociedade brasileira os meios terrestres de locomoção foram bastante incentivados e cresceram de forma explosiva; nas três últimas décadas a frota de veículos passou de pouco mais de um milhão para quase trinta milhões (Rodrigues, 2000).

De acordo com Portugal e Santos (1991), o sistema de trânsito, pela sua complexidade e relevância social, necessita de uma adequada estrutura organizacional que propicie não apenas a captação e formulação mas, principalmente, a implementação de políticas públicas para o setor. Ainda segundo estes autores, os órgãos de trânsito são responsáveis por objetivos cujo efetivo alcance está diretamente relacionado com múltiplos fatores, a saber: (1) o adequado nível de articulação e a devida definição de competência entre eles e outros órgãos atuantes no setor; (2) o grau de compatibilização dos recursos disponíveis (humanos, materiais, financeiros, etc.) com o esforço requerido para o cumprimento pleno de suas atribuições; e (3) o nível de aproximação da resultante das forças e pressões sociais em relação aos reais interesses da população.

Os órgãos governamentais, ao apresentarem as estatísticas de trânsito, costumam considerar como elementos básicos e causais dos acidentes os seguintes: (1) os usuários (principalmente o motorista); (2) a via; e (3) os veículos. Freqüentemente, segundo essas mesmas estatísticas, os motoristas têm sido responsabilizados pela produção de mais de 70% do total de acidentes (ver Portugal & Santos, 1991; Rodrigues, 2000). Em pesquisas recentes o Brasil foi apontado como o terceiro país do mundo em acidentes fatais no trânsito, apresentando uma média de 14 mortes por grupos de 100.000 habitantes, ficando atrás apenas da Grécia e dos Estados Unidos que apresentam uma média de 20 e 15, respectivamente (Notas Internacionais, 2000, 17 de Maio).

Alguns pesquisadores (Amaral, 2001b; Hoffmann, Carbonelli, & Montoro, 1996; Hoebert, Lima, Biasi, Silva, Oliveira, & Hoebert, 1985; Mendonça, 1994; Palma Filho, 1998) denotaram que os abusos mais comuns do estilo brasileiro de conduzir são: (a) excesso de velocidade, (b) dirigir alcoolizado, e (c) desobediência a sinalização. Se bem sejam todas condutas igualmente imprudentes, ocasionando transtornos à população geral, ao menos duas são responsáveis diretas pela maioria das mortes ocorridas no trânsito em todo o mundo: dirigir alcoolizado e passar o sinal vermelho, não se encontrando necessariamente separadas.

De acordo com o que se apresenta, é coerente admitir que o veículo automotor pode se transformar numa “arma” das mais deletérias deste país, seja pela forma de conduzir ou mesmo devido às condições de insegurança do ambiente. É, portanto, necessário prudência no momento de entregar uma arma a alguém sem antes conhecer de quem se trata; o exame psicológico prévio constitui uma ferramenta indispensável neste contexto. Embora representando um tipo específico dentro da teoria da medida, fornece parâmetros (validade e precisão) comuns a qualquer medição, a exemplo do que ocorre com uma balança ou um termômetro. Neste sentido, talvez o problema esteja não na avaliação psicológica propriamente, mas em estabelecer critérios que definam o que significa ser um bom condutor nos dias atuais.

 

O Perfil Psicológico do Bom Condutor

Embora sem contar com dados precisos a respeito, o que se sabe permite ter a compreensão de que é bastante comum entre os brasileiros a sensação de que os comportamentos e atitudes de vários condutores no espaço viário têm, amiúde, causado insegurança aos pedestres e aos demais condutores. Fala-se em agressão no volante, imprudência e imperícia no trânsito, desatenção e negligência nas ruas, irresponsabilidade. Não obstante, pouco se sabe sobre o que realmente ou quais fatores permitiriam diferenciar com exatidão os bons dos maus condutores. Esta deverá ser uma tarefa a exigir máxima atenção dos profissionais da Psicologia interessados no comportamento no trânsito, que entretanto contam com a vantagem de dispor de: sujeitos cativos e um banco de dados informatizado e permanente onde figuram a quantidade e os tipos de infração no trânsito. Por exemplo, sem ir muito longe, seria possível relacionar os resultados dos exames psicológicos de cada condutor com o seu desempenho em situação real no trânsito. Isto geraria um modelo explicativo o qual ajudaria a traçar um perfil do bom condutor, e auxiliaria na seleção dos instrumentos psicológicos mais adequados neste contexto.

O que antes se comentou não deve ser encarado como se nada fosse feito neste âmbito da avaliação psicológica. Segundo Alchieri (2000), já no começo dos anos 50 se esboçava uma tentativa de identificar as áreas psicológicas que deveriam ser avaliadas para os condutores, a saber: a inteligência, a percepção e o carácter.

Consultando o Index Psi (2001) é possível identificar 36 publicações nacionais com a palavra trânsito. Destas, oito podem ser descartadas por não apresentar relação com o tema objeto de interesse. Das restantes 28, a maioria (17) data dos anos 80, com autoria predominantemente de Reinier J.A. Rozestraten (1982, 1983, 1984, 1985). Os assuntos abordados foram bastante diversificados, tendo lugar desde ensaios teóricos, análises históricas a estudos propriamente empíricos. Neste caso, foram estudados a infração ao semáforo vermelho, o estilo perceptivo, a adequação e padronização de testes, etc. Porém, o montante de publicações parece reduzido, e os resultados de pesquisa ainda não permitem traçar um perfil do bom condutor. Isto não impede, no entanto, que os Departamentos de Trânsito se esforcem nesta direção, definindo o bom condutor nos seguintes termos (Machado, 2001): (1) são pessoas que pouco se acidentam ou quase não se envolvem com problemas de trânsito; e (2) em sua vida agem de forma respeitosa, solidária e consciente, o que as levam a dirigir de forma educada, respeitando as normas, cientes dos riscos e valorizando a vida de todos inclusive a sua.

Além destes critérios, Amaral (2001a) propõe que, para se formar um bom motorista, haja uma uniformidade nas aulas práticas e teóricas, no treinamento e nos exames. Este autor considera que, por exemplo, dirigir em alta velocidade exige respostas rápidas e precisas, demandando possivelmente outros critérios além dos anteriormente citados. O tema é saber quais são estes critérios específicos. Mais uma vez, os psicólogos deveriam ter algo que dizer a respeito, o que não se reflete na sociedade; suas práticas deveriam igualmente convencer a alguns congressistas e dirigentes das instituições de trânsito.

Em resumo, percebe-se aqui que existem diferentes aspectos a considerar no momento de decidir sobre a adequação e necessidade da avaliação psicológica. Seu presente e futuro dependem, em grande medida, da capacidade dos psicólogos de realizar adequadamente sua atividade e mostrar a utilidade do seu serviço. Espera-se que suas práticas se deixem sentir na população geral, isto é, nas atitudes que esta apresenta em relação à avaliação psicológica. Este aspecto será sondado no presente estudo.

 

Método

Amostra

Compuseram o estudo 196 participantes, subdivididos em quatro grupos, a saber: profissionais avaliadores de psicologia (N = 54), estudantes do curso de Psicologia, matriculados na disciplina Introdução à Psicologia (N = 34) ou Técnicas de Exame Psicológico (N = 39) e usuários do serviço do DETRAN/PB, os quais estavam se submetendo ao processo de aquisição ou renovação da habilitação (N = 69). No geral, a média de idade dos participantes foi de 28 anos; a maioria era de João Pessoa (81%), do sexo feminino (68%), com estudos universitários (71%), possuindo habilitação (54%), tendo uma média de 10 anos de habilitado.

Em termos específicos, a maior divergência quanto às características demográficas dos grupos se deveu aos profissionais de avaliação psicológica. Estes apresentaram uma maior média de idade (39,4 anos) e tempo médio de habilitação (15,5 anos); contaram com maior número de CNH (Carteira Nacional de Habilitação; 90%) e eram em menor quantidade residentes em João Pessoa (66%). Neste caso, os participantes provieram principalmente de Pernambuco e do Rio Grande do Norte.

Instrumento

Os participantes responderam à Escala de Atitudes frente ao Serviço de Avaliação Psicológica, empreendida nos Departamentos de Trânsito. Onze psicólogos, de diversas abordagens e orientações teóricas, se encarregaram de elaborar individualmente dez itens sobre atitudes frente ao serviço de avaliação psicológica, seguindo o critério de que estes fossem igualmente divididos em atitudes positivas e negativas. Para a seleção final dos itens foram considerados ainda os seguintes critérios: (1) escolher apenas um entre aqueles itens de conteúdo semelhante; e (2) procurar reter itens que abordassem os diferentes aspectos e agentes da avaliação psicológica (processo, resultados, avaliadores e instituição). Após a discussão entre todos os peritos, ficou definida a versão final do instrumento, composto por 20 itens, respondidos em escala de cinco pontos, tipo Likert, com os seguintes extremos: 1 = Discordo Totalmente e 5 = Concordo Totalmente (uma cópia poderá ser obtida através de solicitação aos autores).

Complementava o instrumento uma página com dados demográficos (idade, sexo, escolaridade, etc.) e uma pergunta sobre a eficácia da avaliação psicológica. Perguntava-se precisamente em que medida a pessoa acreditava na eficiência do serviço de avaliação psicológica que faz o DETRAN, devendo a resposta ser dada em escala de dez pontos, com os seguintes extremos: 0 = Nada Eficiente e 9 = Totalmente Eficiente.

Procedimento

Onze pessoas ficaram responsáveis pela aplicação dos questionários, das quais cinco homens e seis mulheres. Considerando a situação de cada grupo, procurou-se seguir sempre um procedimento padrão: os pesquisadores solicitavam a colaboração voluntária dos participantes no sentido de que respondessem um questionário sobre o que pensavam a respeito da avaliação psicológica realizada pelo DETRAN. Os profissionais de Psicologia responderam coletivamente, na ocasião de um treinamento para peritos em avaliação psicológica de condutores. Os usuários do serviço de avaliação deste órgão responderam individualmente, sendo acompanhados e assessorados pelos aplicadores que haviam previamente recebido instruções. Finalmente, os alunos do curso de Psicologia, com independência da disciplina, responderam coletivamente em sala de aula, estando os pesquisadores presentes para esclarecer eventuais dúvidas.

Resultados

Como primeiro passo procurou-se conhecer a estrutura das atitudes frente à avaliação psicológica como um todo. Assim, o conjunto de 20 itens que compôs a escala correspondente foi submetida a uma análise fatorial dos Eixos Principais, com rotação varimax. Por não dispor de base teórica para definir tal estrutura, decidiu-se não estabelecer o número de componentes a serem extraídos. O conjunto de itens se mostrou adequado para realizar este tipo de análise [KMO = 0,73; Teste de Esfericidade de Bartlett, c² (190) = 737,08, p < 0,001]. Até seis fatores foram inicialmente identificados com eigenvalue igual ou superior a 1,00, explicando 59,7% da variância total. Posteriormente, depois da rotação, decidiu-se que três eram os fatores mais adequados e que deveriam ser retidos, pois reuniam acima de cinco itens e apresentavam cargas fatoriais predominantemente em torno de 0,50. Estes explicaram 30% da variância total. Os resultados desta análise são resumidos na Tabela 1 .

O primeiro fator, denominado de processo de avaliação, reuniu oito itens que acentuam a importância da avaliação psicológica no processo de exame das pessoas que estão pela primeira vez solicitando sua CNH ou procuram renová-la. Alguns dos seus itens foram: A avaliação psicológica só dificulta o processo de aquisição da habilitação; A avaliação psicológica não contribui em nada no processo de habilitação; Os testes psicológicos não avaliam nada. Seu índice de consistência interna (Alfa de Cronbach) foi 0,72. A maior pontuação é um indicativo de um julgamento negativo da avaliação psicológica.

O segundo fator reuniu oito itens, entre os quais figuraram: Os testes psicológicos são o meio mais eficiente para avaliar os candidatos a habilitação; O motorista que passou pela avaliação psicológica apresenta condições de dirigir em via pública; A avaliação psicológica é importante porque detecta se a pessoa será imprudente no trânsito. Seu conteúdo sugere identificá-lo como eficácia da avaliação, indicando a opinião das pessoas quanto a serem os testes e as escalas de avaliação psicológica (não) eficazes e/ou válidos. Este fator apresentou um Alfa de Cronbach (a) de 0,66. Sua maior pontuação indica um aspecto positivo da avaliação psicológica.

O terceiro fator, que também reuniu itens dos dois anteriores, foi nomeado como descrédito do profissional. Agrupou itens, por exemplo, como os que seguem: Os resultados da avaliação psicológica são válidos; A responsabilidade do alto índice de acidentes no trânsito é da avaliação psicológica pouco criteriosa que faz o DETRAN; Os psicólogos estão capacitados para avaliar as pessoas que tentam adquirir a habilitação. Embora seu eigenvalue atenda ao que tem sido convencionalmente aceito (maior ou igual a 1,00), seu índice de consistência interna é baixo (a = 0,28), não suportando este parâmetro psicométrico. Neste sentido, pode-se dizer que, ao menos no presente estudo, este é um fator incipiente, devendo ser excluído das análises apresentadas a seguir.

Os dois primeiros fatores foram considerados para avaliar as atitudes dos participantes no estudo em relação à avaliação psicológica para condutores. Através de Análises de Variância, com teste post hoc de Scheffé1, foram comparadas as pontuações dos quatro grupos antes indicados. Os resultados são apresentados na Tabela 2.

Considerando as médias dos grupos no fator processo de avaliação, percebeu-se que existe um diferença estatisticamente significativa [F(3/190) = 20,49, p < 0,001]. Realizado o teste de Scheffé, comprovou-se que esta diferença se deveu exclusivamente ao grupo de usuários do DETRAN (IV) que apresentou uma média de atitudes (M = 2,1, DP = 0,58) superior a dos demais grupos, lembrando: estudantes de Introdução à Psicologia (I, M = 1,6, DP = 0,43), estudantes de Técnicas de Exame Psicológico (II, M = 1,7, DP = 0,41) e profissionais que trabalham na avaliação psicológica (III, M = 1,4, DP = 0,32). Nenhuma diferença estatisticamente significativa foi observada entre estes quatro grupos em relação ao fator eficácia da avaliação [F (3/189) = 1,21, p = 0,308].

Finalmente, complementando o resultado antes apresentado, foi considerada a pergunta sobre o quanto a pessoa acreditava na eficácia do serviço de avaliação psicológica do DETRAN. Os grupos não diferiram entre si [F (3/190) = 20,49; p< 0,001]. Porém, a média geral dos participantes (M = 5,5) foi superior ao ponto médio da escala de resposta (M = 4,5), sugerindo uma atitude positiva dos respondentes frente a eficácia da avaliação [t = 5,01, p < 0,001].

 

Discussão

Foi dado um passo na tentativa de conhecer as atitudes daqueles implicados, direta ou indiretamente, na avaliação psicológica para condutores. Diferentemente de estudos que se limitam a ouvir estudantes universitários, o presente procurou conhecer também as atitudes dos profissionais e usuários deste serviço. Entretanto, não é possível obviar algumas de suas limitações, entre elas as seguintes: (1) a pesquisa se restringiu à cidade de João Pessoa, considerando um número reduzido de participantes por grupo, o que impede uma plena generalização dos resultados; (2) na falta de referências sobre quais seriam as atitudes das pessoas em relação à avaliação psicológica para condutores, adotou-se um procedimento empírico de perguntar diretamente a um grupo de pessoas. Esta foi a base que guiou a elaboração da escala ora tratada; e (3) o terceiro fator, que trata sobre o descrédito do profissional da avaliação psicológica, embora pareça importante para compreender as atitudes das pessoas neste contexto, apresentou um índice de consistência interna baixo, não admitindo a possibilidade de usá-lo para comparar os grupos em questão. Estes três aspectos juntos parecem ser argumentos suficientes para replicar o presente estudo. Dever-se-ia ampliar a amostra em tamanho e características dos participantes; rever a escala utilizada, elaborando novos itens, principalmente em relação ao fator antes descrito; e pensar em perguntas abertas que permitam captar o sentido da atitude geral de cada pessoa. Isto daria suporte para entender a natureza do seu posicionamento.

Em relação às atitudes contempladas pelos fatores processo de avaliação e eficácia da avaliação, possivelmente os resultados estão traduzindo a situação atual de ambigüidade porque passa o profissional dedicado à avaliação psicológica para condutores. As pessoas, no geral, até acreditam que a avaliação é eficaz, porém, sobretudo aquelas que estão se submetendo ao processo de solicitação da CNH, pensam que esta seria dispensável. Como antes foi comentado, o problema não parece ser da avaliação psicológica em si; provavelmente as pessoas vêem que sua presença, talvez também a da avaliação médica, torna o processo mais oneroso e dificultoso, devendo portanto ser extinta. Este porém pode não ser o raciocínio de alguns políticos, ou talvez o seja, sendo que justificado sob a ótica da incompetência dos profissionais da Psicologia. Por este motivo, ter incluído a obrigatoriedade do curso de capacitação pode representar somente uma “meia” vitória da Psicologia.

Apesar do que foi antes comentado, é preciso reconhecer que ao menos parte do desconforto do profissional a quem compete a avaliação pode se dever a um certo sentimento de incapacidade nesta área específica de atuação. Nas áreas de Psicometria (avaliação e medida psicológica) e Psicologia do Trânsito, não existe formalmente no país nenhum programa de Pós-Graduação stricto sensu recomendado pela CAPES (conceito 3 ou superior). Com uma formação geralmente dirigida para a prática de aplicação e correção de testes e escalas, o psicólogo recém-graduado ingressa no mercado de trabalho sem conhecer os critérios ou parâmetros psicométricos que precisam ser levados em conta no momento de selecionar o seu instrumento de trabalho. Em relação a este aspecto, é possível que o Fator III aqui identificado (descrédito do profissional) ajudasse a compreender as implicações atitudinais desse suposto despreparo do profissional da avaliação psicológica. Antes, não obstante, seria necessário rever sua definição e melhorar os itens que o compõem; seu índice de consistência interna ficou abaixo do que se recomenda (Pasquali, 1999).

 

Conclusão

Não se pretendeu aqui apresentar um tratado sobre as atitudes ou a avaliação psicológica no âmbito do trânsito. Todavia, espera-se que as informações prestadas possam motivar profissionais e pesquisadores dedicados a esta área. Certamente vem se fazendo algo para melhorar a avaliação dos condutores (por exemplo, a elaboração de provas psicológicas específicas, destinadas exclusivamente aos condutores). Porém, esta estratégia pode não ser a mais eficaz se não são oferecidas oportunidades para treinar o profissional em aspectos técnicos da avaliação psicológica.

Permitir que as pessoas conheçam o que se produz na área é também um elemento fundamental. É preciso fazer e divulgar o que se faz. Seria necessário uma publicação especializada na área, como a revista Psicologia e Trânsito. Esta, lamentavelmente, nasceu e sucumbiu no período aproximado de cinco anos.

Finalmente, embora a avaliação psicológica para condutores exista no país desde a metade do século passado, caminhamos a passos lentos. A Psicologia do Trânsito tem despertado o interesse de estudiosos em todo o mundo, e alguns países ibero-americanos,a exemplo da Espanha,começam a construir um campo legítimo de atuação e pesquisa (COP, 2001). No caso do Brasil, o que se observa é o esforço de pesquisadores isolados, oriundos de diversas áreas da Psicologia, como a Social (Rozestraten & Pottier, 1984) ou Ambiental (Silva & Günther, 1999). Seria fundamental organizar um evento cuja meta fosse reunir as contribuições que pudessem dar coerência a esta área flutuante, a exemplo do que ocorreu há aproximadamente 10 anos na XX Reunião Anual de Psicologia. A existência de um site (http://psicotran.cjb.net) deve ser algo valorizado neste contexto.

 

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Endereço para correspondência
Valdiney Veloso Gouveia
Universidade Federal da Paraíba
CCHLA – Departamento de Psicologia
58059-900 João Pessoa - PB
Tel.: +55-83-216-7006 / Fax.: +55-83-216-7064
E-mail: vgouveia@cchla.ufpb.br
vvgouveia@uol.com.br

Recebido em 09/04/01
Aprovado em 20/10/01

 

 

1 Este teste realiza comparações simultâneas para todas as possíveis combinações de pares de médias dos grupos tratados. Seus valores são apresentados como uma distribuição amostral F.