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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.24 n.2 Brasília jun. 2004

 

ARTIGOS

 

A relação professor-aluno na educação superior: a influência da gestão educacional

 

The relationship between professor and students in High Education: the influence of the Educational Staff

 

 

Sônia Maria Roncaglio*

Faculdade Evangélica do Paraná

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo trata da relação professor-aluno na educação superior e da influência que esta recebe da gestão educacional. Foi realizada uma pesquisa de abordagem qualitativa do tipo etnográfico, englobando entrevistas e observação de campo, com alunos e professores de um curso de Pedagogia, no segundo semestre de 2002. Como resultado, verificou-se que a gestão educacional interfere na relação professor-aluno, em três níveis, concomitantemente: através das tomadas de decisão do gestor no processo pedagógico em geral; especificamente, em seu relacionamento com o professor e com o aluno e na orientação deste nas suas dificuldades e vicissitudes. Conclui-se que há necessidade de coerência entre teoria e prática na organização do trabalho pedagógico do professor e maior integração entre gestor e professor para melhor compatibilizar interesses e objetivos educacionais.

Palavras-chave: Relação professor-aluno, Gestão educacional, Educação superior.


ABSTRACT

This is a study on the teacher-student relationship in undergraduation and the educational management influence on it. A qualitative ethnographicac aproach was applied, with enfolding interviews and observations with the students and the professors of the Pedagogy course in the second semester of the last year. We noticed that the educational management interferes in the teacher-student relationship at three levels concomitantly: through the manager’s decision-making in connection with the pedagogical process in general; specifically, in the manager’s relationship with the teacher and with the student and in the orientation given to the students in relation to their difficulties and vicissitudes. It was concluded that in the organization of the professor’s pedagogic work it stands clear the need of more coherence between theory and practice and also more integration between the educational management and the professor in order to make the interests and the educational objectives more compatible.

Keywords: Teacher-student relationship, Educational management, Undergraduation.


 

 

A educação superior, no Brasil, segue as determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei n.º 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996, que delega à União a competência para definir as normas para esse nível de ensino.

De acordo com a LDB, a educação superior tem como finalidade estimular a criação cultural, o desenvolvimento do espírito científico e o do pensamento reflexivo, incentivando o trabalho de pesquisa e investigação científica, com vistas ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura. Proporciona, dessa forma, o entendimento do homem e do meio em que vive (LDB 9394/96 – BRASIL,1996, Art. 43, incisos I e II).

A referida lei promove a descentralização e a autonomia para as escolas e universidades, além de instituir um processo regular de avaliação do ensino das instituições (Art.46). Ainda em seu texto, valoriza o magistério (Art. 67).

É nesse contexto de regras e normas orientadas pelo sistema educacional, via Lei n.º 9394/96, que, no seu artigo 12, inciso I, prevê que “os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as de seu sistema de ensino, terão a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica”, que se estabelece a relação professor-aluno.

Acreditamos que a gestão educacional e a relação professor-aluno, em alguns momentos do cotidiano escolar, convergem para o mesmo ponto, como se a gestão educacional se concretizasse nessa relação. Apesar de, num primeiro momento, parecer que a responsabilidade por essa relação seja somente desses dois atores, sabemos da influência da gestão educacional.

Este artigo apresenta uma pesquisa sobre a relação professor-aluno na educação superior e a influência que os processos de gestão educacional exercem sobre essa relação.

Assim, o objetivo desta pesquisa foi investigar a relação professor-aluno na educação superior e como a gestão de um curso de Pedagogia influencia a relação de seus professores com os seus alunos. Para obtermos a resposta, fomos verificar o que alunos e professores do referido curso têm a dizer.

O que nos levou a investigar a relação professor-aluno e a influência da gestão educacional nessa relação, nesse curso, não foi só o fato de o tema ser instigante, como o são todas as questões que se referem ao ser humano e ao que o circunda, mas também o interesse em conhecer e compreender melhor essas relações, que nem sempre são muito claras e que estabelecem um campo psicológico do qual somos sujeitos. Outro aspecto que nos mobilizou para esta pesquisa foi o fato de sermos um dos sujeitos dessa relação e, portanto, sofrermos as benesses e as agruras dela advindas. Isso nos leva à procura dos fatores que a condicionam. O fato de atuar profissionalmente nesse contexto permite-nos perceber que a qualidade da relação professor-aluno se acha relacionada a diversos fatores, e a responsabilidade de gerenciar a qualidade dessa relação não depende só desses dois sujeitos - o aluno e o professor, mas também de todo o contexto didático-técnico-pedagógico institucional.

Consideramos que o conhecimento assim produzido traz contribuições, tanto para melhor compreender as relações entre alunos e professores da educação superior, quanto para pensar novos paradigmas e avançar na gestão desse nível de ensino. Para isso, temos que entender não só seus processos e vínculos, como também os processos de gestão do curso, seus objetivos e prática.

Compreendemos a relação professor-aluno na educação superior como aquela que se constrói no cotidiano universitário e que nos permite perceber o perfil do “contrato didático”. Este é definido por Brousseau (1998, pp. 33-115) como um contrato que se estabelece entre o professor e o aluno, com regras acerca do comportamento esperado de ambos, de cada um deles.

A relação professor-aluno, na educação superior, está sujeita a normas, escolhas pedagógicas, objetivos dos alunos, dos professores e do curso, critérios de avaliação, enfim, convenções que nem sempre são estabelecidas só pelos professores e alunos, mas também pela gestão do curso, e, algumas delas, pela legislação vigente no País.

Esse conceito de contrato didático reafirma a concepção de instituições de educação superior como instituições sociais, que têm como responsabilidade a formação do sujeito não só por meio de ensino, pesquisa e extensão, mas também pela transmissão cultural, o que vai ao encontro da finalidade da educação superior expressa na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, especialmente no seu Art. 43.

Trabalhamos nesta pesquisa entendendo a gestão educacional como um processo de tomada de decisões em relação ao projeto político-pedagógico, e seu desenvolvimento como um gerenciamento do ensino que deve estar consoante com a análise da forma como a sociedade está organizada, com uma avaliação das questões econômicas, políticas e sociais existentes nessa sociedade. Isso engloba as relações interpessoais em cujo meio encontramos a relação professor-aluno que, direta ou indiretamente, encontra-se permeada pela gestão do curso como a trama de um tecido na qual os fios se entrelaçam para formar o todo.

Ao trabalharmos a relação professor-aluno, buscamos compreender as relações interpessoais e o vínculo que nelas se estabelece. Ao abordarmos o conceito de relações interpessoais, baseamo-nos em Moscovici (1985) e Tavares (1996) e em Pichon-Rivière (1986) e Bohoslavsky (1981) para estudarmos o conceito de vínculo. Revisitamos também a Pedagogia e a Psicologia para delas extrair como cada abordagem percebe a relação professor-aluno. No que tange à gestão, detivemo-nos aos conceitos apresentados por Sander (1995), Paro (2001) e Saviani (1980), autores que defendem a gestão democrática como a ideal para as nossas instituições educacionais, o que vai de encontro ao Art. 56 da LDB: “As instituições públicas de educação superior obedecerão ao princípio da gestão democrática, assegurada a existência de órgãos colegiados deliberativos, de que participarão os segmentos da comunidade institucional, local e regional”.

 

Metodologia

A pesquisa é de enfoque qualitativo, do tipo etnográfico. Em campo, utilizamos entrevistas semi-estruturadas com alunos e professores e observações diretas em vários ambientes por onde transitam esses atores .

Por ser do tipo etnográfico, a nossa pesquisa também se apresenta de modo descritivo, objetivando levantar as opiniões, atitudes e crenças dos professores e alunos do curso sobre a relação professor-aluno e a influência dos processos de gestão educacional.

Fomos a campo por dez semanas, de setembro a novembro de 2002, observar esses dois sujeitos na sua interação e como a gestão do curso interfere na relação. Fizemos entrevistas, a fim de apreender a visão de cada um desses atores sobre essa relação e compreender a relação professor-aluno no ensino superior e a influência da gestão educacional.

Além das entrevistas com professores e alunos, realizamos observações nos espaços onde transitam quando não estão em aula, como a própria sala de aula, a sala dos professores, a secretaria, os corredores, e outros.

Para análise e interpretação do material obtido, utilizamos a técnica da triangulação, que consiste na combinação de várias metodologias ou dados no estudo do mesmo fenômeno. Denzin, 1citado por Patton (1990), identifica quatro tipos básicos dessa técnica: a triangulação de dados, que trata do uso de vários dados numa mesma pesquisa; triangulação de investigador, que consiste no uso de vários pesquisadores ou avaliadores diferentes; a triangulação de teoria, que se utiliza de múltiplas perspectivas teóricas para interpretar um único tipo de dado e, por fim, a triangulação metodológica, que trata do uso de vários métodos para pesquisar um único problema. Em nossa análise, utilizamos a triangulação de teoria e a triangulação de dados.

Para chegarmos até eles, foi necessário desenvolver alguns procedimentos: a) realizamos um contato com a coordenadora do curso; b) fomos convidados a participar da reunião do colegiado do curso; c) após considerações e explicações, a nossa estada no curso de Pedagogia foi aprovada e autorizada pelo colegiado do curso; d) a partir daí, foi feito um cronograma, e iniciamos nossos contatos com alunos e professores, permanecendo na instituição por dez semanas2, de setembro a novembro de 2002.

Esse curso de Pedagogia tem 480 alunos, distribuídos, no turno da manhã, em uma turma de 1ª série, uma de 2ª e outra de 3ª série. À tarde, possui uma turma de 3ª ano. No período noturno, quatro turmas de 1ª , três de 2ª e duas de 3ª série. O corpo docente é composto por 30 professores, especialistas, mestres e doutores, que transitam nos três turnos.

No decorrer das dez semanas que permanecemos na instituição, entrevistamos dezenove alunos e sete professores. As entrevistas com aqueles ocorreram no período que antecedia a primeira aula e nos vinte minutos de intervalo entre a segunda e a terceira aula.

Tanto para os professores quanto para os alunos, primeiramente, conversamos sobre a relação professor-aluno no ensino superior. No segundo momento, foi indagado aos alunos o que sabiam sobre gestão educacional, se achavam que ela influenciava a relação professor-aluno e como. Com os professores, conversou-se sobre o conceito de gestão, se a forma de gestão do curso estava clara para eles e como a gestão influencia a relação professor-aluno.

As entrevistas foram gravadas, com a autorização do entrevistado, e posteriormente transcritas.

 

Resultados e Discussão

O grupo entrevistado foi composto por dezenove alunos e sete professores. Três dos alunos entrevistados eram da primeira série, nove da segunda e sete da terceira série. A quarta série desse curso de Pedagogia só será implantada em 2003 (até 1999, era de apenas três anos).

O corpo discente ao qual nos referimos apresentou-se de modo bastante heterogêneo, sob vários aspectos. Com relação à faixa etária, a maioria tem entre dezoito e vinte e cinco anos, dependendo do grau de inserção no curso, das expectativas e das motivações que o levaram a cursar Pedagogia. Constataram-se, por exemplo, casos em que alunos ali estão por terem sido aprovados em segunda opção; outros, por serem professores do ensino infantil e fundamental, portanto, de acordo com a LDB, deverão, até 2007, ser diplomados em curso superior; outros, porque os filhos já estão crescidos e resolveram completar a sua formação.

Observamos, também, que a maioria dos alunos não tem disponibilidade de dedicação exclusiva ao curso, pois suas condições socioeconômicas exigem que conciliem o estudo com atividades profissionais, ou seja, alunos do período da manhã trabalham à tarde, os da tarde, pela manhã, e os alunos do período da noite trabalham durante o dia.

O corpo docente era formado por trinta professores, dos quais sete foram entrevistados. Dentre estes, identificamos que existem diferentes formações acadêmicas, como Letras, História, Fonoaudiologia, Pedagogia, e outras. Com pós-graduação, encontramos especialistas, mestres e doutores, o que demonstra a preocupação da instituição com a elevação da qualidade do ensino. Convém ressaltar que a função dos professores na universidade transcende a tarefa do magistério, estendendo-se às atividades de pesquisa, orientação e gestão educacional.

O projeto pedagógico, no qual está inserida a estrutura curricular, encontra-se em processo de reestruturação, atendendo às novas demandas da universidade e à legislação do ensino superior em âmbito nacional. Atualmente, o currículo é formado por um conjunto de disciplinas que compõem 3200 horas, distribuídas nas três séries, com conteúdos teóricos e práticos que possuem a função precípua de formar o pedagogo para a educação infantil, séries iniciais e gestão na Educação.

 

Resultados, Análise e Interpretação
Falas dos Alunos

Em primeiro plano, convém fazer uma breve alusão ao significado das expressões mais recorrentes que emergiram das entrevistas. Entre elas, temos: “relação aberta”, “exigência”, “organização”, “estrutura”, “didática”, “se preocupam conosco”. A primeira expressão aparece dotada de significados ambíguos: ora ela evoca aproximação entre professor-aluno, concorrendo para uma melhor qualidade do ensino, ora é negativizada pela preferência da doutrina tradicional de ensino. Quanto às demais, é possível inferir-se que os alunos avaliam o professor positivamente, pois através desses qualificativos demonstram o bom conceito que atribuem ao educador. Porém, como se verá adiante, todo discurso é dotado de duplo sentido, o que significa que tanto os aspectos positivos quanto os negativos são valorados, dependendo do contexto ou do campo lingüístico em que se insere. Embora tais expressões tenham sido recorrentes, optamos por analisar as entrevistas através de temas, extraindo delas seus conteúdos principais. Antes disso, cabe ressaltar, ainda, que tais temas estão direta ou indiretamente relacionados com o nosso foco principal de análise: como a relação professor-aluno é influenciado pela gestão educacional.

 

Tema 1 - A prática pedagógica

Ao perguntarmos sobre a relação professor-aluno, a maioria dos alunos ressaltaram a importância de a prática do educador em sala de aula ser coerente com o seu discurso. O professor é considerado pelos alunos como o modelo a ser seguido e o elo do aluno com o conhecimento. Relataram que os professores criticam a escola tradicional e ensinam a importância de incentivar os alunos a trabalhar com o lúdico, mas, na sua prática, em sala de aula, na educação superior, passam muita teoria e não se utilizam da didática e dos recursos pedagógicos que dizem ser importantes. Com isso, os alunos salientam que, em algumas disciplinas, há um hiato entre a teoria e a prática, na ação docente. Algumas alunas comentaram:

(...) eu estava até conversando com a nossa professora de [...] a gente aprende praticamente 4 anos como você incentivar criança, o lúdico. E eu acho que no terceiro grau, mas isso de uma forma geral, é um massacre. Porque tudo o que eles falam do tradicional é aquela desova de conteúdo. [...] Eu acho que os recursos pedagógicos são muito mal utilizados. Retroprojetor, quando eu vejo retroprojetor eu já me encrespo, porque eu acho que é o recurso que é mais utilizado, e eu acho um saco aquele troço (Entrevista 1).

(...) Uma coisa que eu percebo muito e que revolta um pouco, é o que a gente aprende na teoria e que querem que a gente coloque em prática não está sendo aplicado com a gente na prática (Entrevista 17).

(...) Eles estão ensinando a gente que a gente tem que conquistar a criança. O que tem que fazer? Despertar o interesse da criança, mas eles não fazem. Então a gente vê muito assim, a teoria é uma coisa e a prática deles é outra. E daí para a gente está ensinando aquela teoria que a gente tem que agir daquele jeito, mas eles estão agindo diferente, sabe. Então é a questão do falar uma coisa e fazer outra (Entrevista 19).

 

Tema 2 - A Prática Democrática e Autoritária de Ensino

Com referência à relação dos professores com os alunos, em termos interpessoais, estes conseguiram discernir dois tipos de professores: o autoritário, com o qual estabelecem a comparação com educadores da escola tradicional, e o democrático, que chamam de facilitador, professor amigo, por julgar desenvolver uma relação mais aberta, de mais proximidade.

Como vimos, segundo Abreu e Masetto (1990, p. 113), “o professor e o aluno interagindo formam o cerne do processo educativo”, o que significa que a aprendizagem só ocorre na dinâmica das relações entre esses dois atores. Em outros termos, é preciso superar a relação tradicional entre professor e aluno que imperou de forma dominante por muitos anos na prática pedagógica, e ainda impera em alguns contextos de ensino em todos os níveis, inclusive no superior. Sabe-se que essa prática eficaz toma como ponto de partida o universo sociocultural e psicológico do aluno para que se desenvolva um processo comunicativo-facilitador da aprendizagem. É nessa direção que parece inserir-se a pedagogia proposta por grande parte dos docentes desse curso de Pedagogia, com algumas exceções. Depreendemos isso das seguintes falas:

(...) aqueles que procuram até de uma forma a questão assim de oportunizar, de meio que de igual para igual ou como facilitador como a gente sempre aprende que tem que ser, eu vejo que existe muita falta de respeito de muitos alunos (Entrevista 1).

(...) os outros já chegam, eles já... quando uma aluna quer falar, por exemplo, da escolinha da gente, deixa, pára um pouco o conteúdo dele, reflete. Volta, mas coloca relacionando com o conteúdo dele (Entrevista 2).

o acesso ao professor. O diálogo com o professor, ele se preocupa com você, conversa com você. Se você tem algum problema você tem liberdade de chegar nesse professor e conversar com esse professor e esse professor ele vai te ouvir, e ele vai procurar te compreender, vai te dar diversas opções para que você consiga realizar aquilo, consiga alcançar aquele objetivo que ele propôs para você (Entrevista 13).

Outros entrevistados revelam a mesma perspectiva quando indagados sobre a relação interpessoal que se processa com o professor e o aluno, acentuando a liberdade de comunicação e expressão, a estruturação de conteúdos adaptados à realidade do educando, flexibilidade das normas do contrato didático e autonomia. Em suma, a acessibilidade ao professor, a relação dialógica guiada por princípios filosóficos humanistas, faz com que o aluno melhor participe do processo de ensino aprendizagem. Como veremos a seguir:

é uma relação mediadora que o professor nos indica o caminho e a gente tem que ir seguindo, a gente vai fazendo a trilha, eles vão só indicando. Mas a opção fica do aluno, tomar escolha do caminho. [...] Uma relação de troca e mais de busca do aluno. [...] O professor trabalha junto com a gente [...] a gente tem troca de idéias (Entrevista 16).

eu acho que bem aberto, bem... você consegue colocar as suas... a sua posição. Eu acho que é bem aberto, acho que é uma relação bem de busca, de autonomia, tanto com o professor quanto com a gente (Entrevista 15).

Apesar disso, constatamos que relações de poder permeiam a estrutura universitária e, em particular, o curso de Pedagogia pesquisado, seja pelas relações intrínsecas entre professor e aluno, seja a partir da postura pedagógica adotada pelo educador. Isso demonstra que a prática democrática não se exerce em sua totalidade, pois encontramos relatos que deixam clara a existência de professores que se utilizam de uma pedagogia autoritária no exercício de sua função. Não podemos deixar de considerar que, segundo Foucault (1979), saber e poder estão intimamente entrelaçados no mundo contemporâneo. Os dois depoimentos a seguir traduzem essa assertiva dentro do próprio universo dos educandos, ao questionar como o professor reduz sua proposta pedagógica à sua titulação maior.

porque tem muito professor que acha que fez doutorado é o senhor. Tipo, ele sabe, ele fez doutorado, pronto e acabou. Mas isso sempre tem (Entrevista 6).

[...] eu vejo muito assim que alguns se engrandecem de terem doutorado, mestrado. E acham que por ter isso basta para estar dentro de uma sala de aula. Acho isso um gravíssimo erro, acho isso muito grave. Eu acho que não é por isso, até por ele ter toda essa bagagem é que ele tinha que ser assim, Nossa! Super, sabe? De passar muito mais coisa (Entrevista 17).

Entretanto, a reação de parte dos alunos à postura autoritária dos professores não se reduz à titulação. Outros fatores, como inflexibilidade, alto grau de exigência, sem oferecer retorno, teoria desvinculada da reflexão e da prática, denotam relações de poder do educador que se distancia da realidade do aluno, fazendo com que o processo ensino-aprendizagem seja unilateral, acrítico e desprovido de uma prática democrática.

Exemplificando as exceções em relação ao professor democrático, apresentamos os relatos a seguir:

(...)tem um apenas que eu acho assim, que ele é um professor tradicional. Ele entra, dá a aula, quer vencer o conteúdo dele, e tipo assim, não pergunta, não questiona muito com você. [...] Ele é um cara fechado ( Entrevista 2). nós temos professores autoritários em sala de aula, que o quê, por exemplo, que eu aprendi no início, em todos os... no primeiro ano, principal coisa que eles falam, separem o profissional do pessoal (Entrevista 18).

Nessa direção, constatou-se, também, conforme assinalado, que o discurso é carregado de conteúdos ambíguos. Dessa forma, nem sempre a competência foi correlacionada com a prática democrática, assim como nem sempre o autoritarismo aparece negativizado, principalmente quando correlacionado com competência. Nesses termos, ora o autoritarismo, como postura pedagógica, é percebido em si mesmo, negativamente, ora tal postura adquire o significado positivo de competência. O depoimento seguinte ilustra essa afirmação:

porque você tem professor autoritário, mas tem o professor autoritário competente. E daí você diz assim ‘está certo, porque ele quer ordem aqui, quer que você preste atenção, ele quer que você trabalhe’. Mas tem professor autoritário que não dá matéria e tem o professor laisse fare mas que faz isso porque não tem competência. E a gente se sente de mãos atadas (Entrevista 19).

 

Tema 3 - Educador como modelo

Na teia das relações existentes no contexto escolar, foi possível identificar que o professor do ensino superior continua sendo modelo, uma referência, um espelho para o aluno. De acordo com Cunha (2001), assim como os professores atuais foram influenciados pela prática pedagógica de seus professores, podem, com certeza, influenciar seus alunos. O professor precisa estar consciente de que, através da sua prática docente, estará servindo de modelo, e, muitas vezes, o aluno o tem como modelo sem refletir sobre a sua prática. Selecionamos o depoimento de uma das alunas entrevistadas para ilustrar a nossa constatação:

[...] porque no ensino superior a gente também se espelha no professor e, uns, você tem que ter a mente bem aberta para saber que não pode seguir o modelo (Entrevista 10).

Por outro lado, alguns alunos declararam perceber que há falta de respeito dos alunos para com os professores. Segundo eles, determinados educandos pensam que, por estarem na universidade, não há mais necessidade de respeito, como se tal postura só coubesse nos outros níveis de ensino. Outro aspecto interessante que detectamos é a relação existente entre o professor mais ou menos exigente e o respeito. De acordo com alguns alunos, quanto mais exigente for o educador, mais será respeitado pelos discentes. Os professores que mantêm um relacionamento de maior proximidade são mal-interpretados por esses alunos, não recebendo o devido respeito. Isso denota que os alunos, ou alguns deles, no ensino superior, apresentam dificuldades em reconhecer os limites dos papéis representados por eles e pelos seus docentes.

[...] e uma relação de respeito, de amizade para com alguns. Percebo muita discussão porque alguns alunos faltam com respeito aos professores, porque acham que são universitários não precisam mais respeitar os professores (Entrevista 11).

 

Tema 4 - A gestão educacional

Considerando a gestão como um processo de tomada de decisões e gerenciamento do curso, ela assume um papel bastante significativo na relação professor-aluno e no processo pedagógico como um todo. Foi nessa perspectiva que a gestão e suas repercussões na relação professor-aluno – objeto central de nossa preocupação – foram abordadas.

O total de alunos entrevistados, como registramos anteriormente, foi de dezenove, extraídos da primeira, segunda e terceira séries. Com os alunos da primeira série, confirmou-se o que já tinham nos alertado a coordenação e alguns professores: eles ainda não têm a compreensão sobre o significado de gestão. Esse foi um dos motivos que nos levou a entrevistar um número mais reduzido de alunos desse período. Já nos primeiros contatos, percebemos isso, e os próprios alunos relataram ter dificuldades em abordar o tema por estarem no início de um curso superior. E, como disse uma no início de um curso superior. E, como disse uma aluna da primeira série, “Bom, eu não tenho assim muita coisa, eu estou começando agora”.

Conforme informações recebidas da coordenação do curso, os conteúdos específicos sobre gestão estão inseridos no currículo a partir da terceira série. No segundo ano, os alunos, na sua maioria, vêem a gestão educacional apenas como uma questão de estrutura e organização, ou seja, o gerenciamento do curso. Constatamos, de acordo com os conceitos de gestão, que esses alunos estão começando a puxar a ponta do novelo para a compreensão de um paradigma emergente de gestão com estruturas circulares, integradas e decisões tomadas através do diálogo, da negociação (Bordignon; Gracindo, 2000).

Os alunos utilizam a semana pedagógica para exemplificarem esse paradigma. Sugerem que ela seja organizada por professores e alunos; consideram que estes devem ser consultados sobre os temas e os palestrantes. Os alunos da terceira série relatam que sabem o que é gestão, mas têm dificuldade de expressar esse conceito:

[...] a gestão é... a gestão é uma administração. Gestão no caso aí depende, tem vários enfoques. Mas eu acredito que a gestão no caso da Pedagogia seria uma, uma direção, uma forma de administrar a Educação (Entrevista 15).

Os discentes relacionam a gestão com a figura do coordenador do curso. Afirmam que isso ficou muito claro quando houve a troca de coordenador este ano, no curso de Pedagogia. Essa troca foi percebida em sala de aula, pois, de acordo com a exigência da nova coordenação, modificou a exigência dos professores e modificou sua relação com os alunos.

De acordo com Morin (1997), quando toma decisões e/ou apresenta soluções, o gestor o faz não só consoante com a teoria de gestão, mas também de acordo com as políticas que privilegia, marca de seus princípios e valores, da sua filosofia pessoal.

Ao ser indagada se percebe alguma relação entre a gestão do curso e a relação professor-aluno, uma das alunas entrevistadas responde da seguinte forma:

[...] eu acredito que sim, eu acredito que acaba tendo. Ao mesmo tempo a gente vê que há problema entre a parte administrativa e a docência.

[...] A gente não vê cumplicidade de estar junto, um ter o acompanhamento do outro. É muita crítica um do outro, sabe. Então isso acaba prejudicando o aluno (Entrevista 17).

Outra aluna, ao comentar como resolve suas questões na universidade, assinala:

[...] então, muitas vezes a gente leva à coordenação. A coordenação passa de forma, de uma forma que nós não entendemos para o professor. O professor chega extremamente agressivo na sala de aula. Então com palavras agride muito e acaba assim parecendo que quer se vingar, e te sacanear. Então está um clima pesado (Entrevista 18).

Como vimos, a maior parte dos alunos entrevistados, tendo uma noção vaga ou mais abrangente do significado de gestão, percebe que há uma influência dos processos desta na interação professor-aluno.

 

Fala dos Professores

O corpo docente entrevistado foi composto de seis mulheres e um homem, o que confirma a inexpressividade da presença masculina também aqui, no curso de Pedagogia.

É interessante observar que os professores que já trabalharam em outros níveis de ensino e hoje lecionam na universidade relataram que dar aulas no ensino superior é mais “prazeroso” , proporciona crescimento e avanço profissional devido à constante necessidade de estar atualizado. Isso, na medida em que, no contexto universitário, ensino, pesquisa e extensão estão articulados e, em conseqüencia, a aprendizagem se torna mais efetiva.

 

Tema 1 - A Prática Pedagógica

Da mesma forma que para os alunos, foi indagado aos professores como percebem a relação professor-aluno no ensino superior. Eles a percebem como uma relação bem mais flexível, fundamentalmente, na forma de trabalhar os conteúdos. No discurso dos docentes, principalmente, nos que têm como base de formação a Pedagogia, vê-se a necessidade de acreditar na perspectiva humanizadora da Educação. Esses professores têm constatado que, nos outros cursos, muito mais do que no de Pedagogia, há um avanço maior nessa direção. Sob essa ótica, o curso de Pedagogia, que deveria ser o ‘carro chefe’ dessa visão de Educação, acaba ficando para trás. Isso contribui para que a prática dos docentes se distancie da teoria apresentada em sala de aula. Estes também percebem uma dicotomia entre a teoria e a prática. Pregam uma Educação mais humanizadora, criativa, na qual a história e o potencial dos alunos devem ser considerados, e, na realidade, enquanto professores, trabalham com provas, notas, cobranças, enfim, ensino e avaliação da aprendizagem nos moldes da escola tradicional, tendência pedagógica que impõe, a todos os alunos que integram um universo diversificado, o mesmo ritmo. A avaliação é realizada unicamente com o objetivo de aferir o quanto do conteúdo transmitido foi assimilado As seguintes falas expressam a visão da necessidade de um ensino mais flexível e de uma perspectiva humanizadora da Educação, tanto no nível de ensino, quanto no nível da gestão, e o descompasso entre teoria e prática:

[...] porque hoje acredito que com tantos anos de magistério no ensino superior o professor se torna mais flexível, e nos dias de hoje essa flexibilidade é necessária (Entrevista 3).

[...] eu acredito que a perspectiva humanizadora é tudo ao nível de Educação. Eu acho que o mundo vai realmente conseguir alguma coisa a partir do momento que essa perspectiva passar a ser concretizada, passar a ser real ao nível da gestão da Educação. O que a gente percebe muito, é que nas outras esferas, não tanto na educacional, há um avanço, até muito maior nessa ótica, do que na própria Educação. Enquanto nós estamos perseguindo caminhos já ultrapassados você vê, por exemplo, na área das grandes empresas, na área de recursos humanos, já um pensamento totalmente diferente dessa ótica valorizando o ser humano, tentando atingir as suas necessidades, os seus interesses, partindo do que realmente é possível o homem realizar. E, na Educação, muitas vezes a gente continua perseguindo caminhos que a gente mesmo considera ultrapassados e... [...] eu concordo com os alunos, nas reivindicações deles ...

... muitas vezes. Eles reclamam de coisas altamente plausíveis. E eles dizem: “O discurso que vocês fazem é um e a prática de vocês muitas vezes é outra.” Então, isso aí, é discrepante , ali. E realmente você vê, então você fala numa avaliação mediadora, você fala numa avaliação processual, contínua, de repente você, você pega... Você pega e dá uma prova e cobra, exige a nota e reprova e não quer ouvir aluno. Então isso aí é um conflito bastante grande que se estabelece (Entrevista 4).

 

Tema 2 - A prática Democrática e a Autoritária de Ensino

Grande parte dos docentes entrevistados se percebem como professores que mantêm uma relação aberta, harmoniosa e de respeito mútuo com os alunos. Fica claro, em suas afirmações, que o fato de terem essa forma de relacionamento com os alunos não significa que a sua autoridade como professor deixe de existir. O que desaparece, nesse tipo de relação, é o autoritarismo. Apesar disso, apenas um se manifestou, claramente, afirmando que a relação autoritária perpassa a prática pedagógica, principalmente nos primeiros anos do exercício profissional, quando o professor se sente inseguro em ministrar as aulas e, por conseguinte, na interação com os alunos. Os depoimentos abaixo retratam a visão majoritária dos docentes sobre a sua postura pedagógica. Embora a maioria das entrevistas revelem que o professor procura manter com o aluno uma relação aberta, o exercício da democracia pressupõe dificuldades inerentes a relações de caráter assimétrico. A primeira entrevista pontua um discurso mais harmonioso na interação professor e aluno. A última entrevista já coloca a questão da prática pedagógica em sua assimetria, enfatizando a importância da autoridade no processo de ensino, ainda que a relação deva ser aberta o suficiente para facilitar a aprendizagem.

eu acho que ela [a relação professor-aluno no ensino superior] é mais... digamos assim, bem mais próxima do que nos outros ramos do ensino (Entrevista 1).

olha, eu vejo que tem alguns momentos que ela [a relação professor-aluno] é complicada, bastante complicada. Principalmente quando você atua numa instituição privada e a gente, o aluno, alguns deles, eles têm aquela idéia de que eles pagam então eles podem tudo e mais alguma coisa. [...] Mas o que me entristece é aquele aluno que acha que ele está aqui só para ter uma nota e se preocupa com a nota e com freqüência, mais nada. E aí ele tenta, muitos tentam coagir o professor. Aí que o professor precisa ser, ter muito jogo de cintura. A gente vivencia isso aqui em alguns momentos, sim. Mas eu acho que, por exemplo, essa relação, para ela ser uma relação sadia, uma relação de respeito, com ética, o professor ele tem que se colocar desde os primeiros encontros que ele tem com a turma, como autoridade em sala de aula, não como um indivíduo autoritário. Entendeu? Eu posso, eu mando, eu quero, vai ser assim. Mas como autoridade. (Entrevista 7).

A entrevista 7 revela ser a única da pesquisa em que o professor discute, com clareza, a relação professor-aluno como um problema. No início da fala, o professor afirma a dificuldade de interagir com alunos que “pagam, então podem tudo” e “só se preocupam com a nota e com freqüência, mais nada”. Admitindo que isso seja nefasto para o ensino, o educador repropõe a relação em outros termos – uma relação de respeito, com ética – porém com autoridade. Ao mesmo tempo, enfatiza seu conceito de autoridade, que difere de autoritarismo, demonstrando que a verdadeira prática pedagógica se exerce “dominando [...] o conteúdo, propondo atividades pertinentes, discutindo com a classe, cobrando dos alunos nesse sentido”.

Nessa entrevista, fica claro que o professor admite que, não obstante possa haver uma relação de respeito mútuo entre professor e aluno, o vínculo de dependência também se faz presente nesse contexto, à medida que pressupõe ser essa relação assimétrica e permeada pela autoridade.

Isso vai ao encontro do pensamento de Bohoslavsky (1981), que vê no ensino o vínculo “natural” de dependência e que esse se manifesta em pressupostos do tipo:” o professor sabe mais que o aluno e deve protegê-lo no sentido de que este não cometa erros; o professor deve e pode julgar o aluno e também pode determinar a legitimidade de seus interesses e também deve definir a comunicação. “

Assim, por mais aberta e flexível, por mais que o professor se apresente para o aluno como um facilitador da aprendizagem, a relação professor-aluno, como constatamos, apresenta-se como uma relação de autoridade, assimétrica e vertical, ainda que num contexto democrático. Não nos esqueçamos, porém, de que o limite entre autoridade e exercício do poder pelo saber pode ser bastante tênue, dependendo da profundidade da consciência e da prática pedagógica do professor.

 

Tema 3 - Gestão educacional

Em relação à gestão do curso de Pedagogia pesquisado, constatamos que os professores têm consciência da gestão do curso e também da gestão institucional. Compreendem a gestão do curso como parte da gestão institucional e afirmam que as decisões, as normas, são discutidas em colegiado, do qual participam o coordenador, os professores e um representante dos alunos. As reuniões do colegiado são realizadas semanalmente. É na coordenação do curso, representada por uma professora indicada pela diretora, que recai a representação da gestão. A coordenadora do curso havia assumido o cargo há dois meses.

O que é importante ressaltar, nesse contexto, é que, segundo vimos anteriormente, em Morin (1977), os gestores imprimem na sua gestão os seus valores, a sua filosofia pessoal, podendo, dessa forma, alterar a interpretação e a concretização da leitura institucional. Nesses termos, fica claro que a gestão do curso, conforme o seu representante, interfere na relação professor-aluno. Esse fato foi confirmado pelos depoimentos a seguir:

[...] é muito clara [a gestão do curso], mas ao mesmo tempo é conflitante. Muitas vezes pela própria cultura organizacional. A gente sabe que você tem valores, tem normas, tem regras, tem princípios que sustentam toda essa instituição, mas por outro lado, às vezes, mudança de pessoas já altera profundamente toda a concretização dessa leitura (Entrevista 4).

[...] é claro que esse tipo de gestão interfere muito no relacionamento [professor-aluno] [...] Com certeza! Os professores sentem que precisam atender os alunos com tranqüilidade, atender as suas pretensões. O que numa outra [outra instituição] talvez não seja exigência, talvez não seja norma. Então a gestão interfere sim e bastante nesse relacionamento (Entrevista 3).

Outra declaração bastante significativa é a que evidencia claramente que a gestão adentra a sala aula com o professor, com seus valores pessoais, como representante da instituição e da sua filosofia:

O professor não entra sozinho e o aluno também ele percebe claramente as características do gestor. Se é um gestor claro, sério, comprometido também, se é um gestor que consegue, tratar com o aluno (Entrevista 7).

 

Reflexão

Do que foi exposto neste capítulo, e sem cair na ideologia da superioridade absoluta do ensino universitário, talvez possamos, de acordo com a fala dos alunos e professores, considerar que ser aluno e ser professor no ensino superior – com todos os conflitos e contradições inerentes a esse contexto – seja uma experiência vivenciada pelos dois sujeitos com muito mais responsabilidade do que em outros níveis de ensino. Afora os discentes não comprometidos com a realidade educacional, conforme apontado em entrevistas, quando se referem a alunos que só estão em busca de nota e freqüência, e acreditando que, para conseguir o que almejam, seja suficiente pagar, alunos e professores reafirmam a responsabilidade que o ensino superior lhes impõe. Da mesma forma que, para os alunos, é a preparação para a vida profissional e representa a ampliação e produção do conhecimento, para os docentes aumenta o nível de exigência para a preparação da aula, o nível de abrangência do conhecimento e o desenvolvimento de atividades de pesquisa e extensão com os discentes. O aluno, agora adulto, questiona mais e exige mais respostas do professor, o que expressa senso crítico - uma das principais habilidades que devem ser desenvolvidas no ensino superior.

[...] Vejo que no ensino superior, não que eles – na.... no caso – não que eles não fiquem em cima do aluno, mas a responsabilidade de classe é maior. Já no ensino... segundo grau eles estão mais em cima para a gente aprender. E aqui a gente tem que ir atrás. Lógico que eles querem que a gente aprenda, mas o... como eu posso dizer? A gente tem mais responsabilidade. (Entrevista 8).

Um dos pontos comuns, presente no discurso dos professores e dos alunos, foi a predominância de uma relação aberta, facilitadora da aprendizagem, não obstante a relação do poder pelo saber tenha, também, sido assinalada. Identificamos, nas entrevistas, que um dos aspectos que interfere negativamente na relação professor-aluno concerne à defasagem entre teoria e prática no processo pedagógico, o que traz sérias conseqüências para a formação do educador, já que um dos professores relata que o curso formula, teoricamente, práticas modernas e criadoras e desenvolve, em sua prática, uma pedagogia presa a paradigmas tradicionais.

Em relação à gestão educacional, depreendemos que, enquanto para os alunos o seu significado é pouco conhecido, para os professores há clareza de conceitos e valores instituídos e sua interferência na interação do professor com o aluno, seja positiva ou negativamente, depende das normas da instituição e da subjetividade do gestor. A compreensão desses conceitos e valores instituídos pela gestão, por professores e alunos, vai permitir a esses atores maior clareza no contrato didático e o estabelecimento de uma relação mais equilibrada, menos conflitante.

No que se refere à influência da gestão na relação entre os dois principais atores do processo ensino-aprendizagem (professor-aluno), percebemos, através das entrevistas e observações, que a gestão do curso interfere em três níveis, concomitantemente: através das tomadas de decisão do gestor no processo pedagógico em geral; especificamente, em seu relacionamento com o professor e com o aluno, e na orientação deste nas suas dificuldades e suas vicissitudes.

Sim, mas por outro lado é muito clara [a filosofia da gestão], mas ao mesmo tempo é conflitante muitas vezes pela própria cultura organizacional. Que a gente sabe que você tem valores, tem normas, tem regras, tem princípios que sustentam toda essa instituição, mas por outro lado às vezes mudança de pessoas já alteram profundamente toda a concretização dessa leitura. [...] Com certeza! Veja bem,o clima institucional é tudo, é afetado por essa cultura direto [...]. Agora se você está amarrada a certos critérios, a certos princípios rígidos a não poder, a não fazer, isso aí de certa forma também deixa transparecer porque você muitas vezes limita o aluno na sua manifestação em prol de uma regra maior (Entrevista 4)

De acordo com a fala dos professores, podemos observar que as tomadas de decisões do gestor vão interferir na relação do professor com o aluno na medida em que suas decisões (do gestor) vão estar veiculadas no projeto político-pedagógico, documento que dá identidade ao curso e que serve de elemento norteador para a ação docente. Como vimos em Bordignon e Gracindo, (2000), ao se constituir uma instituição educacional, é necessária a prática de concepções políticas e pedagógicas que se realimentam e se corporificam no seu projeto político-pedagógico. O caráter político desse projeto promove a ação da sociedade e o pedagógico é o substrato da função escolar.

A gestão do curso vai dar suporte ao trabalho pedagógico, que não se constitui somente em ações na sala de aula, mas, também, em ações por parte de outros elementos do sistema universitário (reitoria, direção, coordenação, secretarias) que estão em contato direto ou indireto com os alunos e professores e que, portanto, têm o seu papel no processo de tomadas de decisões. Assim, o processo de tomada de decisão não pode ocorrer isoladamente, mas deve ser um processo de construção coletiva no qual cada um cumpre a sua função e participa da construção de um ensino superior efetivamente de qualidade.

A maneira como o professor e o aluno se relacionam, individualmente, com a gestão do curso, através da figura do coordenador, influencia o comportamento dos mesmos em sala, interfere na forma como realizam suas atividades e, por conseguinte, em como se relacionam entre si. De acordo com Moscovici (1985), as relações interpessoais são interações humanas que ocorrem permanentemente entre as pessoas através de comportamentos manifestos e não-manifestos, verbais e não-verbais, pensamentos, sentimentos, reações mentais e/ou físico-corporais.

Da mesma forma, a maneira como o coordenador, representando a gestão do curso, vai orientar o aluno, e também a forma como esse aluno vai receber a orientação, modifica o comportamento do mesmo e pode alterar a sua relação com o professor.

 

Considerações Finais

No interior da universidade, ocorrem múltiplas relações, sendo a relação professor-aluno uma das mais importantes. No equilíbrio desta, encontramos o “tom” da relação pedagógica; dela também depende a relação do aluno com o conhecimento, com a aprendizagem e, por que não, com todo o contexto universitário.

De acordo com nossa observação, durante o período da pesquisa, percebemos que cabe ao professor a decisão de desenvolver o plano do curso, definir os conteúdos, a metodologia, a bibliografia, enfim, determinar como se dará o processo de construção do conhecimento. Ao aluno, cabe acatar as decisões docentes, estudar, aprender e provar que aprendeu e é capaz de produzir conhecimento. Isso caracteriza a relação autoridade-subordinação, dominador-dominado. Dessa forma, entendemos que o professor tem o papel de controle social do processo educativo ; a ele cabem as decisões desse processo.

Observamos que a relação professor-aluno é caracterizada pela assimetria e pela troca de influências entre individualidades distintas, o que permite que se estabeleça um vínculo de dependência entres seus atores. De acordo com Tavares (1996), a assimetria remete-nos à não-sobreposição da relação interpessoal. Por maior que seja o seu grau de reciprocidade relacional, os sujeitos da relação continuam sendo um ser uno , único e distinto.

Também nas interações entre a relação professor-aluno e a gestão do curso, vamos encontrar uma troca de influências, na qual as tomadas de decisões da gestão vão modificar alguns aspectos dessa relação de forma consciente ou inconsciente. Por outro lado, o comportamento da relação professor-aluno vai interferir, de alguma forma, nas definições de novas medidas tomadas pela gestão.

Apesar de existirem publicações versando sobre a gestão democrática e o esforço de muitos professores em realizarem esse tipo de gestão na sua prática pedagógica, observamos, em nossa pesquisa, que a gestão da universidade enquanto sistema continua apresentando um modelo vertical, em que as decisões vêm de cima para baixo, estabelecendo relações de autoridade. Nesse tipo de relação, o poder não se exerce, impõe-se. Essa prática de gestão pode alterar a relação professor-aluno, muitas vezes criando conflitos difíceis de serem resolvidos. Outrossim, entendemos que a gestão da universidade, a de um curso de graduação, está vinculada à gestão do Sistema Educacional Brasileiro pautado no modelo vertical. Talvez fosse necessário que esse sistema adotasse uma filosofia de Educação que possibilitasse uma estrutura circular, integrada, em que as formas de ação pudessem ser mais autônomas e as decisões tomadas coletivamente.

O professor na educação superior também é modelo para os alunos. Isso fica muito claro na fala dos alunos entrevistados. É necessário que o professor se conscientize desse fato, pois, muitas vezes, o educando o segue sem nenhuma reflexão sobre a sua postura de docente ou enquanto pessoa, o que imprime maior responsabilidade à sua prática de mestre. É importante que seu discurso seja coerente com a sua prática. Em nossa pesquisa, detectamos que nem sempre a lógica acontece. No caso do curso de Pedagogia pesquisado, muitas vezes, o professor apregoa determinados conceitos sobre a prática docente que não são aplicados por ele em suas aulas (é o que relatam alunos e professores).

Tanto os gestores do curso quanto os professores na gestão de sua aula (preparar, organizar, planejar uma aula é uma forma de gestão educacional) imprimem a sua filosofia pessoal, os seus valores, a sua marca, os quais, de alguma forma, podem alterar a interpretação e a concretização da leitura institucional, fator esse que vai interferir na relação professor-aluno.

No universo da nossa pesquisa, predomina uma relação baseada em valores humanistas, aberta, flexível, facilitadora da aprendizagem entre professores e alunos. Porém, encontra-se, em muitos momentos, o predomínio da autoridade, do poder autoritário, da posição hierárquica em relação ao saber. Consideramos que, atualmente, as diferentes tendências pedagógicas coexistem, não só na mesma instituição como na mesma sala de aula. Há diferenças de posturas metodológicas e filosóficas entre os professores que são percebidas pelos alunos em sala de aula. Essas diferenças imprimem a marca do professor, traçam o perfil da sua prática docente.

A gestão do curso interfere na relação professor-aluno através das tomadas de decisão do gestor, através do seu relacionamento com o professor e com o aluno e também na forma como os orienta nas suas dificuldades.

Embora, neste trabalho, busquemos compreender a relação professor-aluno no ensino superior e a influência que esta recebe da gestão educacional, é importante destacar que o tema aqui abordado é complexo e envolve outros aspectos que necessitam complementação com informações de caráter acadêmico, comportamental e afetivo-emocional. As análises e reflexões aqui realizadas constituem subsídios importantes para ampliar a discussão e compreensão da relação professor-aluno no ensino superior. Sugerimos que outras pesquisas sobre o tema sejam realizadas e que possam contribuir para a melhoria da qualidade do ensino superior.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Sônia Maria Roncaglio
Rua Lamenha Lins, 415, Ap.702 - Centro
80250-020 Curitiba – PR

Recebido em 06/11/02
Aprovado em 02/01/04

 

 

* Psicóloga, Mestre em Educação pela Universidade Tuiuti, do Paraná, Especialista em Psicologia Clínica e Escolar/Educacional pelo CFP Licenciada em Letras pela PUC/PR e em Pedagogia pela UFPR. Professora-adjunta da Faculdade Evangélica do Paraná - FEPAR
1 DENZIN, N. K. The Research Act. New York: McGraw-hill,1978.
2 A esse propósito,“O período de tempo em que o pesquisador mantém [...] contato direto com a situação estudada pode variar muito, indo desde algumas semanas até vários meses ou anos”. (André, 2000, p. 29).