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Psicologia: ciência e profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.24 no.4 Brasília Dec. 2004

 

ARTIGOS

A influência dos meios de comunicação social na problemática da escolha profissional: o que isso suscita à Psicologia no campo da orientação vocacional/profissional?1

 

The influence of the social mass media on the professional options: what does it rouse to the professional/vocational orientations in Psychology?

 

 

Janaila dos Santos Silva*

Curso de Psicologia, Universidade Federal de Alagoas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Buscamos refletir, neste ensaio, acerca da influência dos meios de comunicação social para a problemática da escolha profissional, considerando-a como um ponto crítico do processo de constituição do sujeito. A inclusão da discussão sobre a influência da mídia na escolha profissional é, aqui, analisada como alternativa para um maior alcance social da orientação vocacional/ profissional.

Palavras-chave: Comunicação social, Escolha profissional, Orientação vocacional/profissional.


ABSTRACT

In this paper, we seek to reflect about the implications of the means of social communication to the professional choice issue, considering this a critical point of the person’s constitution. The inclusion of the discussion about the midia’s influence in the professional choice is analyzed here as an alternative for a wider social range at career counseling and vocational guidance.

Keywords: Social communication, Professional choice, Career counseling, Vocational guidance.


 

 

A escolha profissional é analisada, neste ensaio, como ponto culminante e crítico de um processo maior de construção de um projeto de vida e constituição do próprio sujeito, que será determinado por influências diversas de ordem social, política, econômica, familiar, além das influências de ideais de ser veiculados pelos meios de comunicação social, os quais detêm poderes de manipulação e alienação das massas. Pretende-se expandir a reflexão sobre a influência dos meios de comunicação social na problemática da escolha profissional, ao mesmo tempo em que se discute o papel da Psicologia frente a essa questão e, ainda, como enquadrá-la no campo da orientação vocacional/profissional. Consideramos que o ser social se constitui em meio à trama de relações sociais quando esse ser interfere/transforma seu meio. A subjetividade se constrói a partir do mundo material, sendo a linguagem, repleta de signos e sentidos socioculturais, uma categoria fundamental na mediação desse processo. Observemos que o momento atual tem sido chamado de era das comunicações, da informação. “Estamos passando por uma transformação histórica rumo à chamada Terceira Revolução Industrial, que se caracteriza pela globalização da economia, pela informatização crescente e pela agilização nas comunicações” (Kilimnik, 1998, p. 36). O avanço tecnológico e o crescimento do acesso aos veículos de comunicação social trouxeram inúmeras implicações para o ser social.

No recorte da problemática da escolha profissional, destacam-se o desconhecimento da realidade profissional, do significado do trabalho, do mercado e, ainda, o “romanceamento” do acesso à universidade e a estereotipagem de papéis profissionais, o que evidencia um processo de alienação, que, é claro, não se dá de modo apriorístico, mas, sim, em íntima relação com o contexto sociohistórico. É nesse contexto que impera o poder de manipulação da mídia, gerando necessidades, forjando realidades, ditando valores e maneiras de ser. Os meios de comunicação social, ou, melhor dizendo, o acesso a eles (principalmente a TV) cresceu tanto e com tanta força que, pode-se dizer, divide largo espaço, na formação dos sujeitos, com a família e a escola.

Diante da nova realidade, que é “midiada”1 , para além de práticas de cunho meramente psicometrista, surgem novos desafios para a orientação vocacional/ profissional. Ela deve primar por ser um agente catalisador da apreensão das multideterminações que constituem o sujeito e interferem na sua escolha profissional, facilitando a reflexão sobre o significado do trabalho numa sociedade capitalista. Nessa perspectiva de atuação do psicólogo em orientação vocacional/ profissional, é fundamental incitar a reflexão sobre a influência dos meios de comunicação social na vida dos sujeitos, considerando-se que essa influência se situa num plano mais abstrato capaz de abarcar outros fatores determinantes da escolha profissional.

A partir do tema proposto – Psicologia e Comunicação Social: Produção de Sujeitos, Subjetividade e Identidades Culturais – o objetivo geral deste ensaio é expandir a reflexão da influência dos meios de comunicação social na problemática de escolha profissional. Temos, como objetivos específicos: a)evidenciar a influência da mídia no que se refere à veiculação de ideais de ser, com o processo de alienação e desconhecimento das profissões e do significado do trabalho na sociedade capitalista, b) explicitar a problemática da escolha profissional, salientando a influência da mídia, c) contribuir com alternativas de inclusão da problemática levantada na prática da orientação vocacional/ profissional.

Dessa forma, este ensaio se fundamenta na concepção de homem como ser determinado sociohistoricamente, constituindo-se na trama de relações sociais e tendo como categorias mediadoras fundamentais a linguagem e o trabalho (Bock, 2001). A comunicação social tem, na linguagem, um recurso básico no envolvimento do sujeito. A orientação vocacional/ profissional busca facilitar o processo de afirmação da identidade profissional do sujeito, como desdobramento de sua identidade pessoal, assim como da conscientização do significado do trabalho como atividade social. Esses temas se conectam, assim, por vieses que buscamos explorar e expandir neste ensaio.

 

Reflexões Sobre os Meios de Comunicação Social e a Produção de Sujeitos

As várias transformações que ocorrem no mundo se refletem na comunicação social. “A multiplicação dos meios de comunicação cria uma rede sutil que envolve o homem onde quer que se encontre e o submete à sua influência e poder” (Martinez, 1982, p. 23).

O ser humano, sendo um ser relacional, sente necessidade de comunicar-se, de receber e enviar mensagens. As mensagens captadas pelo sujeito interferem na sua conduta. Os meios de comunicação são superpotentes, as mensagens que emitem têm um potencial influenciador da maneira de pensar e atuar dos sujeitos. Diariamente, observamos ocorrências sem muito significado figurando na primeira página de jornais. A TV sugere produtos e maneiras de agir, tanto de forma direta como indireta. A publicidade é fator determinante do comportamento porque desperta desejos para a compra de algo que possa oferecer bem-estar ou menores esforços. Figura sempre, na publicidade, um estilo de vida ideal, um modelo perfeito de ser e de viver que sutilmente o expectador pode adquirir, desde que compre a marca x. A sociedade de consumo forja ideais. As pessoas comentam os programas de TV e as novelas chegam a mudar hábitos e a alterar a comunicação entre os membros da família.

Bens simbólicos são consumidos principalmente através dos meios de comunicação de massa. Trata-se de um processo corrente de difusão na sociedade de consumo. O homem de rua liga o seu rádio de pilha e ouve a música popular norte-americana. A empregada liga o seu radinho e ouve o programa policial. As crianças ligam a televisão e assistem aos filmes de bangue-bangue. A música e a imagem vêm de fora e são maciçamente consumidas. Tudo é fabricado em série e montado na base de algumas receitas de êxito rápido. Os processos psicológicos envolvidos são, em geral, os de apelo imediato: sentimentalismo, agressividade, erotismo, medo, fetichismo, curiosidade (Bosi, 1991), inibindo a elaboração de pensamento crítico.

De acordo com Gabel (apud Martinez, 1982, p.25), a função da imprensa é manter a sociedade em estado de diálogo e fazer com que dele participem todos os seus membros. Há que se considerar que, de fato, a imprensa detém tal poder. Contudo, o que se observa na realidade é que se fazem manifestar interesses de mercado e, ao invés de um diálogo social do e no qual todos façam parte, há um reforçamento de valores referentes ao ideário liberalista, como o individualismo. O diálogo, quando ocorre, dá-se como manipulação para a hegemonia da classe dominante e aprofundamento dos abismos sociais.

A cultura de massa, veiculada pela maioria das TVs, jornais e revistas, estabelece a estratégia de dissolver a tensão e o conflito entre as classes antagônicas através de tópicos isolados, as futilidades, as calamidades físicas ou crimes passionais sob a forma de escândalo, contrapondo os problemas cotidianos do povo (Bosi, 1991, p. 96).

Invertem-se na TV, por exemplo, do continente para a ilha, da exceção para a regra, ignorando, igualmente, o continente submerso do qual sobram e emergem, só, o chão das ilhas, todas separadas, para estilhaçarem a unificação da cultura e da história (idem, p. 97).

De acordo com Melo (1982, p.16), a imprensa foi oficialmente implantada no Brasil somente em 1808, logo após a chegada, ao Rio de Janeiro, de D. João VI. Sete foram os principais fatores que contribuíram para a demora da implantação da imprensa no Brasil: 1. natureza feitorial da colonização; 2. atraso das populações indígenas; 3. predominância do analfabetismo; 4. ausência de urbanização; 5. precariedade da burocracia estatal; 6. incipiência das atividades comerciais e industriais, e 7. reflexos da censura e do obscurantismo metropolitano.

A partir do que o autor supracitado nos aponta, é possível fazer uma analogia entre a inserção da imprensa no Brasil (bem como a própria colonização) com a imagem do “alien”, no sentido de algo que vem de fora e adentra um espaço ou possui um corpo. As mensagens, tão ideologicamente montadas pela mídia e veiculadas através da comunicação social, tomam o corpo social, adentram-no, e, de um modo geral, fazem-no funcionar de acordo com os interesses da classe dominante, em detrimento da própria cultura nacional, onde transitam diversidades étnicas. Configura-se, assim, um processo de alienação, no qual o sujeito perde o si-mesmo e a interação com seu mundo como pontos de referência. Freqüentemente, encontramos pessoas que estão bem informadas sobre “a guerra no Iraque”, mas desconhecem fatos de relevância que ocorreram em seus bairros ou cidades. O fato distante parece ser mais interessante, é até mais “acessível” do que aquele que ocorre próximo. Analogamente, o ideal de ser e de viver, os padrões impostos de beleza e de como ser feliz, enfim, os modelos inalcançáveis, distantes, ganham destaque e importância, provocando um constante desenraizamento do sujeito, tanto no seu tempo histórico como na sua matriz cultural; desloca-se a vivência particular, adotando-se, como referência, o geral, o despersonalizado e, assim, se empobrece a criatividade.

No Brasil, um país em desenvolvimento, onde a exclusão social, caracterizada pelo não-acesso a fatores de qualidade de vida (como educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, etc.), a TV é o veículo de comunicação social mais acessível, mais presente, assumindo um importante papel na vida cotidiana. Observemos que, estando acessível a milhares de pessoas ao mesmo tempo, esse veículo de comunicação, forma, ainda, multiplicadores de sua realidade ideologicamente montada, envolvendo, assim, todo o corpo social.

É reconhecível a importância dos meios de comunicação como parte da evolução do alcance da linguagem e da própria Humanidade. Contudo, atentamos para o fato de que dois direitos fundamentais estão sendo sistematicamente esquecidos em nosso país: o direito à informação e o direito à comunicação. A mídia não tem refletido as necessidades e opiniões da sociedade e, nem sempre, o que se vê, ouve, ou lê é informação ou cultura. De acordo com pesquisa de Daniel Hertz (do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação), 90% da propriedade dos meios de comunicação no Brasil pertencem a apenas sete famílias2 ; esse dado aponta para o grande antagonismo social, no qual a minoria dominante tem a hegemonia no discurso, controlando o mega mecanismo de poder que é a mídia.

 

Conseqüências da Problemática de Escolha Profissional

A partir das reflexões levantadas anteriormente sobre a influência dos meios de comunicação e a produção de sujeitos, cabe, aqui, um questionamento: quais as conseqüências de tal influência para a problemática da escolha profissional? E, nesse sentido, surge um outro: o que vem a ser a problemática da escolha profissional?

A escolha profissional é, aqui, entendida como a afirmação de uma identidade profissional a partir do desdobramento da própria identidade pessoal do sujeito, que se constitui num movimento dialético com seu mundo, transformando-o e sendo transformado. As realidades subjetiva e objetiva implicam-se. Falar do sujeito, de seu autoconceito, de seus gostos, habilidades, preferências, dificuldades, angústias e de tudo mais que configure sua identidade é falar também da conjuntura social e do tempo histórico que o situam. É inegável a interferência dos meios de comunicação social nos hábitos, costumes, condutas e modos de viver das pessoas. Essa realidade “midiada”, pois, traz implicações para a problemática de escolha profissional, uma vez que esta é ponto crítico de todo o processo de constituição do sujeito.

No plano individual, a escolha profissional surge como figura num momento de transição, no qual o sujeito, geralmente adolescente, passa pelo processo de saída da escola para inserir-se no mundo do trabalho e/ou universitário. Emergem, aí, diversas dúvidas e anseios, tendo como pano de fundo questões existenciais referentes ao “o que eu quero ser quando crescer?”

No plano sociohistórico, verifica-se que a escolha profissional nem sempre existiu. Ela só passa a existir e assumir relativa importância quando se instala definitivamente o modo de produção capitalista. Há que se considerar que a passagem do feudalismo para o capitalismo vem marcar importantes e profundas mudanças no modo de produzir e reproduzir a existência humana (Bock, S., 2002, p. 23). A inserção de novos processos produtivos traz enormes alterações, tanto subjetivas como objetivas, no ser social, levando ao surgimento de novas necessidades e novas exigências. Nesse contexto, o trabalho passa a ser visto para além da necessidade de sobrevivência e sua escolha representa inúmeras implicações para o futuro do sujeito.

As várias transformações advindas do estabelecimento do capitalismo vão permear os diversos setores sociais. A comunicação social, a reboque da mercantilização global, tem-se tornado um ponto essencial para a difusão do consumo, cortando o diálogo social, o que traz sérias repercussões para o sujeito.

A escolha profissional configura-se como fenômeno multideterminado socialmente e, em sua problemática., transitam fatores de ordem familiar, cultural, econômica, educacional e das diversas relações que compõem a rede social em que o sujeito se insere. “O homem é um ser ativo, social e histórico” (Bock, A., 2001). A sociedade se constitui como produção histórica dos homens que, através do trabalho, produzem vida material. Tudo o que se refere ao sujeito está em consonância com o que ele presenciou, experienciou, vivenciou. A escolha é multideterminada na medida em que o próprio sujeito que escolhe é multideterminado.

No campo das determinações sociais, ganha cada vez mais saliência a presença cotidiana dos meios de comunicação social. Eles são um fator determinante importante na construção de vários significados sociais (Ozella, 2002). Estamos vivendo a época da supremacia do consumo de modelos idealizados; atente-se, ainda, para os modelos profissionais idealizados, estereotipados, veiculados pela mídia. A supremacia da TV, que tem refletido e contribuído para o sistema social excludente, tem um potencial alienador e essa alienação torna-se evidente no momento crítico da escolha profissional. Surgem, aí, ansiedades que estão, em grande parte, relacionadas com a falta de informação, com o desconhecimento de papéis profissionais e do significado do trabalho numa sociedade capitalista.

Faz-se necessário explicitar que, longe de tentar reduzir a problemática da escolha profissional, apenas salientamos a influência dos meios de comunicação social para expandir sua compreensão enquanto um desses determinantes. Ocorre que, por ser de ordem abstrata, a influência da mídia e, principalmente, a supremacia da TV conseguem envolver outros determinantes da escolha profissional uma vez que, num movimento dialético e contraditório, a TV (em relevância) reflete o sistema social excludente, em prol da classe dominante, atraindo e entretendo a grande massa, destituindo-a da possibilidade de atuar, de falar, comunicar, enfim, integrar o discurso social.

Os meios de comunicação de massa tendem a atrelar toda realização humana ao dinheiro e ao status. O vestibular é um dos alvos prediletos do marketing educacional3 que veicula a grande promessa de aprovação para os vestibulandos-clientes, apelando para slogans do tipo: vestibular é briga de gente grande, um bom curso é o único caminho para vencer no vestibular: a competição da sua vida.4

O marketing educacional alimenta e reforça valores como o individualismo e a competitividade, responsabilizando unicamente o indivíduo pelo alcance do sucesso sob o mote do primeiro lugar no pódio da vida. Tais valores veiculados permeiam a gama de relações em que o sujeito se constitui, subjetivando significados na constituição de sentidos sobre trabalho e sociedade, sendo que tais sentidos interferem na problemática da escolha da profissão. É comum ver, nas novelas e em programas de TV, a exibição de personagens que encarnam estereótipos profissionais ou mesmo caricaturas como a da enfermeira boazinha, o médico sacerdote, o sociólogo subversivo e o psiquiatra louco, deixando-se passar despercebido o contexto real do exercício de cada um desses papéis profissionais, contribuindo, assim, para a construção de idéias equivocadas ou preconceituosas sobre profissões e sobre o próprio mercado.

Desse modo, a influência da mídia e dos ideais de ser veiculados por ela correlacionam-se intimamente com um dos pontos fundamentais da problemática de escolha profissional: o desconhecimento da realidade profissional, de mercado, do significado do trabalho como atividade social. Esse é, então, um ponto de grande interesse a ser considerado pela orientação vocacional/ profissional.

 

O que isso Suscita à Psicologia no Campo da Orientação Vocacional/ Profissional?

À Psicologia, enquanto ciência e profissão fundada numa práxis, interessa como, no movimento social, vem-se formando um novo homem. Novaes (1996, p. 128) afirma: “O olhar do psicólogo é aquele que se debruça sobre um terreno estruturado através de um jogo de relações e de interações dinâmicas que requerem uma compreensão sistemática, baseada na relação da implicação, envolvendo a dialetização entre o pólo individual (auto) e o coletivo (hetero)”.

A problemática de escolha profissional requer esse tipo de olhar para que o seu atendimento na prática da orientação vocacional/ profissional seja efetivo.

O modelo tradicional em orientação vocacional/ profissional surgiu amparado no paralelo psicometria/ análise ocupacional. Importava-se, de um lado, com as características de personalidade do sujeito e, do outro, com a análise do que as ocupações do mercado exigiam. Indivíduo e sociedade ficavam, assim, dicotomizados. Embora ainda se observe uma espécie de herança desse modelo de cunho psicometrista no campo da orientação, muitos estudiosos têm criticado e contribuído para uma ressignificação do trabalho em orientação vocacional/ profissional. Este deve contribuir para que os sujeitos ultrapassem a barreira da desinformação e dos estereótipos, atingindo uma conscientização do significado do trabalho como atividade social, num mundo em movimento, na medida em que atua como agente catalisador da apreensão das multideterminações implicadas no ser social, facilitando, assim, a construção de um pensamento crítico pelos sujeitos a respeito de sua realidade social, cultural, econômica, e, ainda, a um auto-conhecimento, ao mesmo tempo em que propicia melhor consciência de si como seres singulares. Nesse sentido, há um posicionamento dos sujeitos diante de si mesmos, que vislumbram sua identidade pessoal e profissional questionando e experienciando o sentido e as implicações de se “escolher” uma profissão, de modo a se evidenciar a própria escolha como algo dinâmico, podendo comportar em si outras escolhas.

Não há, no presente artigo, a tentativa de se reduzir a orientação vocacional/ profissional. Observamos, contudo, que o novo desafio posto a essa prática é integrar informação, no sentido de incitar a reflexão crítica a respeito do trabalho e da sociedade, e auto-conhecimento, considerando-se que essas dimensões da prática de orientação se articulam num movimento único. Um recurso frente a esse desafio é lançar mão da reflexão sobre os meios de comunicação para o sujeito bem como trabalhar a problemática de escolha através de processos grupais.

Num trabalho de orientação vocacional/ profissional que vise a promoção de saúde e a qualidade de vida dos sujeitos, busca-se criar condições para que os indivíduos possam se conhecer melhor como sujeitos concretos, percebendo suas identificações e singularidades, percebendo e analisando suas determinações, ampliando e transformando, dessa maneira, sua consciência e adquirindo, assim, melhores condições de organizar seus projetos de vida (Bock & Aguiar, 1995, p.16).

A orientação vocacional/ profissional configura-se em algo mais do que um momento para descoberta da profissão a seguir. É um processo onde emergem conflitos, estereótipos e preconceitos que devem ser trabalhados para sua superação, onde a desinformação é enfrentada e possíveis caminhos são traçados, onde o auto-conhecimento adquire o status de algo que se constrói na relação com o outro e não como algo que se dá a partir de uma reflexão isolada, descolada da realidade social ou que se conquista através de um esforço pessoal (idem, p. 17).

Nessa perspectiva, a discussão sobre a influência dos meios de comunicação de massa pode e deve fazer parte de programas de orientação vocacional/ profissional, uma vez que é fator de pressão e grande interferência nas escolhas. Sobre a inclusão dessa temática em orientação profissional, Bock, S. (2002) expõe que:

A questão que versa sobre os meios de comunicação tem por objetivo evidenciar os valores sociais dominantes em nossa sociedade estabelecendo uma relação com a escolha profissional, bem como a confiabilidade das informações apresentadas. Analisam-se algumas peças publicitárias, novelas, filmes e procura-se extrair deles as mensagens implícitas. De forma geral, aponta-se que são valorizados o poder, o prestígio, o dinheiro e o individualismo por meio do poder de consumo. Esses valores delineiam a escolha profissional, mas destaca-se que podem existir outros valores que demarcam outras possibilidades. Aqui se propõe que o orientando pense em seus valores, isto é, relacione-os, analise-os e critique-os estabelecendo sua própria hierarquia (que pode ou não estar de acordo com os dominantes) (p. 85).

Incluir a temática da influência dos ideais de ser e dos valores veiculados pela mídia na problemática da escolha profissional é, pois, uma forma de se avançar na práxis da orientação vocacional/ profissional, integrando indivíduo e sociedade. Isso contribui, ainda, para a saída efetiva do campo de práticas meramente psicometristas e para ampliar o alcance social da orientação vocacional/ profissional, intervindo, assim, na lógica da alienação, do conhecimento equivocado, baseado em estereótipos, fomentando discussões e questionamentos sobre os modelos impostos para primar pela promoção de saúde e qualidade de vida.

 

Considerações Finais

Sabemos que a compreensão da problemática da escolha profissional, bem como do seu atendimento, através da orientação vocacional/ profissional, não se esgota com o que foi exposto nem se limita a essa compreensão a discussão em torno da comunicação social.

Pontuamos, neste ensaio, apenas uma forma de se lutar pelo alcance social da Psicologia no campo da orientação vocacional/ profissional a partir da inclusão em sua prática da reflexão acerca da influência dos meios de comunicação de massa na realidade que tem sido, pode-se dizer, virtualmente construída. Acreditamos que iniciativas nesse sentido contrapõem completamente práticas alienadas em orientação vocacional/ profissional que dicotomizem indivíduo e sociedade.

As interfaces entre a Psicologia e a comunicação social tomam muitas dimensões, sendo possível à Psicologia abarcá-las em várias frentes de atuação. A Psicologia pode contribuir para a democratização da comunicação social, visando o estabelecimento de um autêntico diálogo social, no recorte específico da orientação vocacional/ profissional, na medida em que se caracteriza como agente catalisador da apreensão das multideterminações sociais dos sujeitos, no sentido de uma conscientização, ou seja, de uma consciência ativa e crítica vinculada à ação transformadora.

A Psicologia, no seu alcance social, deve estar atenta para o exercício da cidadania, para a autonomia, para a qualidade de vida em sociedade bem como para os mecanismos impeditivos desse processo. Um desses mecanismos pode ser representado pela mídia quando utilizada por uma minoria como instrumento de poder, controle e manutenção do movimento opressor-oprimido (Freire, 1987), no qual a classe dominada é destituída de sua identidade cultural, impossibilitando-se o diálogo social transformador, havendo, assim, um aprofundamento dos antagonismos sociais.

Como psicólogos, podemos contribuir para um controle social no que se refere à capacidade de a comunidade interferir na gestão pública, nas ações do Estado, na direção dos interesses da mesma (Barros, 2002), e a orientação vocacional/ profissional pode ser uma espécie de mola impulsionadora desse processo, já que transitam, em torno dela, reflexões sobre as relações entre sujeito e trabalho, categoria fundamental da engrenagem social, o ato produtivo que nos produz como pessoas.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Janaila dos Santos Silva
Rua Manoel Pereira Correia, n.º191, Alto do Cruzeiro
57312-510, Arapiraca, AL, Brasil
E-mail: Janailasilva@hotmail.com

Recebido 03/05/04
Aprovado 25/08/04

 

 

1Pedrinho Guareschi . Psicologia e Democratização da Comunicação Social. Jornal do Conselho Federal de Psicologia. Ano XVIII, Nº 75 – abril de 2003, pp. 8 -9.
* Acadêmica do 6º ano de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas - Ufal.
3Pesquisa realizada por Jiménez & Rocha (2001). Analisa as relações entre Educação e marketing: um processo de mercantilização a avançar sobre a esfera educacional, transformando o ensino em um serviço posto à venda a partir das mais avançadas técnicas de manipulação de potenciais consumidores.
4Esses slogans são parte da amostra da pesquisa de Jiménez & Rocha (2001) que examina peças publicitárias com anúncios de serviços educacionais.