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Psicologia: ciência e profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.27 no.4 Brasília Dec. 2007

 

ARTIGOS

 

Estresse laboral e raciocínio inferencial: um estudo correlacional

 

Occupational tress and inferential reasoning: a correlational study

 

 

Ana Paula Porto Noronha*; Dario Cecilio Fernandes**

Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo desse estudo foi verificar as relações entre estresse laboral e raciocínio inferencial, sexo e idade. Os instrumentos utilizados foram a escala de vulnerabilidade a estressores no trabalho (EVET) e raciocínio inferencial (RIn). Participaram da pesquisa 64 alunos de Psicologia e Engenharia de uma instituição privada do interior do Estado de São Paulo, sendo que, no total, 81,2% eram do sexo masculino, e 18,8%, do sexo feminino, com idade variando de 18 a 45 anos (M=24, DP=5,78). Em relação aos fatores da escala de estresse, encontrou-se correlação negativa significativa entre o fator três (falta de suporte organizacional) e o RIn. Dentre as demais análises realizadas, destaca-se a correlação negativa significativa entre EVET e RIn (r =-0,25; p=0,047), o que indica que, quanto maior o estresse, menor a capacidade de raciocínio inferencial.

Palavras-chave: Testes psicológicos, Inteligência, Estresse, Avaliação psicológica.


ABSTRACT

The aim of this study was to test the relation between stress and inferential reasoning, sex and age. The instruments used in this assessment were the escala de vulnerabilidade a estressores no trabalho (EVET), and raciocínio inferencial (Rin). 64 students of Psychology and Engineering, who attended a private school on the interior of the state of São Paulo, participated in the study, 81,2% men and 18,8% women, whose age varied from 18 to 45 years (M=24, SD=5,78). Related to the factors of EVET, it was found a significant and negative correlation between the factor three (lack of organizational support) and inferential reasoning. The results showed a significant and negative correlation between EVET and Rin (r =-0,25; p=0,047), considered as an evidence of validity for EVET. The tendering indicated that the higher the level of stress, the lesser the capacity related to the g factor.

Keywords: Psychology tests, Intelligence, Stress, Psychological assessment.


 

 

Estresse provém da palavra inglesa "stress", amplamente utilizada por pesquisadores, e refere-se a uma situação que causa pressão e desconforto ao indivíduo (Haan, 1982). O termo foi cunhado no começo do século XX, pelo fisiologista Walter Cannon, como respostas fisiológicas apresentadas por animais quando expostos a situações aversivas ou ameaçadoras (Carlson, 1995). Para Selye (1982), um dos principais precursores e pesquisadores do assunto, na década de 30, nossos antepassados já vivenciavam situações estressantes.

Cannon foi um dos fisiologistas e o responsável pela criação do termo homeostase, que, por sua vez, significa, manter o organismo em um estado de equilíbrio interno (Selye, 1982). A partir desse conceito, o estresse começou a ser entendido com o a ruptura da homeostase, e, sob essa perspectiva, de acordo com Calais, Andrade e Lipp (2003), o estresse não ocorre apenas frente a estímulos aversivos, mas pode também ser entendido como uma reação intensa do organismo diante de um evento bom ou mau que altere a vida do sujeito. Essa reação normalmente ocorre diante da necessidade de o ser humano se adaptar em momentos de mudança (Everly, 1989). O determinante para a aparição dos sintomas de estresse, de acordo com Lipp e Taganelli (2002), é a capacidade do organismo de enfrentar as exigências da situação, que pode ser negativa ou positiva, e tem, como conseqüência, um prejuízo na qualidade de vida, tal como a perda da habilidade de se concentrar e a capacidade de raciocínio lógico.

Apesar do crescimento das pesquisas sobre o estresse, especialmente na década de 80, período em que foi publicado o Handbook of Stress, obra organizada por Goldberger e Breznitz (1982), ainda não há um consenso sobre a definição do construto (Lewig & Dollard, 2001). Para Selye (1956, 1982), o estresse pode ser entendido como o resultado de estímulo maior ao que o corpo possa suportar, e provoca conseqüências cognitivas e somáticas. Na perspectiva de Holroyd e Lazarus (1982), se as demandas internas e externas forem maiores que os recursos individuais para lidar com elas, ocorre, então, o estresse psicológico. Possivelmente, o desacordo entre os teóricos esteja na dificuldade de determinar "onde" e "como" as respostas podem ser identificadas (Pearlin, 1982).

Para Hann (1982), o estresse está ligado ao conjunto de eventos bons ou ruins que trazem conseqüências adversas em pessoas mais sensíveis, em razão da sua história de vida. Assim, não existe apenas um fator, mas vários, que podem gerar estresse, sendo eles excitação emocional, esforço excessivo, fadiga, dor, medo, concentração, humilhação e um grande e inesperado sucesso (Selye, 1982).

Parece não haver dúvida entre os autores de que o estresse é uma resposta do organismo a algumas situações, como aponta Pearlin (1982). Também a manifestação do estresse pode ser pouco duradoura ou possuir um padrão mais longo de instalação. Ao lado disso, as experiências podem afetar negativamente a sociabilidade, o aspecto psicológico e o bem-estar físico.

Especialmente no que se refere ao estresse ocupacional, Jex (1998) concebe-o como estímulos estressores (estímulos do ambiente), respostas aos eventos estressores (respostas do organismo), psicológicas, fisiológicas ou comportamentais, que os sujeitos emitem quando a sua habilidade de coping não é suficiente para lidar com a situação), e estímulos estressores-respostas (processo geral por meio do qual os estímulos do trabalho têm impacto nos indivíduos).

A principal crítica à concepção anterior refere-se à dificuldade de comprovar que as alterações do comportamento, do estado afetivo e até mesmo de problemas vinculados à saúde sejam causados pelos estímulos estressores no ambiente de trabalho, e não por outro contexto ou evento da vida do sujeito (Jones ; Kinman, 2001; Kahn; Byosiere, 1992). Sob essa perspectiva, para Beehr (1998), o estresse deveria ser tratado não apenas como uma variável, mas como diversas variáveis relacionadas aos estímulos do ambiente de trabalho e às respostas aversivas frente a esses estímulos.

Dentre vários outros modelos relacionados ao estresse ocupacional, o intitulado demanda-controle recebe grande destaque e vem se tornando referência, tal como pontuado por Araújo, Graça e Araújo (2003), e está dividido em duas dimensões relacionadas ao ambiental laboral, sendo elas os processos psicológicos e o controle do trabalhador sobre o seu próprio trabalho (Araújo, Graça e Araújo, 2003). O modelo foi criado por Karasek (1979), que acreditava que, a partir dessas combinações, é possível distinguir situações específicas de trabalho, que, por sua vez, estruturam riscos diferenciados à saúde. Em Selligman Silva (1994), observa-se, no Brasil, um crescimento de estudos relacionados à organização do trabalho e às suas conseqüências para a saúde.

As relações entre o estresse e outros construtos também têm sido investigadas. Nessa direção, decréscimo cognitivo e estresse foram estudados por diferentes pesquisadores (Fuerst, Fisk; Rourke; Mandler, 1975; Meyer, Dyck; Petrinack, 1989, dentre outros). Hancock e Vasmatzidis (2003), por exemplo, concluíram que o calor estressante afeta a capacidade cognitiva diferentemente, de acordo com a tarefa cognitiva a ser cumprida. Ao lado disso, a solução de problemas e o processo de memória envolvidos nos testes de aptidões, de acordo com Kauffman (1979), estão ligados ao nível de estresse.

Para Plante e Sykora (1994), a associação entre estresse/enfrentamento foi investigado em 98 crianças, com idade variando de 6 a 16 anos, encaminhadas para uma avaliação multidisciplinar. Os dados demográficos, o escore do WISC-III e o diagnóstico do DSM-III-R foram obtidos nas fichas dos participantes. Observou-se uma correlação significativa e negativa entre o estresse e o fator verbal do WISC-III (compreensão). Quanto ao enfrentamento, encontraram-se correlações significativas e positivas com os três fatores da escala do WISC-III, quais sejam, verbal/compreensão, perceptiva/organizacional e atenção.

Em seu estudo com 40 sujeitos, Kagan e Berg (2001) aplicaram uma bateria de personalidade, uma escala de aptidão e duas tarefas cognitivas (teste escrito de lógica), sendo que uma das tarefas cognitivas foi completada em um ambiente não estressante, e a outra, em um ambiente com monitores pressionando os sujeitos verbalmente. Dentre os resultados encontrados, o condicionamento físico dos sujeitos apresentou uma correlação significativa negativa com desempenho cognitivo sob estresse. Além disso, as aptidões inatas e os traços de personalidade correlacionaram-se mais significativamente com a capacidade cognitiva sob uma condição estressante do que com o condicionamento físico.

O decréscimo do funcionamento da inteligência em uma população idosa foi estudado por Kelly, Junior, Servaty e Ennis (1997). Aplicou-se uma série de tarefas cognitivas para estimar as habilidades de inteligência fluida (Gf) e cristalizada (Gc). Além disso, os voluntários completaram um questionário de autoconceito sobre seu desempenho nos testes de inteligência, que abordavam questões sobre auto-eficácia, generalizada e intelectual, falha do cognitivo no dia a dia e interesses sobre doenças e envelhecimento. Para medir a ansiedade, foi utilizada a coleta do cortisol. Nos resultados, observou-se uma correlação significativa e negativa entre o cortisol e a auto-eficácia, relacionado com a medida mais difícil do Gc (conjunto de cartas). Houve, ainda, correlação significativa negativa entre o cortisol e a auto-eficácia generalizada.

A pesquisa de Van der Linden, Keijsers, Eling e Schaijk (2005) organizou os participantes em três grupos, a saber, sujeitos burnout que pararam de trabalhar, professores de orientação vocacional com reclamações de burnout, mas que não pararam de trabalhar, e professores do mesmo instituto que não reclamaram de nenhum sintoma. Para confirmar falha cognitiva do dia a dia, foi usado o cognitive failure questionnaire (CFQ), um teste para a atenção sustentada e resposta de inibição (SART e Bourdon-Wiersma Test). Observou-se que o nível de sintomas do burnout se correlacionou com o número de falhas cognitivas no dia a dia, com os erros de inibição e com o desempenho variável no teste de atenção.

Caswell e col. (2003) estudaram a associação do cuidador com a função cognitiva. Foi estudada uma amostra de 110 sujeitos, divididos em dois grupos, a saber, 44 esposos cuidadores de seus parceiros com a doença de Alzheimer e 66 esposos com semelhanças demográficas, mas com o companheiro sadio. Foi utilizado o teste digit symbol da escala de Wechsler, cujo objetivo é investigar a velocidade da informação processada, a atenção e a concentração. Foram aplicados outros três instrumentos de auto-avaliação, sendo o uplifts para mensurar a freqüência e intensidade de brigas do indivíduo em seu local de trabalho, em casa e em outras áreas; o burden, no qual o sujeito tem que responder 25 itens que trazem situações de cuidadores, e, por último, o sleep, que avalia o sono. Os três instrumentos, conjuntamente, pretendiam medir o distress psicossocial. Por fim, lançou-se mão do Hamilton depression rating, com o intuito de avaliar os sintomas de depressão. Nos resultados, observaram-se diferenças significativas entre cuidadores e não cuidadores, na idade, no distress (burden, sleep, depressão) e no digit symbol. Encontraram-se, também, correlações negativas e significativas do digit symbol com a idade, distress e burden e correlações positivas e significativas com anos de educação, uplifts. Em relação ao status de ser ou não cuidador, encontraram-se correlações com idade, distress, burden, sleep e depressão.

Lipp, Arantes, Buriti e Witzig (2002) estudaram a presença de sintomas de estresse em uma amostra de 255 escolares de 7 a 14 anos de idade, provenientes de escola municipal particular e particular confessional filantrópica. Constatou-se no resultado que o tipo de escola tinha uma forte associação com o nível de estresse dos alunos e que o número de meninas com estresse era significativamente maior do que o dos meninos. Além disso, observou-se que o estresse diminui nas séries mais elevadas. Os autores concluíram que as escolas têm um importante papel no estresse infantil, ressaltando que, dentro de uma escola, é possível apresentar baixos níveis de estresse, dependendo das características da mesma.

No contexto nacional, há poucos estudos relacionados ao estresse, embora venham crescendo os índices de pesquisas relacionadas ao tema. No que diz respeito aos instrumentos de avaliação, há que se ressaltar que são apenas três instrumentos aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia. No âmbito específico da pesquisa do estresse laboral, observam-se poucos estudos, assim como não foram encontrados instrumentos que avaliam o estresse ocupacional, inferindo-se, assim, que há uma grande necessidade de pesquisa nessa área, ocasionada principalmente pelo crescimento desse construto e da vida cotidiana de uma pessoa. Dentre as pesquisas encontradas, destaca-se a de Paschoal e Tamayo (2004), cujo objetivo foi a validação de um instrumento de estresse ocupacional geral por meio de sua estrutura interna. O pressuposto inicial dirigiu-se à unidimensionalidade da escala, ou seja, que ela apresentasse um único fator. O índice KMO foi igual a 0,91, e o Scree Plot revelou a existência de um único fator, que explicou 28% da variância. Com a carga fatorial estipulada em 0,45, todos os itens abaixo desse valor foram excluídos. Sendo assim, a escala chegou à sua composição final de 23 itens, e apresentou um coeficiente alfa de 0,91. Para facilitar a sua aplicação e utilidade prática, fez-se uma versão reduzida, com 13 itens e coeficiente alfa de 0,85.

Tendo em vista a relevância do tema, a pertinência da realização de estudos que permitam avaliar as relações entre o estresse e os demais construtos psicológicos, bem como o pequeno número de trabalhos nacionais sobre o tema, especialmente os que tratem de instrumentos de avaliação, este estudo teve como objetivo verificar as relações entre estresse ocupacional e raciocínio inferencial, sexo, e idade.

 

Método

Participantes

Os participantes foram 64 estudantes universitários, provenientes de uma instituição privada do interior do Estado de São Paulo, sendo 70,3% (N=45) do curso de Engenharia e 29,7% (N=19) de Psicologia. Desses, 81,2% eram do sexo masculino e 18,8%, do sexo feminino, com idade variando de 18 a 45 anos (média=24, DP=5,78). Os 45 (70,31%) alunos de Engenharia eram homens, enquanto, na Psicologia, 12 (18,75%) eram mulheres e sete (10,94%) eram homens.

Instrumentos

Raciocínio inferencial - RIn (Sisto, no prelo) Consiste em um teste em que cada item possui uma seqüência de figuras geométricas que formam seqüências lógicas, faltando uma figura da seqüência. É solicitado ao participante que as complete, e, para isso, ele deve escolher dentre as alternativas a figura que melhor complete a seqüência. É dividido em quatro partes, sendo que, nas partes A e B, o sujeito tem quatro alternativas de resposta, e, nas seguintes (C e D), a pessoa pode escolher entre seis alternativas.

O instrumento é constituído por 40 itens, e sua aplicação é feita em 25 minutos, tempo máximo para a realização da prova. No início, é apresentado um exemplo para explicar como são os exercícios, e são lidas as instruções. Na correção, é atribuído um ponto para cada item respondido acertadamente, e zero, para os errados. Ao final, a soma dos itens fornece a pontuação total do teste, que pode variar de 0 a 40 pontos.

No que se refere aos parâmetros psicométricos, encontram-se, no manual, estudos de validade e precisão. Quanto ao caráter das evidências de validade, constam evidências de validade relativas à estrutura interna e de critério. A primeira está dividida em funcionamento diferencial do item (DIF), validade de construto por análise fatorial e estudo sobre a dimensionalidade do RIn, enquanto a segunda está dividida em estudos de evidência de validade relativos ao desenvolvimento e ao desempenho escolar e Rin em estudantes do ensino médio. Quanto à precisão do instrumento, foram utilizadas três análises, quais sejam, o coeficiente de consistência interna (alfa de Cronbach), que variou de 0,71 a 0,85, e o método das duas metades (Spearman-Brown), que variou de 0,73 a 0,93. Ambos os resultados foram considerados bastante satisfatórios, e indicaram uma constância ao longo das faixas etárias. Outro índice de precisão foi obtido pelo modelo de Rash, que forneceu um valor de 0,82, e é considerado bastante satisfatório.

Escala de vulnerabilidade a estressores no trabalho - EVET (Sisto, Baptista, Noronha e Santos, 2007).

Consiste em uma escala que tem por finalidade avaliar a percepção dos sujeitos quanto à sensibilidade aos elementos estressores no local de trabalho. Essa escala é formada por 40 frases, nas quais são apresentadas situações concebidas como geradoras de estresse. Essas frases são resultados de uma análise fatorial feita em seu segundo modelo, com 73 itens. Após essa análise, foram mantidos apenas os itens que permaneceram nos três fatores desejáveis, a saber, aborrecimento e contrariedade no trabalho, pressão no trabalho e falta de suporte organizacional.

É uma escala likert de três pontos, denominados nunca, às vezes e freqüentemente, que recebem pontuação um, dois e três respectivamente. O instrumento permite a interpretação de cada fator separadamente bem como da pontuação total, sendo que, no ultimo caso, a soma das pontuações pode variar de 40 a 120, indicando que, quanto maior a pontuação, maior a vulnerabilidade ao estresse.

 

Procedimento

Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Francisco, deu-se início à coleta de dados, sendo os instrumentos aplicados de forma coletiva. Primeiramente, foi distribuído o termo de consentimento livre e esclarecido, e participaram da pesquisa somente os sujeitos que o assinaram. Em seguida, forneceu-se o material, mais especialmente, as folhas de resposta e os cadernos do RIn com a escala de vulnerabilidade a estressores no trabalho. Após as instruções, os participantes responderam ao RIn e à EVET.

 

Resultados e discussão

Primeiramente, são fornecidas as estatísticas descritivas relativas ao RIn e à EVET. São apresentadas, em seguida, as análises de diferença de médias entre os sexos. Por último, encontram-se as correlações entre os instrumentos estudados, entre os testes com a idade, além da análise por grupo extremo. As estatísticas descritivas relativas ao RIn e à EVET estão na Tabela 1.

 

 

Por esses dados, verificou-se que, em relação ao Rin, a pontuação máxima foi de 37 pontos e a mínima de cinco, sendo a média 22,95 (DP=6,83). Considerando que o ponto médio da escala é de 20 e a média dos participantes foi um pouco superior a esse valor, pode-se inferir que houve mediana dificuldade para eles. Quanto à EVET, a média obtida foi de 71,95 (DP=14,62), sendo a pontuação mínima 19 e a máxima, 100 pontos. Tendo como parâmetro o fato de que o ponto médio da escala é de 60, é possível interpretar que a vulnerabilidade dos participantes aos estressores foi de média intensidade. Para examinar as relações entre a prova de raciocínio e estresse, utilizou-se a prova de correlação de Pearson, com nível de significância de 0,05. Esses dados podem ser visualizados na Tabela 2.

 

 

A análise mostrou uma correlação significativa e negativa entre a inteligência e o terceiro fator da escala de estresse, indicando que, conforme aumenta a vulnerabilidade em relação à falta de suporte organizacional, diminui a pontuação no RIn. Observou-se também uma correlação negativa entre os escores totais dos dois testes, o que sugere, como caso anterior, que, quanto maior for a vulnerabilidade ao nível de estresse da pessoa, menor será sua capacidade do raciocínio inferencial. Em alguma medida, os resultados corroboram o estudo de Plante e Sykora (1994), que, por sua vez, revelou uma correlação significativa e negativa entre o estresse e o fator verbal da escala de inteligência WISC-III, ao investigar crianças. Ainda, em Van der Linden, Keijsers, Eling e Schaijk (2005), observou-se que o nível de sintomas de burnout se correlacionou com o número de falhas cognitivas no dia a dia, com os erros de inibição e com o desempenho variável no teste de atenção, o que também revelou relação significativa e negativa entre os construtos. Para verificar possíveis diferenças entre os instrumentos em razão do sexo, foi realizada a prova t de student, cujos resultados podem ser visualizados na Tabela 3.

 

 

O sexo feminino obteve maior pontuação em aborrecimento e contrariedade no trabalho (Fator 1), falta de suporte organizacional (Fator 3) e na escala total do estresse, enquanto os indivíduos do sexo masculino obtiveram maior pontuação em pressão no trabalho (Fator 2) e na avaliação da inteligência. No entanto, a diferença com significância estatística entre os sexos foi encontrada apenas em falta de suporte organizacional (Fator 3), o que permite afirmar que, em relação à amostra estudada, as mulheres mostraram-se mais vulneráveis que os homens no fator. Na Tabela 4, pode-se observar a relação entre a idade e os instrumentos, sendo utilizado o teste de correlação de Pearson, com nível de significância de 0,05.

 

 

Observou-se correlação positiva e significativa entre a escala de estresse e idade, bem como no primeiro fator, o que revela que as pessoas com maior idade tendem a ter maior vulnerabilidade ao estresse no trabalho, ao mesmo tempo em que, à medida que os sujeitos envelhecem, o aborrecimento e a contrariedade no trabalho tornam-se mais relevantes. Em contrapartida, os sujeitos mais novos tenderam a obter maiores escores no teste de inteligência.

Os resultados não parecem inéditos, já que outros trabalhos podem corroborar os resultados aqui encontrados, tal como o de Caswell e col. (2003), que encontrou correlação negativa e significativa entre o digit symbol e a idade, evidenciando que, quanto mais velho, menor sua capacidade de processar informação, de prestar atenção e de se concentrar. No entanto, justifica-se a pertinência deste estudo, uma vez que foram utilizados outros instrumentos (EVET e RIn). Nesse sentido, há que se destacar que o raciocínio inferencial, tal como avaliado pelo RIn, e o estresse laboral, pelo EVET, apresentam relação, ou seja, parte dos instrumentos mede algo em comum, mas, especialmente, houve correlação, embora a magnitude não tenha sido alta.

A Tabela 5 apresenta a análise de grupos extremos, que foram separados pelo quartil da pontuação da escala de vulnerabilidade a estressores no trabalho, cada um dos fatores. Pode-se observar que, apenas no terceiro fator, falta de suporte organizacional, foi encontrada diferença significativa entre os grupos extremos, revelando que há uma diferença significativa entre os mais estressados e os menos estressados no que se refere ao raciocínio inferencial. Em outros termos, as pessoas com mais vulnerabilidade aos estressores apresentaram menos pontuação média no RIn, enquanto as pessoas com menos vulnerabilidade aos estímulos estressores obtiveram maior pontuação no RIn.

 

 

Considerações finais

Atualmente, o construto estresse vem sendo estudado em diversas áreas, pois há evidências de que afeta o comportamento humano como um todo. O interesse desse objeto de estudo para a Psicologia é muito vasto, em razão de afetar o ser humano no seu dia a dia, seja no trabalho, em casa ou em qualquer outro contexto. Esta investigação propôs-se, além de verificar uma correlação entre o estresse laboral e o raciocínio inferencial, estudar as relações com idade e sexo. As investigações dos fatores estressantes, assim como as maneiras de controlá-los, de acordo com Lipp e Tanganelli (2002), são formas de se buscar a melhoria de vida e aumentar a produtividade do homem.

Dentre os resultados encontrados, algumas correlações mostraram-se especialmente interessantes, e necessitam de outras pesquisas para maior aprofundamento, como, por exemplo, a relação entre a vulnerabilidade aos estímulos estressores e a idade, a qual também se relacionou com o aborrecimento e contrariedade no trabalho (fator 1). Entretanto, a correlação mais importante observada neste estudo foi a da escala de vulnerabilidade a estressores no trabalho, com o instrumento de raciocínio inferencial, que é uma correlação negativa que indicou que, quanto maior o estresse do sujeito, menor a sua capacidade de raciocínio pelo fator g. Observou-se, ainda, uma correlação entre o Rin e o terceiro fator da EVET (falta de suporte organizacional), sendo que, nesse mesmo fator, observou-se uma diferença de sexo. Outro dado importante a ser observado é que apenas na falta de suporte organizacional foi encontrada diferença entre os grupos extremos, ou seja, entre as pessoas mais estressadas e menos estressadas. Em relação ao fator pressão no trabalho (Fator 2) da EVET não foi encontrada nenhuma relação significativa nas análises estatísticas apresentadas.

Em contrapartida, o presente estudo não respondeu a todas as necessidades da área, nem era essa a pretensão. Sugere-se que outros trabalhos sejam realizados a fim de se investigar outras relações. Especialmente no presente trabalho, o pequeno número de participantes não permitiu generalizações ambiciosas. Em acréscimo, seria interessante que os participantes fossem de outros contextos, portanto, sugere-se que outros estudos sejam realizados com amostras distintas bem como com a utilização de instrumentos diversificados.

 

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Endereço para correspondência
Ana Paula Porto Noronha e Dario Cecilio Fernandes
Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45, Centro
13.251-900, Itatiba, SP, Brasil
E-mail: ana.noronha@saofrancisco.edu.br

Recebido 10/08/06
Reformulado 06/02/07
Aprovado 02/03/07

 

 

* Doutora em Psicologia: Ciência e Profissão pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Docente do Programa de Pós-Gradução stricto sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq.
** Acadêmico do Curso de Psicologia da Universidade São Francisco. Bolsista de Iniciação Científica pela FAPESP.