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Psicologia: ciência e profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.28 no.1 Brasília Mar. 2008

 

EXPERIÊNCIAS

 

Formação de multiplicadores para a prevenção das DST/AIDS numa universidade espanhola

 

Education of agents for the prevention of STD/AIDS in adolescence: an experience in a university community in Spain

 

 

Jenny Milner Moskovics*; Prisla Ücker Calvetti**

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O HIV/AIDS tem sido um dos principais problemas de saúde pública, sendo necessário o investimento em ações de prevenção e assistência para controlar a propagação da infecção. Este trabalho visa a apresentar o relato de experiência de um curso de capacitação desenvolvido por psicólogas brasileiras com estudantes do Master en Psicología Clínica y de la Salud, da Universidad Autônoma de Madrid (UAM). O curso teve 15h de duração, no decorrer de três semanas, com oficinas sobre sexualidade, DST/AIDS, drogas e planejamento de projetos. Foram realizadas atividades com base numa metodologia participativa e problematizadora. Oportunizaram-se técnicas vivenciais sobre vulnerabilidade, prevenção, promoção de saúde e protagonismo. Ao término do curso, realizou-se uma avaliação, e foram elaborados projetos de intervenção para o desenvolvimento de futuras ações de prevenção. O grupo de estudantes manifestou interesse em aplicar a proposta brasileira, destacando a importância da busca de novas estratégias em DST/ AIDS, com o psicólogo como fonte de apoio social quanto ao planejamento de intervenções psicoeducativas.

Palavras-chave: Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS), Prevenção, Adolescentes.


ABSTRACT

HIV/AIDS has been one of the most alarming public health problems, what makes necessary the investment in prevention and assistance actions to control the propagation of the infection. This paper aims at presenting the experience report on a qualification course developed for Brazilian psychologists with students of the Master en Psicología Clínica y de la Salud, from the Universidad Autônoma de Madrid (UAM). The course was held for 15 hours and lasted three weeks, with workshops on sexuality, STD/AIDS, drugs and project planning. Activities were accomplished based on a participative and problem-solving methodology. Techniques about vulnerability, prevention, health promotion and protagonism were offered. At the end of the course, an evaluation was performed and projects of intervention for the development of future actions of prevention were elaborated. The group of students showed interest in applying the Brazilian proposal, and gave importance to the search of new strategies for STD/AIDS, what makes the psychologist a source of social support aiming at the planning of psychoeducative interventions.

Keywords: Sexually Transmitted Diseases (STD), Acquired Immunodeficiency Syndrome (AIDS), Prevention, Adolescents.


 

 

A infecção por HIV é um dos principais problemas de saúde pública que a humanidade tem enfrentado nas últimas décadas. Apesar de todas as iniciativas que o meio científico e os governos da maioria dos países do mundo têm tomado no sentido de oferecer ao maior contingente populacional possível o acesso ao tratamento e aos medicamentos, a prevenção ainda constitui o grande desafio, que merece mais estudo e reflexão.

Algumas características inerentes à faixa etária da adolescência contribuem para sua maior vulnerabilidade em relação às DST/AIDS e justificam, portanto, o desenvolvimento de programas de prevenção específicos para a mesma. O início cada vez mais precoce da vida sexual, acompanhado de um baixo nível de informação sobre a sexualidade, sua baixa percepção de risco, o imediatismo e a onipotência próprios dessa fase, além da busca de afirmação e influência do grupo de iguais, são alguns fatores que justificam uma preocupação específica com essa etapa, reforçada pelos altos índices de incidência de casos de AIDS entre jovens (Bérnia, Oliveira, & Carret, 1998; Espada & Quiles, 2001).

Tais programas costumam envolver não apenas o setor saúde mas também o educacional, pois a escola é um dos principais espaços onde os jovens circulam. Portanto, a educação continuada para os meios acadêmicos com universitários e profissionais formadores são ferramentas fundamentais para a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e da AIDS.

A educação para a saúde deve levar ao conceito de que saúde é o resultado de múltiplos fatores ligados às diversas áreas de atividade humana, e possui, por isso, ligação com diversos ramos do conhecimento, não sendo conseqüência apenas da assistência médica. Assim, considera-se saúde um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de afecções ou enfermidades.

Historicamente, “ensinar saúde” foi entendido como a prática de instruir crianças e adolescentes a adquirirem bons hábitos, com a apresentação de um forte componente moral e disciplinar (Oliveira, 1998). Porém, é necessário pensarmos nos processos educativos não como mediadores daquilo que se deseja ensinar ou como “bens de consumo”, e sim, como “construtores de indivíduos”. Dessa forma, as ações na área da promoção e prevenção dirigidas às DST/AIDS devem ter como paradigma uma abordagem da saúde que dê ênfase à melhoria da qualidade de vida das pessoas e aos direitos de cidadania, participação e controle social, o que ultrapassa a noção de educação como simples transmissão de conhecimentos (Seffner, 2002).

O ambiente educacional formalizado é um espaço privilegiado de construção e socialização do saber, de exercício da cidadania e, em conseqüência, de qualificação da vida. A escola/universidade e a família devem se reconhecer como agentes e parceiros de um mesmo processo educativo - a formação integral do novo cidadão - capazes de influenciar o contexto social, político e cultural para mudanças de comportamento. Suas relações devem se fundamentar no objetivo comum, na integração e no estabelecimento de parcerias, com clara definição de atribuições e com respeito às características e aos limites dos envolvidos.

Porém, há carência de iniciativas no meio universitário que visem à capacitação de seus acadêmicos, que, além de se encontrarem numa faixa etária vulnerável, constituem os futuros profissionais. Nos currículos tradicionais dos cursos da área da saúde, infelizmente, os conteúdos estão centrados mais nas técnicas biomédicas do que nos valores da saúde coletiva. A formação universitária não contempla uma formação consistente na área da saúde coletiva e especificamente da prática da educação para a saúde, e, dessa forma, é comum encontramos profissionais que não se sentem suficientemente preparados para tal incumbência e que acabam desenvolvendo posturas autoritárias e higienistas.

Na tentativa da superação desse vácuo encontrado no meio universitário, desde 1999, a Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS (Brasil) vem investindo na capacitação de seus alunos como agentes multiplicadores no campo da prevenção às DST/AIDS dentro do âmbito da grade curricular do curso de graduação, e, entre 2002 e 2003, foi efetivado um convênio com o Programa Nacional de DST e AIDS, viabilizado através de recursos administrados pela UNESCO. Graças a esse convênio, surgiu, então, o “Projeto Multiplicação: Uma estratégia para o enfrentamento da AIDS”, que possibilitou a ampliação do número de universitários capacitados e que atingiu escolas e instituições sociais para adolescentes em várias regiões da cidade. Seu objetivo primordial foi o de proporcionar a inclusão da temática da AIDS no contexto escolar e universitário.

Em março de 2006, graças ao convênio com a Universidade Autônoma de Madrid, foi desenvolvido um curso de capacitação junto aos estudantes do Master en Psicologia Clínica y de la Salud, inspirado na experiência da PUCRS. A demanda de uma capacitação dentro dessa temática decorreu de uma realidade semelhante à da universidade brasileira: a falta de oportunidade de formação tanto em nível de graduação quanto de pós-graduação nessa área.

Tal carência é preocupante, tendo em vista que a Espanha é o país que apresenta maior incidência de casos de AIDS na Europa. De acordo com a vigilância epidemiológica da Espanha, de 1990 a 2005, foram notificados 6.680 casos de pessoas com diagnóstico de AIDS. Destaca-se a possibilidade da existência de muitos outros casos que podem não estar notificados (Ministerio de Sanidad y Consumo, 2005).

O estudo qualitativo realizado a partir dessa capacitação possibilitou a avaliação da metodologia que tem sido empregada e a análise de aspectos peculiares à cultura espanhola, assim como outros comuns a ambas as culturas, no que diz respeito à temática da AIDS.

 

Alguns conceitos fundamentais na formação de multiplicadores paraprevenção das DST/AIDS

A prevenção, mais do que um trabalho técnico-teórico, é um trabalho de educação, que visa à mudança de comportamentos e das formas de pensar dos indivíduos. Porém, prevenir-se das DST/AIDS não é fruto apenas da aquisição de conhecimentos e do desenvolvimento de habilidades e atitudes individuais. A vulnerabilidade à infecção por DST ou HIV diz respeito também a fatores sociais e programáticos. Segundo Ayres, França Junior, Calazans e Saletti-Filho (1999), a vulnerabilidade diz respeito a diferentes graus e naturezas da suscetibilidade de indivíduos e coletividades à infecção, adoecimento ou morte pelo HIV, segundo a particularidade de sua situação quanto ao conjunto integrado dos aspectos sociais, programáticos e individuais que os põem em relação com o problema e com os recursos para seu enfrentamento (p. 50).

Assim, a noção de vulnerabilidade abrange um conjunto de aspectos: individuais (grau e qualidade da informação de que os indivíduos dispõem e capacidade de elaborá-las e incorporá-las ao cotidiano, o que possibilitaria a mudança de práticas); sociais (acesso a meios de comunicação, grau de escolaridade e enfrentamento de barreiras culturais), e programáticos (recursos sociais que os indivíduos necessitam para não se expor ao HIV e para se proteger dos seus danos) (Parker, 1994).

O Ministério da Saúde brasileiro tem adotado uma proposta educativa no campo da prevenção às DST/AIDS junto a adolescentes que defende a utilização de uma pedagogia ligada à problematização da sexualidade, das DSTs/AIDS e das drogas, visando não apenas ao desenvolvimento de conhecimentos e habilidades como também à capacidade de compreender os problemas relacionados a essas temáticas, o que prepara o educando para a crítica, a reflexão e a transformação (Coordenação Nacional de DST e AIDS, 1997).

Nessa perspectiva, as ações de prevenção são consideradas fundamentalmente ações político-pedagógicas e construtoras de identidades, e é necessário que os educadores se transformem em interlocutores, e não em tutores na relação adolescentes/AIDS (Ayres, Calazans, & França Junior, 1998; Seffner, 2002).

Conforme Ayres, Freitas, Santos, Saletti Filho e França Junior (2003), o interesse de alunos de se tornarem multiplicadores na perspectiva das estratégias de prevenção das DST/AIDS pode ser uma forma de desenvolver mecanismos de minimização dessa problemática na adolescência. Por meio desse tipo de ação, o adolescente adquire e amplia seu repertório interativo, o que aumenta, assim, sua capacidade de interferir de forma ativa e construtiva em seu contexto escolar e sociocomunitário, ocasião em que ele se torna o ator principal no processo de seu desenvolvimento (Costa, 1999).

Assim, a educação de pares tem se constituído numa excelente forma de otimização da promoção da saúde entre adolescentes. Experiências desse tipo têm demonstrado que os adolescentes desenvolvem amadurecimento emocional, elevada auto-estima e têm facilitada a sua formação enquanto jovens cidadãos (Barros, 2002).

A formação de multiplicadores para atuarem na comunidade escolar visa a garantir o fluxo constante de informações atualizadas sobre HIV/AIDS e criar e manter espaços que favoreçam a análise crítica e reflexiva dos temas relacionados à AIDS. O papel do multiplicador é ampliar a discussão da AIDS para todos os segmentos da escola no desenvolvimento de atividades tais como capacitações, debates, vídeos e palestras. Ele se torna uma referência, inclusive diante de situações críticas que envolvam pessoas que vivem com HIV na comunidade escolar (Associação para Prevenção e Tratamento da AIDS [APTA], 1994).

 

Metodologia de trabalho

O curso teve 15h de duração e foi organizado em cinco encontros de 3h, no decorrer de três semanas. O programa foi constituído basicamente de quatro oficinas: sexualidade, prevenção às DST/AIDS, prevenção ao uso indevido de drogas e planejamento, com maior ênfase no tema DST/AIDS. No decorrer do curso, eram realizadas avaliações diárias que possibilitaram adequar o planejamento ao desenvolvimento do grupo assim como avaliar se os objetivos estavam sendo atingidos.

A capacitação foi realizada através de uma metodologia participativa e problematizadora, na medida em que se partia das próprias experiências e conhecimentos dos participantes e destes para a discussão, conscientização e ressignificação, buscando facilitar os processos de reflexão, de ensino-aprendizagem e de sensibilização e estabelecer vínculos de afetividade e respeito entre os participantes.

Por metodologia participativa, entendese o emprego de métodos e técnicas que facilitem aos participantes do grupo vivenciar sentimentos e percepções sobre os temas abordados, possibilitando assim a reflexão para possíveis mudanças. Esse trabalho pode ser realizado tanto para coordenadores de grupos como para jovens, no intuito de que estes possam reavaliar e dar novo significado a crenças e atitudes sobre temas específicos, como, por exemplo, a sexualidade e o uso de drogas, entre outros (Silva, 2002).

Nesse sentido, a ênfase centrou-se muito mais na sensibilização quanto à temática do que na simples “transmissão de conhecimentos”. Esse processo foi dinâmico e constantemente repensado, exigindo que os conteúdos fossem adequados à carga horária prevista e aos objetivos propostos. Através de técnicas grupais vivenciais, procurou-se motivar o compromisso e a reflexão crítica e oportunizar a tomada de consciência das emoções e dos valores envolvidos bem como de conhecimentos relativos às temáticas propostas. Para tanto, foram utilizadas técnicas vivenciais, que possibilitassem aos participantes ressignificar sua aprendizagem e ampliar seus conceitos. Foram oferecidas atividades que possibilitassem o trabalho corporal, o entendimento dos temas propostos e a discussão de suas dúvidas. Através de atividades participativas, jogos e dinâmicas de grupo, os assuntos foram desenvolvidos de tal forma que os participantes pudessem compreender as informações e aprender a transmiti-las aos adolescentes.

Além disso, introduziram-se alguns aspectos teóricos referentes a conceitos importantes para a formação dos participantes, que diziam respeito à própria metodologia participativa, aos conceitos de vulnerabilidade, prevenção e promoção de saúde e protagonismo, assim como orientações e cuidados referentes à coordenação de oficinas.

No final do curso, foi realizada uma oficina de planejamento, a fim de refletir com o grupo sobre as possibilidades concretas de futuras ações de prevenção. Também foi realizada uma avaliação geral (oral e escrita) do curso, através da qual o grupo expressou suas opiniões sobre o evento.

 

A promoção de um espaço de formação e reflexão

O grupo com o qual se trabalhou foi constituído por 15 alunos do Curso de Master en Psicologia Clínica y de la Salud na UAM, cuja idade variou entre 25 e 41 anos, do sexo feminino e masculino. Os participantes apresentaram como principal motivação para o curso seu interesse em desenvolver habilidades e estratégias para trabalhar com adolescentes e em ampliar seu conhecimento sobre DST/AIDS na adolescência. O grupo mostrou-se participativo, envolvido com as atividades propostas pela coordenadora e bastante intelectualizado, revelando mais seus aspectos cognitivos do que os afetivos e comportamentais. Também se destaca a preocupação do grupo em relação à necessidade de investir na formação de educadores, tendo surgido as seguintes questões na discussão: Como trabalhar sexualidade com os professores? Estes também precisam de capacitação? E como está a sexualidade dos mesmos?

Os participantes se referiram à existência da dificuldade de comunicação entre os adolescentes e seus pais e suas próprias dificuldades em relação à abordagem de temas relativos à sexualidade. Foram considerados como os mais difíceis: homossexualidade, contracepção de emergência, crenças religiosas, tráfico sexual e gravidez não desejada. Na discussão com o grupo, surgiram dúvidas em relação aos aspectos fisiológicos da sexualidade, tais como ovulação e menstruação e também questões polêmicas como a orientação homossexual, bissexual e heterossexual.

Em relação ao tema do uso indevido de drogas, o grupo apresentou bom entendimento do conceito de redução de danos, com uma visão não preconceituosa. Além disso, destacaram a influência da cultura espanhola no uso diário do álcool, estimulado em bares e restaurantes, que vendem as refeições acompanhadas de vinho ou cerveja. Os jovens também salientaram que tem sido abusivo o uso de outras drogas e que eles se preocupam com a crescente dependência química presente no seu país, o que representa consciência quanto aos aspectos sociais e políticos envolvidos na questão.

Quanto ao tema específico da AIDS, demonstraram poucas informações atualizadas sobre o tema. Os participantes afirmaram que na mídia o assunto tem sido tratado como se estivesse distante da realidade da Espanha e fosse especificamente relacionado aos países de Terceiro Mundo, e salientaram a influência da política governamental nessa área.

Nessas discussões, observou- se a ambivalência do grupo. Por um lado, apareceram idéias de morte e estigma relacionados à enfermidade, mas, em contrapartida, também foi salientado que a pessoa infectada possui projetos de vida. O grupo referiu-se à importância da rede de apoio social (equipe de saúde, demais usuários do serviço de saúde) para quem é portador de HIV, tendo em vista os sentimentos de medo e de esperança em relação à doença. A relação profissionalpaciente e a adesão ao tratamento da AIDS, assim como o respeito à pessoa e os aspectos éticos relacionados ao portador do HIV/AIDS, também mereceram destaque.

Os estudantes questionaram sua própria postura diante da AIDS, relatando que, apesar das informações sobre o assunto, também se incluem na sociedade que estigmatiza, ao mesmo tempo que citaram a necessidade de se contar com a intervenção do psicólogo como fonte de apoio social. Parece que a tomada de consciência dessa ambivalência do grupo foi fundamental, tendo em vista que, para que se possa realizar um trabalho efetivo com promoção da saúde, é necessário, além de transmitir informações, dar-lhes sentido, na medida em que as mesmas estejam relacionadas aos valores individuais e sociais (Silva, 2002).

No campo da prevenção, foi destacado que ainda atualmente se tem a crença distorcida de que uma pessoa soropositiva não tem uma boa aparência física. Os participantes lamentaram a falta de campanhas educativas e consideraram a importância de aproximar a idéia de amor à de doença, não mais colocando a AIDS como sinônimo de traição e desconfiança. Além disso, salientaram a carência de estudos sobre os fatores de proteção para o HIV, pois os de risco já são conhecidos.

Segundo os participantes, o modelo de atenção à saúde, mais voltado para a doença e para a cura do que para a saúde, dificulta o desenvolvimento de intervenções preventivas e psicoeducativas. Assim, concluíram haver necessidade de maior investimento na formação dos profissionais para o paradigma da atenção integral e da promoção da saúde. Para Silva (2002), a saúde deve ser considerada um processo contínuo e dinâmico, constituído por diferentes esferas do funcionamento da pessoa. A autora relaciona esses estados às possibilidades que o indivíduo tem de ter objetivos, aspirações, anseios, manter equilíbrio emocional, conseguir ter e manter competências sociais e autonomia, desenvolver auto-aceitação, desenvolver e manter vínculos afetivos e sentir-se produtivo. Esses estados afetam o bem-estar físico, psicológico e social das pessoas, e, em especial, o dos jovens.

Ao final do curso, foi realizada uma oficina de planejamento, a fim de refletir com o grupo sobre as possibilidades concretas de futuras ações de prevenção. Foi discutida a importância da busca de uma equipe que possua motivações interna e externa para um efetivo desenvolvimento do trabalho. O grupo apresentou-se interessado na metodologia participativa como possível forma de intervenção com os adolescentes para a prevenção das DST/AIDS.

Também foi solicitada aos participantes a elaboração de projetos de intervenção, a partir dos quais se pôde observar o interesse desses profissionais em multiplicar o trabalho com adolescentes em instituições da comunidade, por exemplo, em escolas de Madrid/Espanha, no intuito de desenvolver atividades de prevenção e promoção da saúde em relação ao tema DST/AIDS. A necessidade de colocar em prática propostas de intervenção na Espanha tem sido apontada por autores como Costa, Martinez e David (1999). No seu ponto de vista, as intervenções necessitam dos conhecimentos de Psicologia e Pedagogia, além do planejamento para o desenvolvimento de atividades dinâmicas e com qualidade relacionadas à educação afetivo-sexual para adolescentes, incluindo temas como gravidez, prevenção às DST/AIDS e comportamentos de risco. Os autores salientam a importância de se contar com no mínimo quatro encontros, para que se propicie maior assimilação das informações, troca de idéias e atitudes sobre o tema discutido.

Parece-nos que a metodologia problematizadora responde a essas necessidades e, nos projetos apresentados, observou-se a preocupação com o embasamento teórico e a cuidadosa escolha de técnicas. Esses projetos, em sua maioria, se referiram à formação de multiplicadores adolescentes, a aulas de educação sexual e à formação de educadores e pais, sempre a partir de uma metodologia participativa.

O curso foi avaliado de forma extremamente positiva pelos participantes. A unanimidade dos alunos considerou que o curso atingiu os aspectos considerados mais importantes em relação às temáticas abordadas, que foi importante a utilização de atividades que envolviam valores e emoções e que as atividades foram muito bem organizadas e conduzidas. Avaliaram como muito positiva a aprendizagem da metodologia participativa, valorizaram a sensibilidade e a disponibilidade das coordenadoras assim como o nível de motivação e a conscientização adquirida pelos alunos. Quanto aos aspectos negativos, reclamaram da carga horária exígua e sugeriram maior quantidade de documentação bibliográfica, assim como maior carga horária. Os participantes aproveitaram para agradecer a acessibilidade, a colaboração e o entusiasmo das coordenadoras.

Não temos dúvidas de que os alunos do curso se constituíram em portadores de informação e sensibilização em relação ao tema da prevenção às DST/AIDS, e, embora não possamos acompanhar a continuidade do trabalho de multiplicação de perto, tendo em vista nosso retorno para o Brasil, já tivemos notícias de vários alunos que desenvolveram atividades de prevenção junto a escolas da comunidade de Madrid.

 

Considerações finais

Essa experiência evidencia que, na área da prevenção e da assistência às DST/AIDS, as realidades brasileira e espanhola não são divergentes, na medida em que os estudantes espanhóis trouxeram questões que se mostram relevantes também no nosso país.

Essa questões giram em torno da importância de dar continuidade ao desenvolvimento de estratégias para prevenção das DST/AIDS na adolescência, através de maior investimento na formação de profissionais de saúde, professores e multiplicadores adolescentes e do planejamento de ações preventivas e educativas por parte da política governamental em relação à desmitificação do HIV/AIDS na Espanha, para que os adolescentes, desde o despertar da sexualidade, possam contar com espaços de diálogo franco sobre a questão.

O grupo de estudantes da Universidade Autônoma de Madrid manifestou interesse em aplicar a proposta brasileira, destacando a importância da constante busca de novas estratégias de abordagem do tema na escola e em outras instâncias da comunidade e transformando o psicólogo em fonte de apoio social e em elemento fundamental junto às equipes, com vistas ao planejamento de intervenções psicoeducativas no campo da educação e da saúde.

Geralmente, temos a tendência de idealizar a realidade dos países de Primeiro Mundo, porém, a vivência de intercâmbio com esse grupo de participantes do curso reforçou a idéia de que, felizmente, o Brasil tem razões para ser respeitado e ser considerado referência no campo da prevenção às DST/AIDS no mundo.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Rua São Luis, 1144, ap. 404
90620-170, Porto Alegre, RS, Brasil

Recebido 29/01/07
Reformulado 26/11/07
Aprovado 02/12/07

 

 

* Psicóloga; Mestre em Psicologia clínica/PUCRS; Doutora em Psicologia (PUCRS e Universidade Autônoma de Madrid); docente da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).E-mail: jennym@terra.com.br
** Psicóloga; Mestre em Psicologia clínica (PUCRS); doutoranda em Psicologia (PUCRS). E-mail: calvetti@hotmail.com