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Psicologia: ciência e profissão

versión impresa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.30 n.1 Brasília mar. 2010

 

ARTIGOS

 

Interacionismo simbólico: origens, pressupostos e contribuições aos estudos em Psicologia Social

 

Symbolic interacionism: origins, assumptions and contributions to Social Psychology Studies

 

Interaccionismo simbólico: orígenes, supuestos y contribuciones a los estudios en Psicología Social

 

 

Virgínia Donizete de Carvalho*, I; Livia de Oliveira Borges**, II; Denise Pereira do Rêgo***, III

I Universidade Federal de Alfenas
II Universidade Federal de Minas Gerais
III Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O estudo aborda a perspectiva teórica denominada interacionismo simbólico, com o objetivo de resgatar suas origens, consolidação, pressupostos centrais e contribuições ao campo da Psicologia social. com base em revisão de literatura, são examinadas algumas concepções de pensadores reconhecidos como precursores dessa corrente, com destaque para o trabalho de George Mead. Os marcos iniciais da estruturação do movimento interacionista simbólico (cujo nome e principais pressupostos foram estabelecidos por Herbert Blumer) e as diferentes possibilidades de operacionalização do conceito, representadas pelas divergências conceituais e metodológicas das Escolas de chicago e Iowa, constituem os pontos centrais da discussão. No intuito de identificar os principais desdobramentos oriundos das concepções interacionistas, são brevemente expostas as abordagens de estudiosos como Strauss, Shibutani, Berger e Luckmann, e Stryker. Por fim, com base na revisão empreendida, que permitiu identificar diferentes pontos de vista acerca da abordagem interacionista simbólica, conclui-se que sua evolução e fortalecimento ao longo do tempo contribuíram para que pudesse se sustentar como uma perspectiva teórica com amplas possibilidades de aplicação nos estudos da vida social.

Palavras-chave: Interacionismo simbólico, Pressupostos teóricos, Perspectivas metodológicas, Estudos em Psicologia social.


ABSTRACT

The current study addresses the theoretical perspective named symbolic interactionism, aiming at the description of its roots, consolidation, main assumptions and contributions to the field of social psychology. Using literature review, conceptions of some scholars known as pioneers to that approach are examined, emphasizing the work of George Mead. The initial landmarks of the symbolic interactionism movement’s consolidation (whose name and main assumptions were established by Herbert Blumer) and the different possibilities to work on that concept, represented by the methodological and conceptual divergences between the chicago and Iowa Schools, constitute the major points of focus. Approaches from scholars like Strauss, Shibutani, Berger and Luckmann, and Stryker are shortly discussed for the purpose of identifying the main developments derived from the interactionist conceptions. Lastly, based on this review, which provided distinct points of view regarding the symbolic interactionism approach, we conclude that its evolution and strengthening along the time have contributed to its permanence as a theoretical perspective with broad applicability in social life studies.

Keywords: Symbolic interactionism, Theoretical assumptions, Methodological perspectives, Social psychology studies.


RESUMEN

El estudio aborda la perspectiva teórica denominada interaccionismo simbólico, con el objetivo de rescatar sus orígenes, consolidación, supuestos centrales y contribuciones al campo de la Psicología social. con base en revisión de literatura, son examinadas algunas concepciones de pensadores reconocidos como precursores de esa corriente, con destaque para el trabajo de George Mead. Los marcos iniciales de la estructuración del movimiento interaccionista simbólico (cuyo nombre y principales supuestos fueron establecidos por Herbert Blumer) y las diferentes posibilidades de operacionalización del concepto, representadas por las divergencias de conceptos y metodológicas de las Escuelas de chicago e Iowa, constituyen los puntos centrales de la discusión. En el designio de identificar los principales desdoblamientos oriundos de las concepciones interaccionistas, son brevemente expuestos los abordajes de estudiosos como Strauss, Shibutani, Berger y Luckmann, y Stryker. Por fin, con base en la revisión emprendida, que permitió identificar diferentes puntos de vista acerca del abordaje interaccionista simbólico, se concluye que su evolución y fortalecimiento a lo largo del tiempo aportaron para que pudiese sostenerse como una perspectiva teórica con amplias posibilidades de aplicación en los estudios de la vida social.

Palavras clave: Interaccionismo simbólico, Supuestos teóricos, Perspectivas metodológicas, Estudios en Psicología social.


 

 

Os problemas sociais decorrentes da industrialização e da urbanização do início do século XX constituíram o contexto que serviu como uma das fontes de estímulo aos estudiosos da Psicologia social da época para desenvolver uma perspectiva teórica distinta, voltada para o estudo sistemático do comportamento social humano. Essa perspectiva, posteriormente denominada interacionismo simbólico, segue fundamentando o referido campo de conhecimento.

Dentre os antecedentes intelectuais do interacionismo simbólico, de acordo com Benzies e Allen (2001), estão algumas concepções dos moralistas escoceses do século XVIII e dos idealistas alemães do século XIX. Os moralistas, ao expandirem as noções de Eu e Mim, proporcionaram as bases para a evolução do pensamento interacionista, no que se refere aos conceitos de Mente e Self como produtos sociais. Os idealistas alemães, por sua vez, influenciaram na compreensão de que as pessoas constroem seu mundo com base nas próprias percepções sobre o mesmo.

De um modo geral, pode-se dizer que o interacionismo simbólico constitui uma perspectiva teórica que possibilita a compreensão do modo como os indivíduos interpretam os objetos e as outras pessoas com as quais interagem e como tal processo de interpretação conduz o comportamento individual em situações específicas.

Autores como Kanter (1972) e Hall (1987) argumentam que essa é uma perspectiva útil e importante no estudo da vida social, e que ela oferece um ponto de vista humanístico, no qual se percebe as pessoas como capazes de utilizar seu raciocínio e seu poder de simbolização para interpretar e adaptar-se flexivelmente às circunstâncias, dependendo de como elas mesmas venham a definir a situação.

Por esse motivo, considera-se que o interacionismo simbólico é, potencialmente, uma das abordagens mais adequadas para analisar processos de socialização e ressocialização e também para o estudo de mobilização de mudanças de opiniões, comportamentos, expectativas e exigências sociais.

Reconhecendo a importância dessa abordagem para o campo de estudos da Psicologia social, o presente trabalho tem o intuito de discutir o surgimento, a consolidação e os pressupostos centrais da perspectiva interacionista simbólica, revisando as concepções teóricas dos estudiosos que mais contribuíram para o seu desenvolvimento. Na sequência, são identificadas as principais vantagens e limitações em termos de alcance e aplicação dessa abordagem e, por fim, são apresentadas, brevemente, algumas abordagens desenvolvidas com base na obra de teóricos interacionistas, as quais buscaram explorar a temática, agregando novos aspectos e pontos de vista.

 

Raízes teóricas da Escola de Interação Simbólica

Com respeito às correntes teóricas que vieram dar origem à perspectiva conhecida como interacionismo simbólico, observa-se que a maioria dos autores (Álvaro, Garrido, Schweiger, & Torregrosa, 2007; Blanco, 1988; Haguette, 1995; Joas, 1999; Trezza, 2002) são unânimes em considerar as contribuições advindas das obras de clássicos da Escola de chicago como charles cooley, John Dewey, William Thomas e, sobretudo, George Mead, considerado o principal precursor e inspirador do movimento interacionista.

Em concordância com esse ponto de vista e indo um pouco mais além na análise das origens de tal perspectiva, Blanco (1998) ressalta que as raízes teóricas do interacionismo simbólico são muito complexas, e que, por esse motivo, é prudente considerar, além dos autores acima citados, aos quais ele se refere como influências diretas, também alguns outros que ele identifica como influências filosóficas indiretas. Estas últimas abrangem o pensamento econômico de Adam Smith, a filosofia moral de Thomas Reid, o empirismo humeano, as ideias iluministas de Diderot e de Rosseau, a filosofia alemã (derivada, sobretudo, da teoria de conhecimento kantiana), o historicismo de Dilthey e a epistemologia compreensiva de Weber (Blanco, 1998).

Entretanto, por motivos de concisão, o presente trabalho ater-se-á apenas à discussão das influências diretas, debruçando-se mais detidamente sobre as concepções apresentadas na teoria psicossociológica de Mead, por serem estas a fonte principal da qual se derivaram as interpretações que deram origem ao interacionismo simbólico.

Nessa linha de raciocínio, destaca-se a influência da filosofia do pragmatismo sobre os estudiosos da Escola de chicago, a qual teve início com os trabalhos de Dewey e Mead, especialmente no que se refere à interpretação dos processos e operações psíquicas, segundo sua eficácia para a solução dos problemas encontrados pelas pessoas no curso de sua conduta.

Nas palavras de Joas (1999), “cooley foi o primeiro a proclamar a necessidade de um pragmatismo ‘social’ ou ‘sociológico’ e o primeiro a desenvolver uma teoria do eu e sua dependência de grupos primários” (p. 138). Entretanto, a solução do problema de se chegar a uma análise pragmática de situações de interação social e autorreflexão individual foi creditada a Mead, por ter focado a ação interpessoal, indicando que o modo de ação de um indivíduo suscita reações de seu parceiro, tornando-se condição para a continuidade de suas próprias ações.

Sabendo-se que o pragmatismo foi um dos produtos das ideias evolucionistas britânicas (Álvaro & Garrido, 2003) e que Mead, no terreno filosófico, era um pragmatista (Morris, 1982; Portugal, 2006), torna-se perceptível que, em alguns aspectos, as ideias de Darwin tenham tido impacto sobre o pensamento de Mead. É observável também a atenção que dedicou às elaborações de Wundt e às concepções behavioristas.

Entretanto, é fato inegável que, em suas discussões, sempre reconhecia as limitações de cada uma das correntes de pensamento citadas, apresentando críticas às mesmas; assim, discutia a incapacidade do pragmatismo de explicar as origens do indivíduo como ser social, a explicação de cooley sobre a natureza social do ser humano a partir de processos subjetivos, a aceitação de Wundt em relação ao fenômeno da mente humana sem se preocupar com sua emergência e a pretensão reducionista do behaviorismo de explicar o comportamento humano através do esquema E-R (estímulo-resposta) (Blanco, 1998).

Apesar de Mead ser reconhecido como um behaviorista social, Farr (1998) salienta que sua perspectiva de análise difere radicalmente do behaviorismo de Watson, de F. H. Allport e de Skinner, principalmente devido ao fato de Mead tratar a linguagem como um fenômeno inerentemente social.

Mead reconhece que o ato possui tanto uma fase interna quanto externa. Para ele, a questão surge no modo como essas duas fases se relacionam, portanto, critica Wundt por considerar a mente em sua psicologia fisiológica, e Watson, por abandoná-la em seu behaviorismo. Para Farr, “ambas as perspectivas são parciais, e não há nada de inerentemente social em nenhuma delas. O que Mead fez foi mostrar como elas poderiam se relacionar” (p. 80).

Essas considerações estão claras em sua obra, como é possível constatar neste trecho em que esclarece, em termos de behaviorismo, qual é o ângulo de seu enfoque:

O ato, e não o trajeto, é o dado fundamental na psicologia social e na psicologia individual, quando são concebidas na forma condutista, e tem por sua vez uma fase interna e outra externa, um aspecto interior e outro exterior... nosso ângulo de enfoque é condutista, mas diferentemente do condutismo watsoniano, reconhece as partes do ato que não aparecem na observação externa e acentua o ato do indivíduo humano em sua situação social natural. (Mead, 1934/1982, p. 55)

Conforme se observa, no entendimento de Mead (1934/1982), a compreensão da conduta é incontestavelmente diferenciada de Watson. Ele argumenta detalhadamente em sua obra que certas partes do ato se convertem em um estímulo para que o outro indivíduo se adapte a tais reações, e essa adaptação se converte, por sua vez, em estímulo para que o primeiro modifique seu ato e inicie outro ato distinto.

Portanto, a descrição de Mead do comportamento humano tem como dado principal o ato social, em termos não só de comportamento externo observável mas também de atividade encoberta do ato. Enquanto Watson reduz o comportamento humano aos mesmos mecanismos encontrados no nível infra-humano, em que a dimensão social é vista como mera influência externa sobre o indivíduo, insistindo no estudo estritamente científico do comportamento aparente, Mead permite uma instintiva investigação abrangente de aspectos do comportamento, ausente na perspectiva de Watson (Haguette, 1995).

Essa descrição do comportamento feita por Mead foi denominada behaviorismo social por Morris, um filósofo que editou a transcrição do curso em Psicologia social oferecido por Mead na Universidade de chicago (Farr, 1998). O termo behaviorismo social consta, inclusive, no subtítulo da obra editada por Morris, a saber: Mind, Self and Society: from the Standpoint of a Social Behaviorist. com respeito a esse fato, Gillespie (2005) levanta a seguinte questão: “quem está escrevendo quando o texto diz – ‘nosso behaviorismo é um behaviorismo social’? Esse ‘nosso’ se refere a Mead e aos estudantes a quem ele se dirigia, ou a Morris e o ‘seu’ Mead?” (p. 21).

Farr (1998) entende que a interpretação de Mead como um behaviorista social soa pouco útil e até mesmo falsa, pois Mead era um pragmático, e não um positivista. “classificar Mead como um behaviorista social é prestar pouca atenção em sua relação com Watson e subestimar seriamente o significado de suas relações com Wundt e, de maneira mais ampla, com o idealismo alemão” (p. 111). com respeito a tais relações, observam-se em vários pontos de sua obra menções ao pensamento wundtiano, ainda que, conforme discutido anteriormente, sua posição seja divergente de Wundt no que tange à emergência da mente humana:

Wundt pressupõe pessoas como antecedentes do processo social, a fim de explicar a comunicação dentro desse processo, enquanto que, pelo contrário, há que se dar conta das pessoas em termos de processo social e em termos de comunicação... O corpo não é um Eu, como tal, só se converte em pessoa quando há desenvolvimento de uma mente dentro do contexto da experiência social... A mente surge através da comunicação, por uma conversação de gestos em um processo social ou contexto de experiência – e não a comunicação através da mente. (Mead, 1934/1982, p. 91)

Nessa linha de raciocínio, Mead afirma que a mente é uma relação do organismo com a situação, que se realiza por meio de uma série de símbolos. Quando um determinado gesto representa a ideia que há por trás de si e provoca essa ideia no outro indivíduo, temse um símbolo significante. No momento em que tal gesto promove uma reação adequada do outro indivíduo, tem-se um símbolo que responde a um significado na experiência do primeiro indivíduo e que também evoca esse significado no segundo indivíduo.

Assim, a base do significado está presente na conduta social, em que emergem os símbolos significantes. Só quando o indivíduo se identifica com tais símbolos é que se torna consciente o significado. Os processos mentais têm relação com esse significado das coisas, e a mentalidade reside na capacidade do organismo para indicar aquele elemento do ambiente que responde às suas reações, a fim de poder controlar tais reações de várias maneiras. Nas palavras do próprio Mead, “o controle é possibilitado pela linguagem... e da linguagem emerge o campo da mente” (p. 165).

Conforme pontua Blanco, o que Mead queria demonstrar era que a ação de cada um só obteria seu sentido através da ação do outro. Durante o processo de qualquer ato social, os objetos do ambiente percebido se definem e se redefinem. De tal dinamismo consiste a interação simbólica, a qual não se dá por reação direta às ações e gestos do outro, mas mediante uma interpretação dessas ações ou gestos com base no significado que lhes é atribuído.

Para explicar esse processo de interação que envolve definição e redefinição de objetos do ambiente percebido, Mead introduz as noções de Self, Eu e Mim. A característica da pessoa como objeto para si está representada pelo termo self (si mesmo), e esse self permite que o indivíduo interaja socialmente consigo mesmo, da mesma forma que interage socialmente em relação a outras pessoas. “Quando não só se escuta a si, mas também se responde... tão realmente como se responde a outra pessoa, então temos uma conduta em que os indivíduos se convertem em objetos para si mesmos (Mead, 1934/1982, p. 171)”.

Essa capacidade de refletir sobre si mesmo, que também permite o processo de se perceber e/ou sentir-se no papel do outro, habilita ao ser humano desenvolver o sentido de self social. De acordo com Jeon (2004), o self precisa ser entendido de forma situada na interação com o mundo social. A pessoa e o mundo não podem ser compreendidos de forma isolada, porque o self está sendo continuamente desenvolvido através da interação com outros seres humanos. Isso explica a natureza do self, que é dinâmica, e não fixa.

Portanto, a sociedade representa o contexto dentro do qual o self surge e se desenvolve. Meltzer (1972 citado por Haguette, 1995) ao interpretar o pensamento de Mead, esclarece que o self representa um processo social no interior do indivíduo que envolve duas fases analíticas distintas: o Eu, que é a tendência impulsiva do indivíduo, e o Mim, que representa o outro generalizado.

É na forma do outro generalizado (Mead, 1934/1982) que os processos sociais influenciam a conduta dos indivíduos envolvidos e que a comunidade exerce controle sobre o comportamento dos seus membros individuais. Quando as pessoas ficam fora dessa classe de expressão organizada, surge uma situação em que o controle está ausente. A reação do indivíduo ao outro generalizado representa o Eu na experiência da pessoa. O pensamento seria o raciocínio do indivíduo, uma conversação entre o que se denomina Eu e Mim.

Nas palavras de Mead (1934/1982), é possível observar esse papel do Eu e do Mim em um processo de interação contínua.

O Mim é um indivíduo convencional, habitual. Está sempre presente. Tem que ter os hábitos, as reações que todos têm, ao contrário, o indivíduo não poderia ser um membro da comunidade... A reação do Eu a uma atitude organizada transforma a mesma, e assim, ocorre certa proporção de adaptação e readaptação. Essa reação do Eu pode ser um processo que envolve uma degradação do estado social como uma integração superior. (p. 222)

Acrescenta, ainda, que o progresso social humano implica o emprego, por parte dos indivíduos, do seu mecanismo de consciência de si, socialmente surgido, tanto para produzir as transformações sociais progressivas como para o desenvolvimento de si mesmos ou de suas personalidades individuais como forma de se manter adaptativo a esse ritmo de reconstrução social.

Considerando-se a obra de Mead, é possível observar, no entanto, que, embora original e coerente, ela apresenta algumas deficiências e incompletudes, em grande parte resultantes da forma como o autor elaborou seu pensamento e da não intencionalidade de publicação de seus escritos na época (Haguette, 1995).

Conforme é sabido, Mead nunca escreveu seu livro sobre Psicologia social. A obra Mind, Self and Society foi composta de notas de estudantes que o assistiram na última parte de sua carreira. As aulas e palestras que ministrava foram selecionadas e editadas postumamente sem muita preocupação quanto à organização, justificando-se, assim, as repetições e as ideias mal acabadas ou vagas.

Dentre as críticas que são geralmente empreendidas, destacam-se, dentre outras: pouca precisão conceitual, ambiguidade em sua teoria pela imprecisão do conceito de Eu (Lewis, 1979), não esclarecimento da identidade do outro, que fica sempre escondido na generalização (Hughes, 1962, citado por Blanco, 1998), negligência do por que da conduta, restringindo-se ao como, omissão quanto à natureza (ou até existência) do inconsciente ou subconsciente e dos mecanismos de ajustamento (Meltzer, 1972, citado por Haguette, 1995) e não referência à conexão que existe entre a pessoa e o sistema social, ainda que aponte os aspectos institucionais da sociedade (Blanco, 1998). Por outro lado, são muito reconhecidas as extensas contribuições teóricas aportadas por esse autor. Gillespie (2005) enfatiza que poucos teóricos foram tão produtivos, mesmo postumamente, como Mead.

Outra importante figura da Escola de chicago, cujas ideias também exerceram influência sobre a concepção interacionista simbólica, foi W. I. Thomas, que se interessava por um modelo teórico que enfatizasse a influência da cultura no comportamento individual e coletivo. Insistia no caráter cultural dos hábitos de comportamento e no aspecto coletivo até das iniciativas individuais. A cultura, no seu entender, abarcava toda uma diversidade de recursos comunitários materiais, técnicos e cognitivos.

Seu estudo mais extenso, realizado em parceria com Znaniecki, tratou dos imigrantes poloneses, e a publicação correspondente – The Polish Peasant in Europe and America– foi reconhecida como uma das obras paradigmáticas da Escola de chicago. De acordo com Joas (1999), o modelo teórico apresentado nessa obra amplia a concepção pragmática de ação em dois sentidos: primeiro, esta se torna mais concreta e, segundo, passa a incluir a ação coletiva.

A concepção pragmática de ação se torna mais concreta na medida em que a operação subjetiva de definir uma situação é considerada com maior precisão. Normas de conduta aceitas são vistas como o resultado de definições de situações previamente bemsucedidas. conforme esclarecem Thomas e Znaniecki (1926/1984), “o indivíduo desenvolve esquemas gerais de situações; a organização de sua vida é um conjunto de regras para situações definidas... princípios morais, prescrições legais, ritos religiosos, costumes sociais, etc., são exemplos de esquemas” (p. 303).

Ao lado do conceito de atitude, essas definições são formuladas em relação à ação. Dá-se atenção ao papel social daquele que define as situações. Fica claro que tais definições sempre contêm um elemento de risco. Não precisam, necessariamente, formar um sistema unitário coeso ou explicar todas as situações com a mesma precisão, até porque surgem continuamente situações para as quais não bastam as definições já estabelecidas.

Outro ponto de vista claro nessa obra é que a desorganização e a crise sempre possibilitam a reorganização criativa. No entendimento de Thomas e Znaniecki, a estabilidade das instituições do grupo é, simplesmente, o equilíbrio dinâmico de processos de desorganização e reorganização.

Conforme pontua Joas (1999) a despeito de todos os problemas da relação entre teoria e pesquisa empírica bem como da complexidade da teoria e dos métodos empregados, esses autores produziram uma obra notável, que pode ser considerada um clássico.

Importa, por fim, ressaltar que não ficam resumidas aqui todas as contribuições teóricas que lançaram as raízes para a constituição do interacionismo simbólico. Entretanto, buscou-se destacar aquelas que foram mais relevantes.

 

Consolidação do interacionismo simbólico

O interacionismo simbólico começou a se delinear entre os anos 1930 e 1940, e desenvolveu- se no transcurso das duas décadas seguintes. De acordo com Blanco (1998), em 1974, a fundação da Sociedade para o Estudo do Interacionismo Simbólico (Society for the Study of Symbolic Interactionism) pode ser considerada o ponto de partida da consolidação e da tomada de consciência de sua importância, e hoje conta com revistas próprias, como Symbolic Interaction, órgão da mencionada associação, Studies in Symbolic Intercationism e The Sociological Quarterly, assim como com publicações periódicas de compilação como An Annual Compilation of Research.

O nome dessa linha de pesquisa sociopsicológica e sociológica foi cunhado em 1937 por Herbert Blumer, que estabeleceu os pressupostos da abordagem interacionista, através de seus escritos, cuja maioria está reproduzida em sua mais importante publicação – Symbolic Interactionism: Perspective and Method.

Para os interacionistas simbólicos, o significado é um dos mais importantes elementos na compreensão do comportamento humano, das interações e dos processos. Os interacionistas argumentam que, para alcançar uma compreensão plena do processo social, o investigador precisa se apoderar dos significados que são experienciados pelos participantes em um contexto particular (Jeon, 2004).

Sustentando-se nos preceitos teóricos de Mead, anteriormente expostos, Blumer (1969/1982) reafirma a noção de que o significado é um produto social, uma criação que emana das atividades dos indivíduos à medida que estes interagem. conforme esclarece em sua obra, a natureza do interacionismo simbólico tem como base a análise de três premissas:

A primeira é que o ser humano orienta seus atos em direção às coisas em função do que estas significam para ele... A segunda é que o significado dessas coisas surge como conseqüência da interação social que cada qual mantém com seu próximo. A terceira é que os significados se manipulam e se modificam mediante um processo interpretativo desenvolvido pela pessoa ao defrontar-se com as coisas que vai encontrando em seu caminho. (p. 2)

Ao fundar-se nessas premissas, a interação simbólica é levada a desenvolver um esquema analítico da sociedade humana e da conduta humana que envolve certas ideias básicas relacionadas com a natureza dos seguintes temas: grupos humanos ou sociedades, interação social, objetos, o ser humano como ator, a ação humana e as interconexões entre as linhas de ação. Em uma visão de conjunto, essas ideias representam a forma como o interacionismo simbólico vê a sociedade humana e a conduta.

O tema central abordado são os processos de interação social – ação social caracterizada por uma orientação imediatamente recíproca – ao passo que o exame desses processos se baseia em um conceito específico de interação que privilegia o caráter simbólico da ação social.

O caso prototípico é o das relações sociais, em que a ação, em vez de adotar a forma de mera transferência de regras fixas, é definida nas relações de forma recíproca e conjuntamente proposta e estabelecida. Assim, as relações sociais são vistas como algo aberto e subordinado ao reconhecimento contínuo por parte dos membros da comunidade, e não como algo estabelecido de uma vez por todas (Joas, 1999).

Outro aspecto da interação humana que Blumer destaca é que os que participam dela se veem obrigados a inibir tendências dirigidas à ação. As inclinações, impulsos, desejos e sentimentos podem ser refreados em razão daquele que se considera e do modo como se julga ou interpreta. A presença do outro e os atos que desenvolve se convertem em outras tantas oportunidades para orientar o ato próprio, constituindo, desse modo, os acontecimentos da experiência que impulsionam o indivíduo, enquanto este orienta sua ação ao reconsiderar sua conduta.

Quanto à forma de operacionalização desses conceitos, Blumer (1969/1982) critica a metodologia convencional por utilizar meios de estabelecer a validade empírica de certos estudos por meio de esquemas que ele julga inadequados para captar o caráter específico do objeto de estudo: “Muitos procedimentos, como os que sublinham a necessidade do emprego de técnicas estatísticas e quantitativas, são inadequados, pois abordam um aspecto limitado do ato completo da investigação científica ignorando outros, como as premissas, os conceitos, etc.” (p. 20)

Dessa forma, ele propõe uma posição metodológica para o interacionismo simbólico, na qual defende a noção de que, para compreender o mundo, é necessário analisá-lo em termos das ações e interações de seus participantes. “Para a ciência empírica, a ‘realidade’ só existe no mundo empírico, no qual se devem buscá-la e verificá-la” (Blumer, 1969/1982, p. 16).

Como esclarece Jeon (2004), a concepção de Blumer é de que o pesquisador deve ser capaz de interagir ativamente com as pessoas que estão sendo pesquisadas e de ver as coisas do seu ponto de vista e no seu contexto natural. Por conseguinte, quando adota a abordagem interacionista, o pesquisador precisa estar ativamente engajado no mundo em estudo e empreender uma análise de suas partes fundamentais, por meio das técnicas de exploração e inspeção, que são explicitadas respectivamente por Blumer, conforme se segue:

O estudo exploratório é o meio... para conseguir um conhecimento extenso e profundo da esfera da vida social e de desenvolver e acentuar a sua investigação... Por seu caráter reflexivo, não está sujeito a nenhum conjunto de técnicas em particular, pode recorrer à observação direta, entrevistar pessoas, obter informações sobre a vida real, utilizar cartas e diários, consultar documentos públicos e organizar discussões de grupo. A finalidade da investigação exploratória é traçar um quadro em estudo, tão completo e preciso quanto permitem as condições vigentes. (p. 29)

A inspeção consiste em examinar o elemento analítico dado, considerando-o de diferentes ângulos, estabelecendo diversas perguntas e examinando novamente à luz das mesmas; em outras palavras, um exame detido e profundo... A exploração e a inspeção representam a descrição e a análise e correspondem ao que se denomina investigação naturalista, um processo destinado a abordar o mundo empírico em seu caráter natural e contínuo, em lugar de se limitar a uma simulação do mesmo, uma abstração ou a sua substituição por uma imagem pré-estabelecida. (p. 33)

Conforme salienta coulon (1995 citado por Trezza, 2002), o interacionismo simbólico trouxe, pela primeira vez às ciências sociais, um lugar teórico para o sujeito social como intérprete do mundo, pondo em prática, com isso, métodos de pesquisa que privilegiam o ponto de vista desses sujeitos. O objetivo do emprego dessas abordagens é elucidar os significados que os próprios sujeitos põem em prática para construir seu mundo social.

Como foi possível perceber nesta breve explanação, Blumer apresenta e discute os mais importantes aspectos da interação simbólica. De acordo com Haguette (1995), ele tenta ser fiel ao pensamento de Mead, abordando, sobretudo, a natureza da interação simbólica, da sociedade e da vida em grupo, dos objetos, da ação humana e da ação conjunta.

Entretanto, alguns autores consideram as noções de Blumer uma interpretação errada de Mead, ao passo que outros alegam que as ideias centrais do interacionismo simbólico demonstram mais similaridade com as de outros pensadores do pragmatismo do que com as de Mead.

Nessa vertente, em um artigo publicado na revista The Sociological Quaterly no ano 1976, Lewis empreende a seguinte argumentação:

Embora a maioria dos interacionistas simbólicos identifique George H. Mead, acima de todos os outros, como sendo seu progenitor filosófico, existem sérias discrepâncias entre a posição metodológica do interacionismo simbólico e a filosofia da ciência de Mead. Em alguns aspectos, o interacionismo simbólico demonstra mais similaridade com os aspectos do pragmatismo de William James e John Dewey. (Lewis, 1976, p. 347)

Blumer responde, por sua vez, com uma réplica publicada no mesmo periódico, no ano 1977, declarando que tal artigo falseava grosseiramente a sua visão e a de Mead. Nessa réplica, discute cada um dos argumentos apresentados por Lewis, enfatizando que “os estudantes graduados em sociologia na Universidade de chicago na década de 1920 tiveram acesso direto à visão de Mead de uma forma que não tiveram de Dewey, o qual havia deixado chicago aproximadamente duas décadas antes” (Blumer, 1977, p. 285).

Além de vários outros pontos, nos quais busca refutar os argumentos apresentados por Lewis, Blumer afirma que havia trabalhado diretamente com Mead por vários anos como seu pesquisador assistente, e que havia sido indicado pelo próprio Mead para substituí-lo como professor do seu curso de Psicologia social avançada, quando este teve que interromper suas atividades. Daí a afirmação: “estou certo de que ele não teria feito isso se tivesse qualquer dúvida de que eu poderia e apresentaria o conteúdo do curso como ele estava acostumado a apresentá-lo” (p. 286).

Outras críticas, como a de McPhail e Rexroat (1979), dirigem-se mais ao que eles denominaram divergentes perspectivas metodológicas entre Mead e Blumer. “A investigação naturalística de Blumer não satisfaz a perspectiva metodológica de Mead e nem facilita o exame de suas noções teóricas” (p. 449). Esses autores esclarecem, por meio da discussão de um estudo ilustrativo, que muitos problemas da metodologia naturalística proposta por Blumer podem ser evitados quando se reconhecem os diferentes domínios de significado para o investigador e o investigado, ao reduzir a extensão do comportamento a ser examinado e aumentar o controle do comportamento do investigador com respeito ao objeto de exame.

Joas, por sua vez, descreve a Psicologia social de Blumer como construída por meio de uma apropriação fragmentária do trabalho de Mead. E ainda, no entendimento de Farr, as diferenças entre Mead e Blumer dificultam acreditar que este último tenha alcançado uma perfeita compreensão do significado da obra do primeiro.

Mead propôs uma filosofia completa da ação; Blumer estava mais interessado na interpretação da ação do que na ação em si mesma... Mead era um darwinista convicto; Blumer não o era. Mead, por formação, era filósofo, e abordou muitos dos problemas, se não quase todos, sobre os quais os filósofos de sua geração caracteristicamente se debruçavam. Blumer, por sua formação, era um sociólogo com grande interesse também na metodologia das ciências sociais e no comportamento coletivo. (Farr, 1998, p. 157)

Em certo ponto de sua crítica, Farr (1998) afirma que “a expressão interacionismo simbólico tem ao menos a virtude de expressar com precisão o significado central da linguagem na Psicologia social de Mead” (p. 155). Ainda de acordo com esse autor, fica claro, a partir do corpo completo das obras de Blumer, na metodologia, sua oposição vigorosa ao positivismo. Essa é uma das razões pelas quais Farr acredita que os sociólogos de chicago compreenderam mal a crítica de Mead a Watson, e tomam Blumer como um expositor fiel da Psicologia social de Mead. Por fim, busca deixar claro que o interacionismo simbólico deve ser entendido como uma forma sociológica da Psicologia social iniciada em chicago por Blumer e baseada em sua interpretaçãode Mead. E destaca que, “na época atual, o interacionismo simbólico ainda é uma tradição vigorosa e versátil da Psicologia social dentro da sociologia americana” (p. 160).

Com respeito às concepções teóricas que formam a corrente interacionista simbólica, também são tecidas algumas críticas, embora, conforme Blanco, a avaliação do interacionismo simbólico não seja fácil, principalmente por se tratar de um marco intermetaparadigmático.

De acordo com Joas (1999), as críticas “apontam principalmente a limitação do interacionismo simbólico a fenômenos de imediaticidade interpessoal. Entretanto, apontam também que ignora questões de poder e dominação” (p. 130). Atribui-selhe a visão de que o complexo das relações macrossociais não ultrapassa o horizonte da sociabilidade mundana assim como de uma total ignorância do domínio social sobre a natureza ou o fato de que as condições sociais possam tornar-se autônomas em relação aos atos daqueles que participam da ação social.

As acusações relativas à minimização da estrutura social têm implicações ideológicas que, na visão crítica sociológica, estão relacionadas à subvalorização da estratificação assim como da distribuição desigual de riqueza e poder (Meltzer, Petras, & Reynolds, 1975, citados por Blanco, 1998). Para esses autores, o interacionismo simbólico seria uma teoria individualista, liberal e conservadora.

Por outro lado, na compreensão de Blanco, o correto é conceder a essa teoria o que ela realmente é e assume: uma teoria microssocial, com todas as suas limitações e vantagens. conforme reconhece também Joas, embora muitas das críticas na verdade se apliquem, pelo menos em parte, à proposta de Blumer e aos seus seguidores, sua justificativa soa duvidosa quando se considera o montante da obra teórica e empírica produzida por essa linha de pesquisa.

Em última instância, o fato é que parte das críticas dirigidas ao interacionismo simbólico são certas, à medida que essa abordagem é entendida a partir do enfoque de uma teoria sociológica geral; entretanto, perdem grande parte de seu fundamento se o seu enfoque se restringe ao objeto da Psicologia social.

 

Perspectivas conceituais e metodológicas das Escolas de Chicago e Iowa

As duas variantes mais proeminentes do interacionismo simbólico são representadas pelas Escolas de chicago e Iowa. Observandose, no geral, as proposições de ambas, pode-se afirmar que partem das concepções de Mead e compartilham a tese de que o importante da conduta é o seu significado. Entretanto, embora atribuam sua história às mesmas origens, são observáveis alguns pontos de divergência entre essas duas concepções.

Os pressupostos básicos do interacionismo simbólico, elaborados por Blumer e discutidos no tópico anterior, são conhecidos como interacionismo clássico ou interacionismo da Escola de chicago. A Escola de Iowa, por outro lado, desenvolveu-se sob a orientação de Kuhn, que, fortemente influenciado pelo positivismo lógico, defendia uma abordagem mais estruturada para o interacionismo simbólico (Benzies & Allen, 2001).

A divergência fundamental entre essas duas escolas de pensamento se situa no campo metodológico. Enquanto Blumer insistia na necessidade de uma metodologia distinta no estudo do homem, Kuhn enfatizava a comunalidade do método em todas as disciplinas científicas. como lembra Haguette (1995), “trata-se da interminável oposição entre os pontos de vista humanístico e científico” (p. 45).

Kuhn acreditava na possibilidade de transformar os conceitos interacionistas em variáveis empregadas para testar proposições empíricas. Os métodos de coleta na Escola de Iowa incluíam desenhos quase experimentais, análises estatísticas, abordagens etnometodológicas, questionários, escalas, testes e procedimentos de laboratório (Benzies & Allen, 2001). Blumer, por sua vez, fazia objeção a esse tipo de operacionalização por acreditar que a realidade social não poderia ser percebida por meio de tais procedimentos.

Assim, os seguidores da Escola de chicago tendem a preferir abordagens fenomenológicas, observação participante e conceitos sensibilizantes – todos ligados a uma lógica de descoberta. Em contraste, os seguidores da Escola de Iowa preferem abordagens operacionais e conceitos definitivos – todos ligados a uma lógica de verificação (Reynolds & Meltzer, 1973).

Outra diferença de abordagem entre as duas escolas é a questão que envolve a natureza do comportamento humano em termos de liberdade ou determinação (Haguette, 1995). Reconhecendo a tendência impulsiva e espontânea do Eu que inicia o ato, o qual termina em forma de Mim, os seguidores da Escola de chicago atribuem uma dimensão imprevisível e indeterminada ao comportamento (Reynolds & Meltzer, 1973). A perspectiva da Escola de Iowa, ao contrário, sustenta que o comportamento está determinado pelas definições do ator, particularmente por seu self, já que consideram que o Eu não é decisivo na interação (Blanco, 1998).

Outro ponto de divergência, que é uma extensão do raciocínio anterior, diz respeito ao aspecto mais amplo da concepção do self e da sociedade (Haguette, 1995). Enquanto para Blumer prevalece uma concepção, tanto do self como da sociedade, mais dinâmica e orientada para o processo, continuamente renegociada em interação com outros, por outro lado, Kuhn entende que ambos representam estruturas cujos padrões são estáveis e previsíveis (Benzies & Allen, 2001).

Por fim, quanto aos níveis da interação humana, a Escola de chicago admite tanto a interação simbólica quanto a interação não simbólica. Esta última seria representada pela conversação de gestos, um nível no qual os humanos respondem um ao outro sem a intervenção da interpretação e dos significados. Mas a Escola de Iowa desconsidera esse aspecto do comportamento humano quase inteiramente, tratando apenas dos aspectos cognitivos e não afetivos do comportamento humano (Reynolds & Meltzer, 1973).

Buscando convergências entre essas duas escolas de pensamento, as afirmações seguintes integram a essência do interacionismo simbólico: o mais característico e singular do comportamento humano é que interage mediante comunicações simbólicas, que requerem a definição da situação em que se atua, assim como atuar assumindo e tendo em conta os comportamentos que são esperados pelos demais naquela situação. Os significados das ações podem ser mantidos, modificados ou dados pelos atores, os quais são, assim, criadores ativos da vida social. Tudo isso estrutura na pessoa um self ou mediador entre esta e a organização social (Blanco, 1998).

 

Outras abordagens teóricas relacionadas ao interacionismo simbólico

Com relação a outros estudiosos que se debruçaram sobre o tema interacionista, prestando importantes contribuições teóricas, merecem ser citadas e expostas, ainda que brevemente, algumas abordagens.

Strauss, por exemplo, é considerado por Blanco como o mais importante discípulo de Blumer. Na obra denominada The Discovery of Grounded Theory, Strauss defende uma teoria baseada em uma investigação empírica, que consiste de um processo de interação que se dá, por um lado, entre a teoria e os conceitos, e, por outro, entre a observação e a interpretação. Essa teoria, segundo Jeon, representa um passo a mais na noção de conceitos sensibilizantes de Blumer.

Posteriormente, em outra obra, denominada Negotiations, Strauss (1978, citado por Musolf, 1992), respondendo às críticas de que o interacionismo simbólico é incapaz de conectar-se com a estrutura social, tenta aplicar sua perspectiva processual para explicar tal estrutura. Sua proposição é que as estruturas sociais se convertem em ordem social, graças a processos de negociação social. Por meio de observação direta, analisa as táticas e estratégias de interação e as formas de negociação, assim como os contextos estruturais e situacionais nos quais a negociação tem lugar e que unem a interação e as estruturas sociais.

Outro importante discípulo de Blumer foi Shibutani, que dirigiu seu interesse para o tema do controle social e do autocontrole, tentando explicar o comportamento humano em função das propriedades do ato, o significado, o papel, a pessoa e o grupo como unidades funcionais.

Partiu de vários princípios, merecendo maior destaque os seguintes:

a) a natureza humana e a ordem social são produtos da comunicação; b) a direção adotada pela conduta de uma pessoa vai se construindo através de transações e de um modo interdependente; c) a personalidade se desenvolve e se reafirma em interação com os demais: a identidade, o status, os papéis e o autoconceito são conceitoschave; d) a cultura de um grupo constitui um modelo da conduta apropriada, surgido na comunicação e que vai reforçando o adaptar-se conjuntamente às condições de vida. (Blanco, 1998, p. 300)

Berger e Luckmann, por sua vez, em The Social Construction of Reality, se propõem a refletir sobre a maneira como o mundo social chega a ter um significado para os atores. Nesse intuito, voltam-se para uma discussão da sociedade em termos de realidade objetiva e subjetiva. A realidade objetiva, na concepção dos autores, se expressa na forma de processos de institucionalização e legitimação, enquanto a realidade subjetiva se constrói por meio de processos de interiorização. Nas palavras desses autores:

Sendo a sociedade uma realidade ao mesmo tempo objetiva e subjetiva, qualquer adequada compreensão teórica relativa a ela deve abranger ambos esses aspectos... Tais aspectos recebem correto reconhecimento se a sociedade for entendida em termos de um processo dialético em curso, composto de três momentos: exteriorização, objetivação e interiorização... Esses momentos não devem ser pensados como ocorrendo em uma seqüência temporal, mas de forma simultânea... Estar em sociedade significa participar da dialética da sociedade. (Berger & Luckmann, 1976/1985, p. 173)

Observa-se nessa obra a ênfase dada ao momento de interiorização, pois, na compreensão dos autores, somente depois de ter realizado algum grau de interiorização é que o indivíduo se torna membro da sociedade. Tal interiorização, conforme Berger e Luckmann (1976/1985), ocorre através de um processo de socialização, que pode ser definido como a ampla e consistente introdução de um indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade ou de um setor desta, e que se compõe de duas fases: a socialização primária e a socialização secundária.

A socialização primária é a primeira socialização que o indivíduo experimenta na infância, e em virtude da qual se torna membro da sociedade. A socialização secundária é qualquer processo subsequente que introduz um indivíduo já socializado em novos setores do mundo objetivo de sua sociedade. Destacam, ainda, que o fato de estar em sociedade acarreta um contínuo processo de modificação da realidade subjetiva, de modo que, ao atuar, as pessoas vão criando significado, e, como consequência, vão criando o seu próprio mundo.

Quando os referidos autores complementam tais ideias no livro intitulado Modernidade, Pluralismo e Crise de Sentido, aprofundando sobre o papel das instituições na construção de sentido na contemporaneidade, privilegiam mais claramente a dialética entre aspectos estruturais da sociedade e aspectos subjetivos da vida cotidiana. Tal observação de suas contribuições pode ser ilustrada com trechos como:

Certamente deve - se procurar na constituição subjetiva do sentido a origem de todo acervo social do conhecimento, do reservatório histórico do sentido, do qual se nutre a pessoa nascida numa determinada sociedade e numa época certa. (Berger & Luckmann, 1995/2004, p. 18)

quais são as condições estruturais para um grau suficiente de coerência nos reflexos intersubjetivos de modo que ocorram as bases exigidas para a formação da identidade pessoal com sentido constante? (Berger & Luckmann, 1995/2004, p. 31)

A reserva total de sentido é conservada e administrada por instituições sociais. (Berger & Luckmann, 1995/2004, p. 32)

Por isso, a reserva existente de sentido não é experimentada como imposta e prescrita autoritariamente, mas como oferta que foi formada pelo conjunto dos membros individuais da sociedade e que é passível de mudança. (Berger & Luckmann, 1995/2004, p. 70)

Por fim, a abordagem de Stryker trata, de acordo com Álvaro et al. (2007), de mais uma tentativa de desenvolver uma teoria do interacionismo simbólico estrutural que se estende à questão da identidade. Na sua concepção, as relações entre os papéis estão determinadas por estruturas sociais mais amplas, nas quais se incluem as de classe e de poder. O comportamento das pessoas que participam dessas relações está mediado pelas identidades pessoais próprias e pelas identidades dos demais.

Stryker entende que as pessoas constroem um self, reflexo da sociedade e composto de múltiplas identidades, implicadas nos vários conjuntos estruturados de relações sociais. Essas diferentes identidades podem ser requisitadas em situações distintas. Na tentativa de predizer qual identidade e comportamento serão escolhidos, a teoria sustenta que a escolha é determinada em função do compromisso com o papel, definido pela extensão e pela intensidade das relações que implica. Argumenta, ainda, que isso pode ser medido por meio de comparação dos diferentes custos envolvidos em termos de relações sociais importantes, podendo tais custos representar a perda do papel ou da posição que se ocupa.

 

Reflexões finais

No intuito de empreender uma revisão geral acerca da perspectiva teórica denominada interacionismo simbólico, este artigo buscou resgatar as origens dessa abordagem bem como suas contribuições teóricas ao campo da Psicologia social e da Sociologia. Assim, na primeira parte, são discutidas algumas concepções de clássicos da Escola de chicago, reconhecidos como precursores do interacionismo simbólico, com destaque para o trabalho de George Mead, que, embora tenha sofrido algumas críticas, se apresenta como o seu principal inspirador.

Em um segundo momento, são apontados os marcos iniciais da consolidação do movimento interacionista simbólico, cujo nome e principais pressupostos foram estabelecidos por Herbert Blumer. E, não obstante o fato de alguns autores argumentarem que há divergências entre as perspectivas teóricas e metodológicas de Blumer e Mead, pode-se entender que o interacionismo simbólico foi estruturado por Blumer, com base na interpretação que ele faz acerca do pensamento de Mead.

São ainda contrapostas as perspectivas conceituais e metodológicas das Escolas de chicago e Iowa, representadas respectivamente pelas obras de Blumer e Kuhn, e que têm grande importância por figurarem como diferentes possibilidades de operacionalização do conceito, a partir dos pontos de vista humanístico e científico. Por fim, são apresentadas as abordagens de estudiosos reconhecidos por terem desenvolvido novos enfoques relacionados às concepções interacionistas.

Portanto, conforme observado no cerne destas discussões, cujas controvérsias apontadas tiveram o objetivo de insinuar um discurso crítico, o interacionismo simbólico, em sua trajetória, tem constituído objeto de reflexão de uma série de estudiosos, seja pelo reconhecimento de suas possibilidades de aplicação, seja pela elucidação de suas limitações.

A despeito das críticas e de seu aspecto secundário na Psicologia social por um longo período, juntamente a outras tendências sociológicas (Álvaro & Garrido, 2003; Portugal, 2006), o interacionismo simbólico evoluiu e se fortaleceu. Na compreensão de Blanco (1998), isso talvez se explique pelo fato de os pressupostos teóricos defendidos pelos interacionistas simbólicos conduzirem a atenção para uma temática ampla, que gira ao redor de um eixo duplo: os fenômenos da comunicação e da socialização e o comportamento coletivo, com aplicações em campos tão diferentes quanto os de saúde mental, comportamento político, poder, Sociologia do direito e mudança cultural.

Tal fortalecimento deve ser, contudo, compreendido tanto no contexto de sua evolução conceitual e de abrangência, como no que se refere a abarcar melhor a dialética que articula aspectos estruturais da sociedade e a construção do sujeito singular quanto no contexto do desenvolvimento das ciências humanas, abandonando cada vez mais profundamente os preceitos originários das influências positivistas (Álvaro & Garrido, 2003; Portugal, 2006).

Dessa forma, o entendimento aqui é que o interacionismo simbólico se fortaleceu em um caminho que permite abordar os fenômenos, aplicando uma dialética entre aspectos da estruturação social e a construção das individualidades, entre o geral e o particular, entre o cultural e o singular, entre sujeito e objeto, apreendendo as contradições da vida contemporânea no contexto de sociedades plurais bem como refletindo sobre os fenômenos sociopsicológicos sem ignorar o caráter histórico dos mesmos.

Em consequência, entende-se que tal perspectiva, a despeito de suas raízes americanas, escapa de uma focalização individualista (nos termos discutidos por Farr, 1998), porque, além das contribuições mais recentes, referidas na seção anterior, seus conceitos centrais, como o self e o Mim, não poderiam ser elaborados sem ter em conta uma dimensão societal e coletiva.

Com base nessas considerações, é possível defender a ideia de que o interacionismo simbólico tem representado uma alternativa a um só tempo viável e sólida para aprofundar a compreensão da realidade, inclusive nas singularidades do mundo latino-americano, atendendo a necessidade de adotar caminhos que, segundo autores como Sandoval e Monteiro, conduzam à construção de um conhecimento que focalize aplicações práticas, mantenha o rigor teórico e empírico, abra novos caminhos e seja centrado na mudança social. Nessas possibilidades residem as suas principais contribuições à Psicologia social contemporânea.

 

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Endereço para correspondência
Virgínia Donizete de Carvalho
Av. Alfredo Braga de carvalho, 303 – Parque Industrial JK
37062-440, Varginha, MG - Brasil
E-mail: vircah@gmail.com

Rebido 23/10/2008
1ª Reformulação 10/8/2009
Aprovado 25/8/2009

 

 

* Doutora em Psicologia Social. Professora do Departamento de ciência e Economia, Universidade Federal de Alfenas, campus de Varginha, Varginha, MG - Brasil.
** Doutora em Psicologia. Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG - Brasil.
E-mail: liviadeoliveira@gmail.com
*** Doutora em Psicologia Social. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN - Brasil. E-mail: denise_rego@yahoo.com.br