SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.30 issue4When the frame matters:: message framing effect on decision makingThe first Latin American Conference on Training In Psychology (1974):: The Latin-American model and its historical significanc author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Psicologia: ciência e profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.30 no.4 Brasília Dec. 2010

 

ARTIGOS

 

Relações entre autoeficácia e motivação acadêmica

 

Relationship between self-efficacy and academic motivation

 

Relaciones entre auto-eficacia y motivación académica

 

 

Selma de Cássia Martinelli*; Adriana de Grecci Sassi**

Universidade Estadual de Campinas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A presente pesquisa teve como objetivo investigar as relações entre a motivação e as crenças de autoeficácia em estudantes do ensino fundamental. Participaram deste estudo 141 crianças entre 8 a 11 anos de idade, alunos de 2a, 3ª e 4a séries, de uma escola da rede pública do Estado de São Paulo. Os estudantes responderam a uma escala de motivação contendo 20 questões e três alternativas de respostas: sempre, às vezes e nunca, e a uma escala de autoeficácia acadêmica que também é composta de 20 questões dispostas em uma escala likert de 04 pontos que variam de muito capaz a nada capaz. A aplicação dos instrumentos ocorreu de forma coletiva, realizada nas salas de aulas dos alunos e somente com aqueles cujos pais haviam autorizado. Os resultados revelam uma correlação positiva e significativa entre a autoeficácia para o estudo, a autoeficácia geral e a motivação intrínseca. Também foi encontrada uma correlação negativa e significativa entre autoeficácia para o estudo e motivação extrínseca. A análise dos dados revelou ainda que houve diferenças estatisticamente significativas em relação à motivação intrínseca apenas entre o grupo com maior percepção de autoeficácia e o de menor percepção. A análise dessas diferenças revela que o grupo com melhor percepção de autoeficácia também obteve pontuação mais alta na escala de motivação intrínseca.

Palavras-chave: Motivação de estudantes, Autoeficácia, Autorregulação, Teoria sociocognitiva.


ABSTRACT

This study aimed at investigating the relationship between the motivation and self-efficacy beliefs of students in elementary school. A sample was composed of 141 children between 8 to 11 years, students from the 2nd, 3rd and 4th grades of public schools in São Paulo State/Brazil. The students completed a motivation scale containing 20 questions and three possibilities of responses: always, sometimes and never, and a range of academic self-efficacy also composed of 20 questions arranged in a likert scale of 4 points ranging from very able to not able. The instrument was applied collectively, in the student’s classrooms, and only those who had a previous parental consent were allowed to participate. The results showed a positive and significant correlation between the self-efficacy to study and general self-efficacy and intrinsic motivation. The results also had a significant negative correlation between self-efficacy to study and extrinsic motivation. The data analysis revealed that there were statistically significant differences on intrinsic motivation only among groups with higher and lower self-efficacy perception. The analysis of these differences indicates that the group with better perception of self-efficacy also had higher scores on the scale of intrinsic motivation.

Keywords: Student-motivation, Self-efficacy, Self-regulation, Sociocognitive theory.


RESUMEN

La presente pesquisa tuvo como objetivo investigar las relaciones entre la motivación y las creencias de auto-eficacia en estudiantes de la enseñanza fundamental. Participaron de este estudio 141 niños y niñas entre 8 a 11 años de edad, alumnos de 2a, 3ª y 4a cursos, de una escuela de la red pública del Estado de São Paulo. Los estudiantes respondieron a una escala de motivación conteniendo 20 cuestiones y tres alternativas de respuestas, siempre, a veces y nunca, y a una escala de auto-eficacia académica que también está compuesta por 20 cuestiones dispuestas en una escala likert de 04 puntos que varían de muy capaz a nada capaz. La aplicación de los instrumentos ocurrió de forma colectiva, realizada en las salas de clase de los alumnos y solamente con aquéllos cuyos padres les habían autorizado. Los resultados revelan una correlación positiva y significativa entre la auto-eficacia para el estudio, la auto-eficacia general y la motivación intrínseca. También fue encontrada una correlación negativa y significativa entre auto-eficacia para el estudio y motivación extrínseca. El análisis de los datos reveló también que hubo diferencias estadísticamente significativas en relación a la motivación intrínseca solamente entre el grupo con mayor percepción de auto-eficacia y el de menor percepción. El análisis de esas diferencias revela que el grupo con mejor percepción de auto-eficacia también obtuvo puntuación más alta en la escala de motivación intrínseca.

Palavras clave: Motivación de estudiantes, Auto-eficacia, Autorregulación, Teoría socio-cognitiva.


 

 

Diversas foram as tentativas, dentro da área da Psicologia, de explicar a motivação, seja por meio da observação do comportamento seja pelas influências do ambiente (Weiner, 1990; Woolfolk, 2000). As abordagens cognitivistas e sociocognitivistas foram as que mais auxiliaram no processo de compreensão da motivação escolar e em sua relação com situações específicas de sala de aula (Bzuneck, 2001), o que permitiu que a literatura a respeito da motivação escolar avançasse consideravelmente nos últimos 20 anos.

Os estudos atuais sobre motivação, baseados na teoria sociocognitiva, têm acentuado o papel dos mediadores cognitivos, isto é, do modo como as pessoas constroem a situação, interpretam os acontecimentos e organizam a informação acerca de uma situação. Não ignoram as contingências externas nem os estados afetivos internos, vistos como parte do processo, no entanto, o funcionamento é melhor compreendido quando centrado no significado que ele adquire para o sujeito (Bzuneck, 2001; Da Silva & Sá, 2003).

De fato, pesquisas realizadas nas últimas décadas constataram que a motivação interfere consideravelmente no desempenho escolar dos alunos (Costa, 2005; Gottfried, 1990; Lepper, Corpus, & Iyengar, 2005; Martinelli & Genari, 2009; Wigfield & Guthrie, 1997). A ausência ou um nível baixo de motivação acarreta falta de interesse, de esforço e de investimento por parte do aluno. Tal situação acaba por trazer implicações sérias, pois um aluno desmotivado não aprende tudo que pode e não desenvolve sua capacidade ao máximo (Sternberg, 2000). Para Bzuneck (2001), a ausência ou um baixo grau de motivação acarreta inúmeros problemas, pois não há interesse do aluno em realizar as tarefas de aprendizagem, o que, em última instância, pode resultar em uma queda na qualidade da mesma. Assim, a motivação no contexto escolar tem sido avaliada como determinante crítico do nível e da qualidade da aprendizagem e do desempenho dos estudantes. Postulase ainda que um estudante motivado se mostra ativamente envolvido no processo de aprendizagem, se engaja e persiste em tarefas desafiadoras, despende esforços e usa estratégias adequadas para desenvolver novas habilidades de compreensão e de domínio (Bzuneck, 2001). Segundo Guimarães e Boruchovitch (2004), apresenta ainda entusiasmo na execução das tarefas e orgulho acerca dos resultados de seus desempenhos e pode superar as previsões baseadas em suas habilidades ou conhecimentos prévios.

Portanto, pode-se dizer que o efeito principal da motivação em sala de aula seria possibilitar que o aluno alcance uma aprendizagem de qualidade (Bzuneck, 2001). Segundo a teoria da autodeterminação, pode-se falar em dois tipos básicos de motivação. Quando o aluno se empenha em uma atividade preocupado somente em obter uma nota alta, em ganhar um presente especial que o pai prometeu ou para ser reconhecido como o mais inteligente da sala, podemos dizer que tal motivação é extrínseca, ou seja, o comportamento é motivado primordialmente pelos efeitos do meio. Já quando a conduta é impulsionada pelo interesse, pela curiosidade em estudar o assunto sem almejar necessariamente alguma recompensa exterior, tal motivação é designada de intrínseca (Da Silva & Sá, 1997). Teóricos da abordagem sociocognitiva da aprendizagem tem identificado certas crenças como os principais mediadores cognitivos que intervem na motivação (Woolfolk, 2000). Os alunos desenvolvem crenças sobre si próprios como alunos e sobre suas capacidades cognitivas, se são bons ou maus estudantes, se são inteligentes ou tem um jeito especial para uma determinada matéria. Essas convicções irão determinar necessariamente maior ou menor envolvimento e persistência na realização das atividades escolares (Bandura, 1993). Por outro lado, o estudante tem uma noção do controle que exerce sobre o seu próprio pensamento.

O sucesso escolar depende, em grande parte, da convicção pessoal do estudante de controlar e dirigir o seu próprio pensamento, evitando, assim, o sentimento de desânimo e a frustração. O aluno tem expectativas acerca dos resultados de seu desempenho e do valor atribuído ao sucesso escolar, e, para que institua as atividades escolares como parte significativa e importante de seu projeto de vida, precisa acreditar nas suas competências para ser bem-sucedido (Bandura, 2001). Tais convicções influenciam a quantidade de esforço dispensado à realização das tarefas acadêmicas. De maneira mais específica, afeta as expectativas, a persistência, a disposição para cumprir metas, o uso mais eficaz de estratégias de aprendizagem e a intensidade da motivação, dentre outros aspectos (Lopes da Silva, Sá, Duarte, & Simão, 2004).

Durante os últimos quarenta anos, após o desenvolvimento do constructo de autoeficácia por Bandura (1977), os estudos vêm crescendo continuamente devido à amplitude de comportamentos humanos que podem ser influenciados pelas crenças de autoeficácia. A necessidade de conhecer a percepção de autoeficácia nos indivíduos foi reconhecida pelos pesquisadores a partir dos estudos de Bandura, que propõe que os comportamentos humanos estão relacionados ao julgamento que os indivíduos fazem de seu próprio desempenho, sendo a crença de autoeficácia determinante da iniciação de um novo comportamento, do esforço que pretende dispender para desenvolvêlo e da persistência investida ao enfrentar uma adversidade. Bandura (1977) definiu autoeficácia como os julgamentos que o sujeito tem acerca das suas capacidades para organizar e executar ações necessárias a fim de atingir determinados tipos de desempenhos. No contexto escolar, a autoeficácia, de acordo com o autor, é definida como a percepção do aluno acerca de suas capacidades para aprender ou concretizar comportamentos escolares em um domínio específico. O senso de autoeficácia acadêmico afeta o quê os estudantes fazem, influenciando as escolhas de atividades, o estabelecimento de metas, o esforço despendido, a persistência e a perseverança frente às adversidades e o nível de ansiedade que experimentam frente às atividades (Bandura, 1993; Bzuneck, 2001; Schunk, 1995).

A autoeficácia dos estudantes, juntamente a outras crenças e atitudes em relação à aprendizagem, tem sido considerada forte preditora do desempenho acadêmico e da persistência nas atividades (Pajares & Valiante, 2001; Schunk, 1991). Acredita-se que a autoeficácia influencie o desempenho acadêmico e, ao mesmo tempo, seja influenciada por ele, tendo implicações no desenvolvimento da criança como um todo. Essa influência ocorre tanto por ação direta quanto por seu impacto nos processos de motivação, de autorregulação e de autopercepção, nas expectativas de resultados e nas escolhas e interesses (Bandura & Schunk, 1981; Zimmermman, 1995).

Pajares e Schunk (2001) argumentam que uma autoeficácia robusta estabelece um elevado nível de motivação que se traduz em maior esforço, em persistência perante as dificuldades e obstáculos, em propósitos mais condizentes com o aprender e com o interesse em cumprir as metas. Na escola, por exemplo, alunos confiantes em sua capacidade de escrita antecipam notas altas nas tarefas que a envolve e esperam, com a qualidade de seu trabalho, alcançar benefícios acadêmicos. Já alunos com baixo senso de eficácia não acreditam poder se sair bem nas atividades que realizam, além de não terem expectativas de ser reconhecidos pelo seu desempenho. Dessa forma, fica claro que pensamentos de baixa eficácia tendem a enfraquecer a motivação e a prejudicar a performance (Bandura, 1989).

Pesquisas internacionais têm mostrado a relação entre autoeficácia acadêmica e êxito acadêmico através de estudos voltados para a motivação acadêmica. Assim, em uma meta-análise, Multon, Brown e Lent (1991) identificaram 68 estudos publicados e não publicados sobre a autoeficácia e os resultados acadêmicos durante o período de 1977- 1989. Em 18 desses estudos foram aplicadas medidas de motivação dos estudantes, 7 estudos se centravam no tempo destinado às tarefas (persistência), 9 estudos investigaram o número de tarefas que os alunos não realizaram e 2 estudos focaram o número de semestres acadêmicos completados. Essa meta-análise revelou um efeito positivo e significativo, indicando que as crenças de autoeficácia dos jovens explicaram em 12% a variância na persistência que demonstravam frente à tarefa.

Outros estudos também têm evidenciado que a autoeficácia é um constructo fortemente preditivo de desempenho acadêmico e da persistência nas atividades. Pajares e Graham (1999) objetivaram, em seu estudo, determinar a influência de variáveis relacionadas à motivação (ansiedade, autoconceito e autoeficácia para autorregulação) sobre o desempenho em tarefas específicas de matemática e analisar se essas variáveis mudavam durante o primeiro ano do ensino médio. A autoeficácia em tarefas específicas foi a única variável motivacional a predizer o desempenho tanto no início como no final do ano. Não houve diferenças na ansiedade, no autoconceito ou na autoeficácia para a autorregulação entre o início e o final do ano, mas, no final do ano, os alunos se descreveram como menos valiosos e relataram menor esforço e persistência em matemática. Os estudantes demonstraram maior autoconfiança no final do ano, embora suas crenças de autoeficácia fossem menos congruentes que o desempenho alcançado. Não foram encontradas diferenças entre os gêneros em qualquer um dos constructos de motivação.

Stevens, Olivarez, Lan e Tallent-Runnels (2004) também verificaram, em seu estudo, que a autoeficácia foi a variável que melhor predisse a orientação motivacional e o desempenho em matemática de estudantes hispânicos e caucasianos. Walker, Greene e Mansell (2006) examinaram as características motivacionais de 191 estudantes universitários que foram identificados como maleáveis ou alteráveis com intervenção. A identificação acadêmica incluía a percepção de pertença e valorização dentro de um contexto acadêmico, e foi investigada, juntamente à motivação intrínseca e extrínseca e a autoeficácia, como um dos preditores de envolvimento cognitivo. Consistentemente com as previsões teóricas, intercorrelações positivas foram encontradas entre as medidas de identificação acadêmicas, a autoeficácia e a motivação intrínseca, como foram significativas as correlações dessas três variáveis com envolvimento cognitivo. Essas três variáveis também foram negativamente correlacionadas com a medida de amotivação e não relacionada à medida de motivação extrínseca. As análises demonstraram que a autoeficácia, a motivação intrínseca e a identificação acadêmica contribuem para a predição de engajamento cognitivo. Somente a motivação extrínseca foi capaz de predizer o baixo engajamento cognitivo.

O estudo de Stoeger e Ziegler (2008) se propôs a administrar um treinamento, realizado por professores, na sala de aula, com o intuito de estimular a aprendizagem autorregulada. O módulo aplicado pelos autores corresponde ao primeiro dos cinco módulos sugeridos por Zimmerman, Bonner, e Kovach (1996). Esse módulo tem por intuito melhorar as habilidades de gerência do tempo. O módulo tem a duração de 5 semanas e inclui tanto as atividades realizadas na sala de aula quanto os trabalhos a serem realizados em casa. O estudo foi realizado com 219 estudantes da 4a série de uma escola pública alemã, designados aleatoriamente para comporem o grupo experimental e o de controle. O grupo do treinamento (nove classes) consistiu de 115 alunos (52 meninas e 63 meninos), e o grupo de controle (oito classes) consistiu em 104 alunos (58 meninas e 46 meninos). Os efeitos do treinamento foram confirmados para as várias habilidades associadas com a autorregulação, a motivação e o desempenho. Estudantes que obtiveram melhor desempenho no treinamento realizaram as tarefas dentro do tempo estabelecido, apresentaram elevadas crenças de autoeficácia e motivação para realizar as tarefas se comparados aos alunos que apresentaram desempenho mediano e pior desempenho no treinamento.

Com o intuito de investigar como a autoeficácia e as orientações motivacionais interferem no desempenho das atividades escolares,Hsieh, Cho, Liu e Schallert (2008) avaliaram 549 alunos do ensino médio. Os resultados indicam uma relação significativa e positiva entre desempenho, crenças elevadas de autoeficácia e orientação motivacional intrínseca dos estudantes.

Usher (2009) examinou as crenças de autoeficácia e a motivação na disciplina de Matemática de 8 estudantes canadenses que cursavam o ensino médio. Os resultados sugerem que o desempenho em Matemática está relacionado às crenças de autoeficácia. Assim, quanto mais elevadas eram as crenças dos estudantes, melhor era o desempenho dos mesmos na disciplina, confirmando os achados dos estudos anteriores.

Os estudos, em geral, têm abordado como os fatores ambientais e pessoais afetam a autoeficácia e como a autoeficácia influencia a aprendizagem, a motivação e a realização acadêmica (Bandura, Barbaranelli, Caprara, & Pastorelli, 1996). Os indivíduos possuem um sistema de crenças que afeta pensamentos, sentimentos e ações. Tais crenças influenciam as aspirações e o envolvimento com metas estabelecidas, o nível de motivação, a perseverança face às dificuldades e a resiliência às adversidades, relacionando-se com a qualidade de pensamento analítico e com a atribuição causal para sucesso e fracasso escolar. Assim, a autoeficácia se relaciona com a motivação para aprender, uma vez que envolve questionamento e autorreflexão do aluno acerca da sua própria capacidade de iniciar determinada tarefa (Bandura, 2001).

Considerando essas relações, já apontadas na literatura, e os poucos estudos empíricos que demonstram as relações entre essas variáveis, o presente estudo elegeu como referencial de análise a verificação das relações entre a percepção autodeclarada de autoeficácia de crianças do ensino fundamental e suas orientações motivacionais.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 141 estudantes, sendo 66 (46,8%) participantes do sexo masculino e 75 (53,2%) do sexo feminino, na faixa etária entre 8 e 11 anos, alunos de 2ª (36,2%), 3ª (27,7%) e 4a (36,2%) séries do ensino fundamental, de uma escola da rede pública de um Município do interior do Estado de São Paulo, que foram agrupados em função do resultado no teste de autoeficácia. Para a composição dos grupos, foi utilizado o percentil, o que resultou em três grupos distintos, o G1, que obteve as menores pontuações em autoeficácia, o G2, que compôs o grupo intermediário, e o G3, que obteve as maiores pontuações em autoeficácia.

Instrumentos

Escala de Autoeficácia para Alunos do Ensino Fundamental

A primeira versão desse instrumento, proposta por Martinelli, Bartholomeu, Caliatto e Sassi (2009), é composta de 20 itens dispostos em uma escala likert de cinco pontos em que eram utilizados círculos que eram cheios no início e que gradativamente diminuíam sua área de preenchimento até ficarem totalmente vazios. Os mesmos itens dessa primeira escala foram mantidos nessa segunda versão, sendo alteradas as possibilidades de resposta da criança. Assim, a escala usada neste estudo é composta de 20 itens descritores de situações acadêmicas em que a criança deve assinalar a frequência com que se sentem capazes de realizar as condutas, propostas em uma escala de quatro pontos, sendo elas muito capaz (4 pontos), capaz (2 pontos), pouco capaz (1 pontos) e nada capaz (0 ponto).

Uma nova análise foi realizada, e os resultados da análise de componentes principais e rotação varimax, proposta para dois fatores, explicaram 35,17% de variância. O primeiro fator, que constou de 11 itens, foi denominado autoeficácia para o estudo, e apresentou um índice de alfa de Cronbach de 0,79, e o segundo, autoeficácia para o desempenho acadêmico, constou de 9 itens e obteve um coeficiente de 0,75. O primeiro fator, denominado autoeficácia para o estudo, compreende crenças relativas à habilidade de uma pessoa para resolver atividades e conseguir boas notas sem ajuda dos pares, professores e pais. O segundo fator, com 9 itens e denominado autoeficácia para o desempenho acadêmico, informa sobre as crenças do indivíduo na sua habilidade para realizar tarefas e implementar estratégias para melhorar ou manter sua performance acadêmica. Além desses dois fatores, a escala permite obter uma medida geral de autoeficácia.

Escala para avaliação da motivação escolar infanto-juvenil-EAME-IJ

A escala proposta por Martinelli e Sisto (2010) é composta de 20 itens e uma estrutura de dois fatores, a saber, motivação extrínseca (10 itens) e intrínseca (10 itens), com três alternativas de respostas cada item; sempre (2 pontos), às vezes (1 pontos) ou nunca (0 ponto), e que explicam 43,86% de variância. O coeficiente de precisão dos escores extraído por meio do Alfa de Cronbach foi de 0,84 para a motivação intrínseca e de 0,91 para a motivação extrínseca.O alfa total da escala foi de 0,848.

 

Procedimento de coleta de dados

Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade Estadual de Campinas e o consentimento e a aceitação da escola, foi solicitada aos pais ou responsáveis uma autorização por escrito para a participação das crianças na pesquisa. Foi enviado aos pais um termo de autorização, esclarecendo a forma de participação. Na carta, os pais foram orientados a respeito dos objetivos do estudo, do tipo de participação requerida bem como da ausência de prejuízos decorrentes da participação. Somente foram convocados a responder os instrumentos os alunos que entregaram o termo de autorização para participar da pesquisa. A aplicação dos instrumentos ocorreu de forma coletiva, realizada nas salas de aulas dos alunos e somente com aqueles cujos pais haviam autorizado o procedimento. Foi inicialmente explicado às crianças de que se tratava a pesquisa e como responder aos instrumentos.

 

Resultados

Os resultados são apresentados com base em uma prova de correlação de Spearman, que verifica a relação entre as duas variáveis bem como em análises para verificar as diferenças entre os grupos e localizar as diferenças significativas encontradas no que diz respeito à autoeficácia e às orientações motivacionais dos participantes.

 

Análise das correlações entre autoeficácia e motivação

 

 

A análise de correlação revelou que houve uma correlação positiva e significativa entre a autoeficácia para o estudo e a autoeficácia geral e a motivação intrínseca. Também foi encontrada uma correlação negativa e significativa entre autoeficácia para o estudo e motivação extrínseca. Com base nesses dados, aplicou-se o Teste de Kruskall-Wallis, a fim de verificar se os grupos com diferentes níveis de percepção de autoeficácia diferiam em relação à motivação intrínseca e à extrínseca. O resultado dessas análises revelou que houve diferença entre os grupos em relação à autoeficácia para o desempenho e a motivação intrínseca (p= 0,039), a autoeficácia para o estudo e a motivação extrínseca (p= 0,019) e a autoeficácia geral e a motivação intrínseca (p= 0,015).

A fim de verificar a direção dessas diferenças, foi aplicado o Teste de Mann-Whitney, que será discriminado a seguir, para aquelas diferenças reveladas no Teste de Kruskall-Wallis. Na Tabela 2, são apresentados os resultados dessas análises com relação à autoeficácia para o desempenho e à motivação intrínseca.

 

 

Os resultados apresentados na Tabela 2 revelam que houve diferenças estatisticamente significativas em relação à motivação intrínseca apenas entre o grupo com maior percepção de autoeficácia e o de menor percepção. A análise dessas diferenças revela que o grupo dotado de melhor percepção de autoeficácia também obteve pontuação mais alta na Escala de Motivação Intrínseca.

Na tabela a seguir, são apresentados os diferentes grupos de autoeficácia para o estudo e os resultados na escala de motivação extrínseca.

 

 

As diferenças encontradas entre os grupos, no que diz respeito a sua percepção de autoeficácia para o estudo e a sua orientação motivacional extrínseca, mostram que dois grupos se revelaram diferentes estatisticamente. O grupo G2, que foi classificado como o de percepção moderada quanto a sua percepção de autoeficácia, declarou-se mais motivado extrinsecamente que o grupo com melhor percepção de autoeficácia. Da mesma maneira, o G1 (níveis mais baixos de autoeficácia) também se declarou mais motivado extrinsecamente que o G3.

Para finalizar essas análises, são apresentados, na Tabela 04, os resultados da autoeficácia geral dos grupos e a motivação intrínseca.

 

 

Na análise da autoeficácia geral e da motivação intrínseca, verificou-se que as diferenças estiveram presentes entre os grupos G1 e G2 e G1 e G3. A natureza dessas diferenças revelou que os grupos com maior autoeficácia também obtiveram maiores pontuações na motivação intrínseca.

 

Discussão e considerações finais

A literatura referente à autorregulação tem sido enfática ao afirmar que as crenças de autoeficácia são fundamentais para a compreensão dos processos autoreguladores do organismo e que elas podem interferir em outros processos. Isso se justifica pelo fato de se considerar que o organismo humano não apenas recebe as informações de seu ambiente mas também as interpreta, e o resultado dessas condições altera tanto o ambiente quanto o indivíduo. Dessa forma, e por meio dessas condições, o indivíduo é capaz de elaborar novas estratégias e de mudar cursos de ação, dentre outras possibilidades, com o intuito de melhorar seus processos cognitivos, emocionais e motivacionais. Essas condutas permitem ainda que o indivíduo possa julgar e analisar suas ações e suas competências gerando crenças pessoais a respeito do sucesso ou não em suas realizações.

A autoeficácia vem exatamente responder a essas crenças na capacidade pessoal, o que encontraria reflexo em outros domínios da vida do indivíduo. Na educação, a autoeficácia tem sido estudada sob diferentes perspectivas, dentre elas, as que dizem respeito à motivação para a realização das atividades propostas no contexto escolar (Pajares & Schunk, 2001). Embora a relação entre essas duas variáveis estejam colocadas há bastante tempo (Bandura & Schunk, 1981; Zimmermman, 1995), poucos estudos empíricos trataram de investigar essas relações, como se observa na revisão apresentada no início deste estudo.

Na tentativa de suprir parte dessa lacuna, este estudo se propôs a investigar a relação entre as crenças de autoeficácia escolar e o tipo de orientação motivacional presente nos estudantes. Ressalta-se que os instrumentos usados procuram obter essas informações partindo do próprio relato dos alunos, tendo em vista que a crença ou a percepção que ele possa ter, sendo esta condizente ou não com a realidade, é a que prevalece.

Dessa forma, embora os resultados deste estudo não sejam conclusivos, foram bastante reveladores. A evidência mais marcante que se pode verificar foi o fato de que a autoeficácia e a motivação dos estudantes se mostrou correlacionada em alguns casos, confirmando, dessa maneira, o que a literatura vem apontando. Cabe, no entanto, especificar que tipo de relações foi encontrado, uma vez que foram de naturezas diferentes: o instrumento de autoeficácia permite avaliar essa variável no que diz respeito a duas situações diferentes: no que se refere à autoeficácia para o estudo e no que diz respeito à autoeficácia para o desempenho, além de medida geral dessa variável. Os resultados das análises revelaram que os grupos diferiram em relação a essas medidas.

A autoeficácia para o estudo correlacionouse significativa e negativamente com a motivação extrínseca. Na análise realizada, as diferenças ocorreram entre os grupos extremos (maior e menor autoeficácia) e entre o grupo intermediário e o de maior autoeficácia. Esse dado, embora tenha sido obtido de uma pequena amostra de participantes e restrito a uma única realidade escolar, permite-nos inferir que os estudantes que se sentiram menos autoeficazes para aquelas situações avaliadas pelo instrumento parecem se valer mais de recursos extrínsecos para se manterem motivados na realização de suas atividades escolares, confirmando os achados de Walker et al. (2006). Por sua vez, os estudantes com maior senso de autoeficácia para o desempenho revelaram-se mais motivados intrinsecamente, informação que foi evidenciada entre os grupos extremos (G1 e G3). Esse dado se mostra interessante por revelar que melhores crenças de autoeficácia para o desempenho estiveram correlacionados positiva e significativamente com orientações motivacionais intrínsecas. Esse dado corrobora os achados dos estudos revisados por Multon et al. (1991), Pajares e Graham (1999), Walker et al. (2006) e Hsieh et al. (2008), dentre outros.

Por último, há que se destacar que também foram encontradas correlações positivas e significativas entre a medida geral de autoeficácia e a motivação intrínseca entre os grupos (G1 e G2 e G1 e G3), apontando novamente o fato de que maior autoeficácia correspondeu a maior motivação intrínseca dos participantes. Esses dados também reforçam a direção apontada anteriormente entre a autoeficácia e a motivação intrínseca.

As possibilidades de interpretação deste estudo, embora ainda restritas, abrem novas frentes para a investigação sobre essas duas variáveis, que têm se mostrado muito importantes para o âmbito educacional. Ainda que pese o fato de que os instrumentos usados estejam em avaliação e que a amostra não seja representativa das crianças do ensino fundamental, ela assinala algumas direções que necessitariam ser mais investigadas para que futuras ações possam ser implementadas pelos professores. É importante ainda investigar a questão do desempenho escolar dos estudantes e suas relações com essas variáveis, estudo esse que já se encontra em andamento.

Cumpre ainda destacar que encontrar consistência nessas informações não é tarefa fácil, tendo em vista que não se pode ignorar o fato de que os indivíduos passam a todo momento por uma série de circunstâncias que não podem ser controladas, e que podem interferir no momento específico e contextual em que essas informações estão sendo coletadas. Ainda assim, acredita-se que, com o avanço das pesquisas nessa área, se possa chegar a resultados e conclusões mais promissoras em um futuro próximo.

 

Referências

Bandura, A. (1977). Social learning theory. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall.         [ Links ]

Bandura, A. (1989). Human agency in school cognitive theory. American Psychologist, 77, 122-147.         [ Links ]

Bandura, A. (1993). Perceived self-efficacy in cognitive development and functioning. Educational Psychologist, 28, 117-148.         [ Links ]

Bandura, A. (1997). Self-efficacy: The exercise of control. New York: Freeman.         [ Links ]

Bandura, A. (2001). Social cognitive theory: An agentic perspective. Annual Review of Psychology, 52, 1-26.         [ Links ]

Bandura, A., Barbaranelli, C., Caprara, G. V., & Pastorelli, C. (1996). Multifaceted impact of self-efficacy beliefs on academic functioning. Child Development, 67, 1206-1222.         [ Links ]

Bandura, A., & Schunk, D. H. (1981). Cultivating competence, self-efficacy, and intrinsic interest through proximal selfmotivation. Journal of Personality and Social Psychology, 41, 586-598.         [ Links ]

Bzuneck, J. A. (2001). A motivação do aluno: aspectos introdutórios. In E. Boruchovitch & A. Bzuneck (Orgs.), A motivação do aluno: contribuições da psicologia contemporânea, 1 (pp. 9-36). Petropólis, RJ: Vozes.         [ Links ]

Costa, G. D. (2005). Relação entre as orientações motivacionais e o desempenho escolar de alunos da 7 a serie do ensino fundamental em matemática na resolução de equação do 1o grau. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP.         [ Links ]

Da Silva, A. L., & Sá, I. (2003). Saber estudar e estudar para saber. Porto: Porto Editora.         [ Links ]

Gottfried, A. E. (1990). Academic intrinsic motivation in young elementary school children. Journal of Educational Psychology, 88(3), 525-538.         [ Links ]

Guimarães, S. E. R. & Boruchovitch, E. (2004). O estilo motivacional do professor e a motivação intrínseca dos estudantes: uma perspectiva da teoria da autodeterminação. Psicologia, Reflexão e Crítica, 17(2), 143-150.         [ Links ]

Hsieh, P., Cho, Y., Liu, M., & Schallert, D. L. (2008). Middle school focus: Examining the interplay between middle school students achievement goals and self-efficacy in a technologyenhanced learning environment. American Secondary Education, 36(3), 33-50        [ Links ]

Lepper, M. R., Corpus, J. H., & Iyengar, S. S. (2005). Intrinsic and extrinsic motivational orientations in the classroom: Age differences and academic correlates. Journal of Educational Psychology, 97(2), 184-196.         [ Links ]

Lopes da Silva, A., Sá, I., Duarte, A., & Simão, A. (2004). Aprendizagem auto-regulada pelo estudante: perspectivas psicológicas e educacionais. Porto: Porto Editora.         [ Links ]

Martinelli, S. C., Bartholomeu, D., Caliatto, S. G., & Sassi, A, de G. (2009). Children´s self-efficacy scale: Initial psychometric studies. Journal of Psychoeducational Assessment, 27, 145- 156.         [ Links ]

Martinelli, S. C., & Genari, C. H. M. (2009). Relações entre desempenho escolar e orientações motivacionais. Estudos de Psicologia, 14(1), 13-21.         [ Links ]

Martinelli, S. C., & Sisto, F. F. (2010). Escala para avaliação da motivação escolar infanto-juvenil-EAME-IJ. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Multon, K., Brown, S., & Lent, R. (1991). Relation of self-efficacy beliefs to academic outcomes: A meta-analitic investigation. Journal of Counseling Psychology, 38(1), 30-38.         [ Links ]

Pajares, F., & Graham, L. (1999). Self-efficacy, motivation constructs, and mathematics performance of entering middle school students. Contemporary Educational Psychology, 24(2), 124-139.         [ Links ]

Pajares, F, & Schunk, D. H. (2001). Self-beliefs and school success: Self-efficacy, self-concept and school achievement. In R. E. Rayner (Ed.), Perception (pp. 239-266). London: Ablexpublishing.         [ Links ]

Pajares, F., & Valiante, G. (2001). Gender differences in writing motivation and achievement of middle school students: A function of gender orientation? Contemporary Educational Psychology, 26, 366- 381.         [ Links ]

Schunk, D. H. (1995). Self-efficacy and education and instruction. In J. E. Maddux (Ed.), Self-efficacy, adaptation, and adjustment: Theory, research, and application (pp. 281-303). New York: Plenum.         [ Links ]

Schunk, D. H. (1991). Self-efficacy and academic motivation. Educational Psychologist, 26, 207-231.         [ Links ]

Sternberg. R. J. (2000). Psicologia cognitiva. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Stevens, T., Olivarez, A., Lan, W. Y., & Tallent-Runnels, M. K. (2004). Role of mathematics self-efficacy and motivation in mathematics performance across ethnicity. The Journal of Educational Research, 97(4), 208-222.         [ Links ]

Stoeger, H. E., & Ziegler, A. (2008). Evaluation of a classroom based training to improve self-regulation in time management taks during homework activities with fourth graders. Metacognition and Learning, 3(3), 207-230.         [ Links ]

Usher, E. L. (2009). Sources of middle school students’ self-efficacy in mathematics: A qualitative investigation of student, teacher, and parent perspectives. American Educational Research Journal, 46, 275-314.         [ Links ]

Walker, C. O. T, Greene, B. A., & Mansell, R. A. (2006). Identification with academics, intrinsic/extrinsic motivation, and self-efficacy as predictors of cognitive engagement. Learning and Individual Differences, 16, 1-12.         [ Links ]

Weiner, B. (1990.) History of motivational research in education. Journal of Educational Psychology, 82(4), 616-22.         [ Links ]

Wigfield, A., & Guthrie, J. T. (1997). Motivation for reading: An overview. Educational Psychologist, 32(2), 57-58.         [ Links ]

Woolfolk, A. (2000). Psicologia da educação. Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Zimmerman, B. J. (1995). Self-efficacy and educational development. In A. Bandura (Ed.), Self-efficacy in changing societies (pp. 202-231). New York: Cambridge University Press.         [ Links ]

Zimmerman, B. J. (2000). Self-efficacy: An essential motive to learn. Contemporary Educational Psychologist, 25, 82-91.         [ Links ]

Zimmerman, B. J., Bonner, S., & Kovach, R. (1996). Developing self-regulated learners: Beyond achievement to self-efficacy. Washington, DC: American Psychological Association.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Selma de Cássia Martinelli
Av. Bertrand Russell, 801, Cidade Universitária “Zeferino Vaz”
13083-865 - Campinas – São Paulo - SP – Brasil
E-mail: selmacm@unicamp.br

Rebido 21/8/2009
1ª Reformulação 15/4/2010
Aprovado 28/4/2010

 

 

* Doutora em Educação-área de Psicologia Educacional pela Universidade Estadual de Campinas, São Paulo – SP – Brasil.
** Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, São Paulo – SP- Brasil. E-mail: a.sassi@uol.com.br