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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.30 no.4 Brasília dez. 2010

 

EXPERIÊNCIAS

 

Programa de intensificação de cuidados: experiência docente-assistencial em Psicologia e reforma Psiquiátrica

 

Programo of intensivy care: experience teaching-service in Psychology and Psychiatric reform

 

Programa de intensificación de cuidados: experiencia docente-asistencial en Psicología y reforma Psiquiátrica

 

 

Marcus Vinicius de Oliveira Silva*, I; Fernanda Rebouças Maia Costa**, II; Luane Matos Neves***,III

I Universidade Federal da Bahia
II Universidade Federal de São Carlos
III Universidade Federal da Bahia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho relata a experiência formativa do Programa de Intensificação de Cuidados a Pacientes Psicóticos (PIC), em Salvador. Durante quatro anos e meio, foram acompanhados por duplas de estagiários 40 pacientes e capacitados 111 profissionais para atenção à saúde mental. Foram realizadas atividades de atenção domiciliar, acompanhamento terapêutico (AT), espaços de convivência e sociabilidade, apoio aos familiares e suporte às necessidades individuais, conduzidos por dois supervisores, que utilizavam múltiplas referências teóricas na interpretação e intervenções com os sujeitos, com o agravante de estes terem precárias condições psíquicas, sociais e consequente desorganização familiar. Os resultados do projeto podem ser avaliados como experimento pedagógico docente-assistencial nos impactos no plano da formação e da assistência. O programa fomentou a produção teórica dos estagiários e, na Universidade, deu origem ao Laboratório de Estudos Vinculares e Saúde Mental. O amadurecimento profissional percebido nos estagiários refletiu-se nas suas inserções profissionais, com reconhecimento de diferenciada qualificação técnica. No plano assistencial, foi observada grande melhora na qualidade de vida dos pacientes, com significativa dispensa da internação como via de tratamento. Este trabalho aponta a necessidade de construção de espaços formativos ancorados no fazer prático, que apostem e estimulem a autonomia, a criatividade e o compromisso ético dos estudantes.

Palavras-chave: Formação do psicólogo, Programa de atendimento domiciliar, Reforma psiquiátrica, Clínica ampliada.


ABSTRACT

This work reports the experience of the Intensive Care Program Directed to Psychotic Patients in Salvador. During four years and a half, 40 patients were followed by interns and furthermore 111 professionals were trained in mental health care based on the great experience gained with the Program. The Program included home care, therapeutic assistance (TA), living spaces, family support and support to individual needs, all this conducted by two supervisors, who assisted the interns using multiple theoretical references in the interpretation and intervention with individuals who have, in general, a precarious possibility of dealing with the situations due to serious mental, social and familiar disorganization. The results of the project can be measured as a pedagogical experiment that has an impact on the plans of formation and assistance in mental health. The program prompted the theoretical production of the trainees what led, in the University, to the creation of the Laboratory of Studies of Interpersonal Relationships and Mental Health. The professional growth of the interns reflected their great social recognition and different qualification when working with mental health as professionals. In the care plan, a large improvement in the quality of life of patients with significant exemption from the hospital as a means of treatment was observed. This study points to the need of building spaces of practice that bet and encourage independence, creativity and ethical commitment of the students.

Keywords: Psychologists education, Home attending program, Psychiatric reform, Clinic program.


RESUMEN

Este trabajo relata la experiencia formativa del Programa de Intensificación de Cuidados a Pacientes Psicóticos (PIC), en Salvador. Durante cuatro años y medio, fueron acompañados por parejas de estudiantes en prácticas 40 pacientes y capacitados 111 profesionales para atención a la salud mental. Fueron realizadas actividades de atención domiciliar, acompañamiento terapéutico (AT), espacios de convivencia y sociabilidad, apoyo a los familiares y soporte a las necesidades individuales, conducidos por dos supervisores, que utilizaban múltiples referencias teóricas en la interpretación e intervenciones con los sujetos, con el agravante de que éstos tienen precarias condiciones psíquicas, sociales y consecuente desorganización familiar. Los resultados del proyecto pueden ser evaluados como experimento pedagógico docente-asistencial en los impactos en el plano de la formación y de la asistencia. El programa fomentó la producción teórica de los estudiantes en prácticas y, en la Universidad, dio origen al Laboratorio de Estudios Vinculares y Salud Mental. La maduración profesional percibida en los estudiantes en prácticas se reflejó en sus inserciones profesionales, con reconocimiento de diferenciada calificación técnica. En el plano asistencial, fue observada gran mejoría en la calidad de vida de los pacientes, con significativa dispensa de la internación como vía de tratamiento. Este trabajo apunta la necesidad de construcción de espacios formativos basados en el hacer práctico, que apuesten y estimulen la autonomía, la creatividad y el compromiso ético de los estudiantes.

Palavras clave: Formación del psicólogo, Programa de atención domiciliaria, Reforma psiquiátrica, Clínica ampliada.


 

 

O presente artigo se propõe a relatar a experiência formativa do Programa de Intensificação de Cuidados a Pacientes Psicóticos (PIC) do Hospital Especializado Mário Leal (HEML), em Salvador, Bahia. Inicialmente, apresentamos algumas reflexões sobre as dificuldades relativas à formação profissional necessária para atuar no SUS e, mais especificamente, no campo da saúde mental; posteriormente, discorreremos sobre as possibilidades, os limites e as conquistas derivadas da experiência formativa do PIC tanto para os profissionais – estagiários e supervisores – quanto para os pacientes assistidos.

É preocupante a precariedade da formação dos profissionais de saúde em geral para atuar no SUS e, especificamente, no campo da saúde mental. Muitos fatores contribuem para esse processo, incluindo as deficiências nas grades curriculares e o formato dos cursos, ainda muito voltados para uma assistência privada e individualista (Campos & Guarido, 2007; Dimenstein, 1998; Lima, 2005; Spink & Matta, 2007). Existe uma literatura que vem problematizando a questão da formação, tanto na saúde pública quanto na saúde mental. Segundo Mendes (1994, citado por Dimenstein, 1998), os anos 70 foram marcados pela ênfase no modelo médico assistencial privatista, cujo foco se centrava na atuação médica curativa, individual e assistencialista, desconsiderando a importância da saúde pública. Assim, culturalmente, a formação dos profissionais de saúde passou a ser orientada por um modelo de atenção que não leva em conta as necessidades e as especificidades da saúde pública.

No que diz respeito à formação em Psicologia relativa ao ensino em saúde mental, as universidades ainda disponibilizam essencialmente disciplinas focadas em conceitos e diagnósticos oriundos da psicopatologia e das práticas nos hospitais psiquiátricos, em uma perspectiva reducionista que promove uma formação retrógrada em relação às novas diretrizes da reforma psiquiátrica. Tal formação apresenta o sofrimento psíquico de modo descontextualizado, restrito aos sintomas, sem oferecer os recursos técnicos exigíveis para as intervenções clínicas e institucionais. Além disso, mostra-se insuficiente para o enfrentamento dos casos de transtorno mental severo, sobretudo no que se refere especificamente ao campo da clínica das psicoses, que, em sua complexidade, convoca os profissionais para uma vivência cotidiana, profunda e instável, exigente nos aspectos formativos.

Na compreensão dessa situação, há que se resgatar os aspectos históricos da presença profissional dos psicólogos no campo da saúde pública. A sua presença relativamente recente, em fase de expansão, esclarece as limitações da sua participação nas políticas públicas de saúde, em conexão com as dificuldades derivadas das características da formação profissional. Dimenstein relata que, a partir do final da década de 70, é possível observar um aumento significativo de psicólogos envolvidos no setor, através da abertura de concursos. A entrada dos psicólogos nessa área, sobretudo na saúde mental, situa-se em um contexto político e econômico específico, e tal movimento foi decisivo para sedimentar a importância do psicólogo na sociedade e a valorização da profissão (Dimenstein, 1998; Lima, 2005).

Contudo, foram realizadas limitadas contratações de psicólogos pelas instituições públicas, se consideradas as necessidades sociais relativas à saúde mental, principalmente na perspectiva da transformação da assistência psiquiátrica. Acrescenta-se que muitos desses profissionais ficaram alocados em tarefas burocráticas, o que enfraqueceu as possibilidades de atuação dos mesmos (Cerqueira, 1984). Esse dado é corroborado por estudos atuais de Spink, Bernardes, Santos e Gambá (2007): apesar de aparentemente ser grande o número de psicólogos vinculados ao SUS (N=14.407), esse número se torna elementar quando comparado à quantidade de estabelecimentos. Apenas 6,55% dos estabelecimentos de saúde vinculados ao SUS contam com a presença de psicólogos.

Para além do número reduzido de profissionais, as dificuldades vivenciadas pelos psicólogos, no trabalho nas unidades básicas de saúde e nos serviços de atenção a saúde mental do País, são fruto da deficitária formação acadêmica para o trabalho no setor da saúde, das limitações do modelo de atuação profissional e da dificuldade dos profissionais em adequar-se ao dinâmico e complexo perfil profissional necessário para o trabalho no SUS (Dimenstein, 1998). Portanto, diferentemente do que aparece nos discursos de alguns profissionais, os obstáculos ao exercício da prática dos psicólogos na saúde não se justificam apenas pelo fato de a clientela ser de baixa renda ou pelos problemas relativos à estrutura e à organização dos serviços. A dificuldade dos profissionais se situa em produzir uma atuação coerente com os princípios do SUS e da reforma psiquiátrica, que propõem atividades de cuidados integrais, deslocando o setting dos consultórios para o território e a perspectiva das abordagens individualizantes para dispositivos coletivos, grupais e institucionais, capazes de superar as práticas tradicionais, individualizantes, segregadoras e ineficientes.

As causas da deficiência do trabalho dos psicólogos no SUS se relacionam com os aportes teóricos e práticos que estruturam, na sua identidade e cultura profissionais, modelos de atuação distanciados das realidades brasileiras e das expectativas que a sociedade endereça à classe profissional bem como na discrepância entre os modelos de subjetividade e os valores culturais de pacientes e profissionais. Instaura-se, assim, uma prática inadequada e descontextualizada (Dimenstein, 1998; Lima & Nunes, 2006; Spink & Matta, 2007). Há, desse modo, uma predominância da utilização de técnicas psicoterápicas, que são tomadas como o único instrumento de trabalho do psicólogo e como portadoras de um valor intrínseco, independentemente de onde e com quem são utilizados (Dimenstein, 1998).

Acrescenta-se ainda que é de grande importância fortalecer a proposta do SUS, e que a Psicologia, como ciência e profissão, pode colaborar em muito com esse processo através da redefinição de práticas, da humanização da assistência e do foco na integralidade (Spink & Matta, 2007).

Desse modo, os campos de prática oferecidos pela Universidade ainda hoje, bem como as metodologias de ensino aplicadas, se revelam insuficientes para o cumprimento da tarefa formativa no que tange às necessidades da saúde pública na área da saúde mental. Destaca-se a pouca disponibilidade de experiências voltadas para a formação em saúde mental na graduação, quer sejam de ensino, pesquisa ou extensão. Em relação às potencialidades da extensão como espaço de invenção de novos dispositivos de atenção, o relatório do I Seminário Nacional de Ensino e Pesquisa em Saúde Mental do Movimento Antimanicomial produzido pelo Núcleo de Estudos pela Superação dos Manicômios - BA ressalta que “nos espaços universitários, o lugar ocupado pela extensão representa hoje, pela conceituação que recebe, um importante instrumento para a viabilização de atividades formadoras que articulem a Academia e os serviços” (NESM-BA, 1999, p. 11).

A atual estrutura da formação, no que diz respeito ao preparo para as atividades de atuação psicossocial, carece de espaços de práticas que estimulem, no estudante, o exercício da autonomia na ação clínica. Essa situação desafia a produção de novas formas de tutoria e supervisão, focadas no suporte necessário para o amadurecimento do aprendiz, ao passo que também prioriza envolvê-lo na sua práxis, responsabilizando-o pelo seu fazer. Nesse sentido, é importante fomentar a criação e a manutenção de campos de prática que oportunizem, além das competências típicas da clínica psicológica, o desenvolvimento de relações cooperativas, capazes de treinar o desempenho político do estudante no interior das complexas relações institucionais bem como o manejo das atividades comunitárias e de suas redes sociais. Assim, superar-se-ão as limitações na formação em decorrência da “arrogância do saber, que desconhece e desvaloriza sem aceitar o conhecimento vindo da prática, perdendo a riqueza da experiência, dificultando a criação de novas tecnologias” (NESM-BA, 1999, p. 6).

Superando o modelo tradicional dos Serviços de Psicologia Aplicada (SPA) – que disponibilizam estágios psicoterápicos no formato típico de clínica-escola – o Programa de Intensificação de Cuidados (PIC) se estabeleceu como alternativa para o problema da formação de graduação dos psicólogos que deverão atuar na clínica da saúde mental. Assim, o Programa constituiu um grande desafio para os supervisores e estudantes, na medida em que se posicionou como uma experimentação clínica coerente com as demandas da população assistida, entrelaçando assistência, formação e postura ético-crítica, ancoradas nas diretrizes da reforma psiquiátrica e nos ideais da luta antimanicomial. Portanto, o PIC se estruturou como um arranjo institucional, de natureza docente-asssistencial, focado no aprendizado das pessoas, assumindo como pressuposto o enfrentamento dos desafios envolvidos na noção de clínica ampliada, o que o tornou singular na produção de uma formação diferenciada.

 

Pressupostos da experiência

Atualmente, discutir o tema da assistência em saúde mental implica necessariamente abordar a reforma psiquiátrica. Com base na análise histórica sobre o papel que o hospital psiquiátrico ocupou como dispositivo incapaz de oferecer cuidados à saúde de forma integral, abre-se um espaço para debater novas formas de atuação e validar as iniciativas nessa direção.

A reforma psiquiátrica necessária à reformulação da assistência à saúde mental no Brasil visa a ser substitutiva ao recurso da internação. Adotá-la como princípio e eixo de prática clínica requer a transposição das barreiras manicomiais e o questionamento dos saberes clássicos da psiquiatria que imperaram até então, saberes esses que instituem um fazer produtor de exclusão, de estigma social, de alienação e de centralização das ações.

O Programa de Intensificação de Cuidados (PIC) surgiu para se contrapor ao pensamento comumente presente de que, entre os que demandam assistência psiquiátrica, existem algumas pessoas que, em função da gravidade dos seus casos, precisam ser internadas, apostando diversamente nos investimentos de cuidados humanos como único recurso capaz de produzir transformações efetivas na vida dessas pessoas, manejando um conjunto de atitudes para que elas possam não precisar da internação. E, assim, instaura-se um debate entre a intensificação de cuidados e a necessidade do internamento: alguns pacientes necessitam de cuidados intensivos, uma vez que seus casos são muito graves e isso requer uma atenção diferenciada.

Silva (2007, p. 40) define a clínica da intensificação de cuidados como

um conjunto de procedimentos terapêuticos e sociais direcionados ao indivíduo e/ou ao seu grupo social mais próximo, visando ao fortalecimento dos vínculos e à potencialização das redes sociais de sua relação bem como ao es tabelecimento destas nos casos de desfiliação ou forte precarização dos vínculos que lhes dão sus tentação na sociedade. (p. 40)

Cabe clarificar, a seguir, os pressupostos nos quais essa clínica se erige e se sedimenta.

O ponto central dessa nova forma de atuação em saúde mental é a presença clínica orientada, a intensificação de investimento humano, que se contrapõe à ideia de aparato tecnológico e de parafernálias institucionais. Merhy (2002) traz o conceito de tecnologias leves, através do qual apresenta o cuidado e a relação usuário-trabalhador como matéria-prima da clínica. No caso do Programa de Intensificação de Cuidados (PIC), a grande tecnologia é a ação de uma pessoa sobre a outra no momento em que estas se encontram, produzindo escuta, interpretação, cumplicidade e confiabilidade, através de um trabalho vivo em ato (Merhy, 2002). Isso não se relaciona com um fazer simples, mas com uma prática extremamente complexa que requer reflexividade técnica durante todo o tempo de execução e que entende que a sofisticação na saúde mental está relacionada à presença, ao pensar clínico e, de certa maneira, à instalação um novo repertório de atuação nessa área (Dimenstein, 1998; Stroili, 2007).

A ideia de promover um intenso investimento humano requer do técnico entendimento amplo sobre as psicoses e sobre o tipo de registro que essa experiência enseja para os sujeitos, de forma que direcione sua intervenção para as necessidades do paciente que está em crise, a fim de oferecer o atendimento compatível com o que ele precisa. O PIC pretendeu ser um esforço para decodificar, identificar e “fazer segundo suas necessidades, e não segundo as possibilidades – sempre menores e mesquinhas – que geralmente conformam o conforto das instituições e dos profissionais” (Silva, 2007b, p. 11).

Considerar tais necessidades implicava uma clínica que articulasse a questão da subjetividade e do pertencimento social, no intuito de produzir um pensamento para orientar a ação que transcendesse a intervenção centrada na disfunção psíquica do indi víduo, tratando a questão dos laços sociais como algo separado. Tal fundamento amplia a visão sobre o que deve ser feito na clínica da psicose e fomenta a criação de uma prática que, reconhecendo as necessidades desses sujeitos, intervenha na dinâmica de suas vidas e ofereça “desde os recursos terapêuticos tradicionais até o assessoramento existencial do qual os sujeitos psicóticos carecem, com vistas a contribuir para o processo de re-organização de suas vidas, para o enfrentamento das tendências socialmente expulsivas motivadoras das reinter nações freqüentes” (Silva, 2007a, p. 40).

Pensar a sociedade e o sujeito em permanente relação, analisando a questão do pertencimento social dos indivíduos, da produção do diálogo entre uma dimensão e outra, é indispensável ao se considerar que a psicose traduz dificuldade em ser sócio da cultura, e que a loucura pode ser percebida como um fato social ruidoso. Isso nos coloca diante da necessidade de incluir a possibilidade de a disfunção psí quica participar do funcionamento da sociedade para produzir uma nova forma de estar no mundo com mais liberdade e qualidade.

Quanto a tal questão, Dimenstein destaca que os movimentos reformistas em todo o mundo ressaltam a importância de serem produzidas modificações tanto na assistência quanto na dinâmica social, política e cultural nas quais se baseia o universo manicomial, com vistas a sua plena substituição. Assim, a reforma psiquiátrica propõe uma mudança radical na forma de lidar com a loucura, incluindo a construção de redes de serviços substitutivos ao hospital mais eficientes e menos onerosas, superando o apego às formas de vida institucionalizadas, mas, sobretudo, produzindo as transformações culturais que ampliam a tolerância em relação às dissonâncias sociais decorrentes da experiência da loucura e a possibilidade da sua absorção por parte das instituições.

Nesse sentido, o PIC se baseou no esforço teórico e prático de fundamentar uma clínica psicossocial com psicóticos, articulando temas variados como o vínculo, as relações, a sociabilidade, o pertencimento e a exclusão social com o delírio e a estruturação do sujeito, de modo a considerar esses variados âmbitos sem distingui-los como elementos separados. Objetivava-se uma prática profissional em que o psicólogo considerasse, de maneira ampliada, a influência da dimensão social em relação ao estar no mundo de pessoas que pertencem a classes populares, com o agravante de precárias condições psíquicas e a consequente desorganização familiar, além de colocar a teoria a serviço da prática, superando a tentação de enquadrar os discursos dos sujeitos em sistemas psicológicos e em descrições nosológicas pré-estabelecidas (Lima & Nunes, 2006).

Além disso, esse programa se propunha a habilitar pessoas para serem futuros operadores de saúde mental, emprestando seu poder contratual e trabalhando como mediadores dessas tensões, investindo “na produção de novos es paços de sociabilidade, criando dispositivos coletivos de aco lhimento e convivência através da ‘grupalização’ dos sujeitos bem como dos seus familiares, apostando no poder do vínculo social como um elemento fundamental da ‘continência psíquica’” (Silva, 2007a, p. 40), tornando, dessa forma, possível intervir na presença do sujeito no mundo de forma integrada, contribuindo para a construção de sujeitos autônomos e capazes de gerir a própria vida. O Programa de Intensificação de Cuidados investiu no manejo de múltiplas relações vinculares, por acreditar que não há vínculo sem sujeito, nem sujeito sem vínculo (Berenstein, 2006). Essa foi uma ideia fundamental para orientar a prática, pois o PIC partilhava da hipótese de que os sujeitos psicóticos têm uma vulnerabilidade relacional e, por isso, tendem a estabelecer vínculos frágeis e conturbados durante a vida (Pichón-Rivière, 1998). Estando vinculados a esses sujeitos, e reconhecendo que eles não estão fora do laço social, os acompanhantes contribuiriam ao mostrar-lhes a possibilidade de se vincularem, sustentando melhor os seus contatos sociais. Entretanto, isso exigiu que os estagiários estivessem permanentemente atentos e de vidamente centrados em sua função, no seu saber, na sua localização no mundo, para agir com cada sujeito.

O Programa buscava articular as relações vinculares e nelas intervir no lócus em que acontecem. Com isso, pode-se dizer que o PIC se apropriou não só do conceito de vínculo mas também da ideia de atenção domiciliar, por tomar o domicílio como lugar de ofertas de atenção e como campo de expressão dos vínculos, sejam eles tensos, confusos ou conturbados. Melman (2001) nos fala sobre essas famílias de pessoas com transtorno mental, que vivenciam um complexo de medo e inquietação, em uma gama de relações ansiosas por sentido. O resultado é a produção de sentimentos de frustração, culpa e desespero, o que exigiu do Programa, durante seu período de existência, intervenções para além do núcleo familiar, incluindo “o conjunto de vínculos interpessoais significativos do sujeito” (Sluzki, 1997).

No momento em que os estagiários freqüentam as comunidades dos seus acompanhados, eles mostram que ali há um sujeito, há uma pessoa com quem se pode preocupar e que é merecedora de cuidados. Imagina-se que possa ocorrer nessa hora um processamento de novas acepções diante da percepção daquele indivíduo para a sua rede social. Assim, poder-se-ia pensar que a função das visitas domiciliares também seria fornecer ao su jeito que sofre de adoecimento psíquico novas possibilidades diante das pessoas que compõem a sua rede social. (Santos & Moreira, 2007, p. 132)

 

PIC: a invenção de um campo de práticas docentes-assistenciais

A partir dos questionamentos e possibilidades apresentados anteriormente, e da inquietação pelo espaço que a internação ocupa ainda hoje, em meio ao processo de construção do movimento da reforma psiquiátrica na Bahia, buscou-se idealizar uma proposta que ousasse enfrentar a ideia da necessidade desse recurso como importante solução para lidar com a psicose, estabelecendo uma atuação que respeitasse a integridade e a autonomia dos sujeitos, oferecendo suporte aos familiares e uma nova formação em saúde mental para estudantes.

O Programa de Intensificação de Cuidados a Pacientes Psicóticos (PIC) foi implementado em janeiro de 2004, através de uma parceria entre o curso de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e o de Terapia Ocupacional da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), e, durante quatro anos e meio, acompanhou extensivamente 40 pacientes e capacitou 111 profissionais para a atenção à saúde mental, dentre os quais, 67 psicólogos, 41 terapeutas ocupacionais e 03 médicos, que participaram do programa sob a forma de estágio curricular ou de atividade de extensão. Os pacientes admitidos provieram do Hospital Especializado Mário Leal (HEML), situado no bairro do IAPI, em Salvador, e o critério de admissão foi, principalmente, o ciclo de internações frequentes que caracteriza uma carreira manicomial, além da apresentação de intensa desorganização psíquica, precária estruturação familiar e carência social.

Entre as atividades oferecidas pelo Programa, destacam-se a realização de atendimentos sob a forma de atenção domiciliar, acompanhamento terapêutico (AT), organização de espaços de convivência e sociabilidade – a exemplo de grupos, comemorações festivas e passeios, apoio aos familiares (atenção domiciliar e reuniões mensais) e suporte às necessidades individuais, tais como acompanhamento a consultas psiquiátricas e clínicas, assessoria no encaminhamento de documentações, benefícios e questões jurídicas. Esses componentes organizavam-se no sentido de oferecer compreensão sobre os sujeitos e sobre os diversos contornos que a psicose apresenta, dando suporte para possibilitar seu estar no mundo e intervir nas suas relações familiares e sociais, além de introduzir o sujeito no mundo das relações e apresentá-lo à sociedade, ampliando suas possibilidades de trânsito pela cidade.

Extensivamente, durante quatro anos e meio, os mesmos pacientes foram acompanhados por duplas de estagiários que, durante um ou dois semestres, visitavam semanalmente os sujeitos pelos quais se responsabilizavam como referência clínica. A frequência das visitas era regulada de acordo com as necessidades do caso atendido, havendo aqueles visitados até três vezes por semana. Assim, a dupla cuidava de forma mais próxima e intensa das peculiaridades dos casos atendidos bem como de suas interações e padrões de relacionamento, por vezes, dividindo-se para escutar o sujeito e/ou intervir junto à família, favorecendo o cuidado de todos os envolvidos.

O trabalho efetuado através de duplas, compostas, sempre que possível, por estudantes de ambos os cursos que participavam da proposta, visou, em primeiro lugar, a amenizar as dificulda des encontradas no contato dos estagiários com a questão da loucura e de seu manejo clínico, trazendolhes a possibilidade de compartilhar angústias, sofrimentos e questionamentos bem como de engendrar o surgimento de questões não só na relação dos estagiários com os pacientes como deles entre si e consigo mesmos. A possibilidade de acompanhar um caso junto a outra pessoa propicia uma observação muito mais rica e fidedigna, ampliando as versões dos acompanhamentos que eram apre sentadas durante a supervisão e dando a possibilidade de auto-observação a partir do olhar do outro, fundamental nesse processo de formação profissional tanto para o aluno como para a evolução do caso.

Através do trabalho em duplas e das supervisões conjuntas, instaurou-se um campo de prática interdisciplinar, que formou pessoas de cursos universitários distintos para trabalharem juntas. A ideia foi construir uma atuação que fosse múltipla, flexível e transversal, atitude formadora de profissionais que transitem por várias posições diante do sujeito, sustentando sua posição de alteridade, ou seja, centrados na sua função, escuta e atitudes a partir de um certo pensamento que tenta compre ender o que é a psicose e o significado de suas produções (Mota, 2007).

O acompanhamento terapêutico (AT) foi um dos componentes utilizados no manejo com a clientela assistida, considerando que o PIC optou por atuar em espaços pouco convencionais e que o AT possibilita uma clínica em movimento que rompe o setting tradicional dos consultórios, possibilitando aos estagiários uma condição de exposição a situações imprevisíveis, que necessitam do manejo de múltiplos vínculos e relações. Entretanto, o que diferenciou, principalmente, a utilização dessa técnica no Programa é que, no PIC, embora houvesse uma dupla de estagiários que acompanhava cada paciente e era responsável pela atenção às suas peculiaridades, imperava a concepção de muitos que acompanham muitos, extrapolando a díade da estrutura típica do AT.

Tal estrutura aparecia, principalmente, na participação dos pacientes em grupos promovidos e acompanhados pelos estagiários do PIC, duas vezes por semana, quando se criavam vínculos e pontos de apoio com os demais pacientes e estagiários. Isso também acontecia nos passeios realizados em conjunto por estagiários e pacientes para diversos locais da cidade, que constituíam iniciativas legitimadoras do convívio social e do exercício dos direitos e deveres que os sujeitos merecem dispor, fazendo-os sentirem-se mais seguros para transitar em espaços antes desconhecidos e ampliando a sua autonomia.

O PIC buscou, assim, produzir uma clínica que, baseada no vínculo e nas suas teorizações e na complexidade das relações sociais concretas, definidoras de possibilidades e po sições dos sujeitos no mundo, resistisse à tentação de reduzir essa complexidade para fazê-la caber em sistemas teóricos específicos e se preocupasse mais com a oferta de um preparo necessário para o trabalho com a coisa mental.

A proposta pedagógica do programa se baseou em três dimensões de experiência dos alunos: exposição, teorização e ação. A exposição se caracterizava pela passagem, momento em que ocorriam os primeiros contatos dos estagiários com seus futuros acompanhados. Durante cerca de 4 a 5 semanas, os alunos ingressos no PIC eram apresentados pelos estagiários que os antecediam aos pacientes e às suas famílias, com ampliação progressiva de sua participação como cuidador nas visitas, visando a ocupar um lugar de deposição psíquica e à conquista da confiança dos seus assistidos. Em paralelo, os estagiários antigos trabalhavam os seus processos de saída ao atuar em conjunto com os novos, até que a dupla definitiva assumisse o caso por completo. Assim, independentemente dos calendários universitários e das férias acadêmicas, o atendimento não sofria interrupções, garantindo atenção contínua à população.

Considerando-se que os alunos chegavam ao PIC com pouca ou nenhuma experiência referente à clínica da psicose, ainda nessa fase, os estagiários recebiam orientações para serem delicados, gentis e atentos, estando presentes, mas sem fazerem maiores interferências na vida do sujeito. Desmistificando as reservas que desconfiam das capacidades dos alunos iniciantes para entrarem em contato com pacientes como algo muito sério e até perigoso, o programa partia do pressuposto que a psicose ensina, e que a exposição ao contato com o sujeito psicótico é umas das principais fontes de aprendizagem, requerendo do sujeito abertura e acolhimento. A exposição dos estagiários também se referia a sua aproximação com realidades sociais muito precárias, visto que o PIC concentrou a sua atuação em bairros economicamente pobres da cidade de Salvador e os estagiários passavam a ter contato, geralmente pela primeira vez, com situações extremas de pobreza e vulnerabilidade. Assim, o aprendizado advindo da exposição não esteve baseado somente na proximidade com o grave sofrimento psíquico que acomete esses sujeitos mas também nas suas vidas em si, na exclusão social que marca e determina os seus cotidianos.

Ao constituir um lugar de aprendizagem fora da Universidade, um ensino extra-muros, o PIC trazia assim o contato com a precária realidade social do País e com situações extremas de pobreza, dor e privação, com realidades delicadas, domicílios precários, desalento, um campo de práticas que possibilitava suportar ver, suportar estar, suportar entrar em verdadeiro contato com o que geralmente é ignorado. Era uma atuação que requisitava dos alunos a coragem de viver assim tão próximos desse encontro e que os retirava da proteção das salas de aula, “que, muitas vezes, os mimam e os sedam” (Silva, 2007b, p. 13).

No segundo momento do programa, priorizava-se a teorização. Considerando que o PIC propunha que as pessoas se colocassem em settings absolutamente diversos dos tradicionais, movimentados e coletivos, também utilizava múltiplas referências teóricas de base para interpretação e intervenções com esses sujeitos. Inicialmente, trabalhava ideias mais gerais sobre temas como internação, reforma psiquiátrica, vínculo, intensificação de cuidados, psicose. Posteriormente, eram apresentadas variadas concepções, tais como a abordagem sistêmica, antropológica e sociocultural, além dos fundamentos das várias correntes psicanalíticas, tais como a lacaniana, a kleiniana, a argentina e a winnicotiana, entre outras, extraindo delas elementos teóricos úteis para uma intervenção em uma clínica orientada pelo objetivo antimanicomial, úteis para pensar e instruir a ação junto a esses sujeitos e as suas problemáticas concretas. Em seguida, essas aquisições teóricas e a intensa convivência cotidiana com os pacientes começavam a instaurar um pensamento e atitude clínica nos alunos, que aprendiam a agir dentro de uma perspectiva ética de compreensão do que deve ser feito; “que se faça segundo a necessidade da psicose” (Casais, 2007, p. 33).

Todo esse processo foi conduzido por dois supervisores, que se encontravam com os estagiários semanalmente e que promoviam discussões teóricas e de casos clínicos. A supervisão simbolizava o local de organizar o pensamento e a ação, de desorganizar ideias preconcebidas, cristalizadas, a respeito da loucura, para que pudesse surgir um posicionamento novo e di ferenciado diante do psicótico.

O Programa de Intensificação de Cuidados, entretanto, assumia advertido, como importante pressuposto pedagógico, que, nesse preparo para a clínica, todos os envolvidos, acompanhados e acompanhantes, são sujeitos psíquicos com suas defesas, suas dificuldades e limitações, e que, ao se definir uma dupla para atender alguém, produzse uma interação entre sujeitos, que são todos sujeitos psíquicos precários, apesar da diferença de expectativa da capacidade do agente técnico – o estagiário – em lidar com a consciência dessa sua condição. Logo, seria na disposição e na possibilidade de cada um para receber o que o paciente coloca em depósito que influencia diretamente a aquisição do preparo para trabalhar com a coisa mental, e o PIC apostava na supervisão, juntamente à prática clínica, como oportunidade para relativizar essa inerente precariedade.

Na dimensão da ação, desde o início dos contatos até a conclusão do estágio, foi valorizada a possibilidade de uma intensa convivência dos estagiários com os sujeitos psicóticos atendidos como fonte de importantes lições técnicas e pessoais. Sem descuidar da sustentação teórica, o fazer prático cotidiano exigiu e tornou possível aos estagiários encarar a complexidade dessa clínica e produzir intervenções coerentes e orientadas eticamente, em que se colocaram na condição de suportar e de serem efetivos na construção do porque, para quem e como agir, na condição de um profissional de saúde mental.

 

Efeitos e aprendizagens

Os resultados desse projeto podem ser avaliados como experimento pedagógico docente-assistencial em duas dimensões: impactos no plano da formação e no plano da assistência.

Os estudantes que passaram pelo programa tiveram ampliadas não apenas as suas possibilidades de intervenção clínica mas também a sua visão, as suas crenças, o seu rigor ético e a sua qualidade técnica. O programa fomentou a produção teórica dos estagiários, inspirou trabalhos de conclusão de curso de graduação e pós-graduação e participou, com mais de vinte apresentações orais e pôsteres, de importantes eventos. Também foram realizados cursos no formato de atividades de extensão, visando a oferecer aos estagiários e ao público externo uma complemen tação dos aprofundamentos teóricos específicos vinculados ao universo teóri co orientador do trabalho.

Quanto à sua relação com o campo da Universidade, inspirou a criação de uma disciplina optativa para versar sobre o tema e deu origem ao Laboratório de Estudos Vinculares e Saúde Mental, que existe há três anos, tendo sido realizada uma série de projetos na área. Assim, o amadurecimento profissional percebido nos estagiários e extensionistas se refletiu nas suas múltiplas inserções profissionais, com reconhecimento do diferencial da qualificação técnica dos mesmos, evidenciando que a experiência vivenciada teve caráter não apenas informativo como também, e essencialmente, formativo.

O contingente de profissionais egressos do PIC constituiu importante contribuição para o revigoramento da cultura técnica da clínica em saúde mental no processo da reforma psiquiátrica baiana, inovando as perspectivas da assistência nos serviços substitutivos e a consistência das práticas clínicas que esses serviços exigem. No plano assistencial, ao sustentar uma intervenção inovadora baseada na valorização do manejo vincular como eixo das intervenções técnicas, o PIC tornou possível a significativa melhora da qualidade de vida dos pacientes (Nascimento, 2007).

Dentre os progressos adquiridos pelos pacientes atendidos por esse programa, em sua análise, Nascimento (2007) destaca mudanças significativas nos relacionamentos sociais dos sujeitos, com melhora na convivência e no apoio prestado pela família ou vizinhança, diminuição dos sentimentos de tristeza e solidão e maior facilidade para estabelecer relações. Segunda ela,

as atividades realizadas pelo PIC, como o fun cionamento do grupo com os pacientes, podem ter contribuído para a formação de novos amigos, pois é um dispositivo que proporciona a eles um espaço de construção de novas amizades, que al guns conseguem manter fora do ambiente institu cional. (Nascimento, 2007, p. 109)

Os pacientes também passaram a se sentir mais se guros para sair de casa sozinhos, retomando ou iniciando atividades externas, desenvolvendo segurança para tal e desmistificando as impossibilidades limitadoras de seus anseios.

Esses dados são um bom sinal de mudança, na medida em que, quando estão estudando, estão ampliando seu conhecimento, suas oportunidades e sua rede de relações, assim como quando realizam algu ma atividade remunerada, que proporciona uma melhora de suas condições econômicas e sociais. (Nascimento, 2007, p. 110)

No que se refere ao estado de saúde, constatouse que a maioria dos pacientes dispensou a internação como via de tratamento, inclusive aqueles que a tinham como único e principal recurso de sobrevivência social, visto que o foco de intensificação de cuidados dos estagiários era o sujeito, e não a crise em si mesma. Muitos deles também passaram a tomar sua medicação corretamente, sem precisar da ajuda de outra pessoa, tendo suas doses diminuídas. As recaídas e pioras que aconteceram durante o processo foram abordadas pelos cuidadores de forma mais compreensiva, na constante descoberta de outros recursos sociais e institucionais que puderam ser ativados.

Como vimos, a predo minância do modelo médico em detrimento de uma abordagem mais flexível e abrangente dos transtornos mentais tem dificultado em muito as mudanças práticas preconizadas pela reforma psiquiátrica. Os investimentos em processos de formação, capazes de produzir os necessários “trabalhadores psiquiátricos de novo tipo” advogados por Cerqueira (1984), devem pressupor uma ruptura com os saberes e as práticas tradicionais, mas, sobretudo devem ser capazes de inaugurar na Universidade novas possibilidades de aprendizagem, fortemente ancorados no fazer prático, apostando na autonomia, na criatividade e no desejo dos estudantes, contagiando-os com um compromisso ético e transformador da realidade social. Muitas barreiras se colocarão aos profissionais socializados com esse tipo de concepção de cuidado, mas a experiência das conquistas alcançadas junto aos pacientes, às suas famílias e às comunidades vividas durante o seu treinamento profissional serão encaradas como estímulos na perseveração da busca de uma outra posição para o louco em nossa sociedade.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Marcus Vinicius de Oliveira Silva
Instituto de Psicologia da UFBA - Laboratório de Estudos Vinculares e Saúde Mental
Rua Aristides Novis, 197, Federação
CEP 40210-730, Salvador – BA – Brasil
E-mail: matraga@gmail.com

Rebido 28/9/2009
1ª Reformulação 1/4/2010
Aprovado 10/4/2010.

 

 

* Doutor em Saúde Coletiva Universidade Federal da Bahia
** Psicóloga residente em Saúde da Família da Universidade Federal de São Carlos
***Psicóloga. E-mail: luanepsi@yahoo.com.br