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Psychê

Print version ISSN 1415-1138

Psyche (Sao Paulo) vol.8 no.13 São Paulo June 2004

 

ARTIGOS

 

As novas subjetividades e suas fantasmatizações

 

New subjectivities and their phantasmagoria

 

 

Ricardo SalztragerI

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo visa analisar a forma peculiar de fantasmatização das denominadas novas formas de subjetivação em contraponto com o modo característico do sujeito neurótico. Investiga-se também a questão da direção do tratamento face à singularidade dessas produções fantasmáticas.

Palavras-chave: Fantasia, Contemporaneidade, Subjetividade, Enigma, Clínica psicanalítica.


ABSTRACT

The purpose of this article is to analyze in a peculiar way the phantasmagoria of the so called new forms of subjectivism in counterpoint to the characteristic way of being of the neurotic personality. The question of the approach to the treatment in the face of the singularity of those phantasmagorical productions is also investigated.

Keywords: Fantasy, Contemporaneity, Subjectivity, Enigma, Psychoanalytic clinic.


 

 

O prestígio outrora desfrutado pela clínica psicanalítica vem sofrendo profundos abalos em decorrência das diversas transformações da nossa cultura. Neste contexto, surge um problema do qual a solução remete diretamente à questão da sobrevivência ou não da psicanálise: ela é dada, por muitos, como ineficaz frente às novas modalidades de padecimento psíquico1. Assim, impõe-se a questão de decidirmos entre confiar cegamente no arsenal teórico-clínico da psicanálise, ou retornarmos às suas formulações fundamentais, na tentativa de esboçar alguns princípios que auxiliem na construção de um dispositivo analítico para o tratamento do sujeito contemporâneo. Trata-se, portanto, de destacar que o momento atual demanda a reestruturação de algumas tendências bastante operantes na clínica, na medida em que se verifica que a interpretação – como dispositivo clínico privilegiado pela psicanálise – tem se mostrado pouco eficaz no tratamento com esses modos de padecimento psíquico.

De fato, muito se discute sobre a dinâmica de funcionamento da sociedade contemporânea, assinalando-se principalmente que as práticas discursivas da atualidade proporcionam a produção de modos de subjetivação distintos dos que eram favorecidos pelo contexto social no qual o dispositivo psicanalítico foi inventado. Fala-se, por exemplo, na emergência de uma “sociedade mundial de controle” (Deleuze, 1992), ou na formação de uma “sociedade do espetáculo” (Debord, 1997), sendo ambas nomenclaturas referidas a uma determinada configuração sócio-cultural, cujos valores difundidos propiciam o advento de subjetividades alienadas e massificadas, nas quais o caráter eminentemente compulsivo de suas dinâmicas psíquicas é bastante proeminente. Nesta perspectiva, Kristeva (2002) destaca que o sujeito contemporâneo, impulsionado, por exemplo, pelo consumo desenfreado e pelo acúmulo de bens materiais, padece fundamentalmente por sua dificuldade – ou até mesmo incapacidade – de constituir uma vida psíquica. Tendo em vista essa inaptidão para dotar de sentido as suas mais variadas experiências, constata-se que as novas formas de subjetivação possuem uma existência psíquica, que de certo modo contrasta com a do sujeito neurótico clássico. Em contrapartida, pressupondo que tal economia de representação psíquica afeta principalmente a capacidade fantasmática dessas subjetividades, trata-se de trazer para o primeiro plano da discussão um fenômeno com o qual constantemente nos defrontamos no tratamento com tais pacientes: a ausência de um tecido fantasmático articulado e complexo, por meio do qual poderíamos entrever alguns aspectos relacionados, por exemplo, às suas crenças, desejos e projetos de vida.

Deste modo, a proposta do presente trabalho é efetuar um estudo comparativo entre a forma de fantasmatização característica do sujeito neurótico e as produções fantasísticas neutralizantes e relativamente pobres do sujeito contemporâneo. Em um primeiro momento voltaremos nosso interesse para uma análise metapsicológica da figura da fantasia, tal como circunscrita ao longo da obra freudiana, assinalando as diversas propriedades referentes ao modelo neurótico de fantasmatização. Considerando que a atividade fantasmática neurótica manifesta-se predominantemente como uma encenação romanceada, propícia à realização dos desejos recalcados, teremos oportunidade de investigar como a interpretação psicanalítica torna possível, mediante a desconstrução de tais circuitos fantasmáticos, o alcance do impulso inconsciente que lhes é subjacente. Em seguida, realizaremos uma análise acerca do estatuto metapsicológico das construções fantasmáticas típicas das novas formas de subjetivação, enumerando os fatores responsáveis pela relativa ineficácia da interpretação psicanalítica frente a tais fantasmatizações. Por fim, retomaremos alguns pontos essenciais da discussão, com o objetivo de circunscrever os pressupostos necessários à possibilidade da construção de uma modalidade alternativa de intervenção face às fantasias das novas subjetividades.

 

As fantasias do sujeito neurótico

A partir do abandono da teoria da sedução sexual, momento no qual a figura da fantasia assume um lugar de destaque na clínica psicanalítica, a atividade fantasística foi circunscrita por Freud (1897) fundamentalmente como uma produção psíquica erigida a partir de algumas impressões infantis inconscientes. Ou seja, concebidas como derivados do material recalcado, suficientemente disfarçadas para conseguir o acesso à consciência, as construções fantasmáticas apresentavam-se como dispositivos erigidos para dissimular as diversas manifestações da sexualidade infantil. Na fantasia de sedução, por exemplo, uma fantasia masturbatória auto-erótica seria convertida em uma lembrança referente a algo realmente vivenciado, mascarando a atividade sexual infantil com uma cena de passividade frente a um adulto (Freud, 1906). O destaque concedido pelo pensamento freudiano à temática da fantasia seria explicado pela constatação de que, subjacente às produções fantasmáticas de seus analisandos, estaria em toda a sua amplitude a vida sexual de uma criança imersa em seus amores edipianos. A mola propulsora das fantasmatizações do sujeito neurótico seria um impulso para a realização de um desejo sexual recalcado.

Com o desenvolvimento de sua teorização, Freud (1908) constatou que atrás das várias facetas assumidas pelo modelo neurótico de fantasmatização2 manifestava-se a presença de uma mesma invariante: a atividade fantasística evidenciava-se como um artifício do neurótico para corrigir a realidade insatisfatória. Trata-se de considerar que as fantasias em questão consistem na construção de determinadas encenações romanceadas, que por um lado possibilitam a realização dos desejos inconscientes, e por outro funcionam como uma espécie de tela protetora, permitindo ao sujeito somente defrontar-se com esses desejos de forma disfarçada. Fornecendo o suporte necessário para o sujeito retirar seus investimentos libidinais da realidade material e rearrumá-la de modo a propiciar a satisfação de seus desejos mais acalentados, a atividade fantasística teria por finalidade a obtenção de um prazer que a realidade, com todas as suas limitações e privações, não proporcionava.

Cabia à interpretação psicanalítica a desmontagem desses circuitos fantasmáticos, com vistas a exprimir a verdade do desejo inconsciente subjacente a toda e qualquer construção fantasmática desse gênero. Considerando o discurso do sujeito em análise como um conjunto de enunciados eminentemente fantasmáticos, o artifício da interpretação permitiria ao analista, partindo de tais enunciados, chegar ao desejo inconsciente que os fundamenta. Para tal, seria necessário operar a decomposição dos elementos presentes no discurso subjetivo, desconstruindo o conjunto de verdades arquitetadas sobre si e sobre a realidade circundante, a fim de abrir caminho por entre o conglomerado de ramificações imbricadas na rede de trilhamentos, e conceder a devida expressão aos desejos recalcados.

De acordo com Foucault (1987), a interpretação psicanalítica consistiria basicamente na decomposição incessante de produções fantasmáticas, que em si mesmas já seriam interpretações, fornecidas pelo próprio sujeito em análise para as mais variadas experiências de sua vida. Dessa forma, não haveria um símbolo primário, totalmente purificado e isento de qualquer apreciação subjetiva que se ofereceria à interpretação psicanalítica, sendo todos os elementos da cadeia associativa tidos como interpretações de outros elementos, e assim por diante. Nesta perspectiva, devemos atentar para o pano de fundo de violência sobre o qual a interpretação psicanalítica é exercida, na medida em que ela se apodera de uma construção fantasmática já pronta, com o objetivo de destroçá-la e arruiná-la, para que uma outra fantasia seja recomposta.

Entretanto, é necessário também destacar que para ser eficaz, a interpretação deve necessariamente vencer alguns obstáculos. Freud (1914) coloca a necessidade de diminuir a força das resistências oferecidas pelo sujeito em análise, as quais teriam por função proteger ao máximo a instância egóica do desejo inconsciente propulsor das fantasmatizações. Esta modalidade de resistência presentifica-se na medida em que, após o processo de recalque, o eu ainda se vê na obrigação de dispender energia psíquica para manter o recalque e impedir o acesso dos impulsos inconscientes à consciência. Portanto, no caso do sujeito neurótico, o conflito psíquico manifesta-se basicamente entre uma tendência inconsciente que almeja satisfação e uma força emanada do eu que se opõe a tal propósito.

As formações fantasísticas em questão são estruturas passíveis de interpretação pelo procedimento analítico, por se fazer presente, em seus conteúdos, uma série de entrelinhas, equívocos e contradições (Pinheiro, 2002). Deste modo, as lacunas evidenciadas no discurso neurótico funcionariam como espécie de fendas a serem privilegiadas pelo procedimento analítico, com a finalidade de percorrer a trama de pensamentos inconscientes, subjacentes aos enunciados do paciente. Conforme se insinuavam na clínica freudiana alguns impasses referentes ao inacabamento da interpretação, as postulações metapsicológicas iniciais acerca do “umbigo dos sonhos” (Freud, 1900) foram adquirindo maior consistência. Assim, com o relevo concedido ao conceito de pulsão de morte (Freud, 1920), foi radicalizada a impossibilidade de levar adiante essa proposta inicial, e o recurso à construção em análise passa a ser empregado quando a interpretação torna-se vacilante (Freud, [1914]1918).

Com a entrada em cena do artifício da construção, a figura da fantasia mereceu ser devidamente redimensionada pelo pensamento freudiano. Ela passou a ser circunscrita não apenas como uma estrutura a ser desmontada pela interpretação, mas também como algo a ser construído na clínica a partir de determinados fragmentos presentes nos sonhos, em atos dentro ou fora do setting analítico e na própria relação transferencial (Freud, 1937). Neste aspecto, uma referência ao caso clínico do Homem dos Lobos (Freud, [1914]1918) é inevitável, já que em seu tratamento o reconhecimento deste lócus inacessível à interpretação conduziu à construção da fantasia de cena primária. No ensaio sobre os fantasmas de espancamento (Freud, 1919), a mesma dinâmica é enfatizada: foi a lógica interna ao complexo fantasístico que obrigou Freud a presumir a existência do segundo tempo do fantasma. Em ambos os casos faz-se presente a indicação de algo inerente ao campo fantasmático situado para mais além do domínio do recalcado.

 

Uma modalidade peculiar de fantasmatização

Contrastando com as produções fantasísticas proeminentes na dinâmica psíquica do sujeito neurótico, uma outra modalidade peculiar de fantasmatização vem se apresentando de forma bastante contundente e instigante na clínica contemporânea. Com efeito, é freqüente observarmos, em nossa clínica cotidiana, que os atores ou consumidores da denominada “sociedade do espetáculo” têm seus imaginários em pane. O sujeito contemporâneo é geralmente “incapaz de narrar, de expor suas paixões num relato imageado” (Kristeva, 2002, p. 17), estando ausente de suas produções discursivas um pano de fundo fantasmático, por meio do qual o analista possa ter acesso aos seus anseios, concepções de mundo e demais construções ilusórias (Gondar, 2001). Assim, ao invés de se presentificar predominantemente como uma estrutura romanceada e intimamente arquitetada, a modalidade fantasmática proeminente nessas subjetividades possui um caráter bastante peculiar: trata-se da produção de determinadas cenas ou imagens paradas, neutralizantes e anestesiadas, que ao contrário da fantasia neurótica retiram de seus domínios a possibilidade de serem referidas a sentidos distintos (Pinheiro, 2002). Ademais, pelo isolamento destas imagens do restante das produções discursivas do sujeito, e pela ausência de fendas em seus conteúdos, as fantasias em questão parecem funcionar como um limite à interpretação psicanalítica, tal como concebida em seus moldes tradicionais.

Dentre tais fantasmatizações neutralizantes, não historicizadas e imunes ao processo interpretativo, Pinheiro (2002) situa o sonho de Donna Williams como modelar: “Eu me deslocava no branco, no meio de um espaço vazio. Só o branco com, no entanto, alguns flocos de cores luminosas que me envolviam. Eu passava através, eles me atravessavam” (Williams, 1992, p. 19). Podemos também mencionar como exemplo dessa modalidade fantasmática o sonho no qual Didier, paciente de Kristeva (2002), estava debruçado à janela de sua casa, sentindo-se mal, quando alguém o empurra; ele desequilibra-se em um vazio, caindo sobre um vidro, que refletiria o rosto de sua irmã. Ademais, as formações fantasísticas do tipo “fantasiei que estava em um buraco imenso” ou “fantasiei que estava em um vazio”, bastante presentes no tratamento clínico do sujeito contemporâneo, também podem ser incluídas nessa configuração. Trata-se, em todos esses casos, de modalidades fantasmáticas anestesiadas e infecundas, visto que as associações discursivas produzidas a partir do relato dessas cenas são extremamente escassas.

Constatando também que tais enunciados fantasmáticos assemelhamse a produções psíquicas esvaziadas de desejo, como se fosse impossível vislumbrarmos a atuação de um anseio inconsciente em suas estruturas, devemos questionar sua possível equiparação à modalidade fantasmática típica do sujeito neurótico clássico. Com efeito, é lícito conjeturar que tais fantasias não são erigidas para corrigir a realidade insatisfatória, tal como a fantasia de vingança arquitetada por Freud (1901) de que, uma vez tendo obtido o título de professor, negava tratamento à filha de um amigo, que anteriormente o julgara incapaz por ainda não possuir esse título. Tampouco a formação fantasística em questão seria uma expressão deformada de desejos recalcados, tal como a fantasia de Hanold de que Gradiva era grega, porém morava em Pompéia (Freud, 1907). Do mesmo modo, ela também não se manifesta como uma estrutura subjacente a determinados sintomas neuróticos, como a fantasia de “parto” de Dora, escondida por trás dos sintomas de dores abdominais, irregularidades no fluxo menstrual e arras-tar do pé (Freud, 1905).

O estudo comparativo entre a produção fantasmática neurótica e a que é favorecida pelas transformações sócio-culturais da atualidade talvez possa encorajar-nos a situar a modalidade fantasmática típica do sujeito contemporâneo em uma dinâmica psíquica distinta da que Freud propôs como fundamento para as fantasias como correção da realidade insatisfatória, manifestação de desejos inconscientes e estruturas motivadoras dos sintomas. Devemos trazer à tona a hipótese de que as fantasmatizações típicas das novas subjetividades parecem não ter como alicerce o conflito entre os diversos sistemas psíquicos balizados pela dinâmica do recalque e retorno do recalcado, possuindo um estatuto metapsicológico diverso daquele descrito por Freud para fundamentar as construções fantasísticas do neurótico.

Contudo, é necessário destacar que o paralelo traçado entre a fantasmatização típica do sujeito neurótico clássico e as produções fantasísticas predominantes na dinâmica psíquica das novas subjetividades não implica necessariamente na postulação de uma modalidade de fantasmatização única para o sujeito contemporâneo, sem que aí se insiram também ingredientes fantasmáticos relacionados, por exemplo, com a ilusão, com o romance e com a correção da realidade insatisfatória. Pelo contrário, trata-se apenas de considerar a enorme incidência, na clínica contemporânea, desta forma peculiar de fantasmatização, que embora se apresente com mais freqüência no tratamento com as novas modalidades de padecimento psíquico, também podem fazer-se bastante presentes nas configurações eminentemente neuróticas da contemporaneidade.

Cabe aqui um pequeno parêntese. Com efeito, os atributos peculiares às construções fantasmáticas do sujeito contemporâneo – imagens anestesiadas e neutralizantes, imunes à possibilidade de atribuição de sentidos diversos para seus conteúdos, apartadas do restante das construções discursivas do sujeito e inassimiláveis pelo processo de associação livre – são em vários aspectos semelhantes às características daquilo que fora designado por Freud (1896), na Carta 52, por “signos de percepção”. Tratar-se-ia, neste registro mnêmico, de um conjunto de escrituras elementares, dissociadas uma das outras e apartadas do restante do material presente no aparato psíquico (Braunstein, 1990). Circunscritos como marcas psíquicas desagregadas, os signos de percepção configuram-se como estruturas topograficamente situadas para além do encadeamento representacional de ordem metonímica, portanto inassimiláveis a todo e qualquer esforço interpretativo. Nesta perspectiva, eles mereceriam ser concebidos no sentido estrito de “fueros” (Freud, 1896, p. 283): um conglomerado de inscrições, que embora não tenham sofrido tradução alguma, ainda perpetuam-se no aparato e na forma de uma escritura residual3.

Portanto, tratando-se nesta escritura elementar de marcas dissociadas e não unificadas nos moldes de uma trama de facilitações, podemos esboçar os seguintes questionamentos: mediante a circunscrição dessa articulação, estaríamos fornecendo o substrato metapsicológico necessário para esclarecer o fenômeno clínico, aparentemente enigmático, referente à irredutibilidade das fantasias das novas formas de subjetivação ao restante das construções associativas do sujeito em análise? Em contrapartida, também seria possível explicar, a partir desse parêntese, o fato marcante da impossibilidade de um remanejamento interpretativo de ordem metonímica referente a tais fantasmatizações4?

 

Da desconstrução à nomeação das fantasias

Partindo da irredutibilidade das fantasias do sujeito contemporâneo ao processo interpretativo, propomos investigar, a seguir, alguns outros dispositivos clínicos de intervenção face às produções fantasmáticas em questão. De qual fator dependeria a dificuldade de intervir frente a tais fantasmatizações se, conforme a presente análise, seria impossível entrevermos em seus domínios as atuações, seja de um desejo recalcado que lhes fundamenta, seja de uma resistência por parte do eu? Nesses casos, sugerimos que o conjunto de forças com as quais a interpretação psicanalítica se defronta ainda mereçam ser designadas de resistências. Porém, essa modalidade peculiar de resistência parece não consistir em impulsos de origem egóica, sendo provável que esteja vinculada ao que Freud (1926), em Inibição, sintoma e angústia, designou por resistência do isso: algo que se manifesta, fundamentalmente, na forma de uma oposição ao trabalho de elaboração psíquica. Mediante a presente articulação, depreendemos que o conflito em questão deva ser situado entre a força disruptiva das tendências rebeldes a qualquer possibilidade de ligação e elaboração (Freud, 1920) e o esforço para tentar dotar de sentido algo que é da ordem do irrepresentável.

Verificamos que frente às fantasmatizações características do sujeito contemporâneo, o procedimento analítico deve tomar um rumo quase oposto ao que é geralmente adotado na clínica do sujeito neurótico. Ou seja, ao invés de trabalhar na desconstrução de um discurso fantasístico, desatando suas ligações pelo artifício da interpretação, faz-se necessário, pelo contrário, abrir o devido espaço para que estas ligações psíquicas sejam erigidas. Conseqüentemente, o processo psicanalítico promoveria, a partir das diversas fantasmatizações isoladas e petrificadas peculiares a essas subjetividades, o advento de uma formação discursiva historicizada e organizada. Trata-se de indicar que a questão crucial gira em torno da construção, pela via da transferência, de determinados artifícios que viabilizem a articulação desses fantasmas neutralizantes em uma trama complexa de significações. Kristeva propõe que tal empreendimento deva ser necessariamente perpassado por um desdobramento de ordem imaginária:

Levar a sério o “mito” da pulsão conduz, a partir de um desdobramento imaginário que reconstitui a lógica da pulsão, a abrir dessa vez a coerção de linguagem que, em última instância, determina nossa qualidade de seres falantes. Para entender, nesse fator de organização e de permanência que é o discurso, não somente as múltiplas significações, nem mesmo os subentendidos ou os pressupostos lógicos, mas também o deslocamento da capacidade de palavras (2002, p. 41 – grifo da autora).

Pela noção de desdobramento imaginário, a autora designa em linhas gerais o procedimento de nomeação, no contexto transferencial, das diversas produções fantasmáticas estratificadas e isoladas das novas formas de subjetivação. Tal artifício possibilitaria o resgate ou até mesmo o advento da capacidade de fantasiar dessas subjetividades.

Como exemplo de um caso clínico no qual essa modalidade de intervenção foi empregada, é mencionado o caso de Didier, paciente cujo discurso fantasmático, eminentemente técnico e neutralizante, muito intrigava a analista. Pressupondo que o analisando empregava seu discurso operatório e indiferente para discorrer sobre todas as suas vivências e atividades, inclusive a pintura, mas que por meio desta ele poderia exprimir suas fantasias de maneira distinta, certo dia a analista sugere que Didier traga suas obras de arte ao consultório e comente-as, uma a uma. Nessa mesma sessão, a partir do instante em que a analista interpela o paciente e começa a expor todos os afetos e sentimentos que os quadros evocavam nela própria, o discurso estético e congelado de Didier passa a assumir uma outra faceta. De fato, a analista põe-se a transmitir suas próprias fantasmatizações ao analisando, e em seguida, ele tem a oportunidade de aceitá-las, retificá-las e até mesmo refutá-las. Assim, fornecendo um determinado nome aos fantasmas neutralizantes do paciente, para em seguida abrir espaço para ele colocar em dúvida as teorizações da analista, vai se estabelecendo entre eles as bases de apoio necessárias para o advento de um contato não apenas imaginário, mas sobretudo simbólico. Por conseguinte, o tratamento progride no sentido de, pouco a pouco, o paciente ter a oportunidade de elaborar fantasmaticamente algumas vivências anteriormente relatadas no processo analítico, bem como alguns aspectos relacionados, por exemplo, às suas relações com a família e com a figura da analista.

Desse modo, constatamos que o artifício clínico de nomeação, pela transferência, dos fantasmas de Didier, permitiu ao analisando o empreendimento do trabalho de elaboração psíquica de seus fantasmas residuais. Em termos metapsicológicos, quando no decorrer do procedimento analítico suas fantasmatizações assumem o valor de uma narrativa historicizada e argumentativa, opera-se o procedimento de tradução de suas fantasias, outrora estratificadas, em uma rede complexa de significações, tornando possível o deslocamento metonímico imprescindível para o advento da ordem do senti-do. Cabe ressaltar que este artifício analítico não é, de modo algum, estranho à clínica freudiana. Na ocasião de seu único encontro com Hans, Freud comunica-lhe o fato de saber que “bem antes de ele nascer (...) ia chegar um Pequeno Hans que iria gostar tanto de sua mãe, que por causa disso não deixaria de sentir medo de seu pai” (1909b, p. 45), o que faz ele senão transmitir ao paciente suas próprias fantasias? Com efeito, talvez até com um pouco mais de esforço, não é fácil reconhecermos o caráter eminentemente fantasístico da intervenção freudiana? Não se trata também, neste exemplo, de considerar – conforme destacou Lacan (1956-1957) – que todas as produções fantasmáticas posteriores da criança são inseparáveis das intervenções diretas ou indiretas de Freud, como se mediante tais intervenções o psicanalista estivesse introduzindo um verdadeiro “enxerto fantasmático”5 na dinâmica psíquica de Hans?

Com base nesses questionamentos, consideramos que para além das controvérsias que giram em torno das intervenções de Freud, estas assumiram um papel crucial no tratamento de Hans, pois funcionaram como uma fonte de estimulação constante para o trabalho de elaboração psíquica da criança. Segundo Lacan:

a criação imaginativa de Hans vai sempre se desenvolvendo à medida das intervenções do pai, as quais, mesmo sendo mais ou menos hábeis ou canhestras, são orientadas suficientemente bem para não fazer calar, mas, ao contrário, estimular até o fim a série de suas produções (Lacan, 1956-1957, p. 291 – grifo meu).

Reconhecendo-se que o trabalho de elaboração psíquica, tanto de Didier quanto do Pequeno Hans, se deu por meio da produção constante de fantasias, devemos questionar – para concluir – acerca do fator metapsicológico que responde pelo fenômeno da nomeação de uma determinada fantasia do paciente surtir efeitos em sua dinâmica psíquica, de modo que estimule sua produção fantasmática.

 

Do lançamento de enigmas pela nomeação dos fantasmas

Com o propósito de discutirmos tal problemática, propomos um breve comentário acerca da vertente mítica subjacente à atividade fantasmática. De fato, ao longo do desenvolvimento do pensamento psicanalítico, alguns autores como Laplanche e Pontalis (1988) interessaram-se em esboçar uma aproximação da figura da fantasia ao pensamento mítico. De acordo com esta proposta, considera-se que dentre outras de suas possíveis configurações, a produção de uma determinada fantasia manifesta-se como um artifício do aparelho psíquico para tentar representar determinadas situações enigmáticas para o sujeito.

A função da atividade fantasmática seria, por sua vez, melhor observada no contexto dos fantasmas originários de castração, sedução e cena primária que, assim como a figura do mito, também consistem em construções, que por um lado reportam-se à questão das origens, e por outro apresentam-se como resultantes das múltiplas tentativas empreendidas pelo sujeito para dotar de sentido algo que é da ordem do irrepresentável. Com a fantasia de castração, por exemplo, a criança procura resolver o enigma referente à origem da diferença sexual; já mediante a construção do fantasma de sedução, a criança visa esclarecer a problemática da origem da sexualidade; e com a montagem da fantasia de cena primária, o sujeito busca elucidar o enigma concernente à questão de sua própria origem.

No entanto, devemos pressupor que para além do caso dos fantasmas originários, o caráter de construção mítica também deva ser atribuído às outras modalidades fantasmáticas analisadas ao longo da obra freudiana, sejam elas lembranças encobridoras, devaneios, romances familiares ou estruturas inconscientes motivadoras dos sintomas e criações artísticas. Se tivermos em mente a especulação metapsicológica apresentada em Além do princípio de prazer (Freud, 1920) acerca do trabalho de elaboração psíquica das tendências traumáticas, verificamos que a tarefa em questão consiste basicamente na montagem de um determinado circuito de representações, por meio do qual a excitação pulsional possa vincular-se e ser descarregada de forma menos abrupta. Trata-se de um empreendimento que permita a passagem do plano energético para o registro representacional, no qual a energia livre circule e seja deslocada por entre os meandros da trama de facilitações. Se considerarmos que a formação deste circuito representacional corresponde ao advento de uma trama fantasmática, e que o trauma consiste justamente em algo que não recebera sentido algum por parte do sujeito, depreendemos que a produção de uma fantasia, de um modo geral, configura-se como a atividade psíquica que possibilita a representação daquilo que se apresenta como inapreensível.

Trazendo para o domínio clínico a presente análise acerca do caráter mítico da atividade fantasmática, consideramos que o lançamento de um determinado enigma ou questionamento, pela via da transferência, pode funcionar como um importante estímulo para incitar a produção fantasística de determinados sujeitos que apresentam a capacidade de fantasmatização, de certo modo, estagnada. Com base no procedimento acima discutido, concernente à nomeação dos fantasmas estratificados do sujeito em análise, devemos perguntar: o que faz o analista nessas ocasiões, senão produzir um enigma no tratamento?

Com efeito, é lícito conjeturar que mediante o artifício clínico em questão, o sujeito em análise pode experimentar um certo sentimento de estranheza, ou até mesmo de angústia face à fantasmatização que lhe é comunicada. Assim, com a emergência do enigma e, conseqüentemente, frente aos afetos de angústia ou de estranheza despontados em tais situações, o sujeito tem de lançar mão da produção de certos circuitos fantasmáticos, na tentativa de simbolizar o que se vincula ao campo do enigmático6. Ao abrir espaço para que o paciente se defronte com algo da ordem da surpresa, fornecendo em seguida os subsídios necessários para que ele possa ascender a uma compreensão de tal experiência, o psicanalista pode ter em mãos um importante recurso que auxilie no tratamento das novas formas de subjetivação7.

No entanto, seria bastante reducionista circunscrever a questão apenas sob esse prisma. Trata-se também de assinalar que o artifício de nomeação de fantasias deve necessariamente ser perpassado pela ordem do engano ou da dúvida, de modo que o sujeito em análise possa engajar-se em uma problematização da fantasia que lhe é imputada, pela via da aceitação, da reação ou da resistência. No caso de Didier, ele teve realmente a possibilidade de retificar as fantasias transmitidas pela analista. Também no caso do Pequeno Hans tal possibilidade pode ser evidenciada em sua fala irônica, durante a conversa com o pai, na saída do consultório de Freud: “O Professor conversa com Deus? Parece que já sabe de tudo, de antemão!” (Freud, 1909b, p. 45).

Consideramos, portanto, que mediante o procedimento de nomeação de seus fantasmas anestesiados, o sujeito em análise serve-se desse apoio para operar a articulação e a conseqüente elaboração de seus fantasmas neutralizantes e operatórios, tendo a oportunidade de criar uma realidade fantasmática própria, por intermédio de suas sucessivas construções fantasísticas. Desta maneira, na clínica das novas formas de subjetivação, o artifício de lançar enigmas pela via da nomeação das tendências psíquicas não entrelaçadas em uma trama discursiva complexa pode vir a aguçar a capacidade criativa do sujeito, promovendo o acionamento da trama complexa de significações.

Por fim, cabe assinalar que na presente discussão não pretendemos atribuir ao artifício clínico em questão o estatuto de técnica privilegiada ou modelar para o tratamento com o sujeito contemporâneo. Pelo contrário, consideramos que outras artimanhas terapêuticas possam ser eficazes frente às novas modalidades de subjetivação, desde que cumpram seu papel de proporcionar a construção, pela via transferencial, desse ponto de ancoragem necessário ao empreendimento do trabalho de elaboração fantasmática.

 

Referências Bibliográficas

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Endereço para correspondência
Ricardo Salztrager
Rua República do Peru, 53 / 701 – 22021-040 – Copacabana – Rio de Janeiro/RJ
Tel.: (21) 2255-0115
E-mail: ricosalz@uol.com.br

Recebido em 10/02/03
Versão revisada recebida em 05/09/03
Aprovado em 14/11/03

 

 

Notas

IPsicanalista; Doutorando do Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalista da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
1O pensamento psicanalítico costuma designar por tal nomenclatura um conjunto de transtornos psíquicos, como anorexia, bulimia, drogadicção e demais sintomas compulsivos. Também podemos acrescentar a tal denominação os quadros clínicos da síndrome do pânico, do consumismo desenfreado, além dos cuidados excessivos dispensados ao corpo. De fato, defrontar-se com esses fenômenos não é algo de novo para o pensamento psicanalítico; todavia, seu crescimento avassalador no domínio das subjetividades contemporâneas é algo que nenhum psicanalista pode deixar de destacar.
2Incluem-se aí tanto as lembranças encobridoras referentes a eventos infantis (Freud, 1899), quanto os diversos romances e teorias inventadas pelo sujeito sobre a realidade circundante (Freud, 1907), além dos devaneios ou castelos no ar (Freud, 1908) e as diversas concepções fantasmáticas arquitetadas acerca de si e dos seus semelhantes (Freud, 1909a).
3O termo “fuero” foi empregado por Freud (1986) em referência às antigas leis espanholas que, apesar de ultrapassadas, ainda vigoram em determinadas províncias.
4Cabe ressaltar que a presente tentativa de relacionar as produções fantasísticas em questão com os signos de percepção está sendo apontada aqui como uma possibilidade de aprofundamento da questão. Um estudo pormenorizado encontra-se em andamento, com vistas a explicitar tanto a argumentação freudiana do tema quanto as contribuições lacanianas.
5A expressão é de Kristeva (2002, p. 27) e foi empregada para designar o artifício clínico empregado no caso de Didier.
6Para maiores detalhes acerca da função do enigma na clínica, remeto a Lacan (1973).
7Um estudo posterior terá como objetivo contrapor esse artifício de nomeação dos fantasmas residuais com o dispositivo da construção em análise.