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versão impressa ISSN 1415-1138

Psyche (Sao Paulo) v.10 n.17 São Paulo jun. 2006

 

ARTIGOS

 

Sobre a importância de adoecer: uma visão em perspectiva da psicossomática psicanalítica no século XX

 

On the importance of becoming ill: an overview of the psychoanalytic psychosomatics in the 20th century

 

 

Sidnei José CasettoI

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Instituto Sedes Sapientiae

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo tem como objetivo apresentar uma visão em perspectiva da psicossomática psicanalítica no século XX. Procura-se mostrar o desenvolvimento das idéias nesta área, desde as primeiras incursões de Ferenczi até as teorias mais recentes de C. Dejours. Examinam-se as concepções do sintoma somático como representante simbólico de conflitos psíquicos (Groddeck); a medicina psicossomática de Alexander e a constituição das “doenças psicossomáticas”; a ruptura pistemológica da Escola de Paris (Marty) com a proposição da ausência de sentido da doença; e as contribuições de J. McDougall e C. Dejours, que procuram recuperar a dimensão do sentido do sintoma somático, sem considerá-lo função do recalcado. Ao final, lançam-se hipóteses sobre o movimento geral destas teorizações e a tendência da psicossomática psicanalítica contemporânea.

Palavras-chave: Psicossomática, História da psicossomática, Somatização, Sentido do sintoma, Doença psicossomática.


ABSTRACT

The objective of this article is to present an overview of the psychoanalytic psychosomatics in the 20th century. The development of ideas in this area is shown, from the first incursions of Ferenczi to the most recent theories of C. Dejours. Conceptions of the somatic symptoms as a symbolic representative of the psycho conflicts (Groddeck) are examined; as well as the psychosomatic medicine of Alexander and the principles of the “psychosomatic disorders”; the epistemological rupture from the School of Paris (Marty) with the proposition of the absence of meaning of the disorder; and the contributions of J. McDougall and C. Dejours, that try to recover the dimension of the meaning of the somatic symptom, without considering it as due to repression. Finally, hypothesis about the general movement of these theorizations and the tendency of the current psychoanalytic psychosomatics are shown.

Keywords: Psychosomatics, History of psychosomatics, Somatization, Meaning of symptom, Psychosomatic disorder.


 

 

Psicanálise e Psicossomática

São conhecidos e freqüentemente lembrados dois exemplos de organizações de grande resistência ao adoecimento físico: o autismo, que parece incompatível com as doenças comuns da infância, de modo que o surgimento delas em crianças autistas costuma estar associado à melhora de seu quadro; e a psicose, que parece servir de eficaz proteção imunológica, especialmente quando em estado de descompensação. O que poderia haver nessas organizações que favorecesse tal estado de “saúde física”? Ou ainda: as diversas dinâmicas psíquicas seriam diferentemente vulneráveis à disfunção fisiológica? Estas perguntas seriam cabíveis em uma perspectiva psicanalítica?

Há um desconforto na psicanálise com investigações que incluam processos do corpo biológico. Tendo se diferenciado da medicina, e constituído seu campo pela delimitação de um psíquico irredutível ao somático, como poderia avançar para além de suas fronteiras? Caso o faça, não comete um abuso simétrico e oposto àquele que atribuímos às neurociências, em sua pretensão de abarcar o psíquico? De qualquer modo, as incursões psicanalíticas pelo campo da chamada psicossomática são um fato. E antes que se possa colocar os aventureiros em qualquer tribunal, propomos recuperar, embora de modo muito resumido, algumas das principais propostas feitas a esse respeito por psicanalistas1.

Freud, ao que tudo indica, não se interessou em estender ele mesmo a psicanálise ao campo das desorganizações somáticas2. A hipótese da conversão indicava que conflitos psíquicos podiam produzir sintomas corporais, mas neste caso a materialidade do distúrbio não exigia qualquer dano estrutural. Pelo lado das neuroses atuais, havia sem dúvida uma perturbação neurovegetativa, mas então o que faltava eram os complexos psicológicos; nada se encontrava nesse quadro, malgrado sua determinação sexual, que justificasse situá-los como psiconeuroses. Então, pela via freudiana, teríamos a tendência de não misturar os dados: realidade psíquica, “realidade somática”, eis dois crivos indicadores de campos clínico-teóricos distintos3.

Verdade que Freud considerou a possibilidade de distúrbios sexuais interferirem nas funções fisiológicas: se várias destas funções eram capazes de produzir excitação sexual, então, por serem vias de mão dupla, perturbações na sexualidade podiam levar a alterações na alimentação, na excreção, na visão etc:

Uma boa parte da sintomatologia das neuroses que eu derivei da perturbação de processos sexuais se manifesta sob a forma de perturbações de outras funções corporais, não sexuais, e este efeito, até agora incompreensível, torna-se menos enigmático quando não constitui senão a contrapartida das influências que regem a produção da excitação sexual (1905, p. 140).

Em seu artigo sobre as perturbações psicogênicas da visão (1910), Freud estende essa idéia, argumentando que os órgãos do corpo são obrigados a servir dois senhores (na época, as pulsões do eu e as pulsões sexuais), o que freqüentemente os leva a desconcertos não somente ligados à ação do recalcamento pelo seu uso erótico; mesmo sem essa defesa, pela intensificação do uso, mudanças na excitabilidade e na inervação poderiam prejudicar seu funcionamento. Em todo caso, seriam ocorrências ainda ligadas à dimensão psico-sexual, e cuja solução também estaria nela.

Em Algumas lições elementares da psicanálise – texto escrito originalmente como uma nota de rodapé do Esboço de Psicanálise, de 1938 –, uma afirmação de Freud sugere qual poderia ter sido a sua posição final a respeito do assunto:

não se poderia passar ao largo do fato de que os fenômenos psíquicos dependem em alto grau de influências somáticas e têm, por sua vez, os mais fortes efeitos sobre os processos corporais. Se alguma vez o pensamento humano encontrou-se em um “beco sem saída”, foi aqui (1940, p. 3420).

Ou seja: nexos reconhecidos, mas dificuldades incontornáveis em sua abordagem.

Seria preciso destacar que há uma diferença entre falar do lastro corporal4 do psíquico, e suas relações, e pensar uma psicossomática. De fato, os primeiros psicanalistas que apontaram o leme para a terra das doenças físicas o fizeram sem usar essa noção, que sugere um campo específico de investigações. Pareciam somente falar de mais um tipo de sintomatologia; sem ocupar-se em demasiado com as dificuldades epistemológicas, pretendiam apenas fazer psicanálise. Refiro-me a Walter Georg Groddeck e Sandor Ferenczi.

 

As primeiras formulações

Groddeck (1866-1934) teria conhecido a ação dos símbolos e do inconsciente por via de seu trabalho em clínica médica. Soube da existência da psicanálise depois, por volta de 1910, mas chegou a escrever tomando posição contrária a ela em 1912, atitude que posteriormente atribuiu à inveja: queria ter sido ele o primeiro a divulgar aquelas descobertas que estava fazendo. Em 1917 iniciou sua correspondência com Freud, com cuja aprovação publicou, nesse mesmo ano, Condicionamento psíquico e tratamento de moléstias orgânicas pela psicanálise, no periódico Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse.

É um texto ousado e instigante. Nele já aparece o conceito de Isso, “por quem somos vividos”, ao qual atribui poder de ação sobre todo o organismo. Groddeck estende a teoria do processo conversivo a todo episódio de adoecimento, raciocinando de modo finalista: o motivo do sintoma, inconsciente, elucida-se pelas conseqüências que ele provoca, senão práticas, ao menos simbólicas. Assim, dores de cabeça aplacam os pensamentos; magreza e fraqueza denunciam a nostalgia da condição de recém-nascido; uma barriga, o desejo de gravidez. Groddeck cita vários de seus próprios sintomas que fez desaparecer – inclusive gota – somente com a auto-análise5.

Em 1919, Groddeck candidata-se à Associação Psicanalítica de Berlin e é aceito. No ano seguinte, apresenta no VI Congresso Internacional. uma conferência intitulada Sobre a psicanálise do orgânico no ser humano. Na ocasião, recebe apoio de Otto Rank, Ernst Simmel, Karen Horney, Lou Andréas Salomé e Ferenczi, mas também recebe críticas violentas. Arrisca, nesse trabalho, a hipótese de que a mulher toma inicialmente a mãe, e não o pai, como objeto libidinal – portanto, cinco anos antes de Freud reconhecer o mesmo em Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos – para explicar a ocorrência de graves hemorragias pulmonares durante a análise de uma paciente (Groddeck, 1920, p. 74).

Sem nos estendermos muito nas idéias desse “analista selvagem”, como se auto-denominava, vale ainda ressaltar a publicação do Livro d’Isso em 1923, usando a forma literária de cartas endereçadas a uma amiga. Proposto para ser um trabalho de divulgação popular das idéias psicanalíticas, Groddeck parece, antes, usar dos conceitos freudianos para apresentar suas próprias idéias. Defende a doença como uma das expressões do Isso, tal como seriam o formato do nariz, o jeito de andar, enfim, como uma manifestação de vida, e não como um mal a ser combatido a qualquer preço.

A doença não provém do exterior, o próprio ser humano a produz; o homem só se serve do mundo exterior como instrumento para ficar doente, escolhendo em seu inesgotável arsenal de acessórios ora a espiroqueta da sífilis, ora uma casca de banana, depois uma bala de fuzil ou um resfriado (1923, p. 219).

Levando o determinismo ao limite, Groddeck implica o Isso até nos acidentes que nos acontecem. Donde uma terapêutica bem mais voltada para a decifração dos sintomas do que para um furor curandis. A idéia desse autor nunca parece ter sido a de desenvolver uma técnica poderosa de tratamento; a vida e a morte estariam sempre nas mãos do Isso6.

Groddeck tornou-se amigo e foi médico de Ferenczi (1873-1933) por anos. Há referências mútuas em seus textos, o que mostra que houve um intercâmbio de idéias entre eles. Mas, ao que parece, Ferenczi interessava-se pelas relações da libido com o orgânico mesmo antes de conhecer Groddeck. Freud, no artigo de 1914 sobre o narcisismo, afirma que suas próprias menções à doença orgânica seguiam uma “sugestão verbal” de Ferenczi (Freud, 1914). Em 1917, Ferenczi publica As patoneuroses, em que descreve perturbações neuróticas desencadeadas por doenças orgânicas ou ferimentos. Ferenczi aproveitou-se de um ponto de observação privilegiado de ocorrências dessa natureza quando serviu em um hospital militar durante a Primeira Guerra (Kamieniecki, 1994). A idéia é que a libido, concentrada na parte doente ou ferida do corpo, levaria à genitalização desta parte, e à correspondente manipulação para obtenção de prazer, favorecendo a persistência dos sintomas. Seria o processo inverso ao da conversão, em que a manifestação corporal é secundária. Ainda nesse trabalho, Ferenczi sugere que a cura de lesões dependeria, em parte, dessa distribuição alterada da pulsão sexual:

De acordo com tudo o que precede, é muito provável que não sejam apenas os glóbulos brancos que se reúnam nas partes feridas do corpo por “quimiotaxia” para exercer aí sua atividade reparadora, mas que também se acumule aí uma quantidade maior de libido proveniente de outros investimentos orgânicos. Talvez esse recrudescimento libidinal participe também da deflagração dos processos de cura (1917, p. 299).

Em 1926, Ferenczi propõe uma nova categoria de neurose, que chamou de neurose de órgão. Com ela, teria encontrado a possibilidade de pensar a origem psíquica de certas disfunções orgânicas. Por desenvolverem simultaneamente distúrbios “subjetivos e objetivos”, poderiam ser situadas entre a histeria e outras doenças orgânicas. Nessa categoria intermediária estariam as neuroses atuais, certas doenças como a asma nervosa, as neuroses do estômago, as neuroses cardíacas, a enxaqueca etc. A hipótese de Ferenczi é que a disposição de qualquer órgão do corpo para a obtenção de prazer pelo seu simples funcionamento – o prazer de órgão, termo que atribui a Adler –, poderia adquirir uma importância excessiva, a ponto de perturbar a atividade útil da função correspondente; isso aconteceria quando a sexualidade fosse perturbada por razões psíquicas. Não se trata, portanto, de uma determinação psíquica direta, como o era para Groddeck, embora ocorra pela via da sexualidade. Sendo assim, seria possível compreender os benefícios somáticos obtidos com a terapêutica analítica: uma vez restabelecida a “harmonia da vida afetiva do paciente e, de um modo mais particular, de sua vida sexual” (Ferenczi, 1926, p. 382), os efeitos se seguiriam. Mas não só isso: com o apoio da transferência, conseguir-se-iam êxitos importantes no tratamento de doenças orgânicas, o que demonstra “que a regeneração necessária à cura vai haurir suas forças na fonte da energia sexual, como se a autoconservação, em caso de perigo muito grave (doença), tivesse de recorrer à conservação da espécie” (p. 382).

Talvez se pudesse dizer que, a rigor, Ferenczi não avançara nesse tema mais do que já o fizera Freud, ao apontar os diversos efeitos possíveis sobre as funções orgânicas dos caminhos da pulsão sexual, como apontado anteriormente. Mas Ferenczi fez algo que Freud não fizera: criou conceitos para esses fenômenos, dando-lhes uma cidadania inédita na clínica e na nosologia. Além disso, era húngaro, o que pode ter tido alguma influência no fato de seu conterrâneo, Franz Alexander, retomar mais tarde uma de suas noções. Porém, antes de tratar de Alexander, devemos mencionar o papel de Félix Deutsch (1894-1963) em nosso enredo.

 

Medicina Psicossomática

Parece ter sido esse psicanalista que recuperou o termo psicossomática, cunhado por J.C. Heinroth (1773-1843) no início do século XIX, em uma publicação sobre as paixões na tuberculose e epilepsia (Kamieniecki, 1994, p. 24-45). Deutsch apresentou um trabalho no mesmo congresso que Groddeck, em 1920, que depois foi publicado no primeiro número da Revue Française de Psychanalyse com o título Da influência do psiquismo sobre a vida orgânica. Mas o diferencial da proposta de Félix Deutsch parece ter sido projetar algo bem diferente de uma psicanálise ampliada: o termo psicossomática lhe valeu para imaginar uma medicina do homem total – uma medicina psicossomática (p. 24-25). Obrigado a emigrar, foi para os Estados Unidos, onde colaborou nos trabalhos de Helen Dunbar e Alexander, talvez os nomes mais importantes na criação da medicina psicossomática americana. Depois, Deutsch fundou a Associação Psicanalítica de Boston.

Foi no ano fatídico de 1929 que Alexander (1891-1964) chegou à América, fixando-se em Chicago. Estudos sistemáticos nos EUA sobre a etiologia de doenças, particularmente a arteriosclerose, estavam então sendo financiados, ao que consta, por companhias seguradoras, movidas por interesses que se imaginam (p. 47). O principal modelo desenvolvido a partir daí parece ter sido o da relação entre doença e perfil de personalidade. Os trabalhos de Dunbar, psicanalista novaiorquina, procuraram detectar traços comuns entre pacientes de diversas patologias, inclusive fraturados, a partir de um protocolo complexo de dados e características individuais. O próprio Alexander cita a famosa descrição do paciente coronariano elaborada por Dunbar:

tal paciente é geralmente uma pessoa permanentemente batalhadora, com grande controle e persistência, visando ao sucesso e à realização. Ele planeja a longo prazo; tem, freqüentemente, uma aparência distinta. Ele exibe, em alto grau, o que Freud chamou de “princípio de realidade”, a capacidade de adiar e subordinar ações a objetivos a longo prazo (Alexander, 1950, p. 59).

Alexander tinha críticas a essa correlação, argumentando que freqüência estatística da ocorrência de traços de personalidade associada a doenças não significa o mesmo que relação causal; ademais, o número de casos não incluídos no tipo padrão era sempre significativo. De seu ponto de vista, o nexo deveria ser feito com certos estados emocionais, mais especificamente com determinados tipos de conflitos. Sua idéia era que, sendo reprimidos, estados emocionais provocavam a cronificação de alterações fisiológicas que normalmente acompanham as emoções, alterações que se regularizam quando tais emoções expressam-se e se desfazem. Assim, por exemplo, a raiva é acompanhada por um aumento da pressão sangüínea; trata-se de um concomitante fisiológico que não tem finalidade expressiva: é apenas uma resposta regida pelo sistema nervoso simpático preparando o organismo para a ação. Mas se a raiva não pode expressar-se diretamente nem encontrar um caminho alternativo, as alterações neurovegetativas associadas, como as relativas à pressão, deverão manter-se em um patamar elevado.

Os sintomas psiconeuróticos corresponderiam, na visão de Alexander, à construção de caminhos alternativos, individuais, para a expressão de emoções reprimidas. Portanto, não seriam eles os responsáveis pelas organoneuroses, como chamou os quadros que estudava, ecoando a noção de neurose de órgão de Ferenczi7. Ao contrário, Alexander encontrava uma relação antitética entre sintomas neuróticos e respostas neurovegetativas cronificadas pela repressão. Citando as observações de George Draper, afirma que a pressão sangüínea de alguns hipertensos normalizava-se quando do desenvolvimento de certos sintomas neuróticos – “aparentemente, os impulsos hostis reprimidos podiam ser liberados através dos sintomas neuróticos e, portanto, eles deixavam de ser a fonte de excitação crônica dos mecanismos vasomotores” (p.118). Ou seja, a psiconeurose seria uma forma de expressão alternativa do reprimido, mas a organoneurose não. Alexander rompia com a tradição que situava os males orgânicos como resultado direto ou indireto da psiconeurose8.

A Escola de Chicago, como ficou conhecido o grupo que liderava, estudou basicamente sete patologias: asma brônquica, úlcera gástrica, artrite reumatóide, retocolite ulcerativa, dermatoses, tireotoxicose e hipertensão essencial. Para cada uma procurou localizar um conflito específico. No caso da úlcera péptica, identificou nos pacientes um anseio pela condição de dependência, de cuidados maternos, desejo via de regra reprimido e sobrepujado por uma atitude contrária: empreendedora, independente, ousada, com tendência à sobrecarga de responsabilidades. A aspiração por uma posição dependente, não realizada, e portanto não extinta, levaria ao acionamento do sistema nervoso parassimpático, regente da atividade gastrointestinal. As conseqüências se deduzem: em consonância com os anseios infantis de dependência, o organismo preparar-se-ia para receber alimento, secretando suco gástrico, por exemplo, e criando as condições para gastrites e úlceras.

Havia vantagens importantes em relacionar a doença com um conflito e não com um tipo de personalidade: era bem mais fácil explicar que diferentes personalidades pudessem ter a mesma doença, e que uma mesma pessoa pudesse ter doenças diferentes ao longo da vida. Note-se, porém, que a categoria que organiza todo o raciocínio é a de doença. Parte-se das doenças descritas e isoladas pela medicina e relaciona-se a elas um conflito específico. Não seriam, portanto, construções sintomáticas individualizadas – na origem de toda úlcera péptica estaria o mesmo conflito básico. Bem distante da concepção de Groddeck, portanto, que propunha a decifração de cada um dos doentes, a medicina psicossomática é uma psicossomática da doença.

Porém, entre a carta de intenções de uma teoria e a sua realização pode existir diferenças. E de fato, quando se estuda a análise dos quadros apresentada por Alexander, fica-se com a impressão de que a recusa à procura de personalidades típicas não se deu integralmente. No caso da artrite reumatóide, por exemplo, Alexander oferece detalhes típicos da vida dos pacientes, como peculiaridades dos pais, reações comuns na infância, padrões defensivos contra impulsos etc, que chegam a um desenho de personalidade, na contracorrente do que havia sido proposto. Por outro lado, Alexander não reproduz o modelo dos perfis de Dunbar, algo restrito a traços psicológicos visíveis e diretamente observáveis, mas faz uma análise que descobre conflitos inconscientes, arranjos complexos no manejo de impulsos contraditórios; enfim, uma discussão propriamente psicanalítica. Talvez por isso, esse desvio de rota tenha inspirado o surgimento de uma outra concepção de psicossomática, não médica, não mais organizada segundo as doenças, mas segundo a estrutura psíquica do doente.

 

Uma psicossomática do doente

Em 1962, Pierre Marty e Michel de M’Uzan propuseram a noção de pensamento operatório9. Tratava-se da conceituação inédita de uma forma de atividade psíquica distinta da neurose e da psicose. Ela descrevia um modo de pensamento consciente que parecia despojado de qualquer espessura, de duplos sentidos, de metáforas, de atos falhos, enfim, de atravessamentos pela fantasia. O aspecto novo da descrição desses autores parecia ser a indicação de que a falta daquilo que se percebia no discurso, na consciência, e na transferência, em vão procurar-se-ia em outros estratos do psiquismo. Marty e M’Uzan defenderam a idéia de que se estava diante de processos ausentes. e não impedidos pelo recalcamento ou desterritorializados por cisões.

Havia-se aprendido, em psicanálise, a supor que o ausente seria presente alhures no sujeito, e evocável pela associação livre, sonhos ou interpretação. Estava-se acostumado a supor os processos secundários, a simbolização, a atividade onírica como elementares no aparelho psíquico dos adultos; ora, do texto de Marty e M’Uzan deduzia-se que por isso poderia passar despercebida a existência de constituições distintas desse padrão, pois seriam “corrigidas” projetivamente por quem as observasse.

Os pacientes a que se referiam, cujo sofrimento tendia a ocorrer principalmente por distúrbios somáticos, usavam a fala menos para significar suas experiências do que como modo de se livrarem rapidamente das tensões. As trocas que eventualmente faziam dos nomes das coisas, que seriam lidas como atos falhos, resultavam de fato de uma “redução da capacidade de retenção da descarga motora” (Marty e M’Uzan, 1962, p. 170). O pensamento operatório10 apontava, portanto, para um modo de representação psíquica singular, cujo poder de delegação das pulsões seria próximo de nada. A singularidade das representações “operatórias” estaria no fato de seu principal apoio estar no mundo “externo”, nas convenções sociais, no discurso aprendido; daí as descrições impessoais, monótonas, cronológicas e descoloridas do paciente. Como se fosse um pintor sustentando-se no seu próprio pincel; como se o suporte todo do psiquismo estivesse nessa superfície.

Mas as investigações psicossomáticas de Pierre Marty (1918-1993)11 haviam começado antes: ele publicara trabalhos sobre cefaléias em 1951 e sobre raquialgias (com Michel Fain) em 1952, nos quais nota-se a influência de Alexander – como este, fizera estudos a partir de certos quadros sintomáticos, procurando identificar conflitos característicos vinculados aos sintomas (Debray, 1998). Nesses trabalhos, entretanto, já surgiram as primeiras indicações de insuficiências do aparelho psíquico.

Em 1957 apresentou sua principal teoria dessa fase ainda “alexandrina” – a “relação de objeto alérgica”. Marty detectou em pacientes com alergias diversas (asma, eczema, alergia a pólen, edema de Quinke, urticária, certas enxaquecas) um modo particular de relação de objeto, tendendo à fusão, a partir de processos de projeção e identificação maciças. As crises alérgicas seriam desencadeadas quando, por algum motivo, a identificação ficasse impossibilitada ou quando aparecessem incompatibilidades em dois objetos igualmente investidos:

A relação objetal alérgica definia-se por uma tentativa permanente do sujeito de se aproximar do objeto, nos movimentos sucessivos de uma apreensão (identificatória e projetiva) do objeto, depois de um arranjo dessa identificação primeira. O fracasso da tentativa desencadeava uma regressão estabilizadora, correspondendo a uma fixação arcaica do tipo humoral e ocasionava as crises somáticas de alergia (Marty, 1990, p. 16).

Mas, a despeito da força dessa descrição, nenhum outro quadro pôde ser estabelecido segundo esse formato afecções físicas versus sistemas psíquicos. Poucos anos depois, em 1962, ocorre a virada epistemológica de suas investigações, com a noção de pensamento operatório. Seguiram-se outros conceitos, como o de “depressão essencial” (1966), um rebaixamento do tônus libidinal sem qualquer contrapartida:

Esta sintomatologia depressiva define-se pela falta: apagamento, em toda a escala, da dinâmica mental (deslocamentos, condensações, introjeções, projeções, identificações, vida fantasmática e onírica). Não se encontra, nessa depressão “conveniente”, a “relação libidinal” regressiva e ruidosa das outras formas de depressões neuróticas ou psicóticas. Sem contrapartida libidinal, portanto, como a desorganização e a fragmentação ultrapassam sem dúvida o domínio mental, o fenômeno é comparável ao da morte, onde a energia vital se perde sem compensação (p. 19 – grifo do autor).

A depressão essencial decorreria de acontecimentos traumáticos; sua duração variável, de horas a meses, colocaria o sujeito em posição particularmente vulnerável ao adoecimento. O pensamento operatório poderia se estabelecer na cronificação desse estado, no qual a capacidade de elaboração psíquica do impacto da vida cotidiana restaria bastante comprometida.

Com esta descoberta e corpo teórico inicial nas mãos, Marty abriu, em 1968, um “Centro de consultas e tratamentos psicossomáticos” com Michel Fain, Michel de M’Uzan e C. David. Esse Centro tornou-se o atual IPSO – Instituto de Psicossomática de Paris, vinculado à SPP, que oferece formação em psicossomática a psicanalistas. Completa a instituição um hospital-dia, que recebe pacientes para tratamento.

Na década de 70, Marty escreveu seus dois trabalhos principais: Les mouvements individuels de vie et de mort – Essai d’économie psychosomatique (Movimentos individuais de vida e morte – Ensaio de economia psicossomática. 1976) e L’ordre psychosomatique (A ordem psicossomática. 1980), ambos ainda sem edição brasileira. Nesses textos, Marty raciocina sobre os organismos em termos da organização e hierarquização de funções, em conjuntos cada vez mais complexos, cuja evolução seria regida pelos Instintos de Vida12. A desorganização seria a expressão dos Instintos de Morte, e faria o movimento contra-evolutivo. Sempre haveria o predomínio de um dos instintos, em um equilíbrio dinâmico e instável. O fator principal do desequilíbrio seriam os traumatismos, capazes de desestabilizar as funções superiores. Mas haveria também o “peso” dos anos, que aumentaria de forma gradativa a força relativa dos Instintos de Morte.

O psiquismo é pensado por Marty como um conjunto de funções complexas, evolutivamente mais recentes que as somáticas, e por isso mesmo mais facilmente desorganizáveis. Seriam as primeiras a serem convocadas ao trabalho de lidar com o impacto afetivo de situações de vida, e seus recursos incluiriam soluções de compromisso do tipo neurótico, e sua sintomatologia conseqüente, por cisões psicóticas ou perversas – e até aqui ainda seriam arranjos psíquicos –, ou poderiam fracassar, desorganizando-se francamente. Neste caso, um processo regressivo atingiria algum ponto de fixação somático, fazendo com que um distúrbio se estabelecesse na função correspondente a esse ponto, de modo a estancar o processo involutivo e permitir a reorganização posterior e gradual do sujeito.

Os pontos de fixação somáticos seriam em parte herdados, em parte constituídos na embriogênese e na própria história. Eles determinariam o tipo de distúrbio que se instalaria, pelo que se percebe a ausência de relação entre a doença particular resultante e o traumatismo desencadeador de todo o processo. Daí a impropriedade, segundo este ponto de vista, de uma psicossomática específica de cada doença.

Mas seria necessário também considerar a diferença entre o aparecimento de doenças reversíveis – benignas, de prognóstico favorável, mesmo sem nenhuma intervenção – das doenças graves (aquelas que atingem processos vitais, cuja evolução pode levar à morte). As regressões estariam associadas a doenças reversíveis; já as doenças graves seriam resultado de processos que Marty denominou de desorganização progressiva. evidência de que o movimento contra-evolutivo não pôde ser interrompido pelo recurso das regressões.

A ênfase da teoria de Marty é posta no aspecto econômico: “definitivamente, o fluxo das excitações instintuais e pulsionais, de essência agressiva e erótica, constitui o problema central das somatizações” (p. 31). A ligação das excitações dependeria da quantidade e da qualidade das representações psíquicas disponíveis. Nos anos 70, Marty chamou de “mentalização” o recurso – desigual entre os sujeitos – de se derivar psiquicamente as excitações: quanto melhor a mentalização, menor probabilidade de somatização, pois mais se conseguiria sustentar o choque dos traumatismos no registro psíquico (1998)13.

A última fase da obra de Marty foi dedicada à construção de uma classificação psicossomática. Ele descreve categorias nosológicas de mentalização inferior à das psiconeuroses. Inicialmente chamou-as de neurose de comportamento e neuroses de caráter, e depois subdividiu as últimas em neurose mal mentalizada, neurose de mentalização incerta e neuroses bem mentalizadas. Não é o caso de descrever cada uma delas neste texto, mas pode-se ficar com a idéia de que correspondem a estruturas psíquicas deficitárias na capacidade representativa e de elaboração simbólica, em graus diversos, e estão mais vulneráveis que neuróticos, psicóticos ou perversos ao adoecimento grave.

Quanto à terapêutica, Marty recomendou mudanças na técnica quando do atendimento a pacientes com somatizações graves, sobretudo se encaminhados por médicos, e efetivamente sem uma demanda de análise. Sua proposta era a de um trabalho psicoterápico que visasse “o estabelecimento ou o restabelecimento do melhor funcionamento possível” do psiquismo do paciente (1990, p. 57). Sessões face-a-face – para não deixar o paciente no desamparo frente à pobreza/ausência de sua atividade onírica diurna –, apenas uma vez por semana (pela sobrecarga psíquica que representam para uma estrutura frágil) e a substituição de interpretações por um trabalho de maternagem de nomeações de estados psíquicos, sobretudo afetivos, de forma muito gradativa, visando compor/recompor a atividade do pré-consciente.

Essa teoria, cuja tese principal é que a doença não é sintoma no sentido clássico, que ela não tem um sentido, e cuja técnica modifica o setting e as pretensões do trabalho terapêutico clássico, caberia na psicanálise “intramuros”? Na prática, não são muitos os psicanalistas que aceitam e utilizam tais idéias. O próprio Marty imaginava outros muros; pensava em uma “ciência psicossomática” que englobaria a psicanálise, a medicina, a fisiologia e a biologia (1984, p. 102). Talvez esta seja uma das principais dificuldades no diálogo entre a Escola Psicossomática de Paris e a psicanálise da qual nasceu.

Mas, ao menos na França, não é possível falar de psicossomática sem fazer oposição às idéias de Marty. De fato, alguns psicanalistas da geração seguinte, que ganharam expressão discutindo o assunto, vêm apresentando suas objeções, mas tendo como referência essa teoria “negativa” da psicossomática. Refiro-me a Joyce McDougall e Christhophe Dejours.

 

Revendo (e questionando) Marty

Há aspectos comuns nas idéias de ambos, como questionar a ausência de sentido do sintoma físico, sem entretanto supor que se trate de um sentido equivalente ao da conversão histérica, ou de qualquer outro sintoma neurótico. Estão de acordo que se trata de uma configuração particular, que merece ser reconhecida na sua especificidade, mas reconhecem a significação do acontecimento somático. McDougall (1989) diz que suas observações derivam de pacientes em análise que adoecem no processo, o que pode representar uma casuística diferente daquela reunida no hospital-dia do IPSO. Um dos conceitos que sugere para falar de seus casos é o desafetação, que corresponderia a uma defesa capaz de ejetar do psiquismo percepções, pensamentos e fantasias capazes de (res)suscitar afetos insuportáveis, ou seja, relacionados a experiências traumáticas primitivas. Esse recurso exigiria a utilização de formas alternativas de dispersão da energia expulsa, o que poderia acontecer por comportamentos aditivos, por um certo uso da atividade sexual como droga, e pelas somatizações.

Note-se diferenças importantes deste modelo em relação ao anterior: McDougall pensa em uma defesa do psiquismo, a ser acrescentada ao conhecidos recalcamento (Verdrängung), denegação (Verneinung), recusa (Verleugnung) e rejeição (Verwerfung), e não em um processo de desorganização. A desafetação ocorreria precisamente para evitá-lo. Mais ainda, pensa tratar-se de um esforço de auto-cura, protetor da sobrevida psíquica, em que pesem suas conseqüências eventualmente mortíferas. Quanto ao sentido da doença, supõe tratar-se do sinal de que há ali um drama não representado, e que precisaria sê-lo por meio da análise, para que advenha ao âmbito da linguagem. A meio caminho entre Groddeck e Marty, McDougall parece falar da somatização como uma “demanda” de sentido: “podemos perceber que as manifestações psicossomáticas situam-se no contexto de uma história que é preciso reconstituir, ou de uma mitologia que é preciso construir” (p. 46). Seria possível falar, pergunta-se, em uma “histeria arcaica” ou em uma “psicose atual” – assim como Freud falou em neurose atual?

A relação da somatização com a psicose é inevitável, seja pela remissão freqüente a processos primitivos, constitutivos do aparelho psíquico, seja pelo déficit de simbolização que se detecta aqui e lá. E não é fácil dizer o que decidiria pela prevalência de um ou outro desses caminhos, cuja distância futura parece marcada pela resistência imunológica notável dos psicóticos. Mas a idéia de uma “psicose atual” é instigante: seria como dizer que se uma somatização tivesse sido evitada pela tramitação psíquica, teria se desencadeado uma descompensação psicótica.

Dejours também perguntou-se pela relação entre a somatização e os demais destinos do afeto. Ele propôs que o mecanismo específico da primeira fosse a repressão (Unterdrückung), que corresponderia ao processo consciente de afastamento de um afeto desagradável, mas capaz de inibi-lo ou eliminá-lo do psiquismo. Este recurso impediria a subversão libidinal,14 essencial para o trabalho psíquico das pulsões, e sobretudo para a atenuação da violência que representam em estado bruto. Se diante da mobilização dessas forças no cotidiano não houver a possibilidade de representação, restam os caminhos da atuação (violenta) ou a somatização. Seria, portanto, para evitar a ação destrutiva – partindo-se do veto à representação – que se adoeceria.

As idéias de Dejours transformaram-se desde que começou a publicar sobre psicossomática, mas não é o caso de recapitular esse desenvolvimento aqui, bastando-nos esboçar suas últimas discussões. Dejours tem questionado alguns pressupostos importantes da teoria de Marty. Um é o destaque dado ao traumatismo, o que decorreria, a seu ver, da ênfase nos aspectos intrasubjetivos envolvidos no processo. Vendo o paciente de forma algo solipsista, Marty faria análises restritas aos movimentos psíquicos individuais, dando menos atenção do que a merecida pelo exterior, e particularmente pelo outro mais implicado no acontecimento. Pensa, em contrapartida, que seria necessário afirmar o primado da intersubjetividade nessa discussão:

o sintoma somático é endereçado a um outro: eu adoeço por alguém. A crise somática acontece no âmbito de uma relação com o outro, quando esta relação me coloca num impasse psíquico que, evidentemente, é devido a mim, mas que também é um pouco devido ao outro (Dejours, 1998, p. 41 – grifo do autor).

Pode-se chamar de sintoma a ocorrência somática, pois ela teria um significado ligado precisamente a uma “trama intersubjetiva”, embora não recalcada. Com esse modo de pensar, poderíamos inserir plenamente a “escuta” das somatizações na análise, e prescindir de considerá-las como apanágio das más mentalizações. Dejours relata casos de pacientes, que segundo os critérios de Marty deveriam estar protegidos das somatizações graves, e que sem o menor indicador são acometidos por uma delas. Lembra inclusive que Freud – e quem poderia duvidar da qualidade de sua mentalização? – teve um câncer.

Sendo o sintoma somático dirigido a um outro, ele teria uma intencionalidade15. E mais precisamente, uma intencionalidade expressiva. Ele ocorreria exatamente porque a captura libidinal não pode ser feita e transformada em um “agir expressivo” dirigido francamente (mesmo com todas as ambigüidades) a um outro. Afinal, convoca-se sempre o corpo para produzir significações, e sobretudo para produzir efeitos – sedução, medo, sono etc – no outro. Mas isso depende do corpo erógeno, de haver sido constituído pela gradativa “colonização” do orgânico pelo psíquico. Entretanto, algumas funções do corpo podem ficar fora dessa transformação, por dificuldade dos pais em “brincar” com ela, de modo a não se colocarem “a serviço do agir expressivo dos movimentos e estados afetivos (ou emocionais) do corpo” (Dejours, 1999, p. 30). A essa impossibilidade Dejours chama de “forclusão da função”.

Quando, no contexto de uma dinâmica intersubjetiva, uma função não subvertida for convocada, estará criado o contexto mais favorável à somatização. O seu sentido, no entanto, não está na origem, e sim no a posteriori de seu surgimento, já que deverá ser produto elaborado no contexto da relação com um outro: “o sentido do sintoma somático, se é que ele existe, não está no sintoma, mas no trabalho de interpretação eventualmente desencadeado por ele” (p. 40 – grifos do autor). O sentido do sintoma precisa ser criado, mas isto não se fará senão com alguém. Para que o analista seja esse alguém, diz Dejours, ele precisará se deixar questionar por esse acontecimento, revendo sua compreensão da transferência, repensando suas hipóteses de trabalho. Em outras palavras, ele deverá permitir que a surpresa – não há previsibilidade em análise – ou que a concretude do sintoma transforme-se em um enigma da relação – e não somente do paciente –; ele deverá se deixar afetar.

Particularmente com Dejours, ainda que traços dessa tendência sejam já perceptíveis com McDougall, percebe-se que se deslocou o centro geográfico do fenômeno psicossomático para a relação afetiva. A anterior oposição entre doença com ou sem sentido foi transformada na admissão de que o sentido – e a significação – estariam no cerne do processo de adoecimento, mas não em sua origem. O reconhecimento da especificidade do processo, em relação aos tradicionalmente descritos na clínica psicanalítica, não dependeria necessariamente da inclusão de novas estruturas ou categorias nosológicas. Estamos em casa também com as somatizações, parece dizer Dejours.

Haveria ainda um outro motivo para isso. Segundo ele, seria um equívoco supor a neurose como uma das condições mais protegidas da somatização, conforme pensava Marty. Isto porque a participação no jogo afetivo das relações significa um risco ampliado de adoecimento, na medida em que sempre se pode ser solicitado em alguma função não subvertida. A idéia é que a representação psíquica dos excitantes corporais não confere imunidade; antes fragiliza o sujeito, que passa a ter como sustentação não o solo firme da carne, mas a superfície móvel e incerta do símbolo:

a subversão libidinal adiciona uma vulnerabilidade suplementar ao corpo animal: a vulnerabilidade ligada aos impasses da expressão da intencionalidade no mundo de interação simbólica mediado pela linguagem. De modo que, para concluir, eu diria que a humanização do corpo (e sua desnaturalização) aumenta sua vulnerabilidade em relação ao que seria sem a linguagem humana (Dejours, 1997, p. 65 – grifos do autor).

 

Olhando em perspectiva

O percurso que realizamos pelas idéias da psicossomática mostrou diversas tentativas de abordar o adoecimento físico no campo psicanalítico, ora considerando-o como tendo o mesmo estatuto do sintoma neurótico, ora supondo-o como par antitético da elaboração psíquica, ou mesmo como um fenômeno intermediário entre o biológico e o representacional. A questão do sentido do sintoma esteve sempre no horizonte das discussões, mas em diferentes posições – segundo uns, a doença teria um sentido a ser interpretado; segundo outros não teria sentido algum; conforme terceiros, a doença apresentaria uma demanda de sentido, um sentido a ser construído a posteriori. No que se refere à implicação do “outro” no adoecimento, também as teorias diferem, algumas explicando a somatização em uma perspectiva intra-subjetiva, outras defendendo a necessidade de considerá-la no contexto da intersubjetividade. Uma primeira constatação, portanto, poderia ser pelo simples desacordo das idéias nessa área.

Entretanto, colocando-se estas diferenças em perspectiva no tempo, detecta-se o que parece ser um certo movimento (dialético): a somatização transita de um modelo mais estritamente conversivo para a sua negação, e em seguida para um terceiro estado em que se apresenta como um horizonte de significações ainda irrealizado. Também do ponto de vista da relação euoutro, registra-se uma tendência semelhante – de um sintoma produzido pelos conflitos neuróticos do Eu, passa-se para uma reação da desorganização do Eu, e por fim para a expressão de distúrbios pré-egóicos, impasses das relações primitivas.

É como se, tendo-se iniciado a discussão em psicossomática com a metapsicologia da primeira tópica freudiana, tivesse havido um reconhecimento de processos cada vez mais primitivos, fronteiriços do psique-soma. Mas trata-se de uma fronteira nada estreita, em que cada vez mais se descobrem traços elementares de mecanismos complexos (neuróticos, psicóticos, perversos). Donde o reconhecimento de que ali, naqueles fenômenos psicossomáticos, deveríamos nos deparar com as ausências do psiquismo já constituído, mas também com todas as suas pré-condições. A somatização não seria, portanto, nem propriamente a neurose do corpo, nem o retorno regressivo ao orgânico, mas a reativação de processos elementares, aquém da consciência e talvez mesmo do inconsciente, mas direcionados ao encontro com o outro e à significação. Eis o que parece ser a tendência das teorizações em psicossomática psicanalítica, e o que explicaria o título deste artigo.

 

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Endereço para correspondência
Sidnei José Casetto
R. Dr. José de Queiroz Aranha, 68 / 1132
04106-060 São Paulo - SP
Tel.: +55-11 5084-0127
E-mail: sidneicazeto@uol.com.br

Recebido em 23/05/05
Versão revisada recebida em 13/09/05
Aprovado em 14/09/05

 

 

Notas

I Professor da Graduação e Especialização em Teoria Psicanalítica (PUC-SP); Professor do Curso de Especialização em Psicossomática (Instituto Sedes Sapientiae); Autor de A constituição do inconsciente em práticas clínicas na França do século XIX.
1 Desde logo preciso advertir o leitor que se notará ausências significativas nesta revisão de autores, como Reich, Winnicott e Lacan. Mas a idéia não é excluí-los, e sim adiar para um outro trabalho a conexão de suas idéias com este nosso roteiro. Para um panorama histórico mais amplo das idéias relativas a este campo, ver Volich (2000).
2 Por outro lado, estimulou sempre as especulações de Groddeck (de quem trataremos logo a seguir) a respeito, o que atesta a correspondência trocada entre ambos (ver Groddeck, 1994) e a acolhida dos textos deste alemão nas publicações do grupo, inclusive na Verlag, a editora psicanalítica fundada em 1919.
3 Em uma carta a Fliess, de 22/09/1898, Freud escreveu que não tinha “a menor inclinação de deixar a psicologia suspensa no ar, sem uma base orgânica. No entanto, à parte esta convicção, não sei como prosseguir, nem teórica nem terapeuticamente, de modo que preciso comportarme como se apenas o psicológico estivesse em exame. Porque não consigo encaixá-los (o orgânico e o psicológico) é algo que nem sequer comecei a imaginar” (Masson, 1986, p. 327). Sobre a questão das neuroses atuais e a psicossomática, recomendo a leitura de Ferraz, 1997.
4 Seria ideal se a esta altura, termos como “somático”, “corporal”, “orgânico”, “biológico”, “físico” etc já estivessem definidos, e se pudesse saber exatamente qual é o significado que tomam neste texto. O mesmo poder-se-ia dizer de outros termos que já apareceram ou surgirão à frente, mas exigir este ponto de partida poderia levar ao adiamento indefinido desta investigação. Um trabalho que avança na discussão sobre a noção de corpo em Freud, e que traz sobre isso esclarecimentos significativos (fazendo uma distinção entre corpo da representação e corpo do transbordamento), é o de Fernandes (2003), ao qual remeto o leitor.
5 Ao que parece, Groddeck não fez análise, a não ser episodicamente com Ferenczi. Em carta a Freud de 31/05/1923, Groddeck comenta a visita de Ferenczi no ano anterior à sua casa, em Baden Baden, período em que teria tratado (como médico) de Ferenczi, e este o teria analisado “seis ou sete vezes” (Groddeck, 1994, p. 58). De sua auto-análise, entretanto, dá exemplos em numerosos artigos seus. Ver, particularmente, O livro d’Isso e Las primeras 32 conferencias psicoanalíticas para enfermos.
6 O que Freud pensava dessas idéias? Uma pista encontra-se em carta a Groddeck de 05/06/ 1917: “gostei muito das amostras das observações que o senhor apresentou e espero que, mesmo depois de uma rigorosa triagem crítica, muitas delas se mantenham. Embora todo o campo não nos seja novo, exemplos como o do seu cego até agora nunca haviam sido dados. E agora, minha segunda objeção! Por que o senhor, saindo do seu excelente ponto de observação, mergulha no misticismo, cancela a diferença existente entre os fenômenos psicológicos e os físicos e se entrega a teorias filosóficas que não cabem? Suas experiências, afinal de contas, não vão além da compreensão de que os fatores psicológicos desempenham um papel inesperadamente importante na origem das doenças orgânicas. Mas são estes fatores psicológicos os únicos responsáveis pelas doenças, e eles põem em dúvida a diferença existente entre o psíquico e o físico? Para mim parece tão arbitrário dotar toda a natureza de uma psique quanto negar radicalmente que ela não tem nenhuma. Concedamos à natureza sua infinita variedade que se eleva do inanimado ao organicamente animado, do apenas fisicamente vivo ao espiritual. Não há dúvida de que o Inconsciente é o mediador certo entre o físico e o mental, talvez seja o ‘elo que falta’ e há muito procurado. Mas só porque finalmente reconhecemos isso, há razão para recusar ver qualquer outra coisa?” (Freud, 1917, p. 370 – grifos do autor; ver também carta de 12/02/1922, Groddeck, 1994, p. 47). A despeito dessa diferença, porém, Freud manteve com Groddeck um intercâmbio longo e cordial de idéias, reconhecendo-o como analista e escritor de talento (carta de 08/02/1920, 20). Em O eu e o isso, de 1923, Freud dá o crédito do termo “Isso” a Groddeck, que no mesmo ano publicou O livro d’Isso, do qual Freud disse gostar muito (carta de 25/03/1923, 53). Oskar Pfister escreveu que Freud teria lhe declarado após a publicação do Livro d’Isso: “Groddeck decerto tem quatro quintos de razão quando atribui a doença orgânica ao Isso e talvez esteja certo também quanto ao resto” (p. 53, n.r.54).
7 Mas distanciando-se da convicção de Ferenczi de que a origem desses distúrbios seria sempre uma perturbação da sexualidade.
8 Alexander cita e usa o conceito de estresse, nascido em trabalho de Hans Selye de 1936. Mas, se lança mão de elementos da fisiopatologia do estresse, há uma importante diferença entre a organoneurose e esta síndrome orgânica: enquanto o estresse corresponde a uma resposta inespecífica do organismo, no sentido de que ela é razoavelmente padrão a despeito dos agentes poderem ser muito diferentes, a organoneurose é uma reação específica a um conflito. Ver, a respeito de estresse, Arantes e Vieira (2002).
9 A comunicação ocorreu em Barcelona, no XXIII Congresso de Psicanalistas de Línguas Romanas. O texto foi depois publicado em um número especial (27) da Revue Française de Psychanalyse, em 1963. Uma apresentação sucinta dos principais conceitos da obra de Marty pode ser encontrada em Vieira (1997).
10 Mais tarde chamado de vida operatória, e finalmente de funcionamento operatório (Aisenstein e Smadja, 2003, p. 410).
11 Marty fez medicina e psiquiatria. Começou sua análise pessoal com Ajuriaguerra em 1947, e logo depois sua formação em psicanálise. Em 1954 era membro titular da SPP (Sociedade Psicanalítica de Paris) e ocupava o cargo de secretário quando o presidente era Jacques Lacan (Debray, 1998).
12 Como Marty está fazendo o que me parece ser uma “metabiologia”, prefere o termo instinto para falar desse impulso à organização, reservando o de pulsão para referir-se à sua expressão psíquica (ver Marty, 1990, p. 22).
13 Chama a atenção o contraste entre essa idéia e a concepção de mente de Winnicott, cuja operação excessiva, e de qualidade dissociativa, pode levar a diversos tipos de distúrbios, como os psicossomáticos. Para Winnicott, a atividade mental, nascida de falhas do ambiente, e diferenciada da psique, não deve ultrapassar certos limites. Para Marty, a atividade mental sempre protege as funções somáticas, mesmo que seja ao preço de arranjos patológicos. Sobre esta questão em Winnicott, ver A mente e sua relação com o psique-soma (1949) e Transtorno psicossomático (1966). Uma esclarecedora apresentação e discussão dessas idéias pode ser encontrada em Gurfinkel, 1998.
14 Processo pelo qual funções fisiológicas seriam “colonizadas” por jogos eróticos no contexto da relação afetiva materna. Corresponde à constituição do corpo erógeno a partir do corpo biológico. O conceito de subversão libidinal é vinculado por Dejours ao trabalho de exegese feito por Jean Laplanche sobre a noção de apoio em Freud (Dejours, 1991).
15 Intersubjetividade e intencionalidade são conceitos que Dejours importa da Fenomenologia.