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Psychê

versión impresa ISSN 1415-1138

Psyche (Sao Paulo) v.10 n.17 São Paulo jun. 2006

 

RESENHAS

 

 

Rodrigo Otávio Fonseca1

Universidade São Marcos

Endereço para correspondência

 

 

RABINOVICH, S. Foraclusão: presos do lado de fora. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 110p. ISBN 8571105995.

Reféns de si: reflexões acerca da foraclusão em psicanálise

Transpor para outra linguagem um conceito tão importante na interface freudo-lacaniana não torna a tarefa fácil quando se discorre sobre a foraclusão e a questão das psicoses. Contudo, o esmero de Solal Rabinovich, ao emprestar a esse termo uma instigante frase como presos do lado de fora, faz desse compromisso um exercício quase amistoso, pois é a partir dele que se pode partir para algumas suposições em torno da psicanálise.

Em face disso, a autora dá um start na condição do sujeito como encarcerado em seu delírio. Momento relevante, porque é do discurso desse delírio, e só a partir disso, que se pode estabelecer um estatuto dessa prisão além do lugar de um sujeito que está preso: “sabe-se das algemas que o aprisionam, e em qual presídio ele se encontra”. Chegar a essa montagem um tanto complexa permite a ela determinar a influência direta e escravizadora que as condições delirantes impõem ao psicótico.

Ao tentar esmiuçar questões que passam a circular no plano metapsicológico, Solal parte de alguns panos de fundo, que me parecem singularmente intuitivos. Em primeiro lugar, ela retoma em Freud o conceito de rejeição (Werwerfung) no episódio alucinatório do dedo cortado em O homem dos lobos. Vale relembrar que nesse episódio o paciente rejeita psiquicamente qualquer possibilidade de julgamento acerca da castração. A importância dessa rejeição, como negação associada a uma causalidade psíquica, ganha uma importância no entrelace entre vários termos ligados ao critério de juízo que o paciente concebe nesse momento, e a capacidade de suportá-lo.

Os capítulos seguintes são dedicados a demonstrar como Freud chegou a pensar a origem do aparelho psíquico a partir da constituição dessa realidade, determinando dois pontos relevantes. Em primeiro lugar, essa realidade psíquica constitui-se em uma dialética dentro-fora, interno-externo; logo, o sujeito pode em um determinado momento rejeitar algo do insuportável e projetá-lo para a realidade externa. Em segundo lugar, ela parece implicitamente levantar questões que estão no cerne dessa defesa tão eficaz: o que faz com que, posteriormente, o sujeito seja refém dele mesmo, do que ele rejeitou? Talvez o livro de Rabinovich marque aqui um ponto de ancoragem na questão das psicoses a fim de obter respostas, aproximando o conceito de rejeição (Werwerfung) à própria constituição do sujeito e às formas de negação por ele utilizadas: o recalque, a recusa, a negação, a rejeição, como estando no epicentro da questão da castração e do complexo de Édipo.

Com isso, a autora particulariza o conceito da foraclusão, que já adianto, será um ponto nodal nessa trama a partir da Werwerfung freudiana. Para tanto, demonstra que para Freud o sujeito se constitui como prévio a essas negações, enquanto para Lacan o sujeito é constituído a partir do surgimento delas. Podemos, em um exercício imaginativo, procurar entender esse movimento que, vale lembrar, é inconsciente:

se não suporto criar um conceito acerca da possibilidade de ser castrado, me haver com uma falta, com uma “incompletude indestacável” de mim, eu rejeito essa realidade interna, essa fantasia, para fora de mim, como se ela nunca existisse; e passo a ser o que for. Me angustiar por isso? Não! Mas, se nada escapa sem pedir um preço, isso que eu não suportei pode voltar de um outro lugar. Como voltará?

Estamos diante do confinamento que a operação da Foraclusão proporciona. A partir de agora, Freud e Lacan podem dialogar entre si.

No capítulo O retorno do Foracluído, Rabinovich retoma o tema, apoiado na idéia de que para Lacan, nesse mecanismo ocorre uma supressão de um significante primordial do universo simbólico, especificando a incapacidade do sujeito em representar essa supressão em imagens. Logo, essa abolição de um sistema de representações baseado na linguagem retorna em um ponto da realidade incapaz de ser representado, no Real. Marca a importância desse capítulo que aquilo que retorna como forma de um delírio, ou de alucinação, ou de paranóia, está no plano do irrepresentável. É dessa manifestação que ela demonstra, no transcorrer do texto, a marca no psiquismo de uma lacuna (Lucke), cujo lugar é aquele ponto que representa um vazio.

Podemos, agora, imaginar a frase: presos do lado de fora? Talvez em um sentido quase fenomenológico, endereço, lugar psíquico, lacuna; como instâncias do impossível, de uma viagem sem retorno, e que constituem o sujeito pela foraclusão em sua psicose. Para finalizar, Solal põe lado a lado o significante primordial rejeitado para Lacan: O Nome do Pai, e própria Foraclusão. Sem uma metáfora paterna que possa autorizar o sujeito a entrar nesse jogo edípico, ele não se constitui nas tramas da linguagem, não banca a possibilidade da castração, estando fadado a essa prisão.

Como se vê, ao longo do livro a autora não fica “presa” somente ao discurso lacaniano e às dinâmicas que constituem o título da obra. Ela vai mais longe, promove um vai e vem sem ser explicitamente diferencial entre a Werwerfung e a Foraclusão, destacando com isso a relação de complementaridade que Lacan dá a Freud. Longe de ser uma leitura em sentido único, esse estudo permite produzir uma via de mão dupla, uma “redução de marcha”, um ir e voltar nos capítulos, que refletem exatamente o retorno a Freud: acabamos por ficar presos do outro lado também.

 

 

Endereço para correspondência
Rodrigo Otávio Fonseca
E-mail: rodrigootaviofonseca@yahoo.com.br

 

 

1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade São Marcos.