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Psychê

versión impresa ISSN 1415-1138

Psyche (Sao Paulo) v.10 n.17 São Paulo jun. 2006

 

RESENHAS

 

 

Ticiana Araújo da Silva1

Universidade São Marcos

Endereço para correspondência

 

 

CIRINO, O. Psicanálise e psiquiatria com crianças: desenvolvimento ou estrutura. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. 152p. ISBN 8575260367.

O autor Oscar Cirino, psicanalista O lacaniano, clínico e professor universitário, é um estudioso da infância. Ele tem como intuito principal nessa obra estabelecer a relação entre o que é próprio da infância em sua categoria, e que a psicanálise ajudou a fortalecer, e o que é próprio da estrutura e, portanto, não exclusivo dessa etapa do desenvolvimento.

O livro tem na infância seu fio condutor e o título já chama para o debate atual em torno do qual gravitam os psicanalistas que trabalham com crianças. Ele versa sobre a questão da diferença entre a posição de formação do psiquismo, a estruturação de uma ordenação lógica e o desenvolvimento relativo a uma seqüência cronológica. Propõe a discussão de questões relativas ao estatuto do tempo, da história, do desenvolvimento e da estrutura em psicanálise, bem como a noção de ruptura e continuidade entre o infantil e a maturidade.

No capítulo I aparece a idéia da vida disposta em períodos – infância, maturidade e velhice, em que o autor vai lançar mão de análises que alguns historiadores, filósofos, psicanalistas e juristas fizeram, cada qual sob sua ótica, sobre o período da infância. Tenta mostrar como a visão atual de infância foi sendo construída histórica e socialmente, retomando os clássicos pensadores conhecidos pelo público que lida com crianças, como Philippe Ariès, Rousseau e Santo Agostinho, apontando até para um possível desaparecimento dessa categoria “infância”, distanciando-a de uma etapa natural da vida, biologicamente situável.

No capítulo II o autor aponta diferenças que marcam o infantil e a infância, sendo que o infantil apresenta-se como o essencial e incurável da sociedade humana, estabelecendo-se como núcleo de toda neurose. Tenta fazer a distinção primordial na obra lacaniana, que aponta o conceito de sujeito como sendo relativo ao sujeito do inconsciente, e não o “eu” (consciência) do desenvolvimento. Sendo o “divisor de águas” entre o adulto e a criança, que não é a idade, nem o desenvolvimento e muito menos a puberdade, mas a forma de responsabilidade sobre seu gozo. É o mesmo que outro conceituado autor, o psicanalista francês Eric Laurent, sustenta em seu livro Hay un fin de análisis para los niños. Outro ponto importante abordado no capítulo é a visão da posição materna e paterna em sua dimensão simbólica, que os coloca, pai e mãe, tendo um lugar no psiquismo como em uma operação lógica, e não no exercício de papéis como os pais da realidade.

No capítulo III, faz um retrospecto histórico do nascimento da psiquiatria infantil, que segundo ele foi o que deu base para as psicologias da infância. Coloca a higiene mental, a higiene corporal e o trabalho como as principais estratégias de formação das crianças no início do século XX, e aponta a ruptura entre a psiquiatria infantil e a psicanálise com o nascimento do conceito de psicose infantil, dando como exemplo o caso Dick, de Melanie Klein.

O ápice do livro é o capítulo IV, que trata da questão a que se propõe, a diferença entre desenvolvimento e estruturação em psicanálise. O autor debate-se com as perspectivas evolucionistas que permeiam a psicanálise, principalmente as oriundas do grupo da “ego phsycology”, que têm o aspecto de normas evolutivas em que haveria uma síntese final da sexualidade, e assim a possibilidade de vivenciar uma relação madura com o objeto, a relação genital – idéias às quais Lacan, já na década de 50, opõe-se radicalmente. Nesse trecho fica muito clara a posição de Cirino, “o processo de maturação do organismo inclui um sujeito, alguém que subjetiva, que dá sentido ao ocorrido, fazendo com que o mesmo fato objetivo possa receber distintos sentidos” (p. 106).

Ele separa o desenvolvimento da estruturação, marcando de forma radical as duas categorias: o desenvolvimento relativo ao corpo e a estrutura relativa à linguagem, portanto, o sujeito como invariante da estrutura e a criança variando de acordo com os diversos tempos do desenvolvimento. Defende a tese de que a estrutura manifestase de uma forma diferente em diversos momentos da relação do sujeito com seu gozo. Colocando o sujeito implicado em sua maturação, ele está incluído, é alguém que subjetiva, que dá sentido às suas experiências, fazendo com que os fatos objetivos recebam distintos sentidos para cada um. Nesse capítulo trata também de conceitos do vocabulário lacaniano, como estrutura, tempo lógico, significante, entre outros.

Estão inseridos no livro dois trabalhos de psicanalistas estrangeiros. O primeiro trabalho, no capítulo V, versa sobre uma pesquisa realizada pelo psicanalista argentino Aníbal Leserre a respeito da palavra “criança” na obra lacaniana, a qual está dividida em duas partes – referências diretas e indiretas.

O segundo trabalho mencionado – e sexto capítulo – é sobre um artigo de Paul Bercherie, no qual realiza um percurso sobre o nascimento da clínica psiquiátrica infantil, seu surgimento no século XIX e as transformações pelas quais passou até chegar nos tempos atuais, quando sofreu influência direta da escola americana e foi transformada, além de doença psíquica, em doença orgânica, ou seja, física.

Enfim, talvez o livro pudesse terminar no quarto capítulo, mas não deixa de ser interessante para o pesquisador a sugestão de localizar no ensino de Lacan a referência ao termo “criança”, e também sobre a história do nascimento da clínica psiquiátrica da infância, como mostra Bercherie. Pelo conteúdo do livro, que levanta o debate entre desenvolvimento e estruturação e dá conta de sustentá-lo do início ao fim, este é um livro imprescindível para quem se interessa pelo tema.

 

 

Endereço para correspondência
Ticiana Araújo da Silva
E-mail: ticisv@hotmail.com

 

 

1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade São Marcos.