SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10 número18Acompanhamento terapêutico e educação inclusiva índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psychê

versão impressa ISSN 1415-1138

Psyche (Sao Paulo) v.10 n.18 São Paulo set. 2006

 

RESENHAS

 

 

Antonia Regina Ferreira Furegato1

Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas

Endereço para correspondência

 

 

PITIÁ, Ana Celeste de Araújo; SANTOS, Manoel Antônio. Acompanhamento terapêutico: a construção de uma estratégia clínica. São Paulo: Vetor, 2005.

As mudanças no contexto histórico da humanidade têm mostrado que o sucesso tecnológico, a intensa busca por inovação e a competição por resultados abriram espaço para a pesquisa aplicada. A pesquisa aplicada avança as fronteiras do conhecimento, mas também possibilita novas aplicações na prática, tal como é o caso da pesquisa em saúde.

A lógica do investidor em pesquisa na área da saúde está voltada para a relevância social e sanitária de seus resultados. A lógica do pesquisador na área da saúde é unir o cotidiano da população, dos trabalhadores e dos serviços nem sempre compatíveis com os recursos e com os procedimentos de produção e reprodução do conhecimento. Dessa forma, a pesquisa em saúde no Brasil é intersetorial, dependente dos órgãos de fomento, das universidades e dos gestores em saúde.

A produção de conhecimentos científicos e tecnológicos tem características diferentes da produção de serviços e ações de saúde. Entretanto, o ponto de intercessão é o conhecimento resultando em melhorias para a saúde e para a qualidade de vida da população. Esses resultados devem dar elementos para a formação científica e profissionalizante dos trabalhadores, bem como a difusão das informações para a gestão dos serviços, sempre visando o benefício para a população.

A relevância social da pesquisa em saúde nem sempre é evidente, como é o caso das novas formas de interação terapêutica, promoção, prevenção e clínica em saúde mental.

Estudiosos, analisando a antropologia da saúde mental mostram, entre muitos outros fatores, que o investimento na compreensão do “outro”, do “diferente” está coadunado com a complexidade e a diversidade de sistemas da sociedade atual. Assim, a loucura, objeto de investigação como categoria social, nem sempre está no centro, apesar da sua enorme relevância social.

O trabalho de Pitiá e Santos mostra que este paradigma pode estar se ampliando quando não só os profissionais decidem, mas decidem junto com o maior interessado, que é o doente. Além disso, valorizam a participação da família e dos responsáveis por recursos humanos nas empresas e instituições sociais onde se inserem esses indivíduos. Quando todos os segmentos participam e têm objetivos comuns, as probabilidades de sucesso são maiores.

Muitas pessoas acometidas por problemas de saúde podem ter afetadas sua capacidade de continuar no trabalho, no estudo ou mesmo de manter uma estrutura familiar e cuidar de si mesmo. O acompanhante terapêutico converte-se em um aliado importante no processo de manutenção de vínculos sociais e na participação ativa do indivíduo em seu tratamento e na qualidade de vida.

O tipo de ajuda oferecido pelo acompanhante terapêutico depende das necessidades da pessoa com problemas psicossociais. É importante para a autoconfiança e para a independência do individuo. O vinculo com o acompanhante terapêutico é importante também para que a família conheça mais sobre o problema, as possibilidades de melhora, sobre os tratamentos, a importância de não isolar o indivíduo e de ajudá-lo a manter-se ativo e participativo.

Acompanhamento terapêutico focalizado no corpo é um trabalho inédito, com base nas idéias de Reich e nas propostas de Basaglia, Rotelli e demais adeptos do movimento da reforma psiquiátrica que combatem o isolamento e a exclusão, e que propõem uma ética de respeito ao ser que adoece.

Esse livro propõe uma nova estratégia com base na possibilidade da não cronificação da doença e na melhora da qualidade de vida da pessoa durante e depois do episódio agudo da doença. Com isso, reduz as conseqüências somáticas e comportamentais adversas, fomenta o apoio familiar e social, especialmente nos aspectos de trabalho, vivências e relações sociais.

O trabalho do enfermeiro (acompanhante terapêutico) busca estimular a independência. Parece óbvio, mas não é. É oposto à lógica manicomial, que se pautava na exclusão social e na dependência terapêutica e institucional.

A manutenção do indivíduo (mesmo adoecido) em seu trabalho (enquanto busca a melhora dos seus sintomas) proporciona muitos benefícios, como aumento da autoestima, ganhos econômicos, interação com colegas de trabalho e com a comunidade onde vive, e sem dúvida, evita recaídas, agudização do quadro e reinternações.

Nada do que foi destacado é novidade. Entretanto, sua aplicação na prática, sua análise com base em um referencial teórico específico e sua contribuição científica constituem-se em algo novo. Pitiá e Santos apresentam, com essa pesquisa, a construção de uma técnica terapêutica e sua aplicação na prática cotidiana.

Na construção dessa proposta, analisam a instituição psiquiátrica desde sua concepção manicomial até os novos modelos de atenção, passando por todas as fases do movimento da reforma psiquiátrica.

Ainda como suporte para a construção da clínica do acompanhamento terapêutico, os autores debruçam-se sobre os conceitos Reicheanos, considerando o movimento de dois corpos que interagem no social, envolvidos em uma relação terapêutica.

Esse referencial permite avançar o ato terapêutico para além das palavras, pois a ressocialização da pessoa não inclui apenas a escuta de tal angústia, mas o retorno ou a continuidade do movimento em seu contexto social.

Quando Pitiá e Santos apresentam e analisam as vivências da prática de condução desse processo de acompanhamento terapêutico, o leitor pode entender a lógica do cuidado, por meio dessa técnica, pois oferecem os elementos para a sistematização e reprodução do cuidado.

O acompanhamento terapêutico é um trabalho árduo, que exige preparo do profissional, desprendimento, interesse genuíno em trabalhar a independência e a liberdade assistida, bem como exige capacidade de conviver com o sofrimento e acreditar no potencial saudável do outro.

 

 

Endereço para correspondência
Antonia Regina Ferreira Furegato
E-mail: furegato@eerp.usp.br

 

 

1Professora Titular do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas (Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP).