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Psychê

versão impressa ISSN 1415-1138

Psyche (Sao Paulo) v.10 n.19 São Paulo dez. 2006

 

RESENHAS

 

 

Luciana Gageiro Coutinho1

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 

JEAMMET, Philippe; CORCOS, Maurice. Novas problemáticas da adolescência: evolução e manejo da dependência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. 142 p. ISBN: 85-7396-413-8.

Neste livro, lançado no Brasil na ocasião do Simpósio Internacional do Adolescente (realizado na USP em maio/2005), os autores apresentam algumas questões relativas à adolescência contemporânea sob o ângulo das relações de dependência. Esta interessante perspectiva, ancorada principalmente em pressupostos winnicottianos, traz para o centro da discussão relativa à análise de adolescentes a importância do meio ambiente no trabalho psíquico da adolescência e no manejo clínico do atendimento ao adolescente. O livro baseiase na experiência dos autores em um centro de atendimento a adolescentes do Institut Montsouris em Paris, no qual desenvolvem uma proposta de atendimento integral ao adolescente, envolvendo profissionais de diversas áreas, e ressaltando, para além do atendimento psicoterapêutico, a importância do apoio e sustentação por parte do social, contexto este que urge ser alterado e adaptado às necessidades e premências atuais dos jovens.

Como bem colocou Jeammet em sua conferência de abertura desse congresso em São Paulo, observa-se hoje que apesar do anseio e da busca pela independência ser um ideal cada vez mais imperioso entre os jovens, paradoxalmente cada vez mais se prolonga seu tempo de estadia na casa dos pais e sua situação de dependência material e psíquica. Tal situação é apresentada no livro, tanto do ponto de vista do contexto social que a engendra quanto do ponto de vista psicopatológico, no que diz respeito aos novos modos de expressão dos conflitos na adolescência e àquilo que eles expressam em termos de continuidades ou de descontinuidades em relação à infância. Assim, os autores assumem uma posição bastante clara e original no campo das teorias psicanalíticas a respeito da adolescência, ao afirmarem que além da forma, a organização e o potencial evolutivo dos possíveis transtornos psíquicos em geral são amplamente determinados pelo fenômeno da adolescência e pelas condições ambientais nas quais ele se desencadeia.

A problemática da adolescência na atualidade é pensada pelos autores principalmente por meio da coexistência paradoxal, freqüentemente presente nos adolescentes, do sentimento de dependência e da posição de desafio em relação ao mundo adulto &– paradoxo tantas vezes evocado nos estudos de Winnicott sobre a delinqüência juvenil, e sobre a adolescência de uma maneira geral. Nesse sentido, quanto maior o sentimento de dependência (não-explícito), maior será a postura desafiadora e destrutiva em relação ao laço com o outro.

Inspirando-se em Winnicott, e centrando suas contribuições na questão da dependência e dos laços amorosos, Jeammet e Corcos afirmam que na adolescência há uma “reorganização do espaço relacional”, com a busca de uma nova distância das pessoas anteriormente investidas, a família ou seus representantes, e a procura de um espaço próprio com seus novos limites. As pessoas em quem os adolescentes investiam sua libido na infância são agora, segundo os autores, objeto de um fenômeno de atração-repulsão, que remete à postura de depedência-desafio observada por Winnicott. Tal postura, que se repete freqüentemente na transferência dos adolescentes em relação ao analista, é “tanto mais marcada quanto mais forte a natureza pulsional do investimento” (p. 46).

Para os autores, diante do enfraquecimento das barreiras geracionais, da maior liberdade de costumes, da diluição de valores, conjugados com o aumento das exigências de êxito individual &– refletidas na família por um aumento de exigências narcísicas recíprocas entre pais e filhos, bem como pela evitação das discordâncias e conflitos &–, as questões do domínio e da regulação da distância em relação aos objetos tornam-se centrais. Paralelamente, as instituições sociais, que teriam a função de intermediar a relação entre os pais e os filhos, bem como de auxiliar o adolescente na passagem para a vida adulta, perderam sua legitimidade e eficácia, de modo que lhe restam poucos recursos que o auxiliem a sair da rede e das tentações regressivas da dependência narcísica.

Portanto, segundo Jeammet e Corcos, quanto mais a dependência for evitada e intolerável, social e subjetivamente, mais ela terá que ser expressa em sua crueza por meio dos sintomas dos adolescentes de hoje. Neste sentido, essa dependência se expressa predominantemente por intermédio de investimentos no campo sensorial e perceptivo, em detrimento do campo psíquico, carregado de representações e de afetos: “o corpo oferece uma realidade para a queixa e para a reivindicação que autoriza todos os desconhecimentos” (p. 43).

Assim, os autores observam que irrompem na clínica contemporânea de adolescentes uma série de “patologias do agir”, como as toxicomanias, o alcoolismo, as dependências de medicamentos, as perturbações alimentares (anorexia e bulimia), além de diversas condutas autodestrutivas, que vão desde cortes na pele até o suicídio. Todas elas, independentemente da estrutura psicopatológica (termo que Jeammet prefere substituir por organização), representam uma tentativa desesperada por parte dos adolescentes de buscar contornos ou de impor um limite corpóreo a uma vida sem limites que lhes é oferecida pelo mundo adulto e social.

Resta saber se esse apelo será escutado, e de que forma nossa sociedade poderá responder a ele. Enfim, esse livro nos convida a pensar e a intervir, como psicanalistas e cidadãos, naquilo que for possível.

 

 

Endereço para correspondência
Luciana Gageiro Coutinho
E-mail: lugageiro@uol.com.br

 

 

1 Psicanalista; Doutora em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Pesquisadora-Associada (FAPERJ) ao NIPIAC (Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio sobre a Infância e Adolescência Contemporâneas/UFRJ); Membro do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro.