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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. v.13 n.10 São Paulo  2005

 

ARTIGO

 

A atuação da psicopedagogia no terceiro setor: Em busca de um espaço amplo de ação em resgate da cidadania.

 

 

Gilson Leonardi*

Divisão de Assistência Médica do SESI/SP
Associação de Assistência aos Hansenianos

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho tem por objetivo discutir a possibilidade de atuação de profissionais da Psicopedagogia junto a Organizações Não-Governamentais voltadas para o resgate da cidadania. Trata-se do relato de uma experiência que vem acontecendo desde 2003, na cidade de Pirapora do Bom Jesus, no estado de São Paulo, interferindo direta e indiretamente na comunidade, por meio de ações centradas em grupos de crianças de 6 a 12 anos e seu entorno. Aborda as bases do trabalho, a metodologia utilizada para diagnóstico, planejamento, ação e avaliação constantes e a criação de parcerias entre profissionais e instituições. Estende também seu foco para a valorização da ética e da ação de cada participante: profissionais da ONG, crianças atendidas, familiares ou comunidade.

Palavras-chave: Psicopedagogia institucional, terceiro setor, cidadania, ação complementar à escola, ação participativa.


ABSTRACT

This work has the purpose of discussing possibilities on performing for professionals of Psychopedagogy close to Non Profit Organization, directed to citizenship rescue. It deals about reporting a very interesting experiment since 2003, in the city of Pirapora do Bom Jesus, state of Sao Paulo, interfering direct and indirectly on community, through right actions in groups of children from 6 to 12 years and around.This job is built approaching the basis, using methodology of diagnosis, planning, action and constant valuation and the creation of partnership between professionals and institutions. It extends also its focus on valorization of ethics and the action of each partner, as well professional, attended child, familiar or community.

Key words: Institutional Psychopedagogy, Third Sector, citizenship,supplementary action to school, participating action.


 

 

Em primeiro lugar é necessário definir o que é o Terceiro Setor, no qual ocorre a ação deste relato. Como afirma Coelho (2000), Terceiro Setor é toda atividade não-governamental e sem fins lucrativos, desenvolvido fora do setor “Estado”, chamado primeiro setor, e fora do âmbito empresarial, chamado segundo setor. São também chamadas de Organizações Não-Governamentais – ONG, e seu maior desafio é estabelecer um diálogo com os outros dois setores, criando parcerias, mas de forma independente (Tenório, 2000).

Uma instituição nascida no Terceiro Setor, ou melhor, denominada organização não-governamental, para existir passa por um processo de criação, implantação e manutenção que exige uma atenção toda especial a cada etapa.

Na fase de criação é necessário pensar em um “esboço” a ser formatado e colocado em prática; nesse momento o importante pode ser pensar na função e na utilidade de tal organização para a cultura, para a sociedade e para o sistema ao qual ela estará vinculada, ou seja, qual sua missão. Também nessa fase cabe a busca do valor de atuação, que será definido como a abrangência a um grupo específico, a uma localidade ou a determinada situação problema (Ladim, 1988).

A escolha do objeto de atuação indicará o rumo da organização, podendo acontecer em áreas do conhecimento distintas, mas que, em geral, esbarram em questões relacionadas à educação, seja como fim – interferir em processos educacionais –, seja como meio – educar para transformar. Esse momento inicial podemos chamar de “fase das idéias”, um levantamento preciso da realidade, de suas necessidades e uma busca de formas de produzir resultados.

A fase seguinte, a da implantação, de modo geral, trata de dar forma à idéia colocada no papel, de pôr em prática o que se pensou. É a etapa de aprofundar os objetivos, conhecer melhor a realidade em que se fará a interferência, escolher as metodologias a serem utilizadas, criar ferramentas, construir a equipe de ação, elaborar parcerias, enfim, arquitetar um plano de realização prática.

Após essas duas fases precedentes de preparação, temos a etapa de colocar a “mão na massa”, isto é, de agir, avaliando e reorganizando cada passo, num movimento espiral de desenvolvimento, com ação e avaliação contínua. É a fase do fazer, momento em que tudo na arquitetura inicial vai tomando forma e em que se exige um olhar contínuo para a missão e sua viabilidade prática.

Com base nesse modelo, a Associação Novas Trilhas, organização não-governamental situada na cidade de Pirapora do Bom Jesus, a cerca de 40 km da cidade de São Paulo, vem seguindo seu caminho de atuação. Criada pensando em uma interferência na realidade local, foi fundada em 21 de janeiro de 2001, com a missão de

Contribuir para a melhoria das condições de vida nas cidades brasileiras através da promoção e ampliação das oportunidades socioculturais e econômicas de crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, por meio de atividades centradas em educação e cultura, contribuindo para o resgate da plena cidadania com dignidade para os munícipes, no campo social e econômico” (Associação Novas Trilhas, 2001, p. 6).

Para seguir as fases que compõem a criação de uma organização não-governamental, no segundo semestre de 2002 teve início o processo de implantação, com a criação de um diálogo com os órgãos públicos da localidade (Pirapora do Bom Jesus) e a formação da equipe de trabalho. Os procedimentos que deram suporte a essa etapa foram a investigação junto às escolas e as entrevistas foram concedidas pela Secretaria de Educação do Município.

Nessa etapa, para acomodar e dar sustentação a todas as necessidades apontadas pelo diagnóstico inicial, o trabalho foi organizado em núcleos, cada qual com um diferente programa de ação, mas todos focados na missão e nos objetivos da ONG. Foram, então, definidos os programas:

 Trilha das Letras – acompanhamento escolar e ações complementares à escola;

 Trilha das Águas – pertencimento e responsabilidade ecológica;

 Trilha do Aconchego – apoio e orientação familiar;

 Trilha da Saúde – apoio à melhoria da saúde da família;

 Trilha dos Fazeres – emancipação econômica das famílias;

 Trilhas Cruzadas – mobilização social e participação comunitária.

A Trilha das Letras traz em si uma ação complementar à escola e, como nos define a Equipe Educação e Comunidade do CENPEC (CENPEC, 2003), são ações desenvolvidas na perspectiva da educação integral de crianças e adolescentes de maneira continuada e em períodos alternados à escola. Têm como objetivo ampliar o universo cultural das crianças, desenvolver sociabilidade, conhecimentos, fazeres, valores e habilidades exigidos na vida cotidiana e explorando com elas oportunidades lúdicas, artísticas e esportivas.

Para que tais ações possam, de fato, atingir o objetivo principal de uma interferência em determinada comunidade, são fundamentais o uso de uma metodologia adequada ao tempo e ao espaço nos quais essas ações se inserem e um trânsito entre diferentes áreas do conhecimento. Para solucionar esse intrincado cruzamento realidade-teoria e comunidade-profissionais, a Associação Novas Trilhas optou por ter a supervisão de um profissional com especialização em Psicopedagogia, pelas próprias características de transdisciplinaridade que essa área vem conquistando nos últimos anos, ou, mais, “pela busca de integração entre afeto e cognição no que se refere à aprendizagem” (Fagali, 2001, p 27).

Em janeiro de 2003, três meses antes do início dos trabalhos abertos ao público, o psicopedagogo passou a atuar tanto em reuniões com todas as outras áreas, buscando soluções para viabilizar a implantação do projeto, quanto na exploração da realidade local para adequar metodologia e capacitar educadores e voluntários que em breve colocariam a “mão na massa”.

A metodologia escolhida para ser a base do trabalho foi extraída dos anos de vivência como educador junto ao ARVOREDO, grupo especializado em educação de São Paulo, metodologia essa que utiliza a leitura dos processos expressivos (todo tipo de expressão) e comunicativos (comunicação verbal e não-verbal) da pessoa, levando em consideração a dinâmica das relações de um grupo e o contexto histórico-cultural no qual se encontra (Pinheiro, 1999).

Nessa fase de construção da ONG, já estavam claros os métodos e se definiam as formas. O público-alvo ao qual se direcionaria o trabalho seria, então, um grupo de 50 crianças de 6 a 12 anos, residentes na cidade, com renda familiar per capita igual ou abaixo de um salário mínimo. As crianças participariam de um subgrupo de 25 membros e freqüentariam as “Trilhas” todos os dias no horário alternado ao da escola; seriam acompanhadas por duas educadoras, por voluntários e por “oficineiros” que teriam a supervisão e o alinhamento conceitual do psicopedagogo. A partir desses dois grupos de crianças seriam feitos os atendimentos à família e à comunidade por meio das Trilhas complementares. Esse, então, foi o ponto de partida para a ação efetiva.

Como educadoras, foram selecionadas profissionais da própria cidade, com conhecimento do ambiente e vinculadas às suas problemáticas. O grande desafio era formar as educadoras em uma metodologia bastante diferente da utilizada pelas escolas às quais elas estavam habituadas. Como nos diz Pinheiro (1999), “o educador não pode usar seus sentidos de forma comum: ele precisa ter uma escuta especializada, uma visão especializada, uma percepção especializada. Para isso é importante treinar o ouvir, o ver, o fazer” (p. 20).

Para a capacitação inicial, visando a atingir os resultados esperados e arquitetados na fase de criação, as educadoras foram treinadas respeitando-se as características próprias de cada uma, mas auxiliando-as a ter um maior refinamento em seus sentidos, tanto para refletir quanto para agir. Assim, o lúdico foi o melhor instrumento, sendo que, por meio da ação, reflexão, ação e reorganização, construíram-se junto um modo de atuar. Cada uma das educadoras trazia ao grupo suas vivências anteriores, propondo às demais vivenciar experiências, desde brincadeiras da infância até atuação de alfabetização em sala de aula. Dessa forma, da junção de todas as vivências pessoais surgiu muito mais do que um resultado de soma, mas um trabalho complexo articulando o já vivido com o novo. A aprendizagem do novo modo de operar se deu em rede, como nos diz Fagali (2001, p. 37) “A aprendizagem, assim como qualquer fenômeno, não passa de uma rede de relações”.

Para dar suporte a tais vivências, coube ao psicopedagogo a condução da reflexão, apoiando as descobertas das educadoras nos valores educacionais pretendidos e em teorias que fizessem sentido. Como exemplo disso, após uma atividade de pintura, em que cada educadora ousou criar traços indefinidos com tinta sobre papel, partiram para uma reflexão sobre como se sentiam, sobre como tinham se percebido durante tal atividade, sobre quais as relações de grupo que ali apareceram e, mais, sobre o que puderam aprender de si mesmas ali. Tal reflexão, inevitavelmente, levou para o mundo da criança e para uma frase de Lowenfeld (1977, p.24): “o quadro que a criança desenha ou pinta é muito mais do que simples traço ou pinceladas no papel. É uma expressão da criança total, no momento em que está pintando”.

Desse modo, em vez de uma construção de fora para dentro, optou-se por levar a cabo a definição etimológica da palavra educar – conduzir de dentro para fora. Com tais vivências ancoradas na reflexão, cada educadora pôde se especializar em suas capacidades e possibilidades e dar vazão à espontaneidade considerada a mola a impulsionar a ação com as crianças.

Três meses se passaram antes de iniciarmos as atividades com as crianças. Esse foi um tempo de preparação, com muita ação e reflexão. A ação acontecia com dinâmicas como a citada anteriormente, finalizadas com a busca de uma teoria que desse solidez ao momento vivido, fundamentando a prática. Foi nessa fase que surgiram os estudos de Lowenfeld e a atividade criadora como produto e processo, fundamentando o uso do desenho como importante forma de expressão; de Winnicot e o brincar individual aliado ao brincar com o outro, para dar sustentação ao lúdico presente no ato de aprender; de Paulo Freire e a utopia como necessidade fundamental do ser humano, solidificando a idéia da busca de um sonho em cada ação diária; de Freinet e sua máxima “Ao invés de procurar esquecer a infância, acostume-se a revivê-la (1996 p. 23)”.

Dessa maneira, toda a vivência era apoiada em um estudo teórico que a justificasse. Um dos pontos principais foi o estudo para a compreensão das leis de direitos da criança, integrantes da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Declaração dos Direitos da Criança e do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois sem esse tipo de conhecimento as ações correm risco de ficar afastadas da realidade legal do país.

Apesar de toda a preparação, capacitação e estudos realizados, só a ação prática dentro dos grupos, junto com as crianças, daria às educadoras, aos voluntários, ao psicopedagogo e aos demais profissionais o olhar para a complexidade, em que mais importante do que ter algo a oferecer é saber compreender a existência do outro.

A ética da compreensão é a arte de viver que nos demanda, em primeiro lugar, compreender de modo desinteressado... A ética da compreensão pede que se compreenda o incompreensível” (Morin, 2001, p 99).

Foi dado, então, início às atividades, com 50 crianças, encaminhadas pelas escolas e pela Secretaria de Educação. Essas crianças, com suas características próprias, tinham em comum o fato de serem crianças de famílias de baixa renda, moradoras de Pirapora do Bom Jesus, e também a marca de serem consideradas como crianças-problema dentro das escolas. Elas foram organizadas em dois subgrupos de 25 crianças cada, um no período da manhã, atendendo as crianças que freqüentavam a escola à tarde, e outro no período inverso. Tais crianças foram selecionadas de acordo com critérios preestabelecidos e levando-se em conta as indicações e necessidades apontadas pelas diretoras das duas escolas atendidas.

A opção para iniciar os grupos foi a da desorganização, isto é, a da brincadeira solta que aos poucos vai sendo arranjada e organizada pelos próprios membros do grupo. As educadoras tinham claros os objetivos a serem atingidos e a necessidade de um trabalho de integração e formação de um grupo, “onde cada integrante seria, além de parte do todo, um todo em si mesmo” (Rogers, 1979, p. 31). No primeiro dia de trabalho efetivo as crianças foram chegando, observando e se aproximando. Em sua maioria já conheciam as educadoras, por serem da própria comunidade, porém o local era todo novo para elas, uma construção de 300m², toda reformada para atender ao novo projeto. Além da área construída tinham acesso a uma ampla área externa, convidativa a brincar, correr, descobrir e explorar. As educadoras estavam prontas para receber cada criança individualmente e, assim, partir para a tarefa de construção do grupo, com a exploração e o uso de cada canto do espaço. Pouco a pouco, do caos passou-se à organização baseada no próprio grupo e nas condições de ação e relação, com critérios e combinados próprios, rotina e criação de atividades, votação de escolhas e compreensão do que fazer, como parte integrante do trabalho. Sendo assim, logo as crianças faziam as escolhas das brincadeiras, e se revezavam na organização do espaço físico para tal, exercendo sua cidadania dentro de um grupo com seus pares. O trabalho da ONG pressupõe que pertencer a um grupo é essencial para o desenvolvimento da competência social (Arón, 1994), e essa competência é a base para a valorização da cidadania e o resgate da auto-estima.

Na prática, a dinâmica estabelecida foi a da escuta dos desejos individuais submetidos ao desejo do grupo e às possibilidades permitidas pelo tempo-espaço. Isto é, cada criança tem o direito de expressar seus desejos de ação e de submetê-los à apreciação do grupo e, com o aval deste, transformar tais desejos em algo executável. Mas como operacionalizar isso? Essa era a grande dúvida das educadoras: como respeitar ao mesmo tempo o desejo individual e o de grupo? A resposta encontrada veio em primeiro lugar pela insatisfação com relação à tirania, que todas as crianças, sem exceção, traziam em seu modo de ser e, além disso, a busca por atitudes democráticas, valendo-se da crença na existência de uma ética que satisfaça não os desejos, mas a capacidade de ser aceito e de aceitar. A maior “fome” apresentada foi a fome de felicidade e de liberdade, considerando ética a capacidade do corpo e do pensamento em selecionar, nos encontros, o que permite ultrapassar as condições de existência na direção à liberdade e à felicidade como um aprendizado contínuo (CENPEC, 2003). Logo, cada participante do grupo viu assegurado seu espaço de fala, às vezes traduzido na exposição de um desejo ao grupo, como empinar pipa em uma manhã de sol; noutras traduzido em voto, frente a uma decisão a ser tomada e administrada pelo grupo.

Outros problemas foram surgindo, como: qual o momento para fazer a lição de casa?; quando organizar os brinquedos?; como resolver uma briga entre dois integrantes do grupo? ou como pedir ajuda para solucionar questões de violência doméstica? A cada nova questão o grupo era confrontado com suas diferenças e igualdades e provocado a sair em busca de soluções que pudessem dar conta do problema. Dentro do grupo, as ferramentas eram dadas pelas educadoras. Fora do grupo, as discussões ocorriam com a interferência do psicopedagogo, acrescentando as ferramentas necessárias à ação das educadoras, articulando os conhecimentos adquiridos por estas, estabelecendo diálogo com profissionais de outras áreas, criando um trânsito maior e uma maior parceria escola-comunidade.

Não havia e até hoje não há uma regra capaz de atender e solucionar todas as questões que aparecem no dia-a-dia. Cada questão é um universo novo que se abre, gerando uma nova ação e novas conseqüências, que geram novas questões.

O ano de 2003 foi um ano de construção, de descobertas, de esclarecimentos. A partir da desorganização, mas com referências, construiu-se uma forma de atuar organizada, substancial, ancorada na experiência de cada um e nas teorias relativas à educação e ao desenvolvimento, ou, como aponta Morin: “...para enfrentarmos o desafio da complexidade, precisamos de princípios organizados do conhecimento” (2002, p 567 ).

Com o tempo passando e novas reflexões surgindo, o papel da Psicopedagogia dentro da ONG começou a necessitar de uma expansão, de um contato maior com as outras instituições da cidade. Sendo assim, em 2004 foi criado um programa em parceria com a Secretaria de Educação do Município de Pirapora do Bom Jesus. O objetivo do programa era ter uma interferência maior junto à comunidade, capacitando professores da rede pública municipal de ensino fundamental de primeira a quarta séries. Sua função básica era auxiliar os professores na compreensão do trabalho desenvolvido dentro da Associação. Para a realização desse programa, as duas profissionais responsáveis pela Trilha do Aconchego – que dá apoio às famílias das crianças assistidas -, com formação em Psicologia e em Arte Educação, uniram-se ao profissional de Psicopedagogia, realizando encontros mensais, com um total de 60 participantes, nos quais puderam ser abordadas a metodologia de trabalho, a filosofia e a construção dos pensamentos que dão subsídio e formam o alicerce da ONG. Além disso, cada participante teve a oportunidade de estagiar em uma das “Trilhas”, conhecendo mais de perto a execução do trabalho. Dessa forma, o diálogo entre escola e ONG estreitou-se, dando início a uma expansão de saberes e a uma atuação com maior ênfase em prol do desenvolvimento escolar das crianças atendidas. Também estiveram presentes nesse programa objetivos secundários, sendo o mais importante deles, a nosso ver, a maior compreensão do trabalho desenvolvido, em que cada professor poderia complementar em sala de aula o trabalho de resgate de cidadania e valorização da auto-estima, adquirindo ferramentas para uma atuação mais abrangente como educador, com todos os seus alunos, criando uma rede de colaboração entre a Associação Novas Trilhas e as escolas da cidade. Assim, um braço de atuação pôde se espalhar dentro das escolas.

Em 2005, o trabalho psicopedagógico foi sendo avaliado e reformulado, ampliando-se para uma consultoria mais próxima da coordenação geral, estabelecendo, assim, um diálogo permanente entre o organizacional e o metodológico, sem deixar de dar suporte ao trabalho feito pelas educadoras, pelos voluntários e pelos “oficineiros”.

Muito tem sido visto, acrescentado e redesenhado nesses três anos de trabalho; a avaliação tem sido uma constante, seja para identificar os rumos, seja para verificar a validade das ações implementadas, entendendo-se avaliação por um olhar acurado para a missão, para as metas e para a força do dia-a-dia.

Podemos dividir o ciclo de vida de um plano de ação educativa e dos projetos específicos que o compõem em quatro momentos, a saber: diagnóstico, planejamento, execução e avaliação. Essas fases estão diretamente relacionadas entre si e caracterizam um processo ininterrupto: diagnosticar, planejar, implementar, avaliar, replanejar “ (CENPEC, 2003, p 4).

Nas Novas Trilhas a avaliação teve início na fase de esboço do projeto, permeando todas as fases, sendo o motor de novas ações e responsável pela concretização das idéias. Nesse campo o papel do profissional de Psicopedagogia tem sido o de ter um olhar para o novo e outro para o já realizado, buscando instrumentos objetivos para avaliar e adaptando os rumos a partir de tais identificações. Como exemplos de indicadores de resultados a serem atingidos têm a diminuição do índice de evasão escolar das crianças participantes do projeto no ano de 2003: tivemos índice 0 de evasão, atingindo plenamente tal objetivo. Já no indicador freqüência escolar ao longo do ano tivemos 5% que diminuíram essa freqüência, e, como forma de reorganizar tal dado para o ano seguinte, a aproximação com as professoras tornou-se de suma importância, criando-se, assim, o projeto de parceria relatado acima.

Considerações finais

O espaço do trabalho psicopedagógico vem se ampliando, conquistando uma relação com outras áreas, com outros setores. Nesse sentido este relato vem em busca de uma reflexão acerca dos possíveis papéis do psicopedagogo, principalmente junto ao Terceiro Setor. Como o próprio relato deixa claro, não há a definição de um papel acabado, mas a construção feita dia-a-dia, a partir da necessidade e da avaliação constantes.

“O trabalho da Psicopedagogia implica um olhar direcionado para o preventivo e para o curativo” (Scoz, 1992) e, atualmente, vai mais além, lançando um olhar para a transdisciplinaridade e as implicações das ações educativas e dos rumos da aprendizagem. Como Bossa discute

A Psicopedagogia ocupa-se de todo o contexto da aprendizagem, seja na área clínica, preventiva, assistencial, envolvendo elaboração teórica no sentido de relacionar os fatores envolvidos nesse ponto de vista que opera “... ”esse trabalho consiste numa leitura e releitura do processo de aprendizagem e do processo de não-aprendizagem, bem como da aplicabilidade e conceitos teóricos que lhe dêem novos contornos e significados, gerando práticas mais consistentes (1994, p 23).

Novas Trilhas é, portanto, um caminho a ser explorado, implicando uma construção com articulação junto à realidade e aos fenômenos que dela são gerados e que a geram.

 

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Endereço para correspondência

Rua dos Bandeirantes, 645,
Jundiaí-SP, CEP 13201-130
e-mail: g.leonardi@uol.com.br

 

 

NOTAS

*Pedagogo pela Universidade de São Paulo, com especialização em Psicopedagogia; supervisor/psicopedagogo da ONG Novas Trilhas, psicopedagogo da Divisão de Assistência Médica do SESI/SP, psicopedagogo voluntário da Associação de Assistência aos Hansenianos; atuação clínica na cidade de Jundiaí-SP.

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