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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. v.13 n.10 São Paulo  2005

 

ARTIGO

 

A educação especial e o curso preparatório para o supletivo do ensino fundamental

 

 

Rossana Aparecida Vieira Maia Angelini*

Universidade Paulista UNIP, SP

Universidade São Marcos UNIMARCO, SP

Instituto Pieron, SP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho tem como proposta apresentar o Curso Preparatório para o Supletivo do Ensino Fundamental implantado na escola Trilha – Unidade de Integração do Desenvolvimento –(unidade que atende jovens especiais). Ainda tem por objetivo expor a capacidade cognitiva do aluno especial frente aos desafios do curso, como o de prestar as provas no Instituto Universal Brasileiro. Dentro de um olhar psicopedagógico e com a eleição de uma abordagem na perspectiva histórico-cultural da Educação, apontaremos a importância da mediação e da zona de desenvolvimento proximal nas relações de aprendizagem estabelecidas com esses jovens.

Palavras-chave: educação especial, supletivo, Psicopedagogia, mediação.


ABSTRACT

This work has as proposal to present the Preparatory Course for Suppletive of the Fundamental Teaching implanted at the school “Trilha” - Unit of Integration of the Development – (that assists young special). It still has for objective to expose the cognitive capacity of the special student front to the challenges of the course, as the one of rendering the tests at the Instituto Universal Brasileiro. Inside of a psychopedagogical glance and the election of an approach in the historical-cultural perspective of the education, we will point the importance of the mediation and of the area of proximal development in the established learning relationships with those young ones.

Key words: special education, suppletive, psychopedagogy, mediation.


 

 

Todo inventor, até mesmo um gênio, sempre é conseqüência

de seu tempo e ambiente. Sua criatividade deriva das necessidades

que foram criadas antes dele e baseia-se nas possibilidades

que, uma vez mais, existem fora dele.

É por isso que observamos uma continuidade rigorosa no

desenvolvimento histórico da tecnologia e da ciência.

Nenhuma invenção ou descoberta científica aparece

antes de serem criadas as condições materiais e

psicológicas necessárias para o seu surgimento.

A criatividade é um processo historicamente

contínuo em que cada forma seguinte é

determinada pelas precedentes.

Lev Vygotsky

Para Celma Cenamo

A proposta deste trabalho é apresentar a capacidade cognitiva que os alunos que apresentam um déficit mental, seja ele de que natureza for, têm para realizar o Curso Preparatório para o Supletivo do Primeiro Grau. Os conteúdos são estudados na escola Trilha – Unidade de Integração do Desenvolvimento –, que os prepara para a realização das provas no Instituto Universal Brasileiro – Centro de Ensino Supletivo a Distância com funções de Suplência II (1 grau) e Suplência com nível de 2 grau – órgão oficial do Conselho Nacional e Estadual de Educação.

O Curso Preparatório para o Supletivo foi implantado na escola Trilha – Unidade de Integração do Desenvolvimento pela diretora Celma Cenamo, que endossa todo nosso trabalho pedagógico e psicopedagógico. No início soou como uma idéia desafiadora, entretanto, com grande possibilidade de os alunos obterem êxito.

Após dois anos de atuação como psicopedagoga e professora nesse projeto, senti a necessidade de divulgar o importante trabalho que estamos construindo com nossos alunos, um caminho que envolve empenho e, acima de tudo, afeto na relação que estabelecemos com nossos jovens, pessoas capazes de aprender, que têm discernimento e sabem da importância dos estudos para uma vida em sociedade.

Dessa forma, faz-se necessária a abertura de novos espaços de aprendizagem, a fim de que pessoas com algum tipo de comprometimento possam dar seqüência aos seus estudos. Os alunos enfrentam suas dificuldades e se empenham na realização das atividades, cujo objetivo culmina com a prova final (média 5,0) de cada uma das disciplinas que compõem o ensino fundamental: Português, História, Geografia, Ciências, Artes, Matemática e Espanhol. Esses alunos foram matriculados oficialmente no Instituto Universal Brasileiro e, portanto, receberam todo o material apostilado, iniciando pela quinta série do Ensino Fundamental. A partir desse material, desenvolvemos o curso na escola, cujo objetivo é prepará-los para a compreensão e assimilação dos conteúdos a serem estudados. Atualmente, os alunos estão cursando a sexta e a sétima séries do ensino fundamental no Curso Preparatório e, assim, vencendo satisfatoriamente cada etapa.

Houve uma mudança na escola, a mudança do lugar que ocupavam e do que agora ocupam. Quando o aluno fala em mudar de série, ele está se referindo à mudança de espaço e ao lugar que pode ocupar socialmente, movimento que trouxe, entre tantas mudanças, a possibilidade de crescer e avançar cognitivamente, socialmente.

A idéia de que os processos mentais dependem das formas ativas de vida num ambiente apropriado tornou-se um princípio básico da psicologia materialista. Essa psicologia também admite que as ações humanas mudam o ambiente de modo que a vida mental humana é um produto das atividades continuamente renovadas que se manifestam na prática social (Vigotsky, 1992, p. 23).

Para Vygotsky, todas as atividades cognitivas humanas fundamentais tomam forma na matriz da história social. Por isso, é preciso transmitir os valores sociais para potencializar as capacidades intelectuais e o desenvolvimento da inteligência.

O Curso Preparatório para o Supletivo do Ensino Fundamental vem com uma missão – suprir os conhecimentos de pessoas que não tiveram a possibilidade de dar seqüência a seus estudos dentro de um tempo convencional, por motivo de dificuldade de aprendizagem.

O Curso Preparatório para o Supletivo na vida desses jovens trouxe a possibilidade de mostrarem sua capacidade cognitiva, emocional, expressiva, afetiva. A maioria das funções cognitivas envolve a interação simultânea de mapas provenientes de muitas e diferentes partes do cérebro. O cérebro reúne percepções pela interação de conceitos inteiros, de imagens inteiras; é um processador que funciona por analogia e metáfora. Relaciona conceitos completos uns com os outros e procura estabelecer semelhanças, diferenças ou tipos de ligações existentes entre eles, ou seja, trabalha de forma interativa.

Vygotsky escolheu a mediação como propriedade característica da consciência humana, enfatizando a idéia de que o desenvolvimento mental deve ser encarado como processo histórico em que o ambiente social e o não-social do sujeito levam-no ao desenvolvimento de processos de mediação de várias funções mentais superiores.

As conseqüências dessas novas idéias para o tratamento dado por Vygotsky a questões defectológicas mais específicas foram, na verdade, bastante modestas. Ele agora afirmava que o potencial de desenvolvimento para crianças defeituosas deveria ser buscado na área de funções psicológicas superiores (1931f, pp. 4-6), argumentando que as funções inferiores eram menos educáveis, porque dependiam mais diretamente de fatores orgânicos. Como as funções superiores desenvolvem-se na ação mútua social por meio do uso de meios culturais, devemos concentrar nossos esforços em ajustar esses meios às diferentes necessidades das crianças defeituosas. (...) Referindo-se a Eliasberg, Vigotsky argumentou também que as escolas especiais não deveriam restringir seus esforços ao ensino de habilidades simples com base no auxílio de recursos visuais, mas deveriam também tentar ensinar às crianças um princípio de pensamento abstrato (1929m, p. 33; 1929y, p. 149). A compensação de um defeito orgânico deveria ser encontrada na aprendizagem de conceitos adquiridos no coletivo. Claro que essas visões, em grande medida, apenas reiteravam o ponto de vista anterior de Vygotsky de que os defeitos tinham que ser superados por meio da palavra (Veer & Valsiner, 1996, p. 88).

Tudo pode alterar, portanto, o desenvolvimento cognitivo-afetivo: o sorriso dos pais, alguns exercícios antes de começar o dia de trabalho, jogos, uma reunião entre amigos. Tudo afeta o desenvolvimento, e esse é um processo que dura a vida inteira. Por que falamos em cognição e afeto? Porque o processo de aprender pressupõe uma mobilização cognitiva desencadeada por um interesse, por uma necessidade de saber. O que o torna possível é o desequilíbrio cognitivo, que só se recupera quando se conquista o objetivo que é o de aprender. Cognição e afeto estão inter-relacionados e exercem influência no desenrolar da história de aprendizagem do sujeito.

Nesse sentido, as atividades cognitivas superiores são de natureza sócio-histórica, e todos os processos cognitivos mudam ao longo do desenvolvimento histórico. Todos os fatores ambientais são decisivos para que haja o desenvolvimento sócio-histórico da consciência, o que amplia a capacidade de captar informação e de refletir sobre a realidade.

O meio ambiente, as relações que estabelecemos e os genes estão em contínua interação para modificar o cérebro. Vygotsky apresentava em seus escritos que grupos de níveis mistos seriam como uma condição para promover o desenvolvimento cognitivo. Ainda concluiu que deficientes mentais encontram sua ”fonte viva de desenvolvimento” em ações sociais recíprocas com outras pessoas que estejam em um nível superior ao deles, idéia que já antecipava o conceito de zona de desenvolvimento proximal.

Não estamos aprisionado pelos nossos genes ou pelo meio ambiente. Aspectos sociais como alienação, pobreza, drogas, desequilíbrios hormonais e depressão não impõem o fracasso. Riqueza, aceitação, boa alimentação e exercícios físicos também não garantem o sucesso, como aponta Ratey (2001). As relações de aprendizagem podem ser as mais poderosas forças que dirigirem o desenvolvimento de nossos cérebros e, portanto, nossas vidas. O cérebro é plástico e está sempre ávido por aprender. Experiências, pensamentos, ações e emoções mudam-lhe a estrutura. Uma vez entendido o processo pelo qual nosso cérebro se desenvolve, podemos capacitá-lo para a saúde, vibração e longevidade, por meio das relações sociais que estabelecemos na vida.

Hoje, temos provas científicas de que o desenvolvimento é um processo contínuo e interminável. Os minúsculos neurônios e suas interconexões, axônios e detritos, podem ser modificados e fortalecidos, talvez até reconstruídos.

Desde o instante em que começa a ser construído, o cérebro é um cérebro social, com os neurônios estabelecendo conexões com seus vizinhos ou morrendo por falta de contato. (...) o cérebro é um órgão social: onde não há conexão, não há vida (Ratey, 2001, p. 33).

Por meio dessas colocações, estamos tecendo as conexões entre nossos alunos, sua capacidade cognitivo-afetiva, o cérebro e seu desenvolvimento, o Curso Preparatório para o Supletivo e a sociedade em que vivem esses jovens. Dessa forma, temos observado, na prática, o quanto nossos alunos ampliaram seus conhecimentos frente à vida e o quanto estão felizes ao enfrentar os desafios que o estudo de diferentes ciências lhes impõe. Quanto mais aprendemos atividades complexas, mais sinapses (conexões) desenvolvemos, e ler e estudar são atividades que proporcionam a ampliação da estrutura cognitiva.

(...) Vygotsky raciocinou que a educação social, baseada na compensação social dos problemas físicos, era a única maneira de proporcionar uma vida satisfatória para crianças “defeituosas”. Em sua opinião, as escolas especiais da época faziam pouco em termos dessa educação social. Influenciadas por idéias religiosas e filantrópicas, remanescentes de uma mentalidade burguesa originada no mundo ocidental, enfatizavam a situação infeliz das crianças e a necessidade de que elas carregassem sua cruz com resignação. Em contraste, Vygotsky defendia uma escola que se abstivesse de isolar essas crianças e, em vez disso, integrasse-as tanto quanto possível na sociedade. As crianças deveriam receber a oportunidade de viver junto com pessoas normais (1924, p. 74).

Enfatizando que essas crianças defeituosas eram 95 por cento saudáveis e tinham potencial para um desenvolvimento normal, ele reivindicava ardorosamente que os muros das escolas especiais fossem derrubados e que essas crianças participassem do Komsomol¹, onde poderiam ser educadas para tomar parte nas atividades de trabalho normais. Ao participarem do movimento pioneiro, as crianças surdas-mudas e cegas viveriam e se sentiriam como o resto do país. Seus pulsos “bateriam em uníssono com o pulso das enormes massas do povo” (1924i, pp.75-6; 1925b, pp. 112-113) (Leer & Valsiner, 1996, p. 75).

O jovem especial e a zona de desenvolvimento proximal: Interação entre aprendizado e desenvolvimento

O Supletivo trouxe um novo sentido à vida de nossos jovens – tão capazes! (antes considerados incapazes para o ensino fundamental) e, agregado a isso, um sentimento de ser e estar no mundo, compartilhando saberes. Esse movimento possibilitou-lhes a mudança de lugar, o virar das páginas, novos começos a cada etapa vencida, uma nova série, um novo desafio, o alargamento de uma nova perspectiva. Dessa forma, a escola passou a desempenhar um papel fundamental na vida desses jovens, no desenvolvimento de sua personalidade, propiciando a participação em grupos diferentes e ainda possibilitando que assumissem papéis diferenciados. Pensamos que quanto maior a participação em diferentes grupos e situações mais poderá ampliar suas relações sociais e, dessa maneira, desenvolverem-se integralmente como pessoas, por meio de uma compreensão global da realidade em que estão inseridos e uma maior compreensão de si próprios.

_____________________

1. Komsomol – organização sociopolítica criada em 1918, cujo propósito era disseminar as idéias do comunismo e envolver a juventude, o trabalhador e o camponês na construção ativa da Rússia Soviética.

Propomos uma educação desafiadora para esses jovens, no sentido de ir além de seu desenvolvimento, contudo, mediando todo seu processo de aprendizagem e considerando esse sujeito ativo-interativo no seu processo de construção de conhecimento. O professor aqui atua como mediador na dinâmica das interações interpessoais, bem como na interação do aluno frente ao objeto de conhecimento.

Os jovens com necessidades especiais têm um imaginário intelectual, afetivo e social sobre a vida. Muitas vezes, não encontram caminhos na sociedade para direcionar suas vontades, e o Curso Preparatório para o Supletivo abriu-lhes uma nova porta, lugar em que podem ser e estar com outros jovens.

O trabalho pedagógico e psicopedagógico desenvolvido no Curso Preparatório caminha por dois enfoques, segundo Vygotsky: um que ele denomina nível de desenvolvimento real ou efetivo, e outro, nível de desenvolvimento potencial, relacionado à capacidade do que será construído pelo aluno. O nível de desenvolvimento real refere-se àquilo que o aluno já tem desenvolvido como tarefas e atividades que já conhece e pode desenvolver sozinho.

Estamos, portanto, atuando no campo do desenvolvimento potencial, ou seja, os alunos têm capacidade de fazer algo, mas ainda com o auxílio de outra pessoa. O papel do professor, portanto, é o de propor situações e atividades que sejam desafiadoras e que instiguem a atividade intelectual.

Nesse caso, a criança realiza tarefas e soluciona problemas através do diálogo, da colaboração, da imitação, da experiência compartilhada e das pistas que lhe são fornecidas. (...) Esse nível é para Vygotsky bem mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que aquilo que ela consegue fazer sozinha. A distância entre aquilo que ela é capaz de fazer de forma autônoma (nível de desenvolvimento real) e aquilo que ela realiza em colaboração com os outros elementos de seu grupo social (nível de desenvolvimento potencial) caracteriza o que Vygotsky chamou de “zona de desenvolvimento proximal” (Rego,1998, p. 73).

Vemos a construção do conhecimento de nosso aluno de forma prospectiva. Funções que estão em processo de amadurecimento e que permitem futuras conquistas tanto no campo pedagógico como social. Nesse sentido, o aprendizado é responsável por criar a zona de desenvolvimento proximal, por meio da interação com outras pessoas, a fim de expandir suas competências. Esse é o caminho pelo qual os alunos elaboram pessoalmente os conhecimentos, a competência (aquilo que são capazes de fazer, pensar, compreender), a qualidade do conhecimento que possuem e as possibilidades pessoais de continuar aprendendo.

O movimento para a aprendizagem

Pensamos num processo de aprendizagem que só tem significado para aquele que aprende quando são acionados pelo recurso pedagógico os recursos estéticos, éticos e lúdicos, elementos que têm possibilitado o gosto e a vontade por aprender e dar significado ao que aprendem. Consideramos nosso jovem como um ser ativo-interativo na construção do seu conhecimento: jovens que passaram a construir um saber sobre si, sobre suas vontades, sobre o mundo à sua volta. Os recursos que elegemos para ensinar e os que o aluno elege para aprender atuam de forma positiva na construção do processo da aprendizagem e favorecem o processo de assimilação, a criatividade e o desenvolvimento cognitivo, o que permite a adaptação do sujeito ao meio e à sua realidade.

Aprender é um processo delicado que passa fundamentalmente pelos sentidos, e um dos recursos que alguns alunos elegeram foi o auditivo, por apresentarem problemas orgânicos referentes à visão. A partir de uma pesquisa da Secondy – Vaceium Oil Co. (EUA), demonstrou-se que o aprendizado por meio da audição é de 11% e sua retenção é de 70% do que se ouve e logo se discute. Isso pode nos dizer que pessoas com comprometimento visual, total ou parcial, podem desenvolver outras habilidades, seus outros sentidos para a aprendizagem, como o de desenvolver a audição como recurso. Os meios servem de estímulos que podem provocar as respostas a situações problemas.

Cabe ao professor, nesse sentido, ter um olhar não só para “quem” aprende, mas, acima de tudo, para “como” o aluno aprende e “qual” o melhor recurso a eleger para que seu aprendizado seja efetuado; o melhor recurso, portanto, será aquele que melhor permitir a consecução dos objetivos propostos.

Os alunos que não têm condições de ler por algum problema orgânico, como dificuldade na visão, e, por esse motivo, não podem focar e ler o texto, desenvolveram um recurso como o de estudar com os pais e/ou pessoas que os acompanham. Esse é um recurso auditivo, e o aprendizado se dá por meio da oralidade, ou seja, os alunos compreendem e interpretam os assuntos desenvolvendo uma aprendizagem pela audição – a janela que encontraram para esse processo, aspecto que revela uma autonomia parcial frente a seus estudos.

Ao prestarem as provas no Instituto Universal Brasileiro, leva-se em conta o problema orgânico de alguns alunos e, dessa forma, a prova é lida para esses jovens responderem oralmente a alternativa que consideram correta. Esse movimento é fundamental e atende às necessidades especiais dos jovens. Cremos que essa medida deveria ser ampliada para todos que têm o desejo de aprender, mesmo que seja por meio de outros recursos, visto que estudar é um direito de todos, e para isso se faz compreender a diversidade na educação, em que todos somos iguais, mas com nossas diferenças.

Nesse sentido, o professor deve observar as necessidades de seu aluno, o modo como aprende, seus desejos e vontades, seu envolvimento emocional e os aspectos socioculturais que permeiam sua vida. Tal movimento possibilita ao professor perceber as necessidades do aluno e reconhecer a diversidade e, portanto, usar recursos que sejam significativos para ele, com a finalidade de levá-lo a construir competências para viver em sociedade com ética e cidadania. Procuramos trabalhar no terreno da autoconfiança, da dignidade humana.

Hoje vivemos a diversidade em todos os aspectos: social, histórico, cultural, emocional, físico, racial e religioso – precisamos aprender a lidar com as diferenças, sejam elas quais forem, no lugar em que estivermos; aprender a tolerância, a flexibilidade; somente assim poderemos viver em uma comunidade humana, em que a vida de um depende da vida do outro, vivendo em rede.

A fala dos alunos – um caminho a compartilhar

Trazemos aqui alguns dos depoimentos dos jovens sobre o Curso Preparatório para o Supletivo do Ensino Fundamental:

“Eu gosto muito de fazer o supletivo, só que exige muito esforço. Quero ir para a faculdade, lá vou aprender mais coisas.” (22 anos)

“Estudo Espanhol e outras matérias. Estou aqui para tirar meu diploma.” (21 anos)

“Sinto-me bem aqui, graças a Deus. Aproveito o que o professor me ensina e o que ’pego’, tudo bem... No futuro, lá na frente... estou pensando em algo, ainda não sei...” (22 anos)

“Soube que havia supletivo e minha família me colocou aqui porque quero tirar meu diploma. Depois não sei o que vou fazer.” (24 anos)

“Me formei no primário, depois me interessei pelo supletivo. Aprendo muita coisa no ensino fundamental e também a ter amigos, como fazer amizades fora daqui. Quero fazer computação, é um sonho.” (16 anos)

“O supletivo é uma luz. O grupo ajuda muito a aprender a ler, escrever... Mudou minha vida! O grupo mudou. Tudo mudou para melhor. Aprendo Matemática, Português, Espanhol, História, tudo me faz bem.” (20 anos)

“Em primeiro lugar, estou aqui pela minha família, porque quero ajudar minha família toda. Quero ser alguém na vida, ter meu próprio dinheiro e ser alguém na vida. Quero trabalhar no futuro. Quero estudar até a oitava série e vou lutar até o fim pelo que quero, com garra e força, pensando positivo. Nada é difícil, basta a gente querer e ter fé para conseguir as coisas.” (16 anos)

A fala do grupo sobre o Curso Preparatório para o Supletivo do Ensino Fundamental:

“O supletivo ensina a desenvolver o respeito, a educação, a confiança em si próprio, a força de vontade, a esperança, o preparo para as provas, segurança na prova, segurança para explorar nossas vidas, o amor que sentimos pelo outro”.

O Curso Preparatório para o Supletivo do Ensino Fundamental tem sido importante para o desenvolvimento das funções superiores de nossos jovens, pois eles percebem o mundo à sua volta e desejam vivenciar socialmente o que outros jovens vivenciam: estudar, ter um diploma, namorar, inserir-se na sociedade e viver a vida como protagonistas de sua história. Nossos jovens são pessoas como qualquer outra apenas com um comprometimento frente ao seu desenvolvimento cognitivo, o que não significa impossibilidade de aprender e de desejar aprender dentro de seu tempo e de suas possibilidades.

Nesse sentido, não podemos deixar de abordar o olhar psicopedagógico e a mediação que estabelecemos em sala de aula. A Psicopedagogia é uma ciência interdisciplinar que lida com as relações de aprendizagem estabelecidas entre o aprendiz e o ensinante. Como ciência que tem por objetivo compreender o que permeia a aprendizagem, seu foco está nas possibilidades que o sujeito apresenta e desenvolve para aprender, visto que esse processo passa pelo corpo, pelo organismo, pelo desejo, pelo inconsciente. Trabalhamos com o “quem” apresenta dificuldades com sua aprendizagem, estabelecendo um diálogo com as diferentes ciências para a compreensão do não aprender que o sujeito carrega. Assim, o papel que o professor assume em sala de aula é o de mediador na dinâmica das interações interpessoais e na interação do jovem com o objeto de conhecimento. O professor nesse projeto precisa estar atento ao grupo, buscando compreender os recursos de que dispõem, as suas possibilidades, o interesse pelos conteúdos a serem estudados, no sentido de criar estratégias que sejam significativas na construção do processo. Por meio de uma relação dialógica reflexiva, abrimos, então, espaço para uma escuta, cuja finalidade é compreender as relações que o aluno estabelece com o objeto de conhecimento e com as interações que estabelece com os outros jovens, o que propicia grandes conquistas ao desenvolvimento pessoal.

O Curso Preparatório para o Supletivo cria uma possibilidade real de esse jovem estar inserido na sociedade, principalmente pelo fato de realizar as provas finais como outros jovens no Instituto Universal Brasileiro. A mudança de lugar físico-social permite que estejam com outros jovens. Esse movimento traz implicações importantes para o seu desenvolvimento “psico-afetivo-sócio-cognitivo”.

Já ficou claro que a inteligência dos deficientes mentais evolui na medida em que se atua pedagogicamente em duas frentes: a que se refere à solicitação do desenvolvimento das estruturas mentais e a que propicia uma melhoria de condições de funcionamento intelectual. Tem-se, portanto, de assegurar ao sujeito cognitivamente prejudicado uma ação concomitante de apoio e estimulação da construção de seus instrumentos intelectuais e de utilização mais ampla, adequada destes, na resolução de situações-problema (Mantoan, 2000, pp. 111-112).

Considerações finais

O Curso Preparatório para o Supletivo apresenta uma proposta social, cuja finalidade é redimensionar e/ou criar novos espaços para que jovens que tenham um comprometimento mental e/ou físico possam realizar os cursos a distância, dentro de suas possibilidades, de forma a atender todo aquele que almeja estudar, ampliar seus conhecimentos e obter um diploma oficial.

Nesse sentido, o Curso Preparatório para o Supletivo do Ensino Fundamental despertou-lhes o caminho da autoria, uma autoria tecida no dia-a-dia e que propiciou, por meio de grandes desafios, a auto-imagem, a confiança, o empenho e, acima de tudo, um questionamento, um fazer para ser. Ampliou a sua socialização, permitindo o contato e a relação com pessoas diferentes, o que gerou uma inclusão natural, uma inclusão entre seres humanos.

O eixo do trabalho que realizamos em sala de aula é psicopedagógico: trabalhamos com o incomensurável ser humano, com a expressão humana e, dessa forma, olhamos para a vida que pulsa em cada um de nossos alunos. Lidamos, portanto, com a diversidade e com as possibilidades de cada um, procurando gerar um campo saudável em nossas relações de aprendizagem. Buscamos a inclusão incondicional, a inclusão de cada um em sua singularidade.

Por esses e tantos outros motivos - invisíveis aos nossos olhos -, os alunos do Curso Preparatório para o Supletivo conquistaram um brilho próprio, e o que os impulsiona é a vontade de estar na sociedade, agir sobre ela. Assim, abrimos as portas de um novo momento, um novo sentido para a vida de nossos alunos, que têm muito por fazer e muito por conquistar: a autoria da vida!

 

Referências bibliográficas

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Endereço para correspondência

Av. Divino Salvador, 175 – ap. 51
São Paulo-SP, CEP: 04078-010
fone: 5056-0568
e-mail: rossana_angelini@hotmail.com.

 

NOTAS

*Mestre em Educação, Administração e Comunicação pela Universidade São Marcos; psicopedagoga e professora na escola Trilha - Unidade de Integração do Desenvolvimento; docente adjunta I do curso de Pedagogia da Universidade Paulista UNIP, SP; docente do curso de pós-graduação em Psicopedagogia da Universidade São Marcos UNIMARCO, SP; docente do curso de pós-graduação em Psicopedagogia do Instituto Pieron, SP.

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