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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. v.13 n.10 São Paulo  2005

 

ARTIGO

Ressignificando a prática: Um caminho para a inclusão

 

Fernanda Rodrigues Cacciari*I,II; Flávia Teresa De Lima**III; Marli da Rocha Bernardi***III

IClínica no município de Santana de Parnaíba, IINANI – Núcleo de Apoio à Nutrição Materno-Infantil. Fonoaudióloga do Hospital Sanatorinhos, de Itapevi

IIIN.A.T.E. (Núcleo de Assessoria Transdisciplinar Escolar)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo tem por objetivo apresentar o trabalho desenvolvido por uma equipe interdisciplinar de saúde mental que resultou na formação de um grupo disposto a trabalhar a inclusão de crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais em instituições regulares de ensino. Pudemos perceber que a instituição demanda tanta atenção e cuidados quanto a própria criança a ser incluída. O professor também merece um olhar diferenciado, pois estabelece com essa criança uma relação que precisa ser cuidada. Os benefícios da atenção dispensada ao professor vão além da inclusão do portador de necessidades especiais. Resultam na melhoria do espaço institucional para todos que nela estão inseridos. Por meio do diálogo e frente às situações trazidas pelos professores, buscamos um entendimento da complexidade das atuações subjetivas, bem como das relações institucionais estabelecidas. Conclui-se que a atuação junto ao professor é fundamental para que a inclusão escolar aconteça de forma satisfatória.

Palavras-chave: diferenças, inclusão, subjetividade, professores.


ABSTRACT

The objective of this article is to present the work developed by an interdisciplinary mental health group. This work has resulted in the formation of a group willing to cater for the inclusion of children and teenagers with special needs in regular educational institutions. We could notice that the institution demands as much attention and care as the child to be included. The teacher also deserves a careful attention, the relationship established between the teacher and the child needs to be cared after. The care bestowed on teachers goes beyond the inclusion of those who have special needs. It results in the institutional space improvement for every one who is inserted there. Being faced with the situations brought about by teachers, we try through the dialogue, to understand the complexity of subjective actions and the complexity of established institutional relations. We conclude that the action of working with the teacher is essential so that the educational inclusion happens satisfactorily.

Keywords: differences; inclusion, subjectivity, teachers.


 

 

INTRODUÇÃO

Nossa experiência como integrantes de uma equipe interdisciplinar de saúde mental de um município da zona oeste de São Paulo levou-nos a trabalhar com crianças portadoras de necessidades especiais (PNE)1 em um Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSI).

Inicialmente, quando da abertura do serviço de saúde à demanda de PNE, percebeu-se que essa população encontrava-se excluída da própria área da saúde. Foi então realizada a captação dessa demanda e organizado um centro especializado para atendê-la, que contava com uma psicóloga, uma fonoaudióloga, um fisioterapeuta e uma assistente social.

Assim, foi possível redimensionar essa população, o que resultou na ampliação do serviço de saúde mental do município. Dessa forma chegou-se à necessidade da criação de um CAPSI, que se propõe teoricamente a cumprir a Portaria n. 336/GM, de 19 de fevereiro de 20022:

CAPS i II – Serviço de atenção psicossocial para atendimentos a crianças e adolescentes, constituindo-se na referência para uma população de cerca de 200.000 habitantes, ou outro parâmetro populacional a ser definido pelo gestor local, atendendo a critérios epidemiológicos, com as seguintes características:

a - constituir-se em serviço ambulatorial de atenção diária destinado a crianças e adolescentes com transtornos mentais;

b - possuir capacidade técnica para desempenhar o papel de regulador da porta de entrada da rede assistencial no âmbito do seu território e/ou do módulo assistencial, definido na Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS), de acordo com a determinação do gestor local;

c - responsabilizar-se, sob coordenação do gestor local, pela organização da demanda e da rede de cuidados em saúde mental de crianças e adolescentes no âmbito do seu território;

d - coordenar, por delegação do gestor local, as atividades de supervisão de unidades de atendimento psiquiátrico a crianças e adolescentes no âmbito do seu território;

e - supervisionar e capacitar as equipes de atenção básica, serviços e programas de saúde mental no âmbito do seu território e/ou do módulo assistencial, na atenção à infância e adolescência;

f - realizar, e manter atualizado, o cadastramento dos pacientes que utilizam medicamentos essenciais para a área de saúde mental regulamentados pela Portaria/GM/MS n. 1.077, de 24 de agosto de 1999, e medicamentos excepcionais, regulamentados pela Portaria/SAS/MS n. 341, de 22 de agosto de 2001, dentro de sua área assistencial;

g - funcionar de 8:00 às 18:00 horas, em 2 (dois) turnos, durante os cinco dias úteis da semana, podendo comportar um terceiro turno que funcione até às 21:00 horas.

A assistência prestada ao paciente no CAPS i II inclui as seguintes atividades:

a - atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros);

b - atendimento em grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social, entre outros);

c - atendimento em oficinas terapêuticas executadas por profissional de nível superior ou nível médio;

d - visitas e atendimentos domiciliares;

e - atendimento à família;

f - atividades comunitárias enfocando a integração da criança e do adolescente na família, na escola, na comunidade ou quaisquer outras formas de inserção social;

g - desenvolvimento de ações inter-setoriais, principalmente com as áreas de assistência social, educação e justiça;

h - os pacientes assistidos em um turno (4 horas) receberão uma refeição diária; os assistidos em dois turnos (8 horas) receberão duas refeições diárias.

Recursos Humanos:

A equipe técnica mínima para atuação no CAPS i II, para o atendimento de 15 (quinze) crianças e/ou adolescentes por turno, tendo como limite máximo 25 (vinte e cinco) pacientes/dia, será composta por:

a - 1 (um) médico psiquiatra, ou neurologista ou pediatra com formação em saúde mental;

b - 1 (um) enfermeiro;

c - 4 (quatro) profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais: psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico;

d - 5 (cinco) profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão.

SOBRE A INCLUSÃO

Na verdade, todas as estratégias e argumentos pelos quais a escola tradicional resiste à inclusão refletem a sua incapacidade de atuar diante da complexidade, da diversidade, da variedade, do que é real nos seres e nos grupos humanos. Estes não são virtuais, categorizáveis, mas existem de fato, compõem-se de pessoas que provêm de contextos culturais os mais variados; representam diferentes segmentos sociais, que produzem e ampliam conhecimentos e que têm desejos, aspirações, valores, sentimentos e costumes com os quais se identificam. Em uma palavra, esses grupos não são criações da nossa razão, mas existem em lugares e tempos não ficcionais, evoluem, são compostos de seres vivos, encarnados! O aluno abstrato justifica a maneira excludente de a escola tratar as diferenças. Assim é que se estabelecem as categorias de alunos: deficientes, carentes, comportados, inteligentes, hiperativos, agressivos e tantos mais. Por essas classificações é que se perpetuam as injustiças na escola; por detrás delas é que a escola se protege do aluno, na sua singularidade. Tais especificações são argumentos3.

Muitas das crianças e adolescentes que utilizam os serviços de saúde mental não tinham acesso, mesmo antes da constituição do CAPSI, ao ensino regular. A equipe clínico-terapêutica entendeu que a inclusão escolar dessas crianças era essencial ao bom andamento do processo terapêutico, realizando então encaminhamentos ao ensino regular que nem sempre se efetivavam de modo satisfatório. Deparamo-nos com a realidade da inclusão escolar dessas crianças e com as dificuldades inerentes a esse processo.

Não raro encontrávamos crianças excluídas da escola porque não respondiam às regras estabelecidas pela instituição. Eram os hiperativos, as crianças portadoras de distúrbio global do desenvolvimento (DGD)4 ou, simplesmente, as que não conseguiam, em um ano letivo, cumprir o esperado pelos pais, professores e diretores.

Muitas perdiam, já nos primeiros anos de vida, o direito à educação regular, fato que as manteria na exclusão, provavelmente, pelo resto de suas vidas.

Paralelamente à necessidade de alguns membros da equipe de saúde mental de incluir os PNE no ensino regular, acontecia movimento semelhante por parte de alguns integrantes da área da Educação, que já começavam a receber algumas crianças, percebendo as dificuldades inerentes ao processo de inclusão.

Algumas reuniões entre terapeutas e professores começaram a ser feitas por iniciativa e interesse deles mesmos, já que não havia formalização desse espaço entre as secretarias envolvidas. Tal necessidade surgiu em função das questões e entraves que permeiam todo processo de inclusão. Por um lado, tínhamos terapeutas interessados em acompanhar o andamento da escolarização e seus efeitos; por outro, tínhamos professores paralisados pelas características e pelos sintomas apresentados por essas crianças.

Foi nesse cenário, a partir dos encontros realizados, que se instituiu o comprometimento com esse espaço de troca de saberes, dada sua relevância e por constituir a via de realização da inclusão escolar.

RESSIGNIFICANDO A PRÁTICA

Chegados a este ponto, nos deparamos com uma dificuldade seríssima: é que a escuta do estranho-em-nós, implica em podermos nos libertar do terror que ele nos provoca, homens ainda demasiadamente modernos, que somos, todos nós, com nossa máscara feita de uma essência identitária, por mais rachada que ela esteja, e por mais que tentemos recolar seus pedaços com uma máscara dita pós-moderna. Só que libertar-se deste terror passa por dispor de um campo favorável de confiança, onde se possa experimentar, com certa segurança, o efeito diferenciador da alteridade e descobrir que ele não é desintegrador, pelo contrário. Este campo protegido é absolutamente necessário, porque o poder predominante no social está do lado da recusa do estranho, de sua total desqualificação. Tudo nos apóia em nosso racismo anti-estranho, em nosso lado de homem moderno em guerra contra o devir5.

Nas reuniões com os professores estávamos atentos a não assumir uma postura de detentores do saber que iria ensinar-lhes a lidar com crianças e adolescentes “diferentes”. Ao contrário, entendíamos ser um espaço de troca e escuta das angústias que tais crianças provocavam na equipe toda, terapeutas e professores. Estávamos, assim, somando experiências, resultados e metodologias num campo em que nossas práticas faziam fronteiras bastante tênues.

As questões inicialmente trazidas pelos professores resumiam-se em saber sobre o diagnóstico, características da patologia apresentada e prognóstico do quadro, bem como buscar orientações sobre como lidar com aquelas crianças especificamente. Por trás do discurso aparente, descobríamos juntos que existia um conteúdo latente que dizia respeito não somente às crianças por nós encaminhadas, mas às questões subjetivas dos professores e terapeutas, que englobavam, na realidade, suas dificuldades com os alunos e pacientes de modo geral.

Algumas falas eram bastante recorrentes no discurso dos professores, como “não sei o que fazer com ele”, “a classe não anda por causa dela”, “não dá pra dar atenção pra ela com mais 35 alunos na classe”, “como ele é assim, ele faz bagunça”, “ele provoca os colegas”. Ao nos aprofundarmos nas queixas trazidas, começávamos a perceber que elas podiam ser aplicadas a outros alunos da sala, e que as dificuldades dos professores envolviam práticas educacionais e suas vicissitudes.

Em Fernández (1994, p. 110) encontramos:

Para muitos professores, a queixa constitui uma transação, através da qual denunciam seu mal-estar. Ao mesmo tempo confirmam o status quo com suas posturas resignadas, assegurando assim, que nada mude.

Assim, não podíamos ignorar as dificuldades concretas da instituição, como excesso de alunos por sala de aula e falta de recursos materiais. Contudo, a conclusão mais importante a que chegamos era de que o sucesso da inclusão da criança não estava preso a essas questões de ordem prática. Diziam respeito essencialmente às dificuldades subjetivas em lidar com as diferenças.

Nas dinâmicas realizadas com os professores observávamos que o discurso trazido por eles remetia à figura e à expectativa do trabalho com um aluno ideal e sua atuação como professores também ideais, dentro de uma instituição igualmente idealizada.

O mundo moderno, ao postular a criança ideal, supostamente universal, acabou por realizar a negação das diferenças e, conseqüentemente, da subjetividade de toda criança que não conseguisse responder a esse ideal. Ao mesmo tempo que promoveu a segregação, mascarou a divisão existente no seio da própria infância. De um lado, crianças supostamente ideais, postas na condição de puro objeto do desejo parental e social; de outro, “crianças-problema” que insistem em existir e apontar a ilusão do mundo ideal criado onipotentemente pelo homem moderno (Bossa, 2002, p. 54).

Suas falas circulavam em torno de queixas cristalizadas dentro de cotidianos peculiares às instituições educacionais, mas, sobretudo, mostravam que esses professores relacionavam-se com a patologia e com os sintomas apresentados pelos alunos, e não com o sujeito que constituía esse aluno.

Um exemplo que ilustra essa constatação chegou-nos por meio de uma professora que, presa ao diagnóstico e às características prováveis da patologia apresentada por sua aluna B., não lhe exigia que tivesse um lugar fixo na sala de aula como os demais alunos. Ao contrário, em nome de um “pré-conceito”, a aluna ficava “solta” na sala, podendo a cada dia permanecer onde quisesse. A queixa dessa professora era, justamente, “B. não respeita regras, não tem atenção para aprender, não tem limites, não retém conteúdos”. Como B. poderia parar em seu lugar, prestar atenção à aula e aprender se nem o lugar físico, muito menos simbólico, de aluno foi oferecido a ela, mas, sim, a uma suposta patologia? Isso nos fala sobre a dificuldade dessa professora paralisada diante de um conflito gerado pela imagem do aluno idealizado por ela com o aluno real que a ela se apresenta.

Os fatores paralisantes para o professor eram da ordem do desconhecido, o que foge à regra, o que não cabe na normatização da língua e da aprendizagem, o que não era esperado.

A escola demanda novas leituras, tanto na sua concepção como no conhecimento que temos das relações ensino-aprendizagem, dos sistemas de vínculos e desvínculos, dos micros e macroprocessos que produzem e/ou são produzidos pelos discursos e práticas pedagógicos. A rigor não existe Escola, mas escolas, assim como uma multiplicidade de significados para muitas de suas representações. Muitos dos problemas vividos na escola advêm de formações e conceitos interiorizados, crenças cristalizadas na rotina do cotidiano, que acabam por "naturalizar" práticas, tornando-as imperceptíveis entraves à realização de suas propostas. Estudar escolas significa, pois, contar com a continuidade e a descontinuidade em suas relações. É investigar o que é mais permanente nessas relações; buscar nas disputas, nos enfrentamentos, nas alianças que ali acontecem o conjunto de aspectos que têm sentido para as pessoas. Enfim, é tentar apreender "parâmetros" que ultrapassem aquelas conjunturas (Ferreira e Eizirik, 1994:6, apud Mrech, 2001).

Isso traduzia a fantasia trazida pelos professores de trabalhar com alunos idealizados socialmente, e, em última análise, com alunos que correspondessem às suas expectativas subjetivas. Essa era a questão.

Essas reuniões proporcionavam o espaço para que tais questões subjetivas fossem trazidas à luz, enfrentadas e ressignificadas, o que se traduzia em melhorias para alunos, professores e instituição. Ao discutir, falar sobre, entrar em contato, enfrentar essas dificuldades, o professor era capaz de entender o que havia de expectativa criada por ele a partir de seus valores, e o que de real poderia ser feito com aquele aluno independentemente do molde pré-concebido. A avaliação que o professor fazia do aluno passava pela forma subjetiva de o qualificar dentro de uma rede de significados na qual ele era identificado por sua patologia e não por suas características como sujeito.

Alguns temas trabalhados com os professores nesses encontros foram:

1- inclusão;

2- dificuldades encontradas;

3- caracterização e discussão das dificuldades;

4- quem é o aluno ideal;

5- aluno problema X aluno ideal;

6- o papel do professorcomo educador;

7- professor ideal X professor problema;

8- o que é “ideal” para uma criança (direito da criança);

9- por que a escola é importante para essa criança;

10- papel da escola/saúde/professor/comunidade.

Mudando o olhar direcionado a essa criança e oferecendo a ela um outro lugar que não o da patologia, desvela-se a relação professor-aluno possibilitando a ressignificação da prática educacional desse professor.

APRESENTANDO UM CASO

A questão da subjetividade, espaço onde se decide o núcleo da nossa existência, vive rodeada por muros que cercam nossas mentes, tais como poder, rótulos, julgamentos, preconceitos e ganância, desde o nascimento do ser humano6.

Recebemos, ao final de um ano letivo, um professor bastante angustiado por ter uma criança portadora de uma determinada síndrome. Essa criança, que denominaremos A., apresentava características físicas e psíquicas como atraso de desenvolvimento de linguagem e psicomotor, relação simbiótica com a mãe, distorção de imagem corporal, o que resultava numa dificuldade de criação de vínculo com as pessoas.

Na fala do professor aparecia a sua aceitação com relação à presença de A. na sala de aula. Sua conduta em relação a A. não era de exclusão, as regras eram as mesmas para todas as crianças, as atividades desenvolvidas não eram distintas. Era uma prática adequada do ponto de vista teórico da inclusão.

Num primeiro momento, não entendíamos a demanda daquele professor, visto que sua prática educacional nada trazia de inadequado. Além disso, havia uma expectativa de nossa equipe para que ele desse continuidade ao trabalho desenvolvido com A. no ano seguinte. No entanto, durante a reunião, seu discurso foi revelando uma sincera indisponibilidade de dar continuidade a esse trabalho que corria tão bem. Pudemos perceber, pelo seu discurso, que a angústia trazida dizia respeito a um “não querer mais”, ao reconhecer que havia chegado ao seu limite subjetivo de investimento nessa relação. Esse professor verbalizava: “gostei de trabalhar com A. este ano, mas não quero continuar no ano que vem”, reconhecendo que tinha chegado ao seu limite.

O espaço de reunião, nesse caso, serviu para legitimar seu limite. O “não querer” foi ressignificado como um “não conseguir mais”; apesar de estar autorizado, não existia mais condição subjetiva para a prática naquele momento.

Terminado o ano, esse professor pode fazer a passagem de A. para outro colega de forma natural e sem a culpa que o angustiava.

O trabalho feito não foi o de capacitar o professor para lidar com o PNE, mas sim o de favorecer que ele reconhecesse suas questões subjetivas quanto às possibilidades e limitações de investimento na relação com A.

Escolhemos esse caso para ilustrar a idéia de que o trabalho que foi desenvolvido não pretendia garantir que todo professor fosse transformado, ao término do processo, em instrumento de inclusão, mas que ele pudesse lançar ao aluno um olhar que atravessasse a patologia, reconhecesse um sujeito e, acima de tudo, reconhecesse em si as questões subjetivas que permeavam a relação com aquela criança.

CONCLUSÃO

Poder suportar, subjetivamente, a angústia de uma posição discursiva que implica em renunciar à onipotência narcísica e aos ideais de grandeza e perfeição, em fazer semblante de saber, ocupando o lugar de Mestre, eu diria de Mestre barrado, para que o ensino e a transmissão sejam possíveis e realizáveis. Estar na posição de um ser em falta que deseja o desejo de saber (de aprender) do aluno. Por ser esta uma posição dificílima de ser sustentada, atribuo a essa dificuldade grande parte daquilo que faz sintoma na educação e no educador. Por isso considero imprescindível que o educador seja escutado, assim como a instituição, no que eles trazem de angústias e sofrimento7.

A partir dos resultados obtidos na prática descrita, concluímos ser esta uma das possíveis abordagens produtivas no que tange ao sucesso do processo de inclusão de PNE na rede regular de ensino. Referimo-nos à possibilidade de essas crianças permanecerem na escola ocupando um papel outro que não a identificação pela patologia, tampouco o de aluno perfeito.

Por meio do trabalho realizado junto aos professores pudemos perceber que essas crianças estavam, de fato, usufruindo o espaço escolar como as demais, e isso era passível de comprovação durante o processo clínico no qual observávamos os efeitos da inclusão praticada.

Reconhecemos que o espaço de escuta oferecido ao professor foi determinante nessa experiência, pois possibilitou que este ressignificasse sua prática entrando em contato com seu estranho-em-nós do qual nos fala Suely Rolnik.

Ratificamos a importância do papel desempenhado por alguns supervisores de ensino que serviram de articuladores no decorrer desta jornada, por partilharem das mesmas convicções, e sem os quais teria sido impossível a realização deste trabalho.

A partir dessas experiências foi impossível ignorar que nosso caminho, assim como o da inclusão, era sem volta. Direcionava-se para a formação de um grupo transdisciplinar para o qual a inclusão, no sentido mais amplo do termo, constitui o pilar de cidadania dentro da sociedade. Surgia o N.A.T.E. (Núcleo de Assessoria Transdisciplinar Escolar), que tem por objetivo o trabalho direto com professores e instituições de ensino preocupados em garantir em suas práticas educativas espaços legitimados de subjetividade.

 

Referências bibliográficas

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BOSSA, Nadia Aparecida. Fracasso escolar: um olhar psicopedagógico. Porto Alegre: Artmed, 2002.        [ Links ]

CALLIGARIS, Contardo et. al. Educa-se uma criança? 2. ed. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999.        [ Links ]

FERNÁNDEZ, Alicia. A mulher escondida na professora: uma leitura psicopedagógica do ser mulher, da corporalidade e da aprendizagem. Trad. Neuza Kern Hickel. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994.        [ Links ]

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WERNECK, Cláudia. Quem cabe no seu todos? Rio de Janeiro: WVA, 1999.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:

Al. Itapecuru, 1402, ap. 1402,
CEP 06454-080, Barueri, SP
e-mail: fecacciari@uol.com.br

Av. Marte, 376, ap. 301,
CEP 06500-000 Santana de Parnaíba, SP,
e-mail: flateli@ig.com.br.

R. Nicarágua, 77,
CEP 06500-000Santana de Parnaíba, SP,
e-mail: marlibernardi@terra.com.br

 

 

Notas

*Bacharel em Fonoaudiologia pela PUC / São Paulo. Fonoaudióloga clínica no município de Santana de Parnaíba. Fonoaudióloga titular da equipe do Programa de Alto Risco (Puericultura) do município Responsável pela elaboração do projeto, implantação e coordenação (2000 – 2004) do CAEN - Centro de Apoio à Estimulação Neurológica do município de Jandira. Sócia fundadora e vice-presidente da associação sem fins lucrativos NANI – Núcleo de Apoio à Nutrição Materno-Infantil. Fonoaudióloga do Hospital Sanatorinhos, de Itapevi. Integrante do N.A.T.E. (Núcleo de Assessoria Transdisciplinar Escolar).

**Mestranda em Psicopedagogia pela Universidade de Santo Amaro e terapeuta ocupacional pela Universidade de São Paulo. Professora convidada e supervisora de estágio do curso de aperfeiçoamento Lato Sensu em Psicopedagogia –Universidade de Santo Amaro.Terapeuta Ocupacional integrante da equipe interdisciplinar de saúde mental do município de Santana de Parnaíba. Integrante do N.A.T.E. (Núcleo de Assessoria Transdisciplinar Escolar).

***Bacharel em Psicologia pela Universidade Paulista. Psicóloga clínica no município de Santana de Parnaíba. Co-autora do projeto de reestruturação da saúde ental do município. Colaboradora do projeto CAPS Infantil Espaço de Vida. Atuação na área da Educação de conteúdos psicossociais da adolescência. Experiência em psicologia clínica na área de Neuropediatria e Psiquiatria Infantil. Integrante do N.A.T.E. (Núcleo de Assessoria Transdisciplinar Escolar).

1 - Apesar de ressalvas apresentadas por vários autores, usaremos o termo PNE para identificar as crianças que sofrem exclusão a partir de seus quadros clínicos.

2 - Fonte: www.saudemental.med.br/CaIII.html - 28k. Acesso em: 14 jan. 2005.

3 - In: MANTOAN, M. T. E. Não há mal que sempre dure... Disponível em: http://www.intervox.nce.ufrj.br/~elizabet/educa.htm> . Acesso em: 01 fev. 2005.

4 - Referimo-nos aos quadros de autismo, psicose infantil e neuroses graves infantis.

5 - ROLNIK, S. Subjetividade e História. Revista Rua, v. 1.

6 - RODRIGUES, J.; SCÓZ, T. M. Muros nas mentes: obstáculo da reforma psiquiátrica. Disponível em: <http://www.saudemental.med.br/Muros.html>. Acesso em: 15 jul. 2004.

7 - ALMEIDA, S. F. C. Psicanálise e Educação: entre a transmissão e o ensino, algumas questões e impasses. In: Anais do I Colóquio do Lugar de Vida/LEPSI, 1999.

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