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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. v.13 n.10 São Paulo  2005

 

RESENHA

 

 

Elisa Maria Pitombo1

Instituto Sedes Sapientiae

 

 

ADOÇÃO - Coleção Clínica Psicanalítica dirigida por Flávio Carvalho Ferraz.

 

Gina Khafif Levinzon

São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.

 

A autora nos apresenta, por meio da clínica psicanalítica, valiosa reflexão sobre o universo da adoção a partir da sua experiência com crianças com dificuldades e sintomas variados, pais que procuram orientação de como lidar com a criação de seus filhos adotivos, casais solicitando auxílio para a adoção, pacientes com filhos adotados e supervisionandos em casos clínicos de adoção.

Assinala com propriedade empírica e teórica como o tema adoção é vasto e carregado de emoção. Para tanto discorre sobre pontos cruciais no estudo psicológico do processo de adoção por meio de relatos de casos e discussões, descortinando o entendimento sobre este tema na clínica psicanalítica.

A adoção, para a autora, representa a forma de proporcionar uma família para as crianças que por alguma razão não podem ser criadas pelos pais biológicos. Destaca que a palavra “adotar” advém do latim adoptare, cujo significado é considerar, cuidar e escolher. Para os pais com limitações biológicas ou que queiram cuidar de crianças sem um vínculo genético, a adoção representa a possibilidade da escolha e do cuidar de filhos. Por outro lado, para as crianças, a situação de adoção provê suas necessidades básicas de pertencimento afetivo-emocional e social, pois lhes são fornecidos um lar e também um continente social seguro.

Discorrendo sobre os motivos que levam os pais à adoção, pontua que, segundo sua experiência, não é suficiente o desejo de ajudar, ou, ainda, amar uma criança em função de “desejos altruístas“, ou então considerando como “salvação”; é preciso que possuam o desejo de ter um filho, e não unicamente se prendam ao ato de “fazer um bem”. Acredita que recorrer ao auxílio de um profissional clínico pode esclarecer os motivos conscientes e inconscientes no processo de adoção e possibilitar espaço preventivo para posteriores dificuldades ao lidar com o filho.

O filho adotivo é uma criança como outra qualquer, como as famílias adotivas se assemelham às biológicas que se unem afetivamente como pais e filhos. No entanto a autora mostra-nos que, apesar das similitudes, há peculiaridades da situação da adoção: para a criança adotiva haverá sempre o fato do desconhecimento e inacessibilidade daqueles que a geraram, como também o sentimento de sentir-se querida “a escolhida“ pelos pais adotivos e não querida “a abandonada” pelos pais biológicos.

Questiona ainda se as crianças adotivas apresentariam mais dificuldades que as outras, levando o leitor a pensar sobre os dados de várias pesquisas. Responde a essa indagação pautada em pesquisas recentes que sugerem que não há dados suficientemente abrangentes considerando a patologia da população para serem comparados com confiabilidade com os índices das crianças adotadas.

Conclui enfaticamente que não se pode atribuir tudo que ocorre à criança ou aos pais à adoção, de forma estigmatizadora, impedindo sua visão como seres humanos. No seu ponto de vista, a adoção não se constitui um trauma, e sim uma solução tanto para a criança quanto para os pais.

Aborda o universo da adoção entremeando casos clínicos acompanhados de interessantes reflexões sobre a questão da hereditariedade, da esterilidade dos pais, a separação da mãe biológica e seu trauma, o nascimento da família adotiva, suas expectativas e angústias, a revelação, a curiosidade reprimida e o medo de saber, o “romance familiar”, o fantasma da rejeição e da perda, a formação da identidade da criança adotada, os fatores que contribuem para uma adoção bem-sucedida, o comportamento provocativo da criança adotiva pela aceitação, a adoção tardia e a adolescência da criança adotada.

No penúltimo capítulo sobre a Adoção na Clínica Psicanalítica, Levinzon coloca que as famílias buscam auxílio focado nos sintomas ou nos sinais de desajustamento de seus filhos adotivos, e não na adoção propriamente dita. Esse fato empírico sinaliza como a adoção, em geral, aparece como um pano de fundo onde ocorrem os relacionamentos entre pais e filhos. Esse fundo às vezes é irrelevante perante os conflitos apresentados, outras vezes são determinantes nos distúrbios apresentados. Mas alerta os terapeutas que lidam com adoção para a tarefa de não exagerar nem subestimar a dimensão da adoção em cada caso específico.

Seguindo a linha deste capítulo, nos apresenta um rico relato sobre aspectos afetivos do adotado segundo sua experiência em psicoterapia: as fantasias inconscientes das crianças sobre a adoção; o “falso self” na criança adotiva; quando o amor parece uma armadilha; sentimentos e defesas decorrentes dos problemas com o vínculo e a criança adotiva e o comportamento anti-social.

Finaliza o livro com um belo presente ao leitor, uma discussão profunda sobre A filiação incondicional: base para a verdadeira adoção. Nele sublinha que a relação entre pais e filhos adotivos é unicamente uma relação humana cujo vínculo compõe-se de todas as vicissitudes e paixões comuns a todas as pessoas. Cada grupo tem características de similitude em alguns aspectos com outros grupos, o mesmo ocorrendo com a adoção. Os distúrbios psíquicos dependem da natureza dos relacionamentos, da capacidade de comunicação, da honestidade, da confiança, dos sentimentos amorosos e a agressividade em favor do crescimento, elementos fundamentais na dinâmica familiar saudável. Levinzon posiciona-se com clareza no seu modo de ver: o grande desafio da família adotiva localiza-se no processo de adquirir e fortalecer o sentimento de filiação, o sentimento de pertinência.

E finaliza com uma colocação poética e filosófica, no meu ponto de vista, afirmando que o universo da adoção não é tão distante assim de todos nós, uma vez que adotamos familiares, amigos, instituições, cidades ou países, ideais e grupos de referência. Acrescenta também que a própria Psicanálise oferece a possibilidade por meio de vivências e modelos que se tornam elementos de adoção, ou seja, o sentimento que todos nós almejamos de estar ligado e em sintonia com alguém importante -- a verdadeira adoção.

Dessa forma, sugiro aos leitores que adotem esta obra e partilhem com a autora da reflexão sobre a adoção.

 

 

NOTA

1Pedagoga pela Universidade de São Paulo, psicopedagoga pelo Instituto Sedes Sapientiae, SP, mestre em Psicologia pela Universidade São Marcos, SP, docente do curso de Psicopedagogia do Instituto Sedes Sapientiae.

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