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Construção psicopedagógica

Print version ISSN 1415-6954On-line version ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. vol.15 no.12 São Paulo Dec. 2007

 

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PESQUISAS

 

Um olhar psicopedagógico para a relação professor-aluno atravessada por mitos culturais - implicações na prática educacional

 

 

Cláudia Arbex*

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

 

 


RESUMO

Este artigo discute a relação professor-aluno, com ênfase na interferência do universo patriarcal na atuação de homens e mulheres na educação de crianças, abordando, sobretudo, a ausência de professores masculinos nos primeiros ciclos de ensino. Relata um caso e focaliza uma pesquisa qualitativa, no intuito de levantar hipóteses para o distanciamento dos homens dessa área de atuação, no Brasil. A análise de dados se deu a partir dos referenciais teóricos de Carlos Amadeu Byington, segundo suas implicações reflexivas a partir dos estudos de C.G. Jung. A análise indicou uma polarização acentuada entre os universos masculino e feminino na consciência individual das pessoas entrevistadas, possivelmente como conseqüência de uma dinâmica patriarcal ainda muito ativa. A revisão de valores, por meio de uma escuta voltada para os tabus e mitos associados à relação de aprendizagem entre professor e aluno, parece ser de fundamental importância para a instauração de uma dinâmica de alteridade na educação.

Palavras-chave: Educador masculino, Arquétipo da alteridade, Carlos Byington, Dinâmica patriarcal


ABSTRACT

This paper discusses the relation professor-pupil, with emphasis in the interference of the patriarchal universe in the performance of men and women in the education of children, approaching, over all, the absence of male teachers in the first cycles of education. A case study and a qualitative research have been developed, with the purpose of raising some hypothesis for the scarce presence of men in this profession. The data collected was analyzed in light of the theoretical framework developed by Carlos A. Byington, based on his reflections on the works of C.G. Jung. The analysis of the data indicated an evident polarization between masculine and feminine universes in the individual conscience of participants of this research, possibly as consequence of still very active patriarchal dynamics. The revision of values, by being on the lookout for the taboos and misconceptions associated to the relation between teacher and pupil, seem to be of fundamental importance for the instauration of a dynamics of alterity in the field of education.

Keywords: Male educator, Arquetype of alterity, Carlos Byington, Patriarchal dynamics


 

 

Este artigo tem por meta apresentar um estudo reflexivo e teórico e comentar os dados de uma pesquisa realizada com educadores do sexo masculino, na tentativa de detectar as razões para o reduzido número de homens exercendo a função de professores, principalmente nos ciclos iniciais de ensino. Esse é um aspecto do perfil da educação no Brasil que considero relevante e que tem implicações importantes na relação professor/aluno e cultura, e do qual não se tem notícia de ter sido mencionado e tampouco percebido como um fenômeno significativo.

Nessa pesquisa busquei detectar e compreender algumas das causas para tal “desinteresse”, por parte da população masculina, nessa área de atuação.

Uma das idéias iniciais do estudo que realizei procurava situar o masculino no universo que delimita a função de educador. Parecia muito clara a existência de uma tendência de desvalorização em relação ao papel de educador, e, paralelamente, uma associação imediata desse papel ao gênero feminino, como uma função agregada às qualidades femininas.

Passei a imaginar se haveria uma forte crença de que o professor teria que ser alguém provido de qualidades femininas ligadas à função materna e, portanto, a partir dessa idéia, somente a mulher seria a detentora de todas essas características.

Sabemos, no entanto, que hoje, no mundo contemporâneo, essas funções não estão localizadas de modo específico em um ou outro gênero, mulher ou homem. São associadas às qualidades maternas e paternas, e ambas podem ser exercidas por qualquer dos sexos.

Levando em conta as antigas relações de significados sobre o masculino e o feminino ligados ao gênero (homem, mulher), seria possível supor que elas representam, de alguma forma, as causas dessa participação tão pequena de homens exercendo uma tarefa fundamental como a de educador, formador e/ou professor?

O estudo tenta trazer à consciência algo que está, possivelmente, sendo reprimido pela cultura. Aponta para a dificuldade de obter um equilíbrio entre as forças que comandam um sistema social, rígido e inflexível, cujos padrões necessitam ser revistos e transformados.

Homens e mulheres, atualmente, representam as forças motoras da sociedade. São responsáveis, teoricamente de igual modo, pelos rumos sociais, econômicos e culturais da população. Suas posições e comportamentos seguem padrões que são imitados pelas microorganizações, entre elas, as instituições de ensino, cuja atuação sistemática tem um peso muito significativo no que se refere aos valores transmitidos aos jovens.

Homens e mulheres fazem andar as organizações e expressam cotidianamente seus interesses, compromissos e aspirações.

Por que, então, a presença maciça de mulheres nas escolas, praticamente impossibilitadas de uma troca profissional freqüente com os homens?

Por que um excedente feminino nos locais onde deveria prevalecer o diálogo de forças e a riqueza de manifestações, que são constitutivos de qualquer espaço educativo?

Quais as dificuldades que os homens encontram em participar ativamente da educação de crianças e jovens?

O que leva uma mulher a considerar a profissão de educadora sempre adequada ao seu perfil pessoal?

A questão do gênero em nossa sociedade e nas instituições de ensino, suas manifestações, tendências e, acima de tudo, sua ligação com os universos feminino e masculino, será abordada nesse artigo.

Além disso, e devido às hipóteses levantadas e relacionadas ao macrossistema sociocultural no qual estamos inseridos, devo fazer uma breve incursão pela história dos sistemas patriarcal e matriarcal. São eles que imprimem suas marcas nas aspirações individuais inconscientes, e que se servem de comportamentos padronizados ou manifestações coletivas para perpetuar os princípios que os definem.

Trata-se também de uma reflexão teórica, portanto o estudo me levou a percorrer um caminho que se iniciou no olhar para história das culturas e os processos inconscientes coletivos que deflagram, até as instituições de ensino, seus educadores e pais de alunos. Isso porque acredito que os valores vigentes, os preconceitos e tabus, têm papel fundamental nos rumos que tomam a educação e as manifestações individuais.

Sobre essa noção de inconsciente coletivo, busquei referências teóricas em Byington e Jung, cuja compreensão do psiquismo explora tendências individuais ligadas aos aspectos feminino e masculino que habitam cada um de nós.

O enfoque no sistema escolar e no papel do professor me conduziu ao universo familiar e às funções paterna e materna, em todo seu alcance educacional e constitutivo.

Desse modo, meu questionamento tenta ampliar uma noção que não permite mudanças, e ainda aceita como verdade estabelecida e imutável uma condição ultrapassada, associada aos lugares ocupados por homens e mulheres na família e na sociedade.

Mas creio que pode se tornar mais interessante para o exercício de reflexão, iniciar com os pensamentos pessoais, ou seja, um olhar do indivíduo para o todo, ou ainda do universo particular para o coletivo.

Valores e crenças que pensamos fazer parte de uma estrutura da qual temos absoluto controle, nada mais são do que heranças de nosso tempo, mantidas pela imposição cultural e pela vida em sociedade. Não são propriedades nossas, e por isso só começam a fazer sentido ou a ganhar uma identidade real quando observadas a partir de um ponto de vista distanciado.

Às instituições de ensino, por exemplo, atribuímos um valor irreal, de algo maior que nós, constituídas por uma estrutura compacta e rígida. Esquecemos, às vezes, que são compostas por indivíduos com diferentes formações, origens e ideais.

Elas são o resultado de um aglomerado de forças internas e estão sujeitas às pressões externas, não menos intensas e ainda mais poderosas.

Os profissionais que tocam uma escola, por sua vez, também se encontram submetidos aos ditames sociais e culturais de seu tempo.

A consciência patriarcal, herança recente, parece ainda ter forte ascendência sobre as definições acadêmicas e funcionais de uma escola. Ainda se conservam estruturas que privilegiam o acúmulo de conteúdos, as regras de conduta controladoras e hierarquizadas rigidamente, e uma dificuldade adicional associada ao despreparo de muitos profissionais no que diz respeito ao relacionamento estabelecido com os estudantes.

Assim, é possível formar uma imagem das relações que movimentam qualquer estabelecimento educacional, compondo um emaranhado de interlocuções.

Aprendizagem, formação, educação, ideais, conteúdo e gente. Uma combinação, no mínimo, complexa.

Será essa a causa da necessidade de se manter o modelo patriarcal dentro da escola, ou seja, um modelo rigoroso que mantém em seu “devido lugar” tudo aquilo que possa fugir ao controle do racional e pré-estabelecido?

A escola precisa fazer esse enorme esforço para sustentar valores e preceitos que a sociedade já transformou ou perdeu de vista? Ou deve, a partir de um olhar crítico e investigativo, reconstruir alguns paradigmas, levando em conta as novas configurações sociais?

 

Heranças

A socialização se constrói em comunidades, nas quais os indivíduos procuram se integrar por meio de uma dinâmica de troca, de transmissão de conhecimentos entre as gerações e da participação e interação nas relações que se estabelecem, consciente e inconscientemente, entre as pessoas. Segundo Koss (2000), em todo agrupamento humano a relação mãe-criança aparece e costuma se caracterizar por um vínculo prolongado. Na sobrevivência da espécie a função materna é fundamental desde os primórdios de qualquer cultura.

A unidade fundamental da sociedade era o clã materno. A agricultura e a cerâmica deram mais importância ao papel econômico da mulher e no apogeu do regime dos clãs a mulher ocupou mesmo, em alguns momentos, uma posição superior à do homem.

Em torno das mulheres organizavam-se crianças e homens. Crianças eram nutridas pelo corpo feminino, e homens e mulheres eram nutridos pela natureza. A invenção da agricultura, segundo alguns estudiosos, é atribuída às mulheres. Simbolicamente, a terra equivaleria ao corpo orgânico que nutre e faz outros corpos se desenvolverem.

Quando nossos ancestrais começaram a compreender o papel masculino na fecundação, possivelmente pela observação do processo germinativo vegetal e dos animais domésticos, o homem passou a ser associado à semente. Porém, a noção de que a germinação da semente dependia da terra foi se enfraquecendo. O papel do homem ganhou um novo espaço, mais ativo e agressivo.

Embora, nesse momento, a mulher ainda organizasse a vida nas comunidades, isso não impediu o surgimento da propriedade privada e do herói guerreiro. Segundo Camille Paglia (1992, p. 19), foi a cultura guerreira micênica, da qual tivemos conhecimento através de Homero, que sobreviveu, a partir da vontade de poder masculina: “Micênios do sul e dórios do norte iriam fundir-se para formar a Atenas apolínea, da qual veio a linha greco-romana da história ocidental.”

Distanciaram-se as forças masculinas e femininas.

Criou-se uma relação de poder e submissão. A natureza passou a ser submetida à máquina, e a mulher ao homem.

A imagem do herói guerreiro que submete o mais fraco deitou por terra toda possibilidade de troca e estabeleceu uma hierarquia permanente.

A estrutura patriarcal teve esse começo, heróico e autoritário que organizou tudo em opostos, como polaridades, nas quais um dos termos comanda e desqualifica o outro: macho e fêmea, consciência e inconsciência, matéria e espírito...

O patriarcado, desde então, estabeleceu-se como uma complexa estrutura política piramidal de dominação e hierarquização, estratificada por gênero, raça, classe, religião e outras formas de cristalização social.

A estratificação social representa até hoje a expressão de um sistema de relações conflitivo e desumanizador para homens e mulheres.

 

O dinamismo patriarcal na educação

O sistema patriarcal, isolado, não dá lugar à dialética entre as polaridades associadas às qualidades maternas e paternas, ao masculino e feminino. Impede a percepção do diálogo entre os opostos, dos paradoxos e até mesmo da ambigüidade e contradições inerentes a esse diálogo. Isso porque traz em seu bojo uma concepção rígida, com padrões determinados a partir da idéia de autoridade e submissão.

Um número significativo de instituições ainda se esforça em preservar o dinamismo patriarcal, que regula o modo como conduzem a aprendizagem. As tarefas, em muitos casos, são reduzidas a um desafio, como um inimigo a ser derrotado. Não há prazer nem alegria em realizá-las. O erro é considerado um grave acidente, e não um instrumento de revisão e compreensão.

Não se trata de eliminar as qualidades da dinâmica patriarcal, e sim de recuperar um equilíbrio de forças, permitindo a entrada das outras qualidades, associadas à dinâmica matriarcal.

A escola como um microssistema pode atuar gerando diferentes movimentos e criações no macrossistema se, para isso, aceitar o desafio de colaborar para criar novos e mais saudáveis padrões de relacionamento e comportamento, a partir de uma revisão de valores.

É interessante notar a contradição estrutural dessas instituições, nas quais a maior parte dos profissionais é do sexo feminino, enquanto vigem concepções reguladoras claramente patriarcais. Portanto, observa-se que nunca houve de fato uma ligação direta do gênero às qualidades supostamente correspondentes a ele. Mulheres detentoras de poder manifestam tendências muito distintas daquelas associadas ao universo feminino. O mesmo pode ocorrer aos homens, na educação ou em outras áreas de atuação profissional.

Assim, é possível questionar os papéis que desempenhamos na sociedade e na família, ligadas às funções paterna e materna. Há, na prática, um trânsito expressivo entre esses papéis, desempenhados pelos dois sexos. Mas não há a percepção consciente desse fenômeno pela maioria das pessoas. Entretanto, segundo Byington (1986), há na identidade pós-patriarcal do homem e da mulher uma nova demanda relacionada à expressão psicológica de cada um. Essa demanda atual acentua os conflitos dentro das instituições de ensino, na família e na sociedade.

Emma Jung (1967), citando a teoria de C.G. Jung, considera Animus e Anima arquétipos de muito peso na individuação. No entanto, pode-se supor que a consciência do homem e da mulher ainda está sob o jugo do arquétipo paterno, autorizado e privilegiado pelo dinamismo patriarcal. Anima e animus ficam, assim, impedidos de cumprir seus propósitos criativos.

 

Estudo de Caso e revelações

O caso F. foi a mola propulsora de toda pesquisa realizada. Trata-se de um professor que foi contratado por uma pequena escola de Educação Infantil da rede particular de ensino de São Paulo, para atuar num grupo de alunos de 4 anos.

Sua presença gerou protestos e uma rejeição intensa por parte dos pais de alunos. A temida proximidade entre o masculino e as crianças (especialmente as meninas), a figura paterna desvinculada de uma qualidade de acolhimento e afeto, o medo de uma possível homossexualidade (e da sua suposta influência sobre os meninos), foram as causas de um questionamento devastador.

O professor F. possuía características interessantes em seu modo de ser, identificadas de forma inconfundível às qualidades da Anima, às qualidades do feminino: capacidade de acolhimento, tolerância, afetividade... qualidades bastante desejáveis para um professor. Associadas a essas, trazia em si qualidades do universo masculino, porém, sem evidenciar um comportamento que as privilegiasse em alguma medida. Sua presença, no entanto, foi perturbadora. Fez emergir tabus e preconceitos, e reacender na instituição a discussão sobre uma condição submissa a padrões sociais aparentemente ultrapassados.

Ao conversar com alguns professores que atuam nos ciclos iniciais de ensino, foi possível identificar um sentimento comum de isolamento. Todos descreveram a pressão sofrida por parte da família e amigos, que não enxergam o magistério como uma profissão adequada para homens. Também tiveram que passar por uma espécie de teste de aprovação social nas instituições, no que diz respeito às competências pessoais, independentemente de suas habilidades profissionais.

Todos manifestaram a sensação de ocupar um lugar especial e forte nas instituições que atuam, como uma presença que imprime uma marca singular.

Nas entrevistas ainda pude confirmar algumas impressões e hipóteses, por meio de perguntas e do pedido da realização de dois desenhos que representassem os universos masculino e feminino.

No caso de F., por meio das representações gráficas dos universos feminino e masculino, ficou evidenciado, em suas expressões simbólicas, um diálogo entre os opostos, ou seja, uma dinâmica de alteridade.

Suas imagens aparecem misturadas e parecem acolher ambas as forças. Isso também já havia se evidenciado nas respostas e comentários feitos por ele.

Quanto aos outros professores entrevistados, em um deles foi detectada uma importante sobreposição das qualidades masculinas em ambos os universos, sem a negação das qualidades femininas. Nesse caso específico, foi possível perceber que o universo feminino vinha carregado de traços masculinos, enquanto o universo masculino aparecia de forma a trazer representações mais equilibradas.

Em outro professor, o conflito entre os universos apareceu presente em toda a simbolização, embora sua fala e história tenham apontado para um lugar de revisão de valores e rejeição em relação à severidade patriarcal.

Desse modo, pudemos observar que todos os professores em questão já podem contribuir, efetivamente, para mudar o padrão patriarcal e os preconceitos que dele advém.

Nas representações gráficas elaboradas por pais e mães de crianças cursando os ciclos iniciais, o universo masculino apareceu quase que exclusivamente associado ao trabalho, com imagens predominantemente angulosas e sem contornos. Muito diferente, o universo feminino surgiu nos desenhos com uma aparência delicada e um tanto estereotipada, indicando em alguns casos uma fluidez sustentada por um elemento estruturante. Assim, comparando as qualidades destacadas nos desenhos, percebemos uma clara tendência à polarização. Pode-se supor que o sistema patriarcal no qual estamos mergulhados ainda, neste momento histórico, contribui para a ausência de diálogo entre essas forças.

Contudo, ao expressarem racionalmente suas idéias a respeito do que pensam, todos demonstraram o desejo de que haja um diálogo entre essas qualidades, assim como na aprendizagem, privilegiando a escolha por uma relação mais horizontal entre professor e aluno.

 

Conclusões

Byington descreve o arquétipo da alteridade, salientando no mesmo a presença de três componentes básicos: igualdade, liberdade e totalidade. A igualdade se refere às iguais oportunidades de expressão do Eu e do Outro, com a manutenção de suas diferenças. A liberdade é o componente que torna possível a plena expressividade do Eu e do Outro na sua interação dialética. E a totalidade se refere aos movimentos do Eu e do Outro em sua integração e diferenciação, num sentido que os transcende e os abrange. O arquétipo da alteridade rege a possibilidade de um encontro profundo entre as diferentes individualidades, no qual as diferenças sejam preservadas e possam integrar-se criativamente. Ao postular o arquétipo da alteridade como integrador do universo masculino e do feminino, define-o também como o arquétipo que preside um padrão de funcionamento da consciência presente na democracia. O aspecto de quaternidade do arquétipo da alteridade está ligado à totalidade, pois segundo Jung, o algarismo quatro simboliza o arquétipo da totalidade, ou seja, uma integração dos arquétipos matriarcal/patriarcal e anima/animus.

“Assim, o dinamismo de alteridade, ao ser quaternário, busca a totalidade do que pode oferecer um relacionamento. Através do dinamismo da alteridade, é possível uma abertura genuína tanto aos aspectos inconscientes pessoais e coletivos presentes no simesmo e no outro, como às produções e criações culturais advindas do trabalho de abstração e integração entre as diversas polaridades da vida psíquica.” (MORAIS, 2007)

A intervenção psicopedagógica pode representar um caminho para a ampliação de uma consciência empobrecida por mitos e tabus sociais, e uma proximidade maior da noção de alteridade nas relações.

A Psicopedagogia institucional contribui na medida em que exercita a capacidade de revisão e re-significação de uma prática que vem perpetuando a idéia do professor como detentor do saber. A relação ensino-aprendizagem só é viável quando há troca. O professor consegue ensinar quando se dispõe a aprender, e o aluno aprende quando pode também ensinar. A relação professor-aluno, sob esse ponto de vista, confere um trânsito saudável intermediado pela expressão bipolar de cada parte. Ou seja, o professor ensina e aprende, enquanto o aluno aprende e ensina, compondo uma relação quaternária.

Suspeito que esse movimento de revisão e crítica esteja latente, esperando uma possibilidade de manifestação mais concreta. A autorização para isso virá, necessariamente, de algumas mudanças de paradigmas.

Ao ampliar o olhar acerca da função do professor na relação professor-aluno, a Psicopedagogia traz para o universo educacional uma realidade mais humanizada, numa relação mais horizontal, na qual transitam conteúdos psíquicos que permeiam a construção do conhecimento. Esses conteúdos não se limitam ao que professores e alunos trazem de suas vivências familiares, mas também às heranças culturais de seu tempo.

A Psicopedagogia propõe-se estudar a aprendizagem, levando em conta essa dialógica entre conteúdos conscientes-inconscientes, individuais-coletivos e a construção pedagógica.

“O mundo, as pessoas, e qualquer fenômeno, devem ser considerados como totalidades integradas, sistemas, cujas propriedades não podem ser reduzidas a uma parte menor, que constitui esse sistema total. Quando o sistema total é dissecado em partes isoladas, as qualidades do sistema são destruídas.” (FAGALI, 2001, p.36)

Essa reflexão considera a totalidade de qualquer manifestação, como numa dinâmica de inclusão, sem desqualificar ou reduzir. Esse olhar é novo em nossa cultura, e exige de todos uma mudança significativa de postura e de formação.

Byington (1986) considera que o padrão de consciência pós-patriarcal trouxe novos anseios e que chegou o momento em nossa evolução que “a união psicológica criativa do homem e da mulher se tornou necessária para assegurar a transformação da sua identidade e, com isso, assegurar sua própria sobrevivência”. O autor compara essa união psicológica à união biológica, atribuindo a ambas o mesmo grau de importância. Trata-se de transformar a identidade segundo os padrões patriarcais e parentais para dar espaço a um novo e criativo padrão de consciência, que considera as polaridades numa relação de igualdade e na troca dialética entre elas.

O reconhecimento de uma nova identidade se dará, segundo o autor, se houver uma ampliação da consciência no sentido de dissociar o masculino da figura do homem, e o feminino da mulher, como uma identificação exclusivista e redutivista.

Quando a cultura cria determinados padrões de comportamento para os homens e mulheres, como se fossem naturais em um ou outro, define, restringe e justifica ações baseadas em estereótipos. Os estereótipos têm acesso à consciência e são fortalecidos pelas soluções simplistas que oferecem para os conflitos inerentes às relações sociais.

Papéis estereotípicos são atribuídos a cada um de nós, na vida em sociedade, independentemente de nossas tendências ou possibilidades pessoais. Alguns deles, no entanto, são tão inadequados que transformam algumas pessoas em personagens, sem qualquer identificação com suas características essenciais. Um professor pode tornar-se uma caricatura se não puder refletir sobre a sua prática e não tiver uma visão crítica em relação à própria instituição da qual participa.

A Psicopedagogia possibilita ao educador o contato com um novo olhar para a própria prática e, ao mesmo tempo, uma escuta ampliada e voltada para o que não é revelado.

A alternância entre as qualidades matriarcais e patriarcais na escola, numa troca dinâmica e dialética necessita da presença de homens e mulheres atuando e valorizando a própria formação e a de seus alunos.

 

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* Educadora e Psicopedagoga

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