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Construção psicopedagógica

Print version ISSN 1415-6954On-line version ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. vol.15 no.12 São Paulo Dec. 2007

 

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PESQUISAS

 

Transitando pela saúde e pela educação: ampliando as possibilidades da psicopedagogia

 

 

Ana SzpiczkowskiI,*; Liliane HenriquesII,**

I Psicologia da Educação,PUC/SP
II Área de saúde da Ong InterAção

 

 


RESUMO

Este ensaio consiste no relato de uma experiência voltada a uma instituição da área da saúde, de assessoria psicopedagógica aos educadores, responsáveis pela educação de crianças e jovens com câncer, oriundos de outros estados, enquanto permanecem em São Paulo. Nosso trabalho foi fundamentado na teoria dos estilos cognitivo-afetivos de Fagali (2001-2003), com a utilização de recursos da arteterapia e buscou, por um lado, favorecer o autoconhecimento dos integrantes do grupo e seu relacionamento intergrupal, e por outro, oferecer-lhes oportunidades para reflexão sobre aprendizagem, bem como sobre as possibilidades de aplicação da teoria e vivências arteterapêuticas experienciadas, na sua prática diária.

Palavras-chave: Psicopedagogia, Saúde, Aprendizagem, Estilos cognitivo-afetivos, Câncer


ABSTRACT

This report consists of the description of an experience designed for a psychopedagogic consultancy institution in the health area to educators responsible for educating children and youngsters with cancer, that arrive from other Brazilian states, during their sojourn in Sao Paulo. Our work was based in Fagali's cognitive-affective relation types (2001-2003) with the use of art therapy resources and aimed at, on one hand, improving the self-knowledge of members of the group and its intergroup relationship, while on the other, to offer them the opportunity to reflect on learning, as well as on the possibilities of applying art therapeutic theory and experiences experienced in their daily practice.

Keywords: Psycho pedagogy, Health, Learning, Cognitive-affective relation types, Cancer


 

 

Introdução

Devo dizer mais uma vez: não tenho ensinamentos a transmitir. Apenas aponto algo, indico algo na realidade, algo não visto ou escassamente avistado. Tomo quem me ouve pela mão e o encaminho à janela. Escancaro-a e aponto para fora. Não tenho ensinamento algum, mas conduzo um diálogo. (Martin Buber)

Como integrantes da OSCIP InterAção, prestamos assessoria psicopedagógica a instituições na área de saúde, entre outras.

São desenvolvidos, no Interação, projetos de trabalhos especializados de cunho educacional e clínico, levando em conta o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e adultos, a orientação às famílias, escolas e outras Instituições envolvidas, assim como o aperfeiçoamento e capacitação de profissionais cuidadores e multiplicadores que atuam junto à população com baixa renda.

No presente trabalho pretendemos relatar a experiência de assessoria psicopedagógica oferecida a uma instituição localizada no estado de São Paulo, ligada ao atendimento de crianças e adolescentes com câncer e que comporta uma “escola” para os seus atendidos. Essa “escola” é coordenada por uma profissional da Educação, responsável pelo trabalho do grupo de voluntárias, as “professoras”, a quem nos propomos assessorar. Trata-se de um grupo formado, na sua maioria, por professoras aposentadas, embora esta não seja uma exigência. Essa equipe é responsável pela educação de jovens e crianças enquanto estes se encontram em São Paulo, já que são oriundos de outros estados. A “escola” atende desde crianças de educação infantil, a partir de quatro anos, até adolescentes no ensino médio.

Ao entrarmos em contato com a direção da instituição, foi-nos explicado que a “escola” necessitava modificar sua abordagem, pois esta obedecia, até então, a um padrão tradicionalista, voltado, principalmente, ao desenvolvimento de conteúdo pedagógico, fato este que já não mais corresponde às necessidades da população atendida.

Após a aceitação do projeto psicopedagógico apresentado pela OSCIPE Interação, demos início ao trabalho propriamente dito, ainda em andamento, e que está voltado a duas vertentes distintas. Uma delas, relacionada à orientação grupal dos educadores, e a outra, voltada ao atendimento psicopedagógico clínico junto a alguns educandos, freqüentadores da “escola”.

Em ambas as situações, o enfoque psicopedagógico adotado baseia-se na teoria de Gardner (1995), que se refere às múltiplas inteligências, e nas idéias de Jung (1875-1961), que define os conceitos de pensamento, sentimento, sensação e intuição como parte do caráter humano (Tipos Psicológicos, 1991), acrescido da proposta apresentada por Fagali (2003), que destaca a relevância de se considerar os estilos cognitivo-afetivos de aprendizagem, que dá aos alunos a possibilidade de pensar e de se expressar utilizando múltiplas linguagens e inteligências.

Da mesma maneira que as funções junguianas indicam como nos relacionamos com o mundo, avaliando-o e apreendendo-o, também nos dão indícios de como lidamos com a aprendizagem e com questões relativas a ela: o estilo literário, gráfico, os processos classificatórios e operatórios. Assim como a maior identificação ou rejeição pelas diversas áreas do conhecimento. Essas características das funções em relação à aprendizagem são o que Fagali (2001) denomina, em suas pesquisas, de “estilos cognitivo-afetivos”, buscando diferenciações entre esses estilos, através de alguns indicadores presentes nas construções desses aprendizes.

Um aprendiz com um estilo pensamento quer saber o ‘por quê’ ou ‘para quê’ de tudo; seus desenhos são esquemáticos e explicativos e a sua escrita é predominantemente narrativa e dissertativa, buscando argumentações e extrapolações dedutivas e indutivas; são atraídos por enigmas e desafios lógicos. A capacidade analítica e lógica é muito desenvolvida.

Já um aprendiz estilo sentimento, vincula-se com a aprendizagem através de um processo empático e de critérios éticos e estéticos; seus desenhos são carregados de conteúdos emocionais e possuem características mais expressionistas; os textos também tratam sobre sentimentos ou conflitos humanos e o estilo literário adotado, normalmente, é o da crônica. A subjetividade está presente em todas as produções.

Um aprendiz com estilo mais perceptivo é observador e busca a objetividade dos fatos de forma descritiva; seus desenhos possuem características mais impressionistas, carregados de cores, luminosidade e espacialidade e ele preocupa-se com o estético e com a boa-forma; sua escrita é descritiva, com frases curtas e poucas articulações. O pragmatismo encontra-se presente na aprendizagem.

Um aprendiz estilo intuitivo possui capacidade sintética desenvolvida e facilidade para apreensão do todo; seus desenhos possuem características surrealistas, repletos de símbolos oníricos e temas futuristas; sua escrita é metafórica, tendendo a um estilo poético. Apresenta facilidade em expressar-se em linguagens não-verbais.

Uma criança – um mundo grandioso e amplo. Duas crianças – três mundos: o mundo de cada uma das crianças e outro das duas juntas Três crianças não são somente uma e mais uma e mais uma. Junto às três – a primeira e a segunda juntas, a primeira e a terceira juntas, a segunda e a terceira juntas e o mundo de todas juntas. E eis que você tem sete mundos – falta de vontade, coleguismo, brigas, alegria, tristeza. Saia e veja quantos mundos estão ocultos em dez, vinte, trinta crianças, vários e difíceis mundos. Você só, sem a ajuda das crianças, não conhecerá esses mundos e, então, sua tarefa de ensinar não terá êxito. (Janusz Korczak)

A assessoria psicopedagógica ao grupo operante na “escola”, tema deste trabalho, teve inicio em 2006, após contrato com a direção da instituição.

Esse contrato, ainda vigente, se constitui das propostas de atuação da OSCIPE InterAção, em que fica definida a citada assessoria, apoiada em reuniões mensais de duas horas, na sede da “escola”. A partir da identificação das demandas do grupo, são formuladas as oficinas de apoio psicopedagógico ao grupo, e desenvolvidos os seguintes aspectos:

- Dinâmicas de grupo e sensibilizações;

- Reflexões e práticas, tendo em vista a criação de novas condições para lidar com as informações e uma melhor apreensão destas informações;

- Aplicações de estratégias e dinâmicas, que possibilitem a ampliação do olhar e da criatividade dos aprendizes, considerando a sua atuação no meio em que vivem.

Antes de iniciar o relato do trabalho propriamente dito, achamos importante falar um pouco sobre os “bastidores”, sobre nós, representantes da OSCIPE Interação, e sobre o nosso processo de organização frente ao desafio que tínhamos pela frente.

Somos duas educadoras, com formações distintas. Enquanto uma é psicóloga e psicopedagoga, a outra é pedagoga, mestra e doutora, com pesquisas voltadas à Psicopedagogia clínica e institucional, e à Educação democrática. Enquanto uma se voltou mais para a prática clínica, a outra se envolveu com a vida acadêmica. A primeira tem os estilos do sentimento e da intuição bastante aguçados e transita facilmente pelos meandros da arteterapia. A outra, por sua vez, tem um estilo perceptivo forte, o canal do pensamento bem desenvolvido, e o sentimento bastante presente.

Temos, também, nossas semelhanças, mesmo enfoque psicopedagógico, vontade de crescer, pessoal e intelectualmente, e muito esforço em direção ao acerto.

Foi então que, conhecendo nossas diferenças e semelhanças, optamos pela união dos conjuntos compostos por nossas características pessoais, formando um terceiro conjunto que representasse para nós um desafio motivador, tanto pelos resultados que buscávamos junto ao grupo assessorado, como pelo enriquecimento pessoal advindo da nossa parceria enquanto dupla.

Na prática, a dupla estaria com os papéis invertidos, isto é, o elemento com maior facilidade em transitar pelos estilos pensamento e percepção estaria praticando a sensibilização e interiorização do grupo, enquanto que o elemento com estilos fortes, voltados ao sentimento e intuição, ficaria responsável pela parte teórica e organização de textos. Esta proposta tinha a finalidade de oferecer aos componentes desta dupla a oportunidade de experienciar situações em que, ao utilizar seus estilos mais fracos, pudessem desenvolver-se mais plenamente enquanto pessoas e seres no mundo, e que nele necessitam se comunicar por diferentes canais. Assim, embora tivéssemos que lidar com dificuldades, entendemos a situação como um desafio, pois era um modo de receber orientações e “toques” do companheiro, em um encontro dialógico, cuja característica principal é a disponibilidade para a aceitação plena do outro, respeitando as suas diferenças. (Buber, 1947)

A título de ilustração do trabalho desenvolvido, selecionamos alguns dos nossos encontros, conforme expomos a seguir.

 

Primeiro encontro com o grupo operante da “escola”

Após uma breve apresentação da nossa parte e do trabalho que nos propomos a realizar, solicitamos às componentes do grupo (nem todas as voluntárias estavam presentes) que, sentadas em círculo ao som de uma música relaxante, se apresentassem, associando a sua pessoa a uma cor. Todas associaram uma cor à sua personalidade, sendo que a coordenadora da escola, ao associar a sua pessoa ao bege e cinza, imediatamente iniciou um relato sobre as dificuldades da escola, referindo-se aos seguintes fatos:

- Devido aos novos tratamentos existentes, mais rápidos, a permanência das crianças na escola é menor do que era anteriormente. Citou a criação de uma nova escola em São Paulo, com um trabalho semelhante ao deles, como fator que tem levado à diminuição do número de alunos na escola dessa instituição. Referiu-se, também, a pouca colaboração das escolas de origem de seus atendidos, no que se refere ao envio do conteúdo a ser trabalhado, bem como o fato de que a aprovação automática desses alunos, leva os mesmos ao desinteresse e falta de motivação para os estudos. Por fim, comentou que, ao que parece, vão precisar criar um material próprio para o atendimento de seus alunos.

Sua fala desencadeou, junto a algumas voluntárias, a necessidade de abordar o assunto, quando uma delas se referiu ao fato de que “dar aula particular” é desestimulante.

Perguntamos sobre a possibilidade de abrir a escola para a comunidade em geral, em horários alternativos à escolaridade oficial, tendo sido alertadas para o fato de que seus atendidos necessitam se preservar de possíveis contágios. Daí a dificuldade, ou melhor, praticamente, impossibilidade do convívio com crianças de fora desta comunidade específica.

Em um segundo momento, foi realizada uma imaginação dirigida, para que elas relembrassem a sua história na Instituição: o que as tinha motivado ao trabalho, quais as expectativas iniciais, como foram os primeiros contatos, o que viam de facilidades e de dificuldades, depois o tempo avançava e elas se recordavam de outros momentos na escola, novamente vendo as facilidades e dificuldades, até chegar ao momento presente, como estavam e quais eram as expectativas para a nossa entrada e o nosso trabalho.

Em um terceiro momento, foi solicitado que buscassem e colassem figuras de revistas que ilustrassem esses três momentos de suas histórias, para depois compartilhar com o grupo.

Nossa intenção, neste trabalho, era de nos situarmos na história de cada uma delas junto à Instituição, para que entrássemos como elementos agregadores nessa história, sem provocar uma intervenção que pudesse gerar descontinuidade no processo do grupo. Sincronicamente, nessa Instituição, uma das queixas apresentadas estava, justamente, ligada à descontinuidade: as dificuldades geradas pela flutuação do grupo de aprendentes.

Um ponto que chamou atenção foi que a maioria trouxe o início do trabalho, como um “chamado” para fazer algo diferente. Esse “chamado” manifestou-se de formas diversas, mas em todas pareceu marcar um novo rumo na vida, um marco de mudança.

A maioria privilegiou as facilidades do trabalho, sendo que mesmo aquelas que na sua fala se referiram a dificuldades, não fizeram o mesmo na sua colagem. Ao explicarem suas criações de colagem, as dificuldades foram apresentadas como algo já superado.

A imagem da escola como uma “grande família”, um lugar de muito acolhimento também ficou presente.

Neste primeiro contato com o grupo foi possível conhecer, embora de maneira superficial, as características, necessidades e expectativas de seus componentes, e a partir daí estabelecer alguns pontos que deveriam servir de apoio para os encontros seguintes.

A partir do segundo encontro, portanto, passamos a iniciar nossas reuniões sempre com a retomada do que havia sido trabalhado no anterior, para, a seguir, propor alguma dinâmica de interiorização, acompanhada de uma vivência associada às questões do estilo, tanto no que se refere ao grupo, propriamente dito, como à maneira de trabalhar este estilo com seus educandos. Finalmente era apresentada a teoria referente ao que foi trabalhado, na maioria das vezes, acompanhada de um texto escrito.

Esta dinâmica foi estabelecida pelo fato de existir heterogeneidade de idade e de estilos entre os componentes do grupo, associada ao fato de haver flutuação dos seus partícipes, isto é, nem sempre os mesmos elementos do grupo participavam dos encontros. Entendemos que desta forma é possível garantir, ou ao menos preservar, os objetivos propostos, mesmo junto àqueles que não estiveram presentes no encontro anterior, embora não de maneira completa. O relato do que foi trabalhado, acompanhado de um texto relativo aos pressupostos teóricos apresentados, pôde oferecer aos ausentes uma maneira de acompanhar o processo.

Interessante foi ouvir dos partícipes do grupo a expectativa de serem ajudados por nós. Entendemos esta fala como um sinal de aceitação e de vontade de mudar.

Começamos, então, a desenvolver junto ao grupo de voluntárias, introduzindo os conceitos de estilos cognitivo-afetivos, propostos por Fagali (2001).

Nossa primeira intenção, no trabalho com a equipe, era promover um maior autoconhecimento das participantes para que, a partir daí, elas pudessem, inicialmente, aguçar o seu olhar para as diferenças e potencialidades dos educandos, identificando nestes os estilos dominantes e, aos poucos, irem descobrindo e criando novas possibilidades e estratégias de intervenção na aprendizagem dos mesmos.

As primeiras vivências priorizaram os estilos “Sentimento” e “Perceptivo”, os quais, segundo nossa observação, eram dominantes no grupo. Optamos, dessa forma, por uma atuação que partisse das suas facilidades para depois chegarmos aos pontos mais frágeis da equipe.

Nos nossos encontros procurávamos alternar vivências de maior interiorização e relaxamento com outras atividades mais dinâmicas, em que utilizávamos danças e movimentos expressivos. Após essas vivências, propiciávamos ao grupo um momento de partilha, em que elas relatavam os sentimentos e sensações experienciados, e, a partir disto, buscávamos estabelecer uma ponte entre esta experiência pessoal e a teoria proposta, associando-as, principalmente, à sua prática na Instituição.

Ao final das reuniões, com freqüência, entregávamos textos ao grupo, compostos por teoria e propostas de atividades relacionadas ao conteúdo trabalhado.

Num dos primeiros encontros, após uma sensibilização baseada na interiorização, pedimos às participantes do grupo que, após refletirem e imaginarem sobre o que gostavam ou não gostavam de fazer, escrevessem a respeito disto. A partir da discussão sobre o que escreveram, fomos introduzindo o conceito de estilos cognitivo-afetivos, partindo dos estilos “Sentimento” e “Perceptivo”.

Em um outro encontro, após retomarmos a reunião anterior, propusemos uma sensibilização em duplas onde, de pé, uma integrante defronte a outra deveria modelar a parceira com as mãos e vice-versa.

A dinâmica seguinte, na seqüência, constituiu-se de uma dança em duplas, ao som do violino de Paganini, em que as pessoas dançavam e trocavam de duplas. Foi interessante observar a confraternização ocorrida no grupo a partir desta dinâmica, pois as participantes demonstravam alegria e relaxamento.

Para finalizar a sensibilização, lemos uma mensagem que relata a bravura de Paganini, renomado violinista, que em uma apresentação foi tendo as cordas do seu violino arrebentadas, uma a uma, até que com uma única corda conseguiu tirar um som maravilhoso de seu instrumento, tendo sido muito ovacionado pelo público.

Conversamos sobre a mensagem do texto, sobre o que cada uma havia sentido, sobre as dificuldades que enfrentamos no dia a dia, sobre as limitações comuns a todos, e como é possível lidar com as mesmas e, ao mesmo tempo, sentirmo-nos fortes para seguir em frente.

Buscamos, com essa dinâmica, mobilizar novamente os estilos “Perceptivo” e “Sentimento” do grupo, o primeiro através da dança e da modelagem e o segundo a partir da identificação com a história.

No encontro seguinte, após a retomada da reunião anterior, e considerando os diferentes estilos presentes entre os participantes, propusemos uma sensibilização mais dinâmica, baseada no movimento/dança.

Na seqüência dispusemos, no chão, diferentes faixas de papel contendo frases relacionadas aos estilos cognitivo-afetivos, retirados de diferentes textos de Fagali, e solicitamos a elas que escolhessem as frases mais próximas ao seu modo pessoal de ser.

Tal exercício, além de fornecer dados para o autoconhecimento e identificação pessoal, propiciou também, às suas participantes, a possibilidade de enriquecimento sobre a questão dos estilos, um dos principais focos do nosso trabalho.

Encerramos nossas atividades em 2006 bastante motivadas em dar continuidade ao nosso trabalho junto à escola, ainda que percebêssemos a dificuldade de suas integrantes em estabelecer uma ponte direta entre o que vivenciavam e discutiam nas nossas reuniões e a sua prática no dia a dia, junto aos seus alunos. Ficamos sabendo, também, que a escola seria transferida para outro espaço físico, uma nova sede, no ano vindouro.

Nossa motivação se deu, principalmente, porque em uma das últimas reuniões de 2006 houve uma manifestação do grupo, em que nos solicitavam transmitir à administração da Instituição a nova forma de pensar a escola, isto é, preocupar-se em atender o aluno nas suas necessidades do momento, levando em conta seu estilo de aprendizagem.

Este pedido foi uma revelação para nós, pois o grupo estava nos dizendo, de certa forma, que acreditava ser este o caminho da escola, e não mais aquele que se preocupava apenas com o conteúdo escolar, para que o aluno estivesse apto a prosseguir seus estudos nas escolas de origem. Demonstrava mudança no olhar da coordenação para uma nova concepção de educação mais ampla, que vai além dos conteúdos escolares. Manifestava a compreensão de que o aluno, tendo sido respeitado no seu estilo de aprendizagem, ou melhor, tendo sido satisfeito em relação à sua forma singular de captar e aprender, não se está negando as suas possibilidades. (Fagali, 2001, p.99)

Foi com esta perspectiva positiva, então, que reiniciamos nosso trabalho em 2007.

Nossa primeira reunião se deu na sede da Instituição, uma vez em que as obras da nova sede da escola ainda não estava concluída.

Neste retorno, o foco da reunião foi o momento de transição que elas estavam vivendo: como estavam conseguindo realizar o trabalho na sede da Instituição, com as dificuldades e facilidades dessa adaptação.

Partindo do que as participantes do grupo abordaram no inicio do encontro, propusemos uma visualização delas naquele espaço, e como elas imaginavam a escola nova. O que elas gostariam de manter e o que não gostariam de levar para lá.

Todas abordaram as dificuldades em trabalhar na sede da Instituição, devido, principalmente, às interferências externas (principalmente das mães), à facilidade de dispersão das crianças e adolescentes naquele espaço (que é como se fosse a casa deles), bem como pelo fato de terem de entrar em contato com as crianças mais adoecidas, que normalmente não iriam para a escola.

Como pontos positivos dessa vivência, trouxeram a possibilidade de atenderem mais crianças, já que muitas delas deixam de ir à escola porque chegam dos tratamentos hospitalares num horário em que a condução que leva da sede para a escola já saiu. Outro fator positivo levantado foi o contato maior com as mães, que possibilitou que as voluntárias tivessem uma vivência mais próxima das dificuldades e angústias destas famílias.

Nas reuniões seguintes, já instaladas no novo espaço da escola, continuamos o trabalho enfocando os estilos, mas abrindo também espaço para um diálogo com o corpo, a saúde e a doença do corpo, uma vez em que elas lidam diariamente com aprendentes que, pelas suas condições, estão o tempo todo dialogando com essas questões.

Houve um encontro em que, em um exercício de sensibilização, solicitamos às componentes do grupo que tentassem entrar em contato com seu próprio corpo, percebendo quais são as suas partes mais energizadas e fortalecidas e as mais sensíveis e frágeis. Após um tempo nessa exploração interna, demos um pouco de algodão para que cada uma o manipulasse livremente, inicialmente com os olhos fechados e depois abertos, expressando através do mesmo a parte do corpo que havia chamado mais a sua atenção, seja por sua força ou por sua fragilidade.

A seguir, abrimos espaço para que falassem sobre as sensações sentidas, sendo que todas, sem exceção, trouxeram suas partes mais fragilizadas. Conversamos sobre o que vivenciaram, procurando estabelecer pontes entre essa parte do corpo e a pessoa como um todo. Buscamos, então, estabelecer a relação da dinâmica vivenciada com a teoria dos estilos, relembrando os estilos desenvolvidos (Sentimento e Percepção) e demos algumas sugestões para o trabalho com as crianças, baseado neste tipo de vivência. Por fim, entregamos um texto específico sobre os dois estilos abordados, com exemplos de dinâmicas relacionadas aos mesmos e pedimos a elas que pensassem, também, em outras propostas.

No encontro seguinte, retomamos a reunião anterior, verificando o que tinha ficado de mais forte para cada uma, relembrando a parte do corpo que elas haviam escolhido para expressar, e pedindo que elas relatassem um pouco do processo vivenciado àquelas que não haviam participado daquele encontro.

Em seguida, iniciamos a sensibilização, pedindo que elas, de olhos fechados, respirassem lentamente e, delicadamente, tocassem seu próprio rosto, fazendo uma massagem suave. Aos poucos essa massagem descia para os ombros e braços, região peitoral, abdômen e pernas.

Após esse momento individual, pedimos a elas que se levantassem e, postando-se atrás de outra colega, fossem massageando o pescoço e as costas da mesma, invertendo depois as posições.

Ao final do exercício, solicitamos que se sentassem e, pela respiração, voltassem novamente ao seu interior, e esfregassem suas próprias mãos, umas nas outras, colocando-as sobre uma parte do corpo que elas sentiam necessitar de mais atenção naquele momento. Ressaltamos a importância de que percebessem como estavam se sentindo em relação ao próprio toque, comparado ao toque da colega, se foi mais fácil entrar em contato com o corpo hoje, em relação à última vivência, do encontro anterior, e que observassem se esses toques permitiram que algo no corpo chamasse sua especial atenção. A seguir, elas expressaram livremente o que sentiram, no papel, com palavras.

Ao abrirmos o espaço para a troca, várias delas trouxeram a sensação de maior relaxamento e tranqüilidade, após a vivência. Uma das voluntárias trouxe a possibilidade de fazer esse trabalho com as crianças, e daí surgiu o debate sobre a possibilidade de utilização, no seu trabalho na “escola”, daquilo que elas têm vivenciado nas reuniões.

Foi feita, então, a relação da vivência com a teoria, abordando a questão dos estilos de aprendizagem. Apesar de focar mais o “Perceptivo” e o “Sentimento”, especificamente na vivência, assinalamos todos eles, aproveitando as dúvidas que trouxeram e apresentando alguns exemplos de atividade que poderiam aplicar a partir dessa vivência.

Finalmente, distribuímos um texto com propostas de atividades, partindo das vivências corporais das últimas reuniões, indo dos estilos Perceptivo e Sentimento para o Intuitivo e Pensamento.

Neste momento, algumas delas passaram a dar idéias sobre a aplicação destas vivências e dos conhecimentos teóricos adquiridos, na sua prática diária. Este fato expressava um progresso significativo na compreensão da nossa proposta, e demonstrava que elas já conseguiam, mais facilmente, estabelecer relações entre o que vivenciavam nos nossos encontros e o seu trabalho na “escola”.

 

Considerações Finais

Ao chegar ao fim desse relato, é preciso enfatizar que, pelo fato do processo de assessoria junto à citada Instituição ainda estar em andamento, nossas considerações são apenas parciais. Mas nesse caminho já percorrido, podemos ressaltar pontos importantes e significativos:

&– A heterogeneidade do grupo, quer seja pela formação inicial de cada um dos seus integrantes, quer seja pela faixa etária, permite a riqueza e o intercâmbio nos trabalhos. A vocação para o voluntariado, por sua vez, une o grupo e favorece esse intercâmbio. Essa mesma heterogeneidade, aliada a um propósito comum, aparece em nós como dupla, e permite a integração de nossas diferenças, onde uma completa a outra, e mais, “olha” o mundo sob prismas distintos. É justamente este olhar desigual que permite uma atuação mais completa. Com bastante freqüência utilizamos nossas diferenças enquanto dupla, como ilustração para explicar os estilos e, principalmente, para mostrar a riqueza desta complementaridade, sem negar as dificuldades desse processo;

&– A ampliação do olhar para a questão da aprendizagem, que trouxe inclusive uma mudança no nome da escola, que agora é denominada de “Apoio Educacional”, aponta para uma abertura para novas formas de lidar e intervir, saindo de uma visão tradicionalista e, mais importante, para uma visão em que as diferenças entre os alunos são respeitadas, considerando as condições especiais em que eles se encontram, de fragilidade por causa de suas condições de saúde, e por conta da distância da família e de seu local de origem. Respeitando essas questões, a escola passa a ser um local de possibilidades de criar, apesar das dores físicas e emocionais.

Nossa proposta atual está voltada para a ampliação do nosso trabalho para além dos muros da instituição, em que pretendemos estabelecer contatos com instituições de Psicopedagogia das localidades de origem desses aprendentes. O objetivo é dar continuidade ao processo por eles iniciado, buscando respeitar seus estilos de aprendizagem, assim como suas condições físicas e emocionais, para que possam tornar-se pessoas envolvidas e atuantes na sociedade.

 

Referências Bibliográficas

BUBER, Martin. “Education“. In: Between man and man. Cap. III. Londres: Collins, 1947.        [ Links ]

FAGALI, Eloísa Quadros. (Org.) “As Múltiplas Formas de Conhecer e Expressar“. In: Múltiplas faces do aprender– Novos paradigmas da pós- Modernidade . São Paulo: Unidas, 2001.        [ Links ]

________________. Como evitar os problemas de aprendizagem, ao dialogarmos com as diferenças e os múltiplos estilos cognitivo-afetivos. Ribeirão Preto: PubliCOC – Futuro Congressos e Eventos, 2003.        [ Links ]

GARDNER, H. Inteligências múltiplas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.        [ Links ]

JUNG, C.G. Tipos psicológicos. Rio de Janeiro: Guanabara,1991.        [ Links ]

 

 

* Ana Szpiczkowski - Profa.Dra - FFLCH/USP, Doutora em Lingüística e Semiótica-USP/SP, Mestre em Psicologia da Educação-PUC/SP, com Dissertação sobre Psicopedagogia, Pedagoga, Membro do LEI/USP, Colaboradora da Área de saúde da Ong InterAção; e-mail: anaszp@terra.com.br
** Liliane Henriques - Psicóloga formada pela UERJ, Psicopedagoga Clínica e Institucional pela PUC-SP, Gestalt-terapeuta, Coordenadora e Supervisora da Área de saúde da Ong InterAção; email: lhenriques@uol.com.br

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