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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. v.15 n.12 São Paulo dez. 2007

 

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PESQUISAS

 

Etnoeducação: uma análise a partir do gênero de ensino e sua articulação com o estilo de aprendizagem terena

 

 

Marta Regina Brostolin*

Universidade Católica Dom Bosco

 

 


RESUMO

O presente trabalho visa identificar o gênero de ensino predominante na escola indígena Terena da aldeia Buriti, município de Dois Irmãos do Buriti, Estado de Mato Grosso do Sul, bem como o estilo de ensinagem do professor, analisando a relação entre ensinante e aprendente e as significações do aprender para ambos, em busca de uma etnoeducação. A pesquisa apresenta características descritivas e delineamento de estudo de caso e o trabalho de campo se desenvolverá durante o ano letivo de 2007/2008, utilizando como instrumentos para a coleta de dados o questionário, a entrevista e o grupo de discussão. A análise dos dados será feita mediante o método hermenêutico dialético, sendo este estudo um recorte do Plano de Trabalho inserido no Projeto “A Etnoeducação e sua articulação com o estilo de aprendizagem indígena Terena.

Palavras-chave: Etnoeducação, Gênero de ensino e estilo de aprendizagem


ABSTRACT

The work in hand seeks to identify the predominant teaching gender in the Terena indigenous school in the Buriti village, in the municipality of Dois Irmãos do Buriti, State of South Mato Grosso, as well as the teaching style of the teacher, analyzing the relationship between teacher and learner and the significations of learning for both, in search of an ethnic-education. The research presents descriptive characteristics and the outline of the case study and the field work being done during the school year of 2007/2008, using as instruments for the collection of data the questionnaire, the interview and group discussion. The analysis of the data will be carried out by way of the hermeneutic dialectic method, as this study is part of the Work Plan in the Project, “Ethnic-education and its articulation with the style of indigenous learning of the Terena.

Keywords: Ethnic-education, Gender in teaching and learning style.


 

 

1 Introduzindo...

E inquestionável que tem muitas formas de nos comunicar e de viver. O contato com diferentes culturas nos mostra que é imprescindível olhar as diferenças. Mesmo numa cultura específica e inegável como a dos povos indígenas, a presença da diversidade poderá se manifestar, se abrirmos as portas para esse diálogo com o múltiplo, ampliando as possibilidades das pessoas se manifestarem e questionando as condições de aprendizagem padronizadas que negam essa pluralidade.

Segundo Fagali (2001), muitos pensadores têm questionado a visão reducionista de homem que a cultura ocidental faz, colocando como única forma legitimada de aprender o pensamento lógico linear, aspecto também enfatizado pelo movimento científico moderno. Nessa ótica e partindo da premissa que a escola e a família são manifestações da projeção da forma pelas quais os adultos concebem a vida e sonham seus desejos, entende-se a aprendizagem como uma forma de discurso compreendida como um conjunto de enunciados e de mensagens que regem o modo como se organiza a sociedade pelo laço social. Por meio da aprendizagem formal oferecida pela escola, apreende-se não somente o conhecimento socialmente valorizado, mas valores e ideais do grupo para poder apropriar-se, dominar e reinterpretar, podendo criativamente dar continuidade a essa transmissão.

Quando pensamos na escola indígena, o que temos? Na maioria dos casos não é a escola que reflete os interesses e realidades sócio-culturais das comunidades, pois muito antes da introdução da escola, instituição social de ensino formal e sistematizado, os povos indígenas já vinham e vêm elaborando sistemas de pensamentos e modos próprios de produzir, armazenar, expressar, transmitir, avaliar e reelaborar seus conhecimentos e suas concepções.Todas as sociedades indígenas, ao longo de sua história, dispõem de seus processos próprios de socialização e de formação de pessoas mobilizando agentes para fins educativos.

Neste processo, os momentos e atividades de ensino-aprendizagem combinam espaços e momentos formais e informais com concepções próprias sobre o que deve ser aprendido. Tradicionalmente, a educação do índio se dava informalmente, em contato com os adultos em suas atividades diárias, ou formalmente, pelos seus rituais e comemorações, integrando, sobretudo, três círculos relacionados entre si: a língua, a economia e o parentesco, (MELIÁ, 1979). O modo como se vive esse sistema de relações caracteriza cada um dos povos indígenas, sendo essas relações transmitidas para seus membros, especialmente para os mais jovens, concretizando-se, assim, a ação pedagógica. Como afirma Veiga (2003, p.37): “a educação das crianças, sua socialização na comunidade, se faz na família, pelo ensinamento de seus pais, pelas palavras e histórias dos mais velhos e por muitos outros meios que a comunidade possua”.

De acordo com Taukane (1999) a história da educação escolar entre os “Kurâ-Bakairi” registra que a educação tradicional perpassa a vida inteira de uma pessoa, em processos de interiorização e transmissão de valores de geração a geração. Neste contexto, a educação acontece pela vida e para a vida, pelo exemplo dos pais, avós e parentes próximos”. Meliá (1979) destaca que cada grupo tribal tem formas próprias para socializar seus jovens e inseri-los nos padrões da cultura que lhe é peculiar.

Neste cenário, constata-se que a educação indígena tem origem em um movimento cultural interno e faz parte de um processo em que a cultura é ensinada e aprendida segundo uma socialização integrante, (GIROTTO, 2006). Infelizmente, esse processo não se traduz no trabalho escolar realizado nas escolas indígenas quando encontramos uma educação para o indígena que historicamente percorreu outro caminho com vistas à sua integração na sociedade nacional e no abandono de sua identidade e cultura.

 

2 Educação Escolar para o Índio: em busca de uma etnoeducação

A escola para os povos indígenas surge de forma impositiva, com a chegada dos colonizadores em conjunto com a ação evangelizadora da Igreja, tendo como princípios a conversão religiosa e o uso de mão-de-obra. Neste período, a educação seguia o modelo tradicional, com base nesses dois princípios, caracterizada pela transmissão de informações tidas como verdade absoluta e inquestionável, na qual cabia ao aluno apenas armazenar na memória os conteúdos e devolvê-los quando solicitados. Este modelo de aprendizagem muito contribuiu para ação integracionista, destruindo desta forma a cultura indígena e a forma de organização existente.

De acordo com Silva (2001, p.96), “quando a escola foi implantada em área indígena, as línguas, a tradição oral, o saber e a arte dos povos indígenas foram discriminados e excluídos da sala de aula. A função da escola era fazer com que os índios desaprendessem as suas culturas e deixassem de ser índios”.

Historicamente, a educação escolar entre os povos indígenas no Brasil pode ser dividida em quatro fases. A primeira situa-se à época do Brasil Colônia, quando a escolarização do índio esteve a cargo exclusivo de missionários católicos, notadamente os jesuítas. Até a expulsão dos missionários da Companhia de Jesus, em 1759, os jesuítas usaram a educação escolar, entre outras, para impor o ensino obrigatório em Português como meio de promover a assimilação dos índios à civilização cristã.

A criação do SPI (Sistema de Proteção ao Índio), em 1910, serve de marco para a segunda fase. Após quatro séculos de extermínio sistemático das populações indígenas, o Estado resolveu formular uma política indigenista menos desumana, baseada nos ideais positivistas do começo do século.

A terceira fase começa no final dos anos 70, ainda durante o período militar, quando começaram a surgir no cenário político nacional organizações não-governamentais voltados para a defesa da causa indígena. Entre elas, destacam-se a Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI/SP), o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), a Associação Nacional de Apoio ao Índio (ANAÌ) e o Centro de Trabalho Indigenista (CTI).

Essa terceira fase foi marcada pela atuação de diferentes entidades e instituições pró-indio, enquanto um novo momento mobilizava grupos organizados da sociedade civil para a elaboração de uma Política Nacional de Educação Indígena com objetivo de contemplar concepções e filosofias educativas dos povos indígenas no Brasil.

Outro marco dessa terceira etapa da história da educação escolar para os índios, é a criação, a partir de 1981, em várias regiões do país, de Núcleos de Educação (e/ou Estudos) Indígenas, os NEIs. Congregam, em geral, pesquisadores de diferentes universidades, entidades indigenistas, técnicos de Secretarias de Educação e Cultura Estaduais, entre outros, os quais vêm se dedicando à realização de cursos, encontros, pesquisas e propostas de educação para povos indígenas. Paralelamente, e em consonância com o surgimento das organizações nãogovernamentais pró-índios no país, no período da ditadura militar, o movimento indígena começou a se organizar, dando origem à quarta fase da história da educação indígena.

A partir dos anos 80, houve uma intensa articulação indígena nas mais diversas regiões do país, quando foram realizados encontros, congressos e assembléias que permitiram o estabelecimento de uma comunicação permanente entre inúmeras nações indígenas, cujo objetivo era a reestruturação da política indígena do Estado. As mudanças ocorridas a partir da década de 90 estabeleceram um marco legal na legislação escolar indígena com uma nova configuração que, embora assegure uma educação diferenciada, intercultural e bilíngüe, concretamente persiste um desencontro entre a institucionalização do sistema de ensino representado pelos municípios e estados e as práticas dos professores nas salas de aulas.

Neste contexto, os professores passam a reivindicar a implantação de um sistema de ensino próprio baseado na etnoeducação, termo utilizado por Bodnar in Kuper (1993, p.279) que o define como “un proceso social, permanente, inmerso en la cultura propria, que permite conforme a las necessidades, interesses y aspiraciones de um pueblo, capacitarse para el egércicio del control cultural del grupo étnico y si interrelación com la sociedad hegemónica en términos de mutuo respeto”. Nesse processo, espera-se que o aluno não somente aceite a tradição cultural, mas que a reconstrua criativamente, ressignificando-a, isso demanda esforço e capacidade para elaboração e criatividade. Rubisntein, em análise à questão, afirma “se na escola moderna cabia apenas ao mestre a transmissão, na escola contemporânea cabe também ao mestre instigar seus alunos para que reflitam e reconstruam a tradição cultural”, (2003, p.54).

 

3 Aprendizagem: falando em gêneros e estilos de ensinar e aprender na escola indígena

Na modernidade, o gênero de ensino e aprendizagem, a relação com o conhecer e o saber dentro da escola era distinto do atual. A disciplina como submissão à autoridade do mestre era o que mais estava em evidência na escola, não havendo espaço para um aluno crítico e contestador. O aluno deveria repetir o conhecimento ministrado nas aulas pelo professor, que era uma espécie de guardião, que verificava a fidelidade do aluno em relação ao que fora a ele ministrado. A hierarquia era fisicamente marcada, na sala de aula, pela mesa e cadeira do professor, postas acima do nível das carteiras dos alunos.

Esse quadro também é encontrado nas escolas indígenas e em situações ainda mais críticas pelos missionários que buscavam evangelizar a população e do SPI que utilizava a escola para introduzir novos hábitos e novas necessidades, tornando-se assim a escola uma aliada importante para o processo civilizatório conduzido pelo Estado.

Na atualidade, a forma como estão dadas as regras que sintetizam as relações entre adultos e crianças contribuiu para um outro gênero de ensino e aprendizagem. Hoje, o processo de ensino aprendizagem é mais desafiador para o professor e também para os alunos, pois em virtude de múltiplos e complexos fatores, o professor está enfraquecido em seu papel, desautorizado de seu significado social e, por esta razão, muitas vezes, não consegue a posição necessária para exercer com competência sua função de ensinante.

Nesse contexto, a partir do gênero de ensino adotado em cada escola, o professor desenvolve seu estilo próprio de ensinar. Portanto, o gênero marca as semelhanças, enquanto o estilo marca as diferenças. Mas o que caracteriza esse estilo? Do ponto de vista semântico, a palavra derivada do latim “stilus” se associa à feição especial ou ao caráter de uma produção escrita, ou a maneira especial de exprimir os pensamentos ou de expressá-los através da escrita, ( RUBINSTEIN, 2003).

Fagali (2001) aprofunda suas pesquisas sobre o assunto e amplia seu significado entendendo o estilo como uma forma muito particular de o sujeito se revelar, no contato consigo mesmo e com o outro, na sua forma de aprender e ou ensinar utilizando diferentes mecanismos de captação e processamento da realidade; um jeito próprio de expressão mediado por uma linguagem verbal ou nãoverbal; uma tendência a utilizar determinados padrões comportamentais e mecanismos de natureza afetiva, ao dialogar com as emoções.

No caso do sujeito da aprendizagem, ele pertence ao gênero dos escolares e deve-se reportar ao que se espera dele como aluno e escolar. Porém, para pertencer ao grupo de escolares, ele terá que se submeter às regras do modus operandi da escola, ou seja, seu gênero de ensino e ao estilo de ensinagem do professor. Nessa relação, o professor como sujeito que ensina envolvido ou não com a transmissão, “influirá também na construção do estilo de aprendizagem do aluno ao transmitir seu próprio estilo de lidar com o saber, ou seja, como o professor, na relação com os alunos, manifesta seu entusiasmo por aquele conhecimento e como o conhecimento o entusiasmou”, (RUBINSTEIN, 2003, p.133).

3.1 Conhecendo o universo da pesquisa: breve contextualização do Povo Terena da Aldeia Buriti

A Terra Indígena Buriti, área de mais recente formação, ocupada provavelmente a partir da segunda metade da primeira década do século XX, já que até 1913 não foram encontrados moradores Terena na região. Em 1927, foi decretada a posse indígena de uma área de 2.000 hectares. Atualmente, a área é de 2.090 hectares, encontrando-se numa situação jurídica de homologação, sendo revisada, pois os indígenas reivindicam uma área de 17.200, ocupada hoje por fazendeiros.

É composta por um conjunto de nove aldeias e apresenta uma situação muito curiosa, situa-se justamente na divisa de dois municípios, Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, sendo que a Aldeia Buriti se localiza neste último e a 72,6 km de distância de Campo Grande. Registros do SPI de 1923 informam que havia neste período na aldeia em torno de 420 pessoas (OLIVEIRA,1976), hoje, possui uma população em torno de 760 pessoas. A base econômica da aldeia é a agricultura, os Terena vendem seus produtos no entorno e buscam complementar a renda familiar empregando-se nos frigoríficos e fazendas da região.

A religião predominante na aldeia é a católica, a maioria dos habitantes não fala mais o idioma materno, somente os idosos e a escola vem realizando um trabalho de revitalização da língua introduzindo em seu currículo aulas de Terena. A organização política é representada por um cacique e um vice-cacique, eleitos pela comunidade por um período de dois anos, assessorados por um conselho tribal e foi eleito um vereador da comunidade na última eleição.

A Aldeia possui energia elétrica e água tratada, a maioria das famílias é composta por 4 a 6 pessoas, que ocupam em torno de 1 hectare onde plantam milho, feijão, mandioca, arroz e frutíferas para o consumo, tendo uma renda mensal entre um e três salários mínimos. Os bens de consumo encontrados nas residências são: geladeira, televisão, rádio, celular e ferro elétrico.

A Aldeia tem um Posto de Saúde que oferece atendimento médico e odontológico, entretanto, os casos mais sérios são encaminhados pela Funasa para as cidades de Dois Irmãos do Buriti, Sidrolândia ou para Campo Grande. As doenças mais comuns são gripe e febre. A medicina tradicional ainda é praticada pela pajé (D. Isaura), bem como o uso de ervas. As danças do Bate Pau e Siputrema estão sendo retomadas, principalmente, por meio do incentivo e grupos formados na escola e comunidade, assim como a língua, o artesanato e a cerâmica, embora devido a degradação do meio ambiente, a matéria-prima praticamente inexiste.

3.2 O processo de escolarização na Aldeia Buriti

Na Aldeia Buriti, a educação escolar não é um processo recente, ela existe desde a década de 30. Teve seu início entre os anos de 1935 a 1940, quando surgiu a primeira escola na aldeia com o nome de XV de Novembro, criada pelo SPI com as seguintes características: paredes de tábua, cobertura de telha e o piso era de cerâmica, tipo ladrilho.

A entidade mantenedora era o SPI e a escolha do nome não se deu em homenagem a ninguém, simplesmente foi escolhido pelo Chefe de Posto, funcionário do SPI. A escola atendia uma média de 40 alunos e, muitas vezes, esse número diminuía devido à saída para as fazendas a trabalho. Os professores não tinham formação e era um professor por ano, sendo ensinado português em forma de ditado e algumas contas de matemática. A língua materna não tinha nenhuma influência no ensino naquele tempo, pelo contrário, havia um movimento pelo desuso. O material utilizado era apenas um caderno doado pelo SPI. Apenas em 1991, o Decreto nº 054 cria a Escola Pólo de Primeiro Grau Antônio Castilho na aldeia.

Durante esse período o ensino sempre foi ministrado em português, o que contribuiu para o quase desaparecimento da língua materna, atualmente, só os idosos falam a língua Terena. Os conhecimentos tradicionais não foram incorporados aos conteúdos escolares e os mesmos foram ministrados sem qualidade suficiente para ultrapassar os limites de uma educação formal voltada para uma escola rural. Esse modelo de educação para o índio configurou um gênero de ensino tradicional e integracionista no qual o professor assumiu o papel de disciplinador como estilo de ensinagem e o aluno, impossibilitado de uma participação mais ativa, adotou um estilo de aprendizagem passivo, de receptor, ou mero espectador na relação ensino-aprendizagem.

Atualmente, a escola desponta buscando o seu espaço, no desejo de criar o seu Projeto Político-Pedagógico para que, dessa forma, a comunidade possa colocar em prática seus saberes culturais. A escola, hoje demominada de Alexina Rosa Figueiredo, nome dado em homenagem a anciã com mais idade da comunidade, 115 anos, é mantida pela Prefeitura Municipal de Dois Irmãos do Buriti.

A estrutura física da escola é nova, de alvenaria e foi construída há uns cinco anos pela prefeitura municipal. Possui 9 salas de aula, uma cozinha, um banheiro masculino e outro feminino, uma sala e banheiro para os professores e atende em torno de 300 alunos, da pré-escola ao ensino médio. O corpo docente e administrativo é formado por 19 professores indígenas, a maioria com formação em nível superior. Os recursos didáticos disponíveis são: televisão, retroprojetor, mimeógrafo e rádio.

Os livros didáticos são apenas para os alunos do ensino fundamental e a merenda escolar é fornecida pela Prefeitura de Dois Irmãos do Buriti, servida com freqüência. As atividades culturais no espaço escolar acontecem semestralmente, em três noites, com apresentações e exposições, tendo por referência a cultura Terena. A comunidade participa das atividades escolares pela APM ( Associação de Pais e Mestres) e a Associação de Professores que ainda esta em fase de organização.

Em resposta aos novos preceitos legais, a comunidade Terena da Aldeia Buriti representada pelos professores, hoje todos indígenas e, em sua maioria, com formação em nível superior, organiza-se para romper com esse gênero de ensino e busca formular uma nova concepção de educação indígena pautada em seu contexto cultural. Esse trabalho vem gradativamente sendo construído, como podemos constatar pelo depoimento de professores:

[...] estamos sempre realizando trabalhos que façam a diferença, como conteúdo que condiz com a realidade de nossa comunidade.

Nós aqui na aldeia estamos trabalhando com a nossa própria comunidade e temos até professor de língua Terena que ensina os alunos na escola.

Quando inquiridos sobre a questão, os alunos se posicionaram:

Há incentivo dos professores que trabalham com a língua, a dança e os valores da cultura.

A cultura Terena está se resgatando a cada ano que passa. A escola indígena incentiva cada um a buscar a revitalização da cultura [...] nós índios estamos buscando o nosso espaço na sociedade tentando trazer o melhor para nossa comunidade.

A educação indígena é muito importante na vida de todos os índios, porque a gente aprende a língua, costumes, cultura, e histórias dos antepassados.

O ensino escolar está bom, a cultura Terena alguns anos atrás estava desaparecendo mas com o incentivo da escola e também da comunidade, estamos resgatando a nossa dança, a língua Terena, os artesanatos e toda nossa identidade indígena.

Os depoimentos acima, pequenos fragmentos de um universo maior da pesquisa apontam um novo gênero de ensinagem e aprendizagem, ou seja, um novo cenário para a escola indígena que aos poucos se vai construindo, pautada na interculturalidade, buscando conciliar as especificidades de cada realidade com as concepções universais. Nesse processo, os professores procuram compreender aspectos relacionados com a subjetividade, não estão apenas envolvidos com os conteúdos acadêmicos, não tendo olhos para enxergar os alunos, mas os percebem como sujeitos da aprendizagem que pelo falar, silenciar, não prestar atenção, sinalizam quais são as possíveis representações relacionais que explicam suas atitudes frente ao conhecimento. Desta forma, “a escola torna-se um lugar para aprender por meio das relações verticais com os mestres e horizontais com seus pares”, (RUBINSTEIN, 2003, p.52).

Portanto, para compreender o estilo de aprendizagem do aluno é importante compreendê-lo no contexto sociocultural, é útil analisar o funcionamento da instituição escolar nos aspectos que influenciam direta ou indiretamente na aprendizagem ou contribuem para a construção de sua auto-imagem. Em suma, cada aprendente, dependendo de seu estilo de aprendizagem, reage de modo diferente ao gênero e estilo de ensinagem.

 

4 Finalizando...

Entende-se, portanto, que é nessa relação dinâmica entre ensinante e aprendente que se pode construir a etnoeducação, ou seja, uma educação verdadeiramente indígena. A proposta de uma escola indígena diferenciada apresenta-se ainda como um desafio a ser vencido pelas comunidades indígenas de modo geral. No que tange a população Terena, representada neste estudo pelos professores e alunos da escola da Aldeia Buriti, constata-se que estão conscientes da necessidade de reconstrução de seu projeto político-pedagógico, trabalho este em andamento.

Afirmam estarem avançando nesse processo de forma gradual, percebe-se uma maior conscientização e mobilização dos professores e lideranças ao buscar junto às universidades e órgãos públicos, apoio para viabilizar seus projetos. Destaca-se então nesse cenário, o comprometimento com a comunidade no sentido de acreditarem que é possível a construção de uma escola devidamente alicerçada em pressupostos teóricos consistentes, das várias áreas do conhecimento, quanto ao conhecimento formal e não-formal oral e escrito, compreendendo-se como fundilos apropriadamente para se construir um currículo adequado para a escola indígena. Este, sim, é o grande desafio para concretizar a etnoeducação.

 

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* (pedagoga, psicopedagoga, mestre em educação e doutora em desenvolvimento local -Universidade Católica Dom Bosco/UCDB) brosto@ucdb.br

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