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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. v.16 n.13 São Paulo dez. 2008

 

PONTOS DE VISTA E REFLEXÕES

 

A arte e o terapêutico na práxis psicopedagógica nas organizações

 

 

Sandra Meire de Oliveira Resende Arantes*

UNIMINAS, Uberlândia, MG

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo apresenta reflexões teóricas e práticas sobre o fazer psicopedagógico nas organizações, apoiado no modelo sistêmico. A Psicopedagogia é reconhecida como um recurso para possibilitar um novo olhar e um novo norte para as relações, buscando parcerias com os outros profissionais atuantes nas organizações. Neste sentido, ela lida com os processos de aprendizagem, focando as variadas questões que envolvem as relações humanas que estão na rede do sistema, compreendendo o processo, a dinâmica, a evolução, a maturidade dessas relações, em um determinado ambiente. A intervenção, nesse contexto, faz-se através do diálogo entre a Psicopedagogia, a Arte e a Terapia, por perceber que, sob este viés, pode-se contribuir para a expansão e para o desenvolvimento das relações e das potencialidades de cada indivíduo, dos grupos e da organização, como um sistema.

Palavras-chave: Aprendizagem, Organizações, Arte, Terapia.


ABSTRACT

This study presents theoretical and practical reflections about the “to do” psychopedagogical in the organizations, supported by the systemic models. Psychopedagogy is recognized as a resource to make possible a new view and a new direction for the relations looking for partnerships with the other active professionals in the organizations. In that sense, the Psychopedagogy works with the learning processes focusing the varied subjects that involve the human relationship that they are in the net of system understanding the process, the dynamics, the evolution, the maturity of those relationships in a certain environment. The intervention, in this context, is made through the dialogue among Psychopedagogy, the Art and the Therapy, for noticing that, under this inclination, it can be contributed to the expansion and for the development of the relationship and of the individual’s potentialities, of the groups and of the organization as a system.

Keywords: Learning, Organizations, Art, Therapy.


 

 

A Psicopedagogia, no contexto organizacional, é uma ação recente e tem merecido estudos e pesquisas dos profissionais desta área. Esta ação não tem a intenção clínica, ou seja, não há o foco na resolução de questões emocionais que o indivíduo apresente em sua história ou no momento das propostas. A preocupação está na relação ensino-aprendizagem, nos processos de aprendizagem, isto é, como a pessoa está, num determinado momento, em uma determinada organização, frente ao ato de “aprender-se” naquele sistema no qual ele está inserido. Em contrapartida, também tem sua atenção voltada para as variadas questões que envolvem as relações humanas que estão na rede do sistema, compreendendo o processo, a dinâmica, a evolução, a maturidade dessas relações, em um determinado ambiente; como os grupos se inter-relacionam, como os grupos interagem, quais são as relações regressivas, primitivas, indiferenciadas, de continência, de controle, se estas relações dão espaço a um processo de construção e de desenvolvimento dos elementos que compõem os grupos ou, ainda, se o sistema apresenta as mesmas queixas que são trazidas pelos sujeitos inseridos nela.

A Psicopedagogia, nestes contextos, é um recurso para possibilitar um novo olhar e um novo norte para as relações, buscando parceria com os outros profissionais atuantes nas organizações, cuidando para a não interferência em outros setores profissionais. A intervenção psicopedagógica implica em um processo de aprendizagem, repercutindo na práxis organizacional. A Psicopedagogia “situa-se no “entre”; numa abordagem interdisciplinar, e busca o desenvolvimento do homem mais integrado, valorizando a sua capacidade de criar e de transformar, utilizando diferentes linguagens expressivas” (Fagali, 2002, p.28). As técnicas expressivas utilizadas, como recursos para as intervenções, possibilitam que deixemos de usar exclusivamente a linguagem verbal, facilitando, assim, o processo terapêutico, o contato do indivíduo consigo mesmo e com o outro, bem como a integração em grupo. Ao lidar com o criativo, com a criatividade de cada pessoa, a Psicopedagogia evoca e fortalece os aspectos saudáveis de cada ser humano, as suas qualidades, a fonte que nutre o seu ser, favorecendo o seu desenvolvimento e também o “processo de cura” para as dinâmicas não saudáveis.

Tendo como suporte os recursos expressivos, é possível alcançar um bom nível de aprofundamento, diante das propostas, sem que as mesmas sejam demasiado incisivas, não expondo os indivíduos em seus ambientes de trabalho. As produções artísticas exigem elaboração intelectiva, ou seja, para criar sua própria “experiência” o indivíduo tem de ordenar, organizar, selecionar, simplificar, classificar, abreviar, condensar, abstrair, significar etc., de acordo com o seu desejo. Ao percorrer tais esquemas internos, na produção e na expressão artística, o indivíduo vai re-elaborando e construindo novos processos de aprendizagem, de crescimento, de amadurecimento do ser (Dewey, 1994, p.245).

O psicopedagogo, no universo organizacional, necessita ter um olhar cuidadoso, apurado, reflexivo e pesquisador para todas essas questões, a fim de exercer o seu papel adequadamente e satisfatoriamente. Nesse sentido, o trabalho em rede e o olhar sistêmico são fundamentais para a atuação, nesta especificidade (Gasparian, 1998). O psicopedagogo, assim, poderá construir e contribuir com os outros profissionais e ampliar o seu fazer, facilitando processos, dentro do sistema em que esteja inserido. A solução para as queixas apresentadas se fará, a partir desta ação em rede.

O modelo sistêmico está pautado na observação, na percepção das partes do sistema (os micro-sistemas), na compreensão e na reverberação da dinâmica do todo (o macro-sistema), ou seja, a organização (Gasparian, 1998). Cada componente da empresa não é uma parte, mas sim a repercussão da dinâmica do todo. Portanto, sob este modelo, observam-se os fenômenos que ocorrem nesta dinâmica e que estão interconectados e interdependentes, ora saudáveis, ora dificultosos entre si. Os seres humanos que estão nesta rede serão transformadores e participantes desta transformação (Capra, 1997).

Para a estruturação dos projetos e propostas, em uma empresa, alguns passos são importantes: em primeiro lugar, é necessário que o profissional conheça a instituição e os elementos que a compõem, por exemplo, diretoria, gerentes, departamentos, cargos e funcionários, espaço físico, etc. Assim, torna-se possível traçar um perfil da empresa, não só a partir “daquilo” que ela apresenta em primeiro plano como seu produto, marketing e/ou imagem, mas a partir dos dados de realidade, ou seja, com quem, como e onde a sua filosofia, a sua missão (enquanto entidade social) se estrutura e se desenvolve.

Altera-se, portanto, a visão tradicional a respeito das organizações. O que se pretende com o modelo de trabalho sistêmico é desvelar e compreender a teia de relações no todo organizado que caminha, interage e age nesse sistema, em seu processo, em seu desenvolvimento.

Neste sentido, a relevância do cuidado do psicopedagogo está no modo como ele compreende os fenômenos e as relações, a fim de que a práxis psicopedagógica possa ser de comprometimento, reflexão, expansão, na evolução do sistema. A partir da compreensão dos fenômenos, deve-se levar em conta que a instituição desvela processos individuais, sendo, muitas vezes, metáforas dos micro-sistemas (setores e departamentos, por exemplo). Em função desse movimento, o sistema se comporta não como um conjunto de fatores independentes entre si, mas como um todo coeso e interdependente, inseparável, no qual a interação e a integração dos elementos favorecem a mudança, a transformação, frente a um determinado foco que venha a ser eleito para um trabalho psicopedagógico.

A práxis psicopedagógica organizacional possibilita a circulação das potencialidades, o equilíbrio, a oportunidade de dar continuidade para os ajustamentos, ou seja, novos comportamentos criativos para o desenvolvimento dos processos da instituição. Torna-se possível, para cada componente do sistema, promover, reconhecer e se apropriar das qualidades que emergem das propostas psicopedagógicas.

Um dos papéis da Psicopedagogia Empresarial é o de promover a capacidade de condução dos projetos e das investigações, na observação e no agir com os grupos e, neste sentido, auxiliá-los a desenvolverem uma nova postura, enquanto grupo. Postura esta que pode se expressar no assumir de responsabilidades e compromissos, frente às diversas ações, na organização. Esse responsabilizar-se de cada componente da instituição favorece o emergir do respeito e do reconhecimento das diferentes qualidades, evitando-se eleger depositários das questões e dificuldades que ocorrem na empresa. Neste contexto, é possível redimensionar paradigmas, eliminando-se a causalidade, a linearidade, frente a um determinado grupo da instituição, bem como dela própria, diante das suas especificidades.

Toda organização tem sua estrutura, suas normas, sua missão e sua filosofia, que sustentam e embasam o posicionamento e a práxis dos profissionais nela atuantes. É relevante que o psicopedagogo observe e compreenda como é que esse sistema se autogoverna, a partir dos dados definidos por ele próprio. De posse desse conhecimento, o psicopedagogo poderá formular hipóteses para a sua ação, não esquecendo que ele também será um elemento desse discurso. Assim, o psicopedagogo será capaz de inter-relacionar os elementos observados, frente a uma situação problema, a fim de detectar a inter-relação dentre as dificuldades e conflitos, bem como a maneira como os mesmos se apresentam.

Não há a intenção de analisar tais relações ou questões como falsas ou verdadeiras, mas há o interesse, nesta ação, de identificar como o psicopedagogo poderá fazer uma intervenção. Esta será facilitadora, condutora de novas aprendizagens e terapêutica, se facilitar que um determinado grupo, num determinado sistema, alcance uma possível transformação.

É evidente que o sistema irá oferecer resistências expressas, como dúvidas e questionamentos, por exemplo. Tais resistências são necessárias para possibilitar a mudança e delimitar as fronteiras, do trabalho. No diálogo entre as resistências e as flexibilidades, facilita-se o desenvolvimento das qualidades na instituição, ampliando-se as interações, promovendo-se o equilíbrio daquilo que, num primeiro momento, apresenta-se como disfuncional, transformando-se, posteriormente, em recursos, reorganizando-se no sistema.

No contexto organizacional, o trabalho psicopedagógico se desenvolve, basicamente, com grupos; portanto, focar a questão do contato nesta ação, é de suma relevância para a qualidade dessa práxis. No grupo, tanto as necessidades individuais como as coletivas são evidenciadas; logo, a função de um trabalho com grupos é a de redimensionar tais necessidades, transformando-as ou tornando-as degraus para estágios posteriores mais amadurecidos dos sujeitos e dos grupos, facilitando outras experiências. As adaptações ativas e criativas, frente às situações vivenciadas nas propostas, que podem ser, por exemplo, desenhadas como oficinas, vão estruturando a interação, numa ação inteira, tornando o trabalho uma unidade básica, uma investigação, a fim de favorecer mudanças constantes.

Por meio da arte, da experiência de criar com os diferentes materiais expressivos, torna-se possível a tomada de consciência de alguns estados de sentimento e de pensamento e, como nos alerta Rhyne, os sujeitos “poderão ver que os padrões de suas formas de arte simbolizam o modo como padronizam suas atitudes e comportamentos na vida”. Muitos desses estados de sentimentos e pensamentos, às vezes, não estavam conscientes para o indivíduo ou ele estava vagamente ciente deles, “ dessa forma, ver uma gestalt clara no seu trabalho de arte”, ou mesmo no compartilhar dos trabalhos do grupo, “pode levar a perceber uma gestalt clara de si mesmo como personalidade”(2000, p.45).

O contato, portanto, na real-ação grupal é estabelecido pelos vínculos: “afetivo, intencional ou motivacional”. O grupo é um sistema, onde os níveis intra-pessoais, inter-pessoais e sistêmicos se estabelecem. Compreender as relações vinculares desse sistema faz-se necessário para um contato nutritivo e transformador, nas propostas/projetos/oficinas (Ribeiro, 1994).

Ao se trabalhar com a Psicopedagogia Organizacional, o movimento do aqui e do agora, do passado, do presente e do futuro torna-se mutante, desdobrável e transcendente. Torna-se terapêutico. O sujeito passa a ser e a ter um momento presente que é só seu. Quando se está inserido em uma instituição, corre-se o risco de buscar padrões, a fim de se sentir mais seguro ou com um referencial para trilhar um percurso. Esse referencial é extremamente necessário, como elemento norteador do sistema, mas não como fonte de ação que ocasiona, em muitas situações, a paralisação, o parar da ação, o agir sem criação. O passado, o presente, o futuro, os sintomas, as atitudes e posturas inadequadas são e estão no aqui e no agora do sujeito como memória, falta de atenção, remorsos, medos, rancores, tensão corporal, fantasias, estresse, esperanças, desejos, expectativas. Assim, são criadas possibilidades para o exercício das fronteiras de contato: contato com o eu, com o corpo, com valores, com a possibilidade da expressão mediada pelos materiais expressivos. As funções de contato, em cada atividade, são cuidadosamente focadas: o olhar, o escutar, o tocar, o falar, a qualidade da voz, da linguagem, do movimento, do cheiro e do gosto. Um exercício, no exercitar com tato (Ginger, 1995).

É evidente que, na instituição, muitas são as dificuldades para o estabelecimento do contato, pois cada sujeito tem a sua história de vida, com cicatrizes, questões profundas, quadros psíquicos já estabelecidos e comportamentos muitas vezes cristalizados. Os desafios são múltiplos. No entanto, no movimento da práxis, esta se fortalece, fazendo emergir uma maturidade na ação, um “ajustamento criativo”, ou seja, uma ação engajada, dentro de um processo, com percepções mais complexas dos indivíduos (Ginger, 1995).

É sob este viés que a sustentação argumentativa do estudo para o diálogo entre Arte e Terapia se embasa, por perceber que a Arte contribui para a expansão e para o desenvolvimento criativo, desvelando as relações e as possibilidades potencializadas no processo de cada pessoa; para a conscientização dos conflitos e das dificuldades, bem como para o auto-conhecimento. Estes são fatores fundamentais para o crescimento individual, pois, para que cada um possa se desenvolver é necessário estar presente para si mesmo! O terapêutico encontra-se nas propostas, na medida em que favorece transformações nos processos individuais e grupais; que propicia liberdade e crescimento interior, trazendo dignidade aos sujeitos. A conscientização das potencialidades torna, portanto, a pessoa capaz de agir na organização apoiada nelas.

Assim, alcançam-se metas, por meio de linguagens que se trans-formam em imagens, em palavras, em traços, em cores e em formas que compõem cada Ser. Afetivamente, as propostas visam a ampliar a consciência do indivíduo, por meio do contato consigo mesmo e com o outro. Cognitivamente, buscam um fazer que desenvolva, aprimore e articule esquemas de ações específicos às possibilidades cognitivas dos sujeitos, por meio de diferentes estratégias que utilizem os recursos expressivos. Torna-se possível reconhecer a construção de um espaço terapêutico na organização na medida em que o trabalho psicopedagógico proporciona diferentes estágios de aprendizagem, auto-conhecimento e transformação a toda rede.

Atualmente, muitas organizações têm contratado o fazer psicopedagógico em seus espaços porque têm percebido a necessidade de enfocar a capacidade de seus funcionários para aprender, buscando respeitar os limites e as condições individuais para isso. Tem havido um despertar para a valorização daquilo que o indivíduo aprende e de como se dá sua relação com o conhecimento, com o saber, ou seja, tenta-se encontrar a relação do sujeito com o conhecimento e o significado do aprender para ele, dentro do sistema. Nesse contexto, cada funcionário da empresa é visto como aquele que, em apresentando uma dificuldade, desvela uma situação mais ampla, onde se inscreve toda a rede em que ele está inserido.

Sob esse prisma, a instituição passa a crer que a visão centrada apenas no funcionário empobrece a possibilidade de ampliação de seus recursos, que devem ser disponibilizados para o fazer, frente aos novos desafios. O funcionário necessita sair da posição de depositário e ser visto como parte de um processo amplo, que inclua novas parcerias como co-responsáveis nesse quadro. Assim, a dificuldade de aprendizagem transforma-se em oportunidade: de aprendizagem nos processos de relacionamentos inter-pessoais; e de oportunidade para os setores de liderança, quanto à reflexão sobre os resultados de uma ação ampliada, com novas diretrizes, para os novos procedimentos.

A partir desse foco de observação, pode-se perceber a instituição como um espaço que abre possibilidades para um novo olhar sobre a questão da relação ensino-aprendizagem. A Psicopedagogia insere-se, nesse contexto, de uma forma extremamente importante no auxílio a essas dificuldades. Não no sentido de superá-las, mas no sentido de favorecer mudança que altere o padrão de olhar o mundo, por meio da reflexão sobre cada uma das pessoas que compõem essa rede institucional. A ação psicopedagógica facilitará uma reverberação do trabalho por todo o sistema, que passará a refletir sobre os diferentes aspectos de sua composição. O sistema, como um todo, poderá fazer circular suas potencialidades, equilibrar-se, dar continuidade a novos comportamentos criativos. A circularidade no trabalho ocorre e é expressa pela busca de equilíbrio, pela auto-alimentação de cada participante do sistema, por meio de aprendizados das diferentes posturas, criando, assim, novas perspectivas e novas possibilidades de ação.

Especificando a práxis psicopedagógica, por exemplo, no interior dos projetos e/ou >as oficinas, podemos encontrar uma organização para a ação efetiva. A fim de facilitar a compreensão, façamos uma divisão didática dessa ação (Ginger, 1995):

1. Estruturas integrativas

A noção de trabalho em rede parte de uma estrutura integrada, que se auto-alimenta internamente, dentro do processo. Assim, ao observar-se a ação, é possível identificar-se os temas centrais na auto-organização individual e dos grupos, quando os mesmos compartilham e escolhem, por exemplo, os temas em cada proposta. É possível estabelecer a seqüência, a maneira de trabalhar, quando organizar os passos e como estruturar os projetos; bem como quando convidar os participantes para um contato dialógico com os materiais, com o outro e consigo mesmo. Nesse sentido, buscamos a integração na estrutura das oficinas.

Outro fator, nessa estruturação, refere-se aos objetivos e às estratégias. Ao se respeitar as múltiplas realidades de cada componente do grupo, é possível favorecer o processo individual, oportunizando o exercício de testar o que encaixa e o que não encaixa (os ajustamentos) para cada pessoa nas atividades, por meio do contato com os materiais artísticos. Assim, através de sua própria vivência, o indivíduo vai se fortalecendo internamente, adquirindo instrumentos para a resolução de problemas e para sua auto-organização, frente às situações difíceis a que esteja exposto.

2. Processos de trabalho

Dentro do processo de trabalho, observamos a relação “eu e tu”, que se expressa pelo contato direto, vivo e emocionante, engajado entre os indivíduos, por meio do constante diálogo: pelo olhar, pelo gesto, pela palavra, pela criação plástica, pela escrita (Buber, 1995).

No momento presente da ação, o sujeito é visto em seu princípio de contemporaneidade, pelo modo como vivencia seu espaço e seu tempo. O psicopedagogo mantém-se perto das verdades do indivíduo. Assim, centra-se no aqui e no agora, no campo do presente, no qual partes envolvidas podem usar seus sentidos, percepções e criatividade. Logo, na relação, é possível retirar o porquê e passar-se ao o quê e ao como, no processo. Observam-se os atos do indivíduo, os processos cognitivos, motores, comportamentais e sociais que constituem o que está sendo evocado, nos diferentes níveis.

Nesta dinâmica, é possível a cada participante das oficinas olhar, observar e reconhecer a sua produção como algo pertencente a si mesmo; entrar em contato com ela, negá-la ou acolhê-la. Esta é uma experiência única e individual. O próximo passo é integrá-la, transformá-la significativamente para si, em si.

3. Fortalecimento do contato

A experimentação no nível afetivo, da consciência e da ação, na relação com e entre o outro é estabelecida e fortalecida pelo diálogo. Diálogo com os materiais, com as orientações para cada atividade, com as próprias produções, consigo mesmo, com o grupo, com o psicopedagogo, com a instituição.

O contato, através do diálogo com a subjetividade do outro, que é a própria confirmação da existência de cada um, é aprofundada quando o psicopedagogo se permite apreender e compreender, mediante as percepções e as vivências, os padrões de ação do outro, ou seja, imaginando-se no lugar do outro, a fim de poder auxiliá-lo, favorecendo, portanto, a qualidade da inclusão no processo psicpedagógico.

Nesse sentido, a presença, ou seja, a comunicação genuína entre o eu e o outro, possibilita ao indivíduo a retomada de seu percurso na organização e em sua existência, por meio das vivências terapêuticas. O psicopedagogo, pela espontaneidade, pelo aprimoramento de sua percepção e de sua consciência na relação profissional, oferece ao outro uma comunicação entre existência e existência (Hycner, 1995).

Essas etapas do processo, ou seja, as “estruturas integrativas”, os “processos de trabalho” e o “fortalecimento do contato”, ajudam na compreensão e na organização dos projetos e oficinas, enquanto possibilidades e construções psicopedagógicas (Ginger, 1995).

Os sujeitos, nas empresas, sofrem muitas interferências, pois, vez ou outra, há remanejamento de pessoal, ou seja, indivíduos são cedidos para outros setores, realizam-se seleções internas para novos cargos que são disponibilizados, bem como novas contratações. Logo, tais pessoas e/ou grupos, já lidam, em sua configuração, com algo que é permanente e com algo que é transitório, portanto, lidam com um movimento de impermanência em suas relações. Nessa dinâmica, a qualidade do grupo vai se constituindo, bem como o seu movimento de dentro e fora, de espaço e tempo das mudanças que são internas e externas (de cada membro do grupo e do próprio grupo). Temos, assim, o grupo como unidade permanente de mudanças complexas.

No trabalho, o psicopedagogo deve estar atento para a dinâmica e para as múltiplas facetas apresentadas pelo grupo; deve observá-las e compreendê-las sob os prismas que se mostram como realidades ou como possibilidades dela. Ao entrar em contato com a perplexidade e com a incerteza, que são qualidades de contato nos grupos, o psicopedagogo pode tornar esse momento menos ameaçador se utilizar a fluidez, a espontaneidade e a criatividade.

Muitas vezes, diante da perplexidade, da incerteza, das necessidades, o que emerge é a resistência, a fim de manter-se em um determinado estágio do processo. Assim, lidamos com um equilíbrio frágil, sustentado por mecanismos de defesa, pelo medo do novo e das mudanças. Saber respeitar a espera, exercitar a paciência no processo, é uma maneira de aprendizagem para todos, pois a resistência também é uma forma de contato. Nesse sentido, ela deve ser compreendida e observada enquanto mensagem, no momento do trabalho. Só com o respeito às qualidades (sejam elas quais forem) que surgirem no grupo é que é possível promover a transformação e a aprendizagem.

Podemos dizer que esse movimento, que muitas vezes vai de um pólo ao outro, portanto, um movimento pendular, é uma busca de verdades do grupo, que são também individuais. No trabalho com grupos, as questões afetivas são, muitas vezes, a força de sua natureza. O nível de ambigüidade é muito grande, pois é um processo de aprendizagem para as contradições internas que se expressam nos grupos, como, a paciência, a calma, o respeito ao “meu” ritmo e ao do outro; a própria agressividade; as inúmeras dúvidas diante dos cargos e papéis, bem como da permanência na organização. O grupo auxilia seus membros a entrarem em contato e a usarem suas dúvidas para irem ao encontro das verdades (individuais e grupais).

Nas oficinas, observa-se que ao se lidar com o como, com o processo, auxiliam-se os indivíduos a adquirirem sentido e a valorizarem a si mesmos, os momentos e as situações vividas; percebendo que cada momento é novo e único, tem qualidades diferentes a serem apreendidas e aprendidas. A qualidade da auto-descoberta proporcionada à pessoa não apenas a auto-realização, mas também o aumento da capacidade de compreensão, de relacionamento e de compromisso com os outros e com o sistema.

As intervenções próximas do dado da experiência (perceber, descrever, expressar e experimentar) e do ensinar a pessoa a olhar, ouvir, perceber, sentir, imaginar e a descobrir o que é importante, verdadeiro e possível para ela, ou seja, a engajar-se ativamente na percepção, na experimentação e na auto-descoberta, fortalecem o contato na relação Ensino-Aprendizagem, nas organizações. Segundo Gary Yontef, ao se possibilitar que os projetos se organizem, permite-se que outras naturezas se (re)organizem também. Ao longo do processo, no fazer psicopedagógico, diferentes significados vão surgindo, favorecendo o crescimento, o desenvolvimento, a construção e a transformação dos sujeitos envolvidos(1998, p.43).

Ao se obter uma natureza organizada e clara dos projetos, obtém-se uma consciência orientada pelas necessidades dos sujeitos, nos diversos momentos do processo. Em cada proposta, projeto e oficina há comportamentos e experiências dos diferentes indivíduos que entram na relação, formando unidades ou todos organizados, com habilidades e potencialidades únicas. A preocupação se faz em observar a formação, reconhecer e possibilitar a expressão dessas qualidades, a fim de não gerar bloqueios e enrijecimentos.

Os sujeitos, nas organizações, trocam energia com o meio, na medida de suas possibilidades. Muitos não o conseguem por uma dificuldade em sua auto-regulação, ou seja, o indivíduo, ou o grupo tem dificuldade em se auto-corrigir para garantir o alcance das metas. Assim, dentro dos projetos, o psicopedagogo, juntamente com cada participante, estrutura o trabalho, a fim de promover a ampliação da percepção, a assimilação e o crescimento de cada um. Para muitos indivíduos é relevante a diferenciação do que “estou fazendo agora”, “quem sou agora”, com “o que fui”, “o que eu poderia ter sido”, “o que acreditam que eu posso(a) ser”, no sistema no qual está inserido. Esta diferenciação é a qualidade essencial para a sua singularidade, enquanto ser vivo.

Muitas das questões que emergem nos projetos psicopedagógicos dizem respeito ao medo, à desconfiança, à raiva, à exigência exacerbada de si mesmo, à necessidade de ser confirmado por um líder ou gerente, à voracidade e, até mesmo, a uma falta de tato social. Outras questões são a não tolerância à ansiedade, posturas defensivas, depressão, estresse, as somatizações físicas. Assim, tais fatores apontam os desvios de energia, dificultando a interação desses indivíduos com o meio. Nos projetos psicopedagógicos, as diferenças são evidenciadas; as possibilidades, habilidades, potencialidades são valorizadas, discutidas e acolhidas. Esta ação torna-se, portanto, cuidadosa e “cuidadora”, pois é um exercício de respeito entre as partes. Respeito este que é conquistado e aprimorado por meio da relação vincular que se cria e se fortalece, ao longo dos encontros. As propostas estruturadas unificam as sensações, os sentimentos e os pensamentos, na percepção do que se apresenta, nas relações.

No diálogo, na troca, no compartilhar das experiências no grupo, os indivíduos buscam harmonizar e compreender os ajustamentos às suas observações. O terapêutico, na práxis psicopedagógica, está na valorização das qualidades das observações, das percepções das experiências e não nas explicações para elas. A harmonia entre a percepção interna e a manifestação externa fortalecem o indivíduo, ajudam-no a se reconhecer como ser existente para si mesmo e para sua empresa/mundo.

 

Concluindo uma Ação

A experiência em Psicopedagogia nas organizações é uma experiência contínua, na qual a interação do indivíduo com os materiais e as propostas nas oficinas implica no próprio processo de ser em sua vida. Essa interação está sob as condições de resistência e de conflito, sob os aspectos e os elementos do eu e do mundo, qualificando a experiência com emoções, sensações, percepções, imagens, símbolos e significações. Na utilização da arte como recurso psicopedagógico, diferentes produções, episódios, acontecimentos mesclam-se e fundem-se numa unidade na própria obra, conferindo a ela a sua qualidade.

Por vezes, esta experiência psicopedagógica é incompleta, pois, “pomos nossas mãos no arado e voltamos para trás; começamos e logo nos detemos, não porque a experiência haja alcançado o fim, mas por causa de interrupções estranhas ou por qualquer letargia interna” (Dewey, 1994, p.237). Por vezes é integrada, dentro da circularidade de uma a outra experiência. Esta é a dinâmica da construção e do terapêutico, na práxis psicopedagógica.

Ao observarmos a organização como uma rede de relações, podemos percebê-la como um campo fértil para o desenvolvimento de projetos. Cada encontro psicopedagógico “é singular e tem seu próprio começo e fim. Pois a vida não se apresenta como uma seqüência ou corrente uniforme e sem interrupções. Constitui-se de histórias, cada uma com seu próprio tema, seu próprio princípio e movimento dirigido para sua terminação; cada uma com seu próprio e particular movimento rítmico; cada uma com sua própria qualidade não-repetível que a impregna”(Dewey, 1994, p.253).

A Psicopedagogia nas organizações mobiliza mudanças que são explicitadas na observação das formas, da estrutura e da articulação dos elementos do grupo, fortalecendo uma visão dinâmica, resgatando o olhar da instituição para ela mesma, como um sistema que tem necessidades e posturas diferenciadas. Quando uma instituição se dispõe a desenvolver um fazer psicopedagógico, ela se mostra como um sistema aberto a valorizar o Ser, em sua totalidade. A Psicopedagogia vislumbra a possibilidade de mediar, de integrar e de sintetizar uma ação, em cada subgrupo (funcionários gerais, líderes, gerentes, diretores), com o macro-sistema, ou seja, a empresa como um todo organizado e vivo. Assim, a arte e o terapêutico podem dialogar na práxis psicopedagógica.

 

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Endereço para correspondência
Sandra Meire de Oliveira Resende Arantes
Rua Johen Carneiro, 367, Lídice
Uberlândia, MG, Basil
Fone: (34) 3224-3687
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* Psicopedagoga Clínica e Institucional – Associada Titular da ABPp; Arteterapeuta. Terapeuta Transpessoal. Psicanalista Winnicottiana em formação pela Sociedade Brasileira de Psicanálise Winnicottiana. Coordenadora, supervisora e docente do Curso de Especialização em Psicopedagogia da UNIMINAS, em Uberlândia, MG. Supervisora e docente do Curso de Especialização em Arteterapia, em Uberlândia, MG, promovido pelo Alquimy Art/-SP. Coordenadora da Terra Mater – Espaço de Arte & Terapia, em Uberlândia, MG. Representante da Associação Mineira de Arteterapia, em Uberlândia, MG. Membro do Colegiado de Pós-Graduação da UNIMINAS, em Uberlândia, MG.

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