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Construção psicopedagógica

Print version ISSN 1415-6954On-line version ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. vol.17 no.14 São Paulo June 2009

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Subjetividade: novas perspectivas para pesquisas em Psicopedagogia

 

 

Beatriz Judith Lima Scoz

Psicologia Educacional – UNIFIEO/SP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este “Ponto de Vista” enfatiza a importância de considerar meios de pesquisa inovadores na Psicopedagogia quando se trata de compreender a subjetividade, uma vez que esta não é facilmente demonstrada ao pesquisador. Nesse sentido, o Jogo de Areia (Sandplay), apresenta-se como uma técnica vivencial promissora. Trata-se de uma caixa de areia com miniaturas onde os sujeitos constroem cenas de suas situações de ensino e aprendizagem. O ato simbólico, os momentos reflexivos e o aflorar das emoções presentes na construção dos cenários, possibilitam a compreensão dos sentidos que os sujeitos vão produzindo em seus processos de aprender e de ensinar e, conseqüentemente, suas subjetividades em construção.

Palavras-chave: Subjetividade, Psicopedagogia, Ensino e Aprendizagem, Jogo de Areia (Sandplay).


ABSTRACT

This proposal stresses the importance of considering innovative methods in research in Psychopedagogy field aiming to understanding the subjectivity, since this hardly reveals to the researcher. In this perspective, the Sandplay appears as a promising internal experience technique. This consists of a sandtray where miniatures are placed, and where subjects create settings of learning and teaching situations. The symbolic act, the reflexive moments and the emerging of emotions present by creating the settings make possible the understanding of the senses that the subjects come to produce in their processes of learning and teaching and therefore in their subjectivities in construction.

Keywords: Subjectivity, Psychopedagogy, Learning and Teaching, Sandplay.


 

 

A questão da subjetividade vem sendo discutida com muita ênfase nas últimas décadas, quando se percebeu que diversas situações humanas vividas pelas sociedades contemporâneas podem ser compreendidas quando analisadas a partir da subjetividade. Esta permeia o modo de estar no mundo e as diferentes situações vivenciadas pelos sujeitos em geral.

No caso de compreender a dimensão subjetiva presente nos processos de ensino e aprendizagem do sujeito, implica ter presentes processos dinâmicos que podem estar aí envolvidos que, segundo González Rey (2003), pressupõem uma confluência de sentidos que se articulam na história do sujeito e nas condições concretas dentro das quais esse mesmo sujeito atua no momento. Como resultado dessa confrontação: aparecem situações em que se apresenta a necessidade de o sujeito se reconhecer a si mesmo, de produzir sentidos, de delimitar seu espaço, o espaço em que encontra a congruência consigo mesmo na situação que está enfrentando: esse é o momento em que aparece a subjetividade.

Nesse sentido, as pesquisas em Psicopedagogia, necessitam reconhecer novos princípios epistemológicos que orientem a construção teórica dessa área de conhecimento sobre a base da nova ontologia proposta que implica no conceito de subjetividade. Para que isso ocorra, a pesquisa qualitativa é a mais indicada desde que a criatividade, o descobrimento e a inovação estejam presentes como características essenciais. Como propõe González Rey (2003, p. 71-226), nas pesquisas que envolvam a questão da subjetividade, “o investigador rompe com todo hermetismo espitemológico apriorístico e situa-se na intenção de descobrir aspectos novos em sua relação com os sujeitos investigados, definindo diferentes eixos de construção de informação, em um processo permanente de formulação de hipóteses”

Peter Reason (1998), pesquisador norte-americano, ao analisar algumas propostas metodológicas atuais no campo da investigação qualitativa, também sugere outros meios de pesquisa tais como formas expressivas: a dança, o teatro, etc, considerando-as maneiras de saber que oferecem possibilidades mais ricas, coloridas e intensas para a pesquisa do futuro. Esse autor menciona ainda, atividades como a narrativa de histórias, sociodramas, teatro de bonecos, desenhos, pinturas, considerando-as valiosos canais de expressão para ressignificar histórias de vida (eu acrescentaria histórias de ensino e aprendizagem) e para validar dados que não podem ser obtidos por processos ortodoxos de pesquisa.

Considerando essas idéias, para compreender a subjetividade nos processos de ensino/aprendizagem um meio de pesquisa que pode ser considerado pela Psicopedagogia é o Jogo de Areia (Sandplay). Trata-se de uma técnica em que as pessoas constroem cenas com miniaturas em uma ou duas caixas com areia seca e/ou molhada. A areia também pode ser utilizada para criar formas variadas ou desenhos.

O Jogo de Areia oferece uma oportunidade para que os participantes da pesquisa não só falem sobre as cenas que criam, mas também se coloquem nelas como protagonistas, podendo assim visualizar seus próprios processos de aprender e de ensinar. Além disso, a produção das cenas potencializa a criatividade, abrindo canais para produção de sentidos nos processos de aprender e de ensinar e, conseqüentemente, para a construção da subjetividade nesses processos.

Além disso, no Jogo de Areia a produção de sentidos nos processos de aprender e de ensinar pode ser compreendida pela dimensão simbólica, pois não há construção simbólica fora de uma rede de sentidos já construídos pelos sujeitos. A preparação dos cenários é, por si só, um ato simbólico e os símbolos são representados pelas construções na areia ou pelas miniaturas que são utilizadas como ferramentas de expressão, pois como diz Jovchelovitch (2002, p. 74) “através dos símbolos, coisas diferentes podem significar umas às outras e podem mergulhar umas nas outras: eles permitem uma variabilidade infinita”. No momento em que os símbolos emergem, podem produzir emoções relacionadas com registros de sentidos que exprimem as diferentes formas de realidade do sujeito e, como diz González Rey (2003, p. 229), “a dimensão simbólica deixa de ter um caráter externo ao indivíduo e se integra em um registro diferente, o dos sentidos subjetivos e, nesses sentidos, a realidade aparece mais além dos significados que medeiam a relação dela com o sujeito”

Weinrib (1993, p. 49), uma das pesquisadoras do Jogo de Areia, de certa forma corrobora as palavras de González Rey, com base em sua experiência de trabalho com o Jogo de Areia, pois para ela: “quando um conteúdo interno torna-se simbolicamente objetivado, isso parece causar uma mudança na dinâmica interna, como se algo se movesse e liberasse um impulso criativo”. Eu acrescentaria: esse impulso promove uma compreensão do subjetivo que se explicita simultaneamente na dimensão social e na individual. Além disso, evidencia-se ainda uma dinâmica processual no Jogo de Areia, ou um evento sincrônico: a imagem interna recebe a expressão física e, aí, nasce o próximo passo. A síntese entre o físico e o psíquico torna-se a tese para a próxima etapa do processo.

Nesse sentido, pode-se dizer que a dimensão simbólica presente no Jogo de Areia resulta em vivências muito intensas que facilitam a compreensão dos sentidos produzidos pelos sujeitos e, ao mesmo tempo, a leitura de suas emoções. Alguns comentários de uma cliente de Weinrib (1993, pp. 39-40) expressam bem essa situação:

Você escolhe um objeto, coloca-o na caixa e se torna mais consciente de um sentimento. A caixa torna-se uma extensão de você mesma. Eu sei o que é certo para colocar nela. Se não parecer direito, eu retiro. Ela torna-se meus sentimentos acessíveis a mim mesma, me ajuda a distingui-los. Ela me diz que eu tenho um sentimento – esteja ou não celebrando alguma coisa. Eu sei como me sinto quando faço um cenário. Ele me conta. Assemelha-se a um diálogo silencioso entre mim e eu mesma.

Nesse depoimento, as palavras “no diálogo silencioso entre mim e eu mesma” demonstram que a reflexividade também pode ser facilitada pelo Jogo de Areia. Os objetos do cotidiano presentes nas cenas ajudam a criar e a fixar uma representação simbólica concreta do mundo interior, fazendo com que o sujeito participe intencionalmente e reflexivamente em relação a seu mundo psicológico, aos processos de sua vida, a suas crenças, etc. Além disso, o sujeito reflexivo pode analisar os mecanismos simbólicos presentes nas cenas e entender por quê e a quê ele reage, onde isso o afeta, em que nível. Enfim, trata-se de um trabalho de produção de sentidos que evidencia as subjetividades em construção.

Apesar das contribuições do Jogo de Areia, nota-se que o engajamento na pesquisa acadêmica, em âmbito nacional e internacional, ainda é pequeno. No Brasil, conforme apontam Franco e Pinto (2003, p. 99, 101), há duas questões de extrema importância que precisam ser notadas: os pesquisadores deveriam considerar as especificidades da demanda nacional, com distintas características de seus contextos sócio-políticos-culturais e a utilização de diferentes enfoques, adotando princípios epistemológicos de diversas teorias, sem descuidar do risco de um ecletismo teórico. Para elas, sem retirar os méritos da abordagem junguiana presente no Jogo de Areia, trata-se de encarar a tarefa de explorar toda a riqueza inerente aos seus procedimento, em benefício do conhecimento científico. Por outro lado, essas autoras também apontam a necessidade de se buscarem formas de aplicação específicas, mais abrangentes e menos elitistas com o Jogo de Areia, para que ele não fique restrito aos consultórios.

As idéias de Franco e Pinto (2003) intensificam o propósito da utilização do Jogo de Areia como meio de pesquisa em Psicopedagogia para tentar compreender a construção da subjetividade nos processos de aprender e de ensinar. Talvez assim, se ofereça uma alternativa possível na direção de uma melhor qualidade na atuação psicopedagógica, seja ela clínica ou institucional.

 

Referências Bibliográficas

FRANCO, Aicil P., WIEESE, Elizabeth B. O Mágico Jogo de Areia em pesquisa. Revista Psicologia USP, São Paulo, v. 14, n. 2 (Dossiê Wilhelm Reich), p.91-113, 2003.        [ Links ]

GONZÁLEZ REY, Fernando. Sujeito e subjetividade: uma aproximação histórico-cultural. São Paulo: Pinoneira Thomson, 2003.        [ Links ]

JOVCHELOVITCH, Sandra Vivendo a vida com os outros: intersubjetividade, espaço público e representações sociais. In: JOVCHELOVITCH, Sandra, GUARESCHI, Pedro A (orgs.) Textos em representações sociais. 7ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002. p.65-85.        [ Links ]

MORIN, Edgar Epistemologia da complexidade. In: SCHNITMAN, DF (org). Novos Paradigmas: cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p.274-89.        [ Links ]

REASON, Peter. Three approaches to participative inquiry. In: DENZIN, N K, LINCOLN, Y S (eds.) Strategies of qualitative inquiry. Londres: Sage, 1998. p.261-91.        [ Links ]

SCOZ, Beatriz Judith L. Identidade e Subjetividade de Professoras/es: sentidos do aprender e do ensinar. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. PUC/SP: 2004.        [ Links ]

WEINRIB, Estelle. Imagens do self: o processo terapêutico na caixa de areia. São Paulo: Summus, 1993.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Marta Regina Brostolin
E-mail: beatrizscoz@uol.com.br

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