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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.18 no.17 São Paulo dez. 2010

 

RESENHA

 

A complexidade da aprendizagem: destaque ao ensino superior

 

 

Márcia Maria Gurgel Ribeiro*

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

 

 

Resenha do livro: MARTINEZ, Albertina Mitjáns, TACCA, Maria Carmem Villela Rosa. A Complexidade da Aprendizagem: destaque ao ensino superior. Campinas, SP: Editora Alínea, 2009.

 

A coletânea intitulada A complexidade da aprendizagem: destaque ao ensino superior, produzida por docentes e discentes do grupo de pesquisa Aprendizagem, escolarização e desenvolvimento humano, da Universidade de Brasília/CNPq, organizada pelas professoras Albertina Mitjáns Martinez e Maria Carmem Villela Rosa Tacca, congrega diversos estudos estruturados sobre a temática aprendizagem no ensino superior. As reflexões apresentadas, de cunho teórico ou teórico-prático, revelam as preocupações e produções do grupo sobre os diferentes processos e tipos de aprendizagens, assumindo o pressuposto de que este é um processo complexo e marcadamente subjetivo. Esse processo tem preocupado professores, psicólogos, pedagogos e outros profissionais envolvidos na difícil tarefa de garantir não só a democratização do acesso físico à escola e à universidade, mas também o acesso ao conhecimento e às formas culturais e históricas de desenvolvimento da humanidade.

As análises dão ênfase à aprendizagem de pessoas adultas, entre elas estudantes e professores dos cursos de graduação e de pós-graduação. Em oito capítulos inter-relacionados, os autores seguem uma linha condutora em que a aprendizagem é compreendida na tecitura de elementos subjetivos, constitutivos do aprendiz como sujeito pensante e crítico, como um ser da cultura, do social e da história.

No primeiro capítulo, intitulado "Dois sentidos do aprender", elaborado por Elizabeth Tunes e Roberto dos Santos Bartholo Jr., é estabelecido um profícuo diálogo histórico com Montaigne, Joseph Jacotot e Hugo de São Vitor, dissidentes destacados do pensamento pedagógico na antiguidade, em que são recuperados os modos e sentidos do aprender, sem deixar de estabelecer relações com o ensinar e com as tecnologias de leitura. Os diálogos estabelecidos permitem aos autores sintetizar dois sentidos centrais ao aprender: como aquisição e acumulação e como abertura à renovação. Permeia a análise a preocupação em entender o papel central que o aprendiz tem na aprendizagem, uma vez que esse processo ativo, na visão dos autores, representa uma busca permanente de quem aprende pelo que quer, como quer, quando e com quem quer aprender.

"Sujeito, linguagem e aprendizagem" é o título do segundo capítulo, escrito por Cristina Massot Madeira Coelho, que tem como objetivo analisar essas três grandes categorias teóricas no âmbito das ciências humanas e, de forma mais estrita, tecer argumentações sobre o impacto da relação entre sujeito e linguagem nos processos de ensino e de aprendizagem em contextos educacionais inclusivos. A autora analisa a categoria sujeito a partir das contribuições de abordagens e perspectivas biológica, positivista, linguística, universal e imanente, histórico-cultural e da complexidade, articulando-as às dimensões da linguagem-fala como mediadora essencial no processo de aprendizagem e no consequente desenvolvimento humano que ele desencadeia.

A professora Maria Carmem Villela Rosa Tacca é autora do terceiro capítulo dessa obra, intitulado "O professor investigador: criando possibilidades para novas concepções e práticas sobre ensinar e aprender". Nesse capítulo, a autora traz argumentos que dizem respeito às questões relacionadas ao aprender e ao não aprender na escola, a partir de uma crítica sobre como é tratada a aprendizagem dos alunos, em especial dos que apresentam dificuldades ou déficits confirmados, muitas vezes, por médicos e psiquiatras.

Questiona, também, as atribuições de coordenadores ou psicopedagogos para assumir o acompanhamento dessas dificuldades, defendendo que é tarefa do professor investigar o processo de pensar e aprender do aluno no cotidiano da sala de aula. Preocupada com a construção de uma intervenção pedagógica que faça avançar o desenvolvimento, a autora parte da hipótese de que os professores acreditam pouco nas possibilidades de intervir e fazer mudanças significativas na aprendizagem dos alunos. Os resultados da pesquisa, envolvendo alunos do curso de Pedagogia, revelam que as diversas intervenções realizadas com crianças que apresentavam dificuldades de aprendizagem apontam para a ação do professor como investigador de sua prática como alternativa para uma mediação pedagógica que possibilite a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças. À medida que os sentidos subjetivos dessas dificuldades são expressos nas diversas situações e interações estabelecidas entre os estudantes e as crianças e são compreendidos em sua singularidade e complexidade, ficam evidentes os avanços provenientes de uma prática de colaboração e de ajuda com intervenções qualificadas nas zonas de potencialidades da aprendizagem das crianças, articulando os aspectos emocionais e cognitivos do seu desenvolvimento.

No capítulo apresentado por Beatriz Judith Lima Scoz, intitulado "Aprendizagem e ensino de professores: sentidos subjetivos", são analisados os processos dinâmicos que permeiam os componentes da subjetividade para entender os sentidos subjetivos produzidos pelos professores em seus processos de aprender, em diferentes contextos histórico-culturais. A autora estabelece um diálogo teórico com Fernando Gonzalez Rey, que por sua vez se articula permanentemente ao pensamento de Vigotski, privilegiando as categorias sentido, significado e subjetividade, para refletir sobre o desenvolvimento do sujeito pensante, social, histórico, crítico, em suas dimensões complexa, inacabada e singular. Nesse desenvolvimento, estão em evidência o pensamento, as emoções, as histórias de vida dos sujeitos, em um movimento contraditório, tenso e repleto de "frestas" e "espaços abertos" para a criação e a transformação do aprender nas relações cotidianas. Aponta, portanto, preocupações quanto à formação de professores e alerta para que essa formação amplie sua base instrumental e intelectual para considerá-los como sujeitos pensantes, dotados de sentimentos e afetividades que orientam os sentidos subjetivos que produzem sobre o ensinar e o aprender.

O quinto capítulo dessa coletânea é de autoria de Fernando Gonzalez Rey, denominado "Questões teóricas e metodológicas nas pesquisas sobre a aprendizagem: a aprendizagem no nível superior". O autor parte de uma crítica aos estudos clássicos sobre aprendizagem, dando ênfase aos processos lógicos, cognitivos, comportamentais e intelectuais do aprendiz, para formular uma análise teórica sobre a aprendizagem em uma perspectiva histórico-cultural, estabelecendo relações entre esse processo e os aspectos subjetivos e emocionais do desenvolvimento humano. Empreende um diálogo profícuo com os autores da psicologia russa e ocidental, em especial com o pensamento de Vigotski, analisando as representações e as formas de apreensão de sua obra por diversos autores, bem como algumas particularidades e incompletudes de suas análises, próprias do momento histórico em que foram criadas. Essas apropriações trouxeram, por um lado, desdobramentos, limitações e incompreensões sobre noções e conceitos formulados por Vigotski. Por outro lado, desencadearam avanços significativos nos estudos sobre as bases histórico-culturais do desenvolvimento da psique, do pensamento, da linguagem, das emoções e da imaginação, articuladas à compreensão de sujeito pensante, ativo e produtor de sentidos subjetivos que mobilizam a aprendizagem, entendida como uma construção e criação subjetiva de sujeitos implicados e comprometidos com a autoria dos conhecimentos que constroem e, ao mesmo tempo, os constituem como sujeitos.

O sexto capítulo, "Aprendizagem criativa no ensino superior: a significação da dimensão subjetiva", co-produzido por Ana Luiza Neiva Amaral e Albertina Mitjáns Martinez, traz contribuições sobre a aprendizagem e a subjetividade com o objetivo de compreender a relação entre a configuração de sentidos subjetivos implicada na aprendizagem e a expressão criativa nesse processo, com alunos do ensino superior. As autoras argumentam que predomina ainda, nesse nível de ensino, uma concepção adaptativa e instrumental que tem conduzido ao pragmatismo e ao utilitarismo na esfera educativa, com ênfase nos métodos e tecnologias de ensino. A ruptura com essa concepção mobiliza a análise apresentada, trazendo contribuições para entendermos a aprendizagem como um processo subjetivo de produção de sentidos e significados, essencialmente interativo. (REY, 1998). Nesse sentido, o aluno universitário é o sujeito concreto da aprendizagem, que está enraizado em uma determinada cultura, envolvido em relações sociais e em situações de vida particulares, implicado emocionalmente no processo subjetivo de produção de sentidos, trazendo para esse contexto a sua história anterior e suas necessidades individuais. A compreensão de criatividade que sistematizam pressupõe uma pessoa que, em determinadas condições e por intermédio de um processo, elabora um produto que é, pelo menos em alguma medida, novo e valioso. (MARTINEZ, 1997). Assim, consideram que, para ser criativo, é necessária uma implicação pessoal no processo de aprender, representando um momento de realização do sujeito que conduz a vivências emocionais e motivacionais.

O sétimo capítulo dessa coletânea foi elaborado por Maribel Oliveira Barreto e tem como título "Profissionalização continuada de professores de pós-graduação stricto sensu como meio para a aprendizagem de uma práxis pedagógica criativa". Nesse capítulo, a autora privilegia análises realizadas em pesquisa com cursos de pós-graduação stricto sensu, apontando como resultado que o desenvolvimento de ações inovadoras em sala de aula depende de uma nova atitude docente perante o processo de ensinagem. (ANASTASIOU, 2007). São evidenciadas, pela autora, possibilidades de aprendizagens criativas, mesmo em um contexto em que o docente é responsável por atividades de pesquisa, de ensino e de orientação acadêmica e a pressão sobre a produção intelectual predomina, tanto com requisito de avaliação quanto como reconhecimento dos esforços para permanecer credenciado ao sistema de pós-graduação. A partir de uma experiência vivenciada como docente de uma pós-graduação, a autora evidencia a importância de investirmos na profissionalização continuada como condição para a construção da identidade profissional docente, por meio da aprendizagem criativa, mediada por uma práxis também criativa desenvolvida entre os docentes na pós-graduação, articulando constantemente a pesquisa, a produção do conhecimento, o trabalho coletivo e a atitude permanente de aprender.

O oitavo e último capítulo foi organizado por Albertina Mitjáns Martinez e denomina-se "Processos de aprendizagem na pós-graduação: um estudo exploratório". A autora privilegia resultados de pesquisa realizada com alunos de um programa de pós-graduação stricto sensu, analisando aspectos de seus processos de aprendizagem e suas possíveis implicações para o ensino nesse nível de formação, seguindo duas linhas de reflexões: a criatividade e as formas passivo-reprodutivistas que predominam na aprendizagem e no ensino superior. Adotando como referencial teórico os estudos histórico-culturais e a teoria da subjetividade de Gonzalez Rey, analisa a aprendizagem e o desenvolvimento do pensamento lógico/conceitual no contexto dos cursos de pós-graduação stricto sensu em educação, buscando entender as formas de aprendizagem criativas, inovadoras e produtivas que provocam impacto na atuação profissional de mestres e doutores nas instituições em que estão vinculados. A formação deve estar articulada às situações de trabalho, orientada para a mudança e para a promoção da transformação que o processo educativo requer de um profissional crítico, criativo, audacioso, tolerante, persistente e envolvido com o que faz e acredita. Diversas dificuldades são identificadas pela autora, relacionadas ao processo de formação e às estratégias de leitura, compreensão e de estudos adotadas pelos alunos adultos na pós-graduação.

Em síntese, a leitura dos diversos capítulos que compõem essa coletânea nos leva a destacar pontos de convergência muito fortes entre os autores. O primeiro ponto convergente diz respeito à preocupação com o processo de aprendizagem e seus desdobramentos para o sujeito e seu desenvolvimento. O grupo amplia as discussões iniciadas em obra anterior, "Aprendizagem e trabalho pedagógico", na qual conclui que aprender se concretiza, cada vez mais, como uma importante função a ser desenvolvida, o que acontece tanto no convívio social, de forma não intencional, como também, e especificamente, em instituições organizadas para esse fim. Se aprender é uma necessidade gerada na vida social, o seu parceiro – o ensinar – também deve estar previsto na organização das atividades sociais. (TACCA, 2006). Nessa obra, diferentemente, o enfoque dos estudos é dado aos processos que caracterizam a aprendizagem com adultos em cursos de graduação ou de pós-graduação stricto sensu, revelando diversas possibilidades de reorganização do processo de ensino para assegurar o desenvolvimento de procedimentos, conceitos, teorias, estratégias de construção teórica pelos alunos.

O segundo ponto convergente das análises é a preocupação com o ensino superior e com a formação dos pedagogos e dos psicólogos como sujeitos que aprendem em relação com outros sujeitos, em um processo complexo, contraditório e dinâmico de produção de sentidos e de subjetividade individual e coletiva. Nessa análise, o contexto universitário representa a possibilidade de abertura de um espaço/tempo de aprendizagens criativas, inovadoras e engajadas na luta pela melhoria da qualidade social da educação básica e na redefinição do papel político do conhecimento, com a consequente ruptura com as formas cristalizadas, conservadoras e mecanicistas de entender o ensino, a aprendizagem e a educação.

O terceiro ponto diz respeito ao referencial teórico utilizado, construído cuidadosamente a partir dos pressupostos da abordagem histórico-cultural sobre aprendizagem e desenvolvimento humano, que fundamenta as análises de diversas pesquisas apresentadas. Nesse sentido, a obra oferece-nos a oportunidade de construirmos relações entre os objetos de estudo de cada capítulo, aparentemente diferentes, partindo de uma mesma base conceitual, para estabelecer uma intricada rede em que categorias como cultura, sujeito, subjetividade, sentido, significado, cognição, afeto, emoção, entre outras, são fios da mesma trama de interlocução entre os estudos. Essa base é ampliada significativamente pelos estudos de Gonzalez Rey sobre a Teoria da Subjetividade, referência privilegiada por todos os autores para a construção dos princípios teórico-metodológicos das pesquisas que fundamentaram a construção dos capítulos, avançando nas inconclusões dos estudos de Vigotski.

Assim, finalizamos expressando o imenso prazer vivido ao fazer essa síntese, que correu paralelo ao temor despertado pelo risco de ser superficial diante da complexidade e da diversidade de aspectos que cada autor aponta e que a obra oferece em seu conjunto. É uma obra indicada para estudantes e profissionais interessados em pesquisar sobre a complexidade da aprendizagem em instituições escolares ou universitárias, propiciando elementos para entendermos as bases histórico-culturais desse processo, essencial para seus desdobramentos em situações práticas e cotidianas em espaços de formação inicial e continuada de professores no ensino superior.

 

 

* Docente do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: mgurgel@ufrnet.br

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