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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.19 no.18 São Paulo  2011

 

EDITORIAL

 

Eloisa Quadros Fagali (editora científica) e Equipe Editorial

 

 

Um dos grandes desafios da educação e da cultura contemporâneas, no momento, diz respeito aos problemas associados às violências que ocorrem em diferentes situações e atuações humanas, envolvendo crianças, adolescentes, adultos,comunidades e instituições.

Moty Benyakar, psiquiatra e psicanalista (2006), apresenta um estudo complexo sobre as diferentes dimensões de violência e aprofunda sobre seus efeitos nas pessoas que sofrem o dano. Ressalta, entre outras características da violência, os fatores da imprevisibilidade e das ameaças encobertas:

Lo esencial de la violência, a diferencia de la agresión, es que el hacedor del daño aparece enmascarado, solapado, y no le permite al sufriente del daño captar la amenaza implicita contenida en la situación ni alertarse contra ella. (BENYAKAR, Moty. Los disruptivo. 2006, p. 59.)

O autor ressalta que a violência impede o desenvolvimento de atitudes de defesas de quem sofre o dano disruptivo e produz o sentimento de abandono e desamparo. Estes sentimentos, se não são elaborados, geram o "ódio que dá lugar à cadeia do mau" (BERGERET, 1984; GIBEAULT, 2001; apud MOTY, 2006, p. 59.)

Sabemos, ao observar a história da humanidade que as ocorrências destes impactos são frequentes em diferentes tempos, espaços e contextos: na família, escola e em muitas outras situações e atuações humanas.

No mundo e no Brasil, estes problemas emergem nas últimas décadas, com acentuada frequência e repercussão nas famílias, escolas (fenômeno bullying), nas comunicações online ("cyber bullying"), nas ruas, além dos impactos gerados pelos desastres da natureza e da civilização. Estes impactos gerais, que o autor denomina de "vivência de colapso das referências espaço-temporais e das relações entre o psíquico e o social" (BENYAKAR, M., 2006, p. 59).

O presente volume da revista Construção Psicopedagógica aborda as questões sobre a violência com destaque naqueles associados aos desrespeitos e exclusões das crianças e adolescentes. É constante nos artigos as pesquisas e destaques de projetos para crianças e adolescentes e de melhorias na formação dos profissionais para lidarem com mais eficiência, nestas situações. Muitos dos artigos focalizam as condições saudáveis de aprendizagem na escola e em outras Instituições de formação, dando apoio às crianças, adolescentes, adultos e profissionais envolvidos com o problema.

Apresentamos, como primeira reflexão, as respostas e considerações do psiquiatra e psicoterapeuta Dr. José T. Thomé, presidente da Unidade de S. Paulo da rede Ibero-Americana de Ecobioética-Cátedra - Unesco.

Nesta entrevista, realizada pela editora, Dr. José Thomé, fundador e coordenador do centro brasileiro de ensino, pesquisa e intervenção em desastres e catástrofes naturais ou antropogênicos do Departamento de Psicodinâmica do Instituto Sedes Sapientiae (SP), aborda as diferentes dimensões das violências e considera os efeitos disruptivos e a abrangência do problema, em relação às questões político-sociais, ecológicas e psicoeducacionais. Faz considerações significativas sobre a violência na educação e o fenômeno bullying e ressalta a importância das reflexões, pesquisas e trabalhos inter e multidisciplinares, diante dos impactos que geram as descontinuidades e quebras psíquicas.

Essas reflexões prosseguem num artigo internacional que apresenta pesquisas sobre o bullying na Europa. A autora, Norma Viscardi, mestre em educação e psicopedagoga e membro da NASL (New and Aspiring School Leaders-Principal´s Center - Harvard Graduate) pesquisou sobre o cenário da Europa em relação às violências e o programa antibullying das escolas da Finlândia, com foco na prevenção e no respeito à dignidade humana nas escolas. A referida pesquisadora apresenta entrevistas e pesquisas da Universidade de Turku, situada na costa Sudoeste da Finlândia. Uma instituição internacionalmente reconhecida, com investigações científicas multidisciplinares, que desenvolveu um programa de fácil implantação reduzindo pela metade o bullying nas escolas primárias do país, no período de dois anos. A autora apresenta resultados de sua pesquisa e entrevistas com profissionais envolvidos nessas questões e faz considerações sobre estas interlocuções internacionais que podem inspirar também nossos projetos do Brasil.

O artigo que se segue refere-se a pesquisas no Brasil. Uma relevante e atual investigação de Tese de Doutorado em Psicologia (PUC - SP). No presente artigo, a autora Maria de Betânia Norgren, psicoterapeuta, arteterapeuta e professora dos cursos de psicologia e arteterapia (PUC e Instituto Sedes Sapientiae - SP), apresenta pesquisas sobre projetos sociais mais atuais e de grande relevância desenvolvidos no Brasil que contemplam prevenções e apoio a crianças e adolescentes em situação de risco, considerando dimensões de violências e fatores de vulnerabilidade e resiliência. Bethânia, em sua Tese de Doutorado, apresenta uma significativa pesquisa realizada sobre seu projeto arteterapêutico, desenvolvido na escola com grupos de crianças e adolescentes. Os dados apresentam os efeitos positivos dos recursos de arteterapia para prevenção e o desenvolvimento de resiliência, frente às ameaças e impactos gerados por diferentes dimensões de violências, desrespeitos e exclusões.

Ao se considerar fenômenos associados à violência há necessidade de se levar em conta outros fatores que geram desrespeitos e quebras do desenvolvimento psíquico e educacional das crianças e adolescentes e os fatores de resistência associados ao que denominamos de resiliência. Segue-se, portanto, um artigo da psicopedagoga Cassia Ávila Duarte sobre pesquisas e reflexões em relação à resiliência. A autora ressalta as intervenções psicopedagógicas com mediações da arteterapia e considera a importância do trabalho que possibilita o desenvolvimento da resiliência por meio do imaginário intuitivo. Estes processos criativos e mediações da imaginação facilitam a inclusão e o desenvolvimento da autoestima e da resiliência de crianças e adolescentes que apresentam dificuldades específicas, de natureza cognitiva e afetiva e que por estes motivos são desrespeitados, intimidados e excluídos nas situações de aprendizagem escolar, na família e em outras instâncias existenciais.

Ao abrir portas para reflexões sobre variações de violências associadas ao desrespeito e exclusões de crianças e adolescentes com dificuldades cognitivas e deficiências, focaliza-se o campo da aprendizagem, do desenvolvimento cognitivo e da linguagem e da formação de educadores profissionais. O artigo Maria Regina Peres, doutora em Psicologia da Educação e mestre em Metodologia do Ensino (PUC-Campinas), em parceria com a psicopedagoga Ane Caroline de Souza Pereira, graduada em Letras (UNIP- Campinas), professora das Faculdades e Colégio Network, apresenta reflexões e pesquisas tendo em vista o desenvolvimento cognitivo, limites e capacidades na situação de aprendizagem, com foco no desenvolvimento da linguagem da criança e a língua estrangeira. Suas pesquisas e projetos levam em conta o respeito às diferenças e dificuldades em relação à linguagem, aspecto fundamental para a expressão e comunicação interpessoal, na dinâmica coletiva. Os autores ressaltam a necessidade de se capacitar profissionais educadores e psicopedagogos com relação a estas questões.

Elcie Salzano Masini, psicóloga e doutora em Psicologia (USP), coordenadora do lato sensu sobre deficiências e aprendizagem (Mackenzie, SP) destaca em seu artigo o foco sobre as crianças com deficiências sensoriais. A autora apresenta seu ponto de vista sobre as pesquisas realizadas no Brasil em relação a "surdo-cegueira" e deficiências sensoriais múltiplas. Faz um extenso levantamento destas pesquisas e ressalta a necessidade de continuar as investigações e análises sobre este assunto, relacionado aos deficientes, e aponta a necessidade de melhorias nas informações e orientações aos pais e nas formações dos profissionais, cuidadores da área de saúde e da educação.

Novas pesquisas são apresentadas nos artigos que se seguem, com foco na educação escolar e formação de profissionais, sem perder de vista as questões associadas ao respeito das diferenças e prevenções contra possíveis ocorrências de violências, de diferentes dimensões e natureza. Paula A. Faria, psicopedagoga institucional, apresenta em seu artigo uma pesquisa e projeto relacionado à atuação psicopedagógica escolar em educação infantil (Uberlândia, MG), sob a supervisão de Sandra Arantes, psicopedagoga e professora de metodologia e pesquisa (UNIUBE: Uberlândia). As análises dos resultados da pesquisa levantam importantes considerações sobre o serviço psicopedagógico na escola. As reflexões ressaltam a necessidade de se encontrar alternativas de ações para viabilizar ao psicopedagogo e ao professor da educação infantil uma constante reflexão em torno da atuação docente, em busca de caminhos para promover o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos.

Vannúzia Leal Andrade Peres, Doutora em Psicologia (Universidade de Brasília), Supervisora (Universidade Católica, Goiás) e César Augusto da Silveira, graduado em psicologia (Pontifícia Universidade Católica de Goiás), desenvolveram uma pesquisa qualitativa com enfoque na subjetividade, numa escola estadual da cidade de Goiânia. Os sujeitos participantes da pesquisa foram profissionais educadores e diretores atuantes da escola e alunos. As análises das informações propiciaram reflexões sobre a realidade concreta e os aspectos associados à singularidade e organização social da escola.

Mônica Ramos Daltro, psicóloga, psicanalista, mestra em Medicina e Saúde Humana, e Milena Pereira Pondé, psiquiatra, doutora em saúde coletiva pós-doutoranda (Universidade Mcguill, Canadá) são professoras da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e desenvolveram, neste espaço de formação, pesquisas sobre a atenção psicopedagógica no ensino superior de medicina. Suas análises e considerações finais são de grande relevância para a formação dos profissionais na área de saúde, levando em conta o apoio e o suporte psicopedagógico, no trabalho de promoção da saúde do estudante, com enfoque interdisciplinar em que entram as atuações do psicólogo e psicopedagogo.

Em suma, todos os artigos e pesquisas são unânimes em considerar a necessidade de se focalizar mais a atenção na formação dos profissionais e de se pensar sobre o processo de aprendizagem que ocorrem nas escolas de níveis e graus diferentes, tendo em vista os cuidados com as diferenças e o respeito ao outro e as interações com qualidades de solidariedade e cooperação. Sejam quais forem os sentidos e dimensões da violência, associados ao desrespeito do homem e às consequências dos impactos nas pessoas que sofrem os danos gerados pelas mesmas, é de grande relevância considerar as problemáticas psico-sócio-educacionais, culturais e políticas, com um enfoque multi e interdisciplinar e cuidar do apoio e da capacitação dos profissionais envolvidos com estes problemas.

Por ter iniciado as reflexões e apresentações dos artigos com pensamentos do Dr. Moty, concluímos com seus pensamentos sobre a necessidade de flexibilidade dos profissionais cuidadores e formadores, para que estes possam se adaptar às distintas situações e casos que surgem com uma visão mais integrada. Deve-se levar em conta as complexidades dos fenômenos associados aos processos socioculturais, à política, à organização econômica, sem perder de vista o foco na especificidade de cada intervenção profissional, frente a estes desafios que enfrentamos nesta interface saúde / educação:

Quiero señalar que cuando hablo de totalidad no mi refiero a que debamos hacernos cargo de todo el problema. Muy por el contrario nuestras intervenciones deben estar sumamente acotadas a lo especifico de nuestra función. Con totalidad quiero indicar un modo de considerar la problemática que implica tener en cuenta la mayor cantidad de aspectos atirantes a la situación y considerar las interaciones entre tales aspectos. (BENYAKAR, Moty, 1982, p. 113.)

Não se pode deixar de ressaltar neste enfoque interdisciplinar a função do educador diante das dificuldades e níveis sutis de violências na aprendizagem, com criações de condições para aprendizagem que possibilita o desenvolvimento integrado das crianças e adolescentes e na própria formação dos profissionais. Conclui-se, portanto, este editorial com os pensamentos do grande educador brasileiro Paulo Freire. Ele reflete sobre o tempo de trânsito e mudanças na educação, aspecto que merece atenção diante das crises que atualmente se potencializam em relação aos diferentes níveis de violências e desrespeitos humanos. Como considerar este momento de trânsito com foco nas transformações saudáveis no hoje e no amanhã?

"O tempo de trânsito é mais do que simples mudança. E se todo trânsito é mudança nem toda mudança é trânsito (...). O momento de trânsito pertence muito mais ao amanhã, ao novo tempo que anuncia do que ao velho." (FREIRE, Paulo. Educação e Mudança, p.65.)

 

Referências

BENYAKAR, Moty. Lo disruptivo amnezas individuales y colectivas: el psiquismo ante guerras, terrorismos y catástrofes sociales. Buenos Aires: Edorial Biblos, 2006.         [ Links ]

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.         [ Links ]

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