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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.19 no.18 São Paulo  2011

 

ENTREVISTA

 

Entrevista da equipe editorial sobre violências, bullying e orientações aos educadores

 

 

Dr. José T. Thomé1

Instituto Sedes Sapientiae

 

 

Revista Construção Psicopedagógica:   Por favor, é possível falar da sua formação e empenho dos seus trabalhos relacionados à psicodinâmica e às violências?

José T. Thomé: Desde o início do curso de especialização em psicodinâmica (década de 1970), em função de nosso enfoque bio-psico-relacional, sempre demos muita importância ao meio ambiente, como também podendo ser um fator do adoecimento psíquico baseado em um sofrimento causado por eventos da realidade que, de forma direta ou indireta, atingem de maneira violenta o Ser Humano. Portanto, esta palavra sempre esteve presente em nossos conteúdos teóricos. Por considerarmos desde o início os fatores intra, inter e transpsíquicos, entendemos o Ser Humano através da teoria sistêmica e integrado pela complexidade desenvolvida por Morin.

Neste sentido os conceitos de saúde e saúde mental deixam de ser compreendidos nas bases bioéticas para serem compreendidos no eixo ecobioético apresentado por Benyakar em 2005.

Saúde e saúde mental são também compreendidas como saúde de uma população sã e não mais tratamentos para doentes como são vistas no eixo ecobioético.

Violência passa, portanto, a ser compreendida como fator também presente no dia a dia das pessoas. A partir daí poderemos entender a violência como vinda do meio ambiente, através dos desastres e catástrofes naturais como os fatos desencadeados pelo próprio homem, tais como guerras, crises políticas, sociais, econômicas, terrorismo de estado ou internacional, violência urbana, etc.

Revista Construção Psicopedagógica: O que considera como urgente e necessário em relação às medidas associadas a projetos sociais, à política pública e outras medidas sócio-políticas na área de saúde, educação?

José T. Thomé: Considero como urgente a conscientização do poder público e dos profissionais envolvidos nesta área. Em relação a estes fatores, presentes no dia a dia, e que estão pondo em risco permanente as pessoas expostas ao mesmo. O desconhecimento, a ignorância e muitas vezes o pouco caso dos governantes ou profissionais que têm o poder de interferir e até de modificar esta situação é o que reconheço como a grande dificuldade.

Revista Construção Psicopedagógica:   Qual sua opinião sobre as questões de violências que estão em evidência na escola (bullying)?

José T. Thomé: Aqui poderemos ter um exemplo claro, pois o bullying envolve Estado, Educadores e Educação e, basicamente, a Sociedade ou a família, se quisermos focar objetivamente.

Um aluno sofre o ataque de seus colegas através de um processo de humilhação violenta e isto o levará à vergonha e à raiva reprimida. Muitas vezes não comunica à família em função da vergonha e humilhação deste vivenciar traumático que seu "em torno" pratica, até pelo medo de ser cobrado por uma reação que não conseguirá ter. A escola e os educadores vêm mas, na maioria das vezes, não tomam atitude em função de não quererem tomar medidas repressivas contra os que praticam o bullying, porque terão que se entender com os pais destes. Isto ocorre tanto na escola pública, quanto na particular. Na particular ainda é pior porque os educadores terão que se posicionar perante os pais poderosos dos alunos que praticam o bullying.

Estamos, portanto, diante de uma situação de violência que envolve uma compreensão de vários fatores. Daí a necessidade de se compreender pelos conceitos da complexidade.

Revista Construção Psicopedagógica: O que considerar sobre sentidos e significados de violência e o enfoque interdisciplinar, bem como os cursos que desenvolve?

José T. Thomé: Creio que a primeira parte da pergunta respondi na anterior. Quanto aos cursos desenvolvemos através da teoria sobre os fatos disruptivos e a transdisciplinaridade que abarca este campo novo da área da saúde mental para população sã.

Revista Construção Psicopedagógica: Qual seu enfoque sobre as questões de violência, neste momento de atuação?

José T. Thomé: Infelizmente a violência está presente de forma aumentada neste início de século.

Ela se apresenta quase que em todas as áreas em que atuamos. Creio que a cultura contemporânea está, cada vez mais, voltada para uma regressão narcísica do Ser Humano. Isto conduz às questões e reflexões sobre o que adoece a sociedade como sendo a crescente queixa de vazio interior e o isolamento provocado pelas desilusões que a humanidade vive.

Este isolamento é decorrente da estimulação cada vez maior da cultura através da idealização narcísica do bem-estar, crescimento e felicidade. Isto acontece tanto pela banalização promovida pela medicalização das emoções, pelas drogas não lícitas e pelo álcool, quanto pela alienação, através de comportamentos obsessivos, tais como jogo, comida, sexo e internet, que passam a ser fontes de gratificações imediatas para aliviar tensões.

Soma-se a este isolamento a massificação vivencial pela identificação e pela transferência pasteurizada como fenômeno coletivo da vivência humana provocada pelos meios de comunicação, numa interação on line, ou seja, em tempo real.

O sucesso dos "reality shows" faz parte da vida para o pedaço da humanidade em que estes meios chegam.

Ao invés das experiências afetivas da relação humana, construída e alimentada pelo convívio familiar, com os amigos ou amores, vive-se uma experiência relacional artificial e grupal, desenvolvendo emoções padronizadas como respostas mercadológicas de um marketing planejado. Exemplos não faltam: as invasões, guerras organizadas e declaradas através de mentiras que todos percebem, porém passando a ser chamadas de ações preventivas. Após a guerra preventiva acontecer é assumida a mentira. Eleições acontecem em cima de dados mercadológicos passando-se a governar em função de resultados destas pesquisas com a intenção obsessiva da manutenção do poder político.

Este contexto, acrescido de violência urbana, da vida num mundo cindido entre o bem e o mal, da insegurança da sobrevivência material, do terrorismo internacional, dos poderes hegemônicos de nações ou de grupos marginais que desconsideram o ser humano que se assusta e vive ameaçado. Isto é um em torno violento.

Surgem deste modo, o isolamento existencial, a exclusão e o desencontro como formas de sobrevivência emocional. O indivíduo excluído de si mesmo, por um lado pelo aspecto narcísico e, por outro, pela massificação não atinge o reconhecimento da própria essência.

Não quero caracterizar a atualidade como um quadro pessimista da realidade, mas sim como uma constatação destas influências em nossas vidas pessoais e nas vidas de quem atendemos ou lidamos.

Revista Construção Psicopedagógica:   O que considera importante colocar em destaque sobre estas questões da violência, em relação a educação ?

José T. Thomé: A Escola, onde se pratica a Educação, é o local em que mais rapidamente poderemos observar, localizar, dar assistência, aos danificados pela violência de qualquer origem, como citei no início.

Para que isto possa acontecer teremos que instrumentalizar e cuidar dos educadores que também estão atingidos pela mesma violência que seus alunos sofrem. Deveremos capacitá-los neste campo, tanto teoricamente como assistindo-os em suas necessidades emocionais desestabilizadas e, para alguns, desorganizadas pela atuação da violência. Se não cuidarmos dos fatores humanos daqueles que exercem a educação, dificilmente poderemos cuidar ou tratar dos alunos neste campo.

Revista Construção Psicopedagógica:   Que outras observações e comentários associados a estas questões da violência, o senhor gostaria de ressaltar, numa revista com enfoque interdisciplinar sobre educação e saúde, considerando os leitores pedagogos, psicólogos, psicopedagogos e outros especialistas que atuam e lidam com estes problemas?

José T. Thomé: Continuando o exposto na pergunta anterior, acrescento novamente a necessidade de se conhecer mais profundamente o campo conceitual e a prática sobre o disruptivo em função de ser o que mais emerge neste início de século. Só poderemos compreender este campo através do conhecimento da complexidade, que levará ao desenvolvimento de projetos integrados para cuidarmos da violência.

 

 

1 Presidente da Unidade de São Paulo da Rede Ibero-Americana de Eco-bioética- Cátedra UNESCO de Bioética; Membro Internacional da Cátedra -UNESCO - de Bioética; Membro e Delegado na ONU do World Council for Psychotherapy (Conselho Econômico-Social da ONU - Comissão de Saúde Mental - Nova York); Representante Brasileiro na Comissão Executiva da Secção -Psiquiatria dos desastres  do World Psychiatry Association ; Coordenador da Comissão Técnica sobre Intervenções em Desastres e Catástrofes da Associação Brasileira de Psiquiatria; Membro Titular e Ex-Coordenador do Departamento de Psicoterapia da Associação Brasileira de Psiquiatria; Fundador e Coordenador do Centro Brasileiro de Ensino, Pesquisa e Intervenção em Desastres e Catástrofes Naturais ou Antropogênicos do Departamento de Psicodinâmica do Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo.

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