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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.19 no.18 São Paulo  2011

 

Cultura de paz e arteterapia

 

Health promotion, peace culture and art therapy

 

 

Maria de Betânia Paes Norgren

Psicóloga, Arteterapeuta, Doutora em Psicologia Clínica PUCSP, Co-coordenadora acadêmica do Curso de Especialização em Arteterapia do Instituto Sedes Sapientiae, Sócia DaquiPraFrente (assessoria em qualidade de vida e desenvolvimento humano)

 

 


RESUMO

O artigo pretende refletir sobre a situação de vulnerabilidade em que vivem os adolescentes, os riscos de distúrbios de desenvolvimento que enfrentam e como programas de cultura de paz podem auxiliá-los a desenvolver mecanismos de proteção, enfrentamento positivo e futuros processos de resiliência. Escolas constituem local privilegiado para a realização desses programas, pois jovens passam aí grande parte de seu tempo; nelas aprendem o conteúdo do ensino formal, a conviver com a diversidade, a ter amigos, a avaliar princípios e valores, a se tornar cidadãos. Mostrou-se como possibilidade de intervenção um programa de desenvolvimento de competência socioemocional que privilegiou a arteterapia.

Palavras-chave: Aprendizagem socioemocional, Escola Efetiva, Promoção de Saúde, Cultura de Paz, Arteterapia.


ABSTRACT

The paper discuss the adolescents vulnerability, the risk of developmental disorders that they are facing and how culture of peace programs can help them to develop protection mechanisms, positive coping and future processes resilience. Schools are prime location for carrying out these programs, because young people spend there most of his time; them learn the formal education, to live with diversity, have friends, to evaluate the principles and values, to become citizens. A program developed with d art therapy proved to be a possible intervention.

Key words: Socioemotional learning, Efective Schools, Health Promotion, Peace Culture, Art therapy.


 

 

Vivemos numa sociedade hedonista, na qual prevalecem a busca exacerbada dos prazeres físico e material, os interesses dos indivíduos, seus desejos e necessidades; valoriza-se demasiadamente o ter em detrimento do ser. A dignidade humana, a compreensão do outro, os interesses da comunidade e valores mais duradouros ficam relegados a um segundo plano. Torna-se corriqueiro ficar insensível às necessidades e aos sofrimentos alheios.

Nesse contexto, adolescentes ficam expostos a muitos riscos de distúrbio de desenvolvimento: violência (intimidação/ bullying, mortes, massacres), evasão escolar, gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis, drogas... Como podemos, enquanto educadores e profissionais da área da saúde, colaborar para a mudança dessa situação?

Tentar "resolver" tal situação implica em ações nas instâncias macro e microssocial: rever políticas econômicas e educacionais; melhorar a qualidade de vida das pessoas; repensar nossos valores, a função e papel dos meios de comunicação, escolas e famílias; aprimorar o acompanhamento dado às pessoas e em especial àquelas com desequilíbrio e sofrimento emocional, tanto pela família, quanto pela escola e serviços de saúde.

Temos que refletir a respeito das causas da violência, questionar o tipo de sociedade que queremos e o jovem que efetivamente estamos formando. Se quisermos coibir o aumento progressivo da violência, temos que enfrentá-la em nossas casas, nas escolas e nas ruas.

 

Programas de Cultura de Paz e Competência Socioemocional

Auxiliar adolescentes a enfrentar riscos, implica em implantar programas de "Cultura de Paz", entendida como:

... conjunto de valores, atitudes e comportamentos que traduzem o respeito à vida, à pessoa humana, à sua dignidade e a todos os direitos do homem, bem como rejeição da violência sob todas as formas e o comprometimento com os princípios de liberdade, justiça, solidariedade, tolerância, direitos do homem e compreensão tanto entre as pessoas, quanto entre os grupos e indivíduos. (Unesco, 1989, p. 53).

As intervenções em Cultura de Paz podem ser muitas: mediação ou condução positiva de conflitos; desenvolvimento de tolerância ou de competências sociais e emocionais. Neste artigo, enfocaremos programas de desenvolvimento de competências socioemocionais, pois há relação significativa entre competência social, acadêmica e qualidade de vida. Elas podem ser implementadas pela aprendizagem socioemocional, que se refere à característica ou habilidadede interação e adaptação, desenvolvida por meio da aquisição de conhecimentos, atitudes e habilidades, sentimentos e comportamentos (ZINS & ELIAS, 2006; CECCONELLO & KOLLER, 2000).

Esse aprendizado deve ser abordado em uma perspectiva de risco e resiliência, pois funciona como mecanismo de proteção para os indivíduos. O grupo de amigos ajuda os jovens a aprender a se relacionar em sociedade, a adaptar suas necessidades e desejos aos dos outros, a perceber quando é possível ceder e quando deve se permanecer firme; permite desenvolver a sociabilidade e a intimidade, adquirir senso de afiliação, de identidade, habilidades de liderança, comunicação e cooperação. Jovens que aprendem a lidar precocemente com situações difíceis, estão mais aptos a transpor esse aprendizado para outras situações de sua vida, favorecendo o desenvolvimento de um processo de resiliência (MASTEN & COATSWORTH,1998; RUTTER,1985).

Realizar programas de aprendizagem socioemocional requer atuar em: autoconhecimento; tomada de decisão responsável; habilidades de relacionamento; consciência social; auto-regulação (DURLAK & WEISSBERG, 2007). É necessário promover padrões adequados de comunicação; favorecer padrões de apego seguro; desenvolver a criatividade (como busca de alternativa para as dificuldades e os problemas vivenciados); desenvolver a competência social e emocional; ajudar a promover melhora de qualidade de vida e da funcionalidade da família, propiciando coesão, consenso e flexibilidade entre seus membros (COWAN et al, 1996).

 

Arteterapia

Realizar atividade de arte possibilita entrar em contato com o universo interno, facilita a expressão de sentimentos e emoções; a auto-descoberta e o autoconhecimento e desenvolver o potencial criativo (CIORNAI, 2004; RUBIN, 1987). Por prescindir das palavras, atividades de arteterapia que não requerem comunicação verbal ou escrita, podem facilitar o relacionamento interpessoal.

Ao realizar um objeto, a arteterapia facilita a capacidade de enfrentamento; a comunicação e a resolução de conflitos. Aprende-se na prática, de modo vivencial, "pondo a mão na massa". O próprio fazer pode melhorar a auto-estima, pois o indivíduo percebe-se capaz de realizar algo que pode ser admirado por ele e pelos outros.

Além disso, por persistir ao tempo, a obra poderá ser olhada e avaliada em diversos momentos, possibilitando que reflexões sobre o processo e seu conteúdo perdurem. Ver e refletir sobre o vivido possibilitam projetar a realidade interna nas formas artísticas, ter "insights", desenvolver um viver mais integrado, aprimorar o autoconhecimento dentro das possibilidades de cada um, desenvolver a escuta interior e a espontaneidade. Criar possibilita entrar em contato com o "novo", o saudável; possibilita configurar e re-configurar o já vivido, dando-lhe novas significações e amplificando o viver.

A arteterapia traz contribuições únicas, pois, pelo fato de ser uma linguagem universal, traz pouco viés da linguagem verbal, pode ser utilizada por qualquer pessoa, mesmo aquela com sérias dificuldades acadêmicas e com condições sócio-econômicas e culturais diversas.

Ao conversar sobre processo e produto, pode-se enfrentar sintomas, lidar com o sofrimento e distúrbios emocionais, estresse e experiências traumáticas.

 

Programa de Intervenção Realizado

No doutorado (NORGREN, 2009), realizei um programa de intervenção primária utilizando arteterapia com o objetivo de facilitar a transição da 4ª para a 5ª série do Ensino Fundamental e desenvolver competências sociais. Foi realizado com 75 alunos da rede pública, com idades entre 9 e 15 anos.

A metodologia utilizada foi a pesquisa-intervenção na clínica-social. Foram 18 encontros com atividades de arteterapia e dinâmicas diversas. Os temas trabalhados foram: mudança e crescimento; autoconhecimento (reconhecer e aprender a lidar com os sentimentos; conscientizar-se a respeito das capacidades, habilidades e competências); relacionamentos interpessoais (família, colegas e professores; empatia e padrões de comunicação efetiva; favorecer o convívio e a valorização da diversidade); técnicas de resolução de problemas e conflitos; mudança de escola (expectativas e receios); criatividade, como busca de alternativa para as dificuldades e os problemas vivenciados e para possibilitar "insights" sobre o processo vivenciado.

Após a mudança escolar, os alunos foram avaliados em relação a: desempenho escolar, taxa de absenteísmo, avaliação sociométrica, rede de apoio, percepção da escola e da mudança; avaliação dos professores e pais. Alguns enfrentaram problemas sérios entre o término e avaliação do programa: separação de pais; abandono paterno; diagnóstico de doença crônica; morte de familiares (primo, avô). Nas entrevistas realizadas, comentaram que os conteúdos aprendidos auxiliaram a lidar com tais eventos. Os dados obtidos comprovaram a eficácia da intervenção, pois a maioria dos alunos teve desempenho melhor que o apresentado no ano anterior. Confirmou-se, assim, a hipótese de que a intervenção contribuiu para adaptação dos alunos em curto prazo, mostrando-se efetiva no desenvolvimento de habilidades socioemocionais.

 

Conclusões

Para lidar com a violência, enquanto educadores e profissionais de saúde, temos que favorecer a permanência dos alunos na escola e o convívio social; a ocorrência de relacionamentos interpessoais positivos e a construção do seu projeto de vida, auxiliando-os a dar voz a seus anseios, enfrentar seus problemas e lidar exigências e desafios acadêmicos.

Programas de promoção de saúde e cultura de paz são alternativas viáveis e eficazes para isso. Ajudam jovens a lidar com sua vulnerabilidade, a enfrentar situações de risco e problemas do dia-a-dia; bem como, promover fatores de proteção e futuros processos de resiliência.

 

Referências

CECCONELLO, A.M. E KOLLER, S.H. Competência social e empatia: um estudo sobre resiliência com crianças em situação de pobreza. Estudos de Psicologia, vol 5 (1), 2000.         [ Links ]

CIORNAI, S. Arteterapia Gestáltica em Ciornai, S. (org.) Percursos em Arteterapia. Vol. 1, São Paulo: Summus Editorial, 2004.         [ Links ]

COWAN, P.A.; COWAN, C.P.; SCHULZ, M.S. Think about risk and resilience in families. In: E.M. Hetherington; E. A. Blechman (org.). Stress, coping and resiliency in children and in families. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, Inc. Publishers, 1996.         [ Links ]

DURLAK, J.A. e WEISSBERG, R.P. The impact of after-school programs that seek to promote personal and social skills. University of Illinois, Chicago: CASEL 2007. Disponível em: http://www.casel.org/downloads/ASP-Full.pdf. Acesso em 20/02/2008.         [ Links ]

MASTEN, A. S.; COATSWORTH, J. D. The development of competence in favorable and unfavorable environments: lessons from research on successful children. American Psychologist, v. 53, n. 2, p. 205-220, 1998.         [ Links ]

NORGREN, M.B.P. Competência social e arteterapia em um programa de intervenção na escola. Tese. PUC SP, 2009.         [ Links ]

RUBIN, J. A (org). Appoaches to Art Therapy: theory and technique New York: Brunner/Mazel, 1987.         [ Links ]

RUTTER, M. Resilience in face of adversity: protective factors and resistance to psychiatric desorder. British Journal of Psychiatry, vol. 147, p. 598-611, 1985.         [ Links ]

UNESCO Yamoussoukro Declaration, 1989. Disponível em: http://www.unesco.org.br/publicacoes/BibliotecaVirtual/index_html . Acesso em: 22/05/2008.         [ Links ]

ZINS, J.E e ELIAS, M.J. Social and emotional learning, 2006. Disponível em: www.nasponline.org/educators/elias_zins.pdf Acesso em: 10/02/2008.         [ Links ]

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