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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.19 no.18 São Paulo  2011

 

Intuição e Resiliência - uma combinação possível no trabalho com crianças no contexto de reabilitação

 

Intuition and resilience: a possible combination at work with children in the context of rehabilitation

 

 

Cássia Ávila Duarte

Pedagoga e Psicopedagoga pela PUC-SP. Contato: cassia_duartte@yahoo.com.br. São Paulo, São Paulo, Brasil

 

 


RESUMO

Este artigo irá discorrer sobre a importância do trabalho psicopedagógico com crianças portadoras de necessidades especiais, buscando pontuar diferentes recursos que auxiliam no desenvolvimento das potencialidades dessas crianças. As reflexões são embasadas na teoria dos estilos cognitivo-afetivos, da psicopedagoga Eloísa Fagali (abordagem junguiana), em experiências vivenciadas e em entrevistas com profissionais que trabalham com reabilitação. Procuro mostrar como o trabalho de desenvolvimento da imaginação pode propiciar o fortalecimento do sujeito, auxiliando-o no desenvolvimento de seu potencial criativo e transformador, facilitando a elaboração de estratégias para lidar melhor com situações difíceis com as quais convivem e com o seu processo de aprendizagem.

Palavras-chave: Intuição, Imaginação, Criatividade, Arteterapia e Resiliência.


ABSTRACT

This article will discuss the importance of psychopedagogical work with children with special needs, trying to point out various features that assist in the development of its potentialities. The reflections here are based on the theory of cognitive-affective styles of psychopedagogue Eloísa Fagali (Jungian approach), in real life experiences and on interviews with professionals working with rehabilitation. Seek to show how the development work of the imagination through art therapy resources facilitates the strengthening of the resilience of the individual, helping them to develop their creative potential and transforming and facilitating the development of strategies to better handle difficult situations with which lives in and with your learning process.

Key words: Intuition, Imagination, Creativity, Art Therapy and Resilience.


 

 

Introdução

A proposta de pesquisa que serviu de base para este artigo surgiu dos atendimentos realizados no Núcleo Assistencial da Brasilândia durante os estágios supervisionados do curso de Pós-graduação Lato Sensu em Psicopedagogia da PUC-SP, em 2009.

Nessa instituição, tive a oportunidade de trabalhar com crianças portadoras de necessidades especiais e, diante dessa convivência, perceber a necessidade delas em desenvolverem a resiliência para que pudessem superar as múltiplas dificuldades com as quais se deparam cotidianamente e se tornarem mais capazes de adquirir conhecimentos, como outras crianças.

Diante disso, encontrei nas concepções de Eloisa Fagali sobre os estilos cognitivo-afetivos, embasadas em Jung, um meio de criar estratégias para trabalhar com essa questão. As supervisões foram extremamente ricas para que eu pudesse perceber o quanto a intuição poderia me ajudar nesse processo, pois possibilita uma visão do que vai além das coisas, auxiliando essas crianças a não se sentirem restritas pelas suas limitações.

Busquei conhecimentos sobre como despertar o imaginário no período em que estava cursando, na Pós-graduação, a disciplina eletiva de "Arteterapia". Nas aulas, podia vislumbrar o quanto as diferentes formas de manifestações enriqueceriam o meu trabalho.

No decorrer do processo psicopedagógico com as crianças da instituição, fui percebendo a diferença com que passaram a lidar com as imensas adversidades, melhorando de forma gradativa e singular o desenvolvimento da aprendizagem. A partir disso, me animei em realizar uma pesquisa sobre como o trabalho com a intuição poderia facilitar a promoção da resiliência.

Este artigo traz, além de reflexões teóricas, o relato de um dos atendimentos realizado e entrevistas com profissionais da área de reabilitação.

 

Resiliência

O termo resiliência, segundo Carmello (2008), vem do latim resilio-resilie, que significa "saltar para trás" ou "voltar ao estado natural". Esse conceito, historicamente, foi primeiramente utilizado pela Física e Engenharia. Um de seus precursores foi o cientista inglês Thomas Young, que em 1807 descreveu a noção de módulo de elasticidade ao buscar a relação entre tensão e compressão de barras metálicas. Neste contexto, o termo resiliência foi utilizado para dar a noção de flexibilidade, elasticidade, ajuste às tensões. Com o tempo este conceito ganhou outras proporções no campo da Sociologia, Psicologia, Medicina, Administração e Educação.

A palavra resiliência apresenta diversas definições, de acordo com a área em que está sendo empregada. No entanto, todos os significados direcionam a um mesmo entendimento, um eixo central de sua definição: a propriedade de retornar à forma original após sofrer a uma deformação.

Nas ciências humanas, este conceito representa a capacidade do sujeito estar bem integrado à vida, mesmo em condições adversas, mesmo vivendo em condições adversas, superando situações de extremo sofrimento.

Costa (1995) acredita que a resiliência é decorrente de qualidades já presentes na essência humana, mas que precisam ser articuladas e desenvolvidas.

Antunes (2003) define resiliência como a capacidade de resistência a condições duríssimas. O autor acredita que as pessoas resiliêntes, além de resistirem às adversidades, as utilizam para o seu desenvolvimento pessoal e social. Menciona que todos os organismos são dotados de alguma resiliência, que se apresenta em níveis diferentes, podendo tanto crescer demasiadamente como até extinguir-se. Conclui que o grau de resiliência pode ser modificado pela educação.

Antunes (2003) descreve algumas características da pessoa ou organização resiliente:

... necessita ser ágil, apresentar facilidade em acolher a diversidade, contextualizar o conhecimento e sua cíclica transformação, revelar poder sistêmico e criar solidariedade, sabendo dar a volta por cima, reajustar-se rapidamente após perturbações, choques ou frustrações e, sobretudo, achar saídas. Saber explicar-se, possuir autoconfiança, sentido da efemeridade e da importância da biodiversidade, e construindo-se permanentemente realizar julgamentos éticos (Antunes, 2003, p.17).

Carmello (2008) diz que atualmente o conceito de resiliência ganha força por que demonstra que, mesmo diante de uma situação de instabilidade e mudança, algumas pessoas conseguem maximizar o seu potencial, superando as circunstâncias.

 

Tipos Psicológicos

Jung começou a falar sobre as tipologias por volta de 1913, mas apenas em 1921 publicou sua obra "Tipos Psicológicos", propondo que cada um desenvolve uma maneira diferente de "apreender o mundo" (Jung, 1921, p.206).

Jung caracteriza a sua tipologia, descrevendo duas atitudes -introvertida e extrovertida- e quatro funções da consciência - pensamento lógico, sentimento, percepção e intuição.

As atitudes definem como o sujeito se relaciona conscientemente com o outro, ambas estão presentes nas pessoas, sendo uma delas a dominante. Na forma extrovertida o sujeito se move do "eu" para o "objeto", tendo maior facilidade de lidar com o outro, já o introvertido se move do objeto para o "eu", dependendo mais da iniciativa do outro.

Jung diferenciou as funções da consciência em racionais (pensamento e sentimento) e irracionais (percepção e intuição), sendo opostas entre si.

A função pensamento é caracterizada pela manifestação das razões lógicas, adquiridas através de dados e fatos reais, tem como subsídio o pensamento abstrato-teórico, realizando deduções lógicas com muita eficácia. Estão sempre buscando definições, explicações racionais, relações de causa-efeito, desvalorizando, muitas vezes, a subjetividade, as experiências vividas e as particularidades. Na atitude introvertida se manifesta com forte habilidade teórico-mental, elaborando explicações de fenômenos através de pesquisas. No movimento extrovertido tem melhor desenvolvido as deduções lógicas, podendo contribuir para a ampliação de teorias explicativas.

A função sentimento é movida pela razão das emoções, utilizando o julgamento moral para agir, buscando a subjetividade e a particularidade das coisas. Demonstra interesse pelas questões relacionadas à sua vida ou das pessoas com quem possui vínculos, tende a utilizar mais a inteligência emocional, a inteligência inter-pessoal e intra-pessoal. Na atitude introvertida esse estilo se manifesta com grande capacidade de autocrítica e auto-análise. No movimento extrovertido a pessoa tem facilidade na criação de vínculos e sensibilização com a situação do outro, demonstrando empatia.

O estilo perceptivo-sensorial se manifesta através da concretização das ações, buscando objetividade nos fatos, apresenta as habilidades de descrever e sistematizar os fatos muito bem desenvolvidos. Utiliza-se com muita eficácia a inteligência cinestésica, tem grandes necessidades de realizar, fazer, manipular e aplicar seus conhecimentos. Na manifestação introvertida tende a focar nas próprias sensações cinestésicas corporais, já no movimento extrovertido observam as propriedades perceptivas do objeto.

 

Intuição

A intuição é uma função da percepção inconsciente, representada por certa atitude de expectativa, de contemplação e penetração, que é utilizada para a construção de um processo ativo e criador em que o sujeito transfere sensações, inconscientemente, para o objeto, e retira dele inúmeras possibilidades, também de forma inconsciente.

A intuição fornece imagens e impressões das relações com o objeto, carregadas de conhecimentos específicos que influenciam nas ações do sujeito.

A pessoa intuitiva tem uma visão futurista, valorizando demasiadamente objetos ou objetivos que lhe proporcionam liberdade e novas descobertas ou resoluções para um dado problema. Ela nunca se encontra em situação estável, está sempre em busca de novidades e do que lhe promete futuro.

Para essa pessoa a vida exterior se torna uma espécie de prisão, onde se sente engessado, preso e oprimido, por esse motivo está sempre na busca de saídas e novas possibilidades. Uma situação que em um dado momento era, para o intuitivo, uma libertação, em pouco tempo se torna uma prisão; logo o que lhe contentava já não é suficiente e seu novo objetivo é se libertar da situação atual para expandi-la ainda mais.

O pensar e o sentir, elementos indispensáveis para a construção de opiniões sobre determinado fato ou objeto, não são considerados na tomada de decisão da pessoa intuitiva, pois a moral do intuitivo não se baseia no intelecto, nem no sentimento: ele tem a sua própria moral, relacionada às suas fortes impressões, preocupando-se prioritariamente consigo mesmo.

Através de suas pesquisas, Jung (1921) propôs que a intuição, assim como os outros tipos psicológicos, pode ser de dois tipos: extrovertido e introvertido.

Na atitude extrovertida, o intuitivo volta-se para os objetos exteriores, utilizando a sensação apenas como o ponto inicial para as suas impressões. Na atitude introvertida, o intuitivo volta-se para os objetos internos do inconsciente. Estes elementos se comportam, para a consciência, da mesma maneira que os objetos exteriores na atitude extrovertida, constituindo uma realidade psíquica.

A psicopedagoga Eloísa Fagali, a partir das ideias sobre as diferentes formas de contatar e processar o conhecimento de Gardner (Inteligências Múltiplas), Golleman (Inteligência Emocional) e Jung (Tipologia), realizou suas reflexões sobre a natureza destes processos do aprender, diferenciando-os e buscando novas associações através das práticas psicopedagógicas.

A autora define a intuição como um processo que está presente na vida do sujeito em todos os ciclos da sua vida, tendo uma evolução própria de acordo com os estímulos que recebe, podendo ser mais ou menos desenvolvida.

Fagali (2001, p.91) afirma que "a intuição se apóia nas formações de imagens espontâneas que surgem anteriores a qualquer elaboração analítica", ou seja, a intuição se antecipa aos fatos e dá subsídios para um pesquisador deduzir algo e, a partir desta hipótese inicial, buscar explicações teóricas para explicar determinado fato. Assim, toda investigação científica se iniciaria com uma espécie de pressentimento intuitivo.

A autora define o sujeito intuitivo como uma pessoa que gosta de lidar com as hipóteses e possibilidades, tendo o imaginário e a capacidade de fantasiar muito desenvolvidos. Está sempre em busca de novidades, daquilo que está além do que se costuma vivenciar, sempre atento às transformações do futuro, com uma visão global e sintética dos elementos, perdendo o foco do detalhe. Costuma ser visto como desatento e sonhador.

Na aprendizagem, o intuitivo tende a buscar o diálogo com as imagens e a livre associação. Para processar os conteúdos, busca constantemente a transformação, ampliando, assim, seu repertório de conhecimentos. Diante de situações de conflito, o pensamento intuitivo se apóia na captação do todo, por "insight", utilizando-se da livre associação, de analogias, metáforas e do imaginário.

 

Relato Reflexivo de Caso

Durante o período de estágio do curso de Pós-graduação em Psicopedagogia, realizei atendimentos em uma ONG com crianças portadoras de necessidades especiais. Com o passar do tempo, fui percebendo que o foco necessário para enriquecer a intervenção com uma das crianças era relacionado ao desenvolvimento de suas potencialidades, de forma que ela se sentisse capaz de aprender. Entretanto, precisava encontrar um meio propicio de trabalhar essa questão.

Através de pesquisas realizadas e, principalmente, pelas orientações da supervisora de estágio, Eloisa Fagali, pudemos perceber que o trabalho com a intuição poderia auxiliar em sua superação.

F. era uma criança de 11 anos com problemas relacionados à aprendizagem e à fala, sequelas de uma paralisia cerebral tipo coreoatetoide, cujas principais características são membros superiores com boa função, porém com movimentos involuntários contínuos, uniformes e lentos, em alguns momentos movimentos rápidos, arrítmicos e de início súbito. Além de pés plantígrados, utilizando apenas a planta do pé como apoio ao pisar no chão.

Seu desenvolvimento cognitivo não estava comprometido, bastava que fosse realizado um trabalho direcionado à valorização de suas potencialidades, auxiliando-o a perceber que era capaz de aprender, como os seus colegas da escola.

No decorrer dos atendimentos, pudemos perceber que a memória e atenção de F. eram perceptivas (segundo Jung), pois se apegava aos contornos, formas cores e tamanhos, além da grande necessidade de descrição do que era visto ou sentido. Ele apresentava uma boa noção de composição visual, tendo dificuldades quando as partes da composição eram assimétricas, ou seja, quando precisava do suporte da imaginação.

Percebemos uma certa fixação de F. no estilo cognitivo perceptivo, mas acreditávamos que ele havia desenvolvido essa função de forma mais acentuada para ser melhor compreendido, principalmente devido à sua dificuldade na fala.

Com estas observações, passamos a ver que o trabalho de mobilização da resiliência com F. seria extremamente rico se partíssemos do desenvolvimento da intuição, tendo o campo do sentimento como suporte para auxiliar no desenvolvimento da imaginação. Com isso esperávamos que F. pudesse sentir que tinha possibilidade de ir além da sua condição atual, permitindo-se sonhar e se sentindo mais capaz de superar suas dificuldades de aprendizagens e limitações físicas.

Para promover o despertar da imaginação, a Arteterapia seria um ótimo recurso a ser utilizado, pois auxilia no desenvolvimento da criança em todos os seus aspectos, através da estimulação física, sensorial e social. Os recursos da Arteterapia propiciam: a expressão dos sentimentos, angústias e tensões, buscando a reestruturação das estruturas subjetivas da criança; a socialização, combinação e integração da criança com o meio ambiente; a preparação da criança para lidar com diferentes situações através de dramatizações e produções plásticas; a construção da autonomia; a estimulação da imaginação e da criatividade. No caso de portadores de necessidades especiais, ajuda inclusive a diminuir a dor e desconforto físico.

Para Jung (1964), a Arteterapia proporciona o fornecimento de diversos materiais expressivos, adequados para a criação de símbolos presentes no universo da imaginação individual de cada cliente, universo carregado de produções simbólicas que retratam estruturas psíquicas internas do inconsciente individual e coletivo.

Essas estruturas psíquicas estão presentes em todas as pessoas. O inconsciente individual corresponde às partes mais aparentes e o coletivo às mais aprofundadas desse universo. Assim, a Arteterapia proporciona recursos capazes de compreender e entender os níveis mais profundos do funcionamento psíquico.

Portanto, na abordagem junguiana, a Arteterapia oferece diversas técnicas de expressão - modelagem, construção, pintura, desenho, colagem - que auxiliam na exteriorização e comunicação de símbolos constituintes do âmbito psíquico - sentimentos, emoções, desejos, fantasias, conflitos, sonhos, afetos -, possibilitando explanação, reconhecimento, resgate, reconstrução e transformação, restabelecendo áreas sem uso ou bloqueadas. Além disso, a Arteterapia promove a liberdade de expressão e dá sustentação para a autonomia criativa.

Durante o atendimento psicopedagógico, é possível utilizar diversas modalidades expressivas ou apenas uma, de acordo com o que for necessário. Com F., utilizei os seguintes recursos:

Pintura na água

Durante uma música com sons da Natureza, F. jogava a tinta óleo na água, produzindo imagens livremente. Após isso, colocava a folha sulfite rapidamente em cima da água, para ver como a figura ficava após o "carimbo". Esta atividade tinha o intuito de mostrar a ele que nem tudo é como queremos, gostamos ou planejamos. No decorrer do processo, pode haver modificações das formas e dos contornos, que também podem ser belos e possíveis de serem apreciados, compreendidos e valorizados.

No início, F. dizia que as figuras formadas "se pareciam com nada", por isso queria jogá-las fora. Com as intervenções psicopedagógicas, incentivando-a soltar a imaginação, ele começou a aceitar melhor a falta de definição dos desenhos que carimbava na água.

Pintura livre com música

Nessa atividade, F. deveria fazer pinturas no ritmo da música com os olhos fechados, sem se preocupar com a forma do desenho, expressando o que sentisse. Com o relaxamento proporcionado pela música, tinha o objetivo de estimular a expressão livre, sem cobranças ou outras preocupações, estimulando a imaginação e a liberdade de expressão.

Ele resistiu bastante em fechar os olhos, mas aos poucos foi se envolvendo na atividade. Ainda assim, tentava dar forma aos desenhos. Quando abria o olho e via que não havia saído como imaginara, ficava frustrado e tentava arrumar o desenho. Com conversas e reflexões, passou a aceitar um pouco mais a falta de forma dos desenhos.

Escultura com arame fino

Após ouvir uma história sobre um menino que superou um grande obstáculo criando uma ferramenta importante para resolver seu problema, coloquei uma música que incentivava a ação, com batuques fortes e ritmo rápido. Propus que ele pensasse em um problema que gostaria de solucionar e criasse uma ferramenta para isso utilizando o arame. Esta dinâmica tinha o objetivo de incentivar o uso da imaginação na busca de uma solução para um problema. A utilização de um material resistente, o arame, dificultaria a sua elaboração. Assim, ele teria que persistir para conseguir realizar o objetivo, manifestando a resiliência.

Nessa atividade, F. envolveu-se com mais facilidade, precisando de pouca intervenção psicopedagógica. Além disso, foi bastante criativo com a ferramenta criada: fez um lápis que lia o pensamento das pessoas e escrevia sozinho. Penso que essa criação faz muito sentido, devido às suas dificuldades de coordenação motora decorrentes da paralisia cerebral.

No decorrer do trabalho com os recursos da Arteterapia, entre outros, foi possível ver pequenos progressos em que F. se permitia imaginar e criar, deixando de se preocupar tanto com a perfeição das formas e significados.

Através dessa experiência, pude perceber que a combinação entre a "resiliência" e a "intuição" é extremamente rica e pode trazer grandes benefícios para as pessoas, em especial para as que apresentam alguma limitação ou dificuldade. A intuição auxilia na busca de novas possibilidades, em que o sujeito percebe que é possível, através do uso da imaginação e da criatividade, encontrar soluções para superar suas limitações, podendo tornar-se resiliente.

 

Entrevistas

Realizei entrevistas com alguns profissionais que atuam na área de reabilitação, dentre elas Ana Alice Francisquetti, arteterapeuta, professora e supervisora do curso de Arteterapia do Instituto Sedes Sapientiae, fundadora, coordenadora e supervisora do setor de arte-reabilitação da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), onde trabalha com crianças e adultos há quase vinte anos.

Na reabilitação, ela conta com ajuda de especialistas e estagiárias de Arteterapia, com o objetivo de ampliar a qualidade de vida dessas pessoas. Nesse processo, utiliza os diferentes recursos da arte para trabalhar as necessidades específicas de cada pessoa e, assim, fortalecer as suas potencialidades

Ana Alice comentou a importância do trabalho de fortalecimento psíquico, de maior conscientização de limites e potencialidades através dos recursos da Arteterapia, que facilitam a elaboração das perdas ocorridas e a reestruturação de suas vidas de uma forma global, sendo a participação da família indispensável nesse processo.

A reabilitação através da Arteterapia, para Francisquetti, deve ter uma visão global (físico/emocional/social/profissional/afetivo/sexual), com o foco de conscientizar o paciente da necessidade de sair de uma postura passiva e assumir uma conduta participativa, readquirindo a autoconfiança e independência, dentro de suas possibilidades atuais.

Entrevistei também Liliane Henriques, psicóloga e psicopedagoga integrante da ONG "Integração" que, juntamente com outros especialistas, realiza um trabalho psicopedagógico na AACC - Associação de Apoio a Criança com Câncer.

O intuito da equipe é trabalhar com as crianças utilizando diferentes formas de expressão e construção, estimulando as suas potencialidades, sendo um dos recursos mais utilizados a Arteterapia, por proporcionar uma série de ferramentas que possibilitam a expressão, manifestação, desenvolvimento da imaginação e criatividade.

Sandra Regina Schewinsky foi mais uma profissional entrevistada. Ela é Neuropsicóloga da Divisão de Medicina de Reabilitação do Hospital das Clínicas de São Paulo, onde trabalha com pacientes com sequelas de traumatismo crânio-encefálico.

No trabalho desenvolvido com esses pacientes, Sandra utiliza diferentes meios que propiciam o desenvolvimento da imaginação, para que eles possam lidar melhor com a situação atual. Ela acredita que no contexto de reabilitação o trabalho com o desenvolvimento da imaginação e criatividade é indispensável para que o doente encontre outros meios de conviver com suas novas condições, propiciando a criação de formas de diminuir o sofrimento e adquirir uma boa qualidade de vida.

 

Relações entre Intuição e Resiliência

Grunspum (2005) afirma que é possível desenvolver a resiliência no sujeito, promovendo uma mudança de atitude em relação à autonomia e independência na busca de alternativas renovadas para solucionar situações, para aprender a lidar com as frustrações e despertar da criatividade.

No trabalho psicopedagógico, várias estratégias podem ser utilizadas para trabalhar essas questões: jogos, brincadeiras, expressão oral e artística através de desenhos, pintura, modelagem, arte, dramatização, conversas. Por meio destes recursos, o psicopedagogo estaria proporcionando uma nova forma de ver e lidar com as situações.

Segundo Grunspum, pessoas resilientes têm um temperamento favorável à resistência, melhor desenvolvimento intelectual, maior nível de autoestima e de autocontrole, menor incidência de conflitos internos. Também possuem mais habilidade para superar adversidades, sentimento de confiança, uma "força interna" protetora, e ao mesmo tempo ousada, de perceber e enfrentar a rea-lidade, sabendo unir intuição e ação, razão e sentimento, força e ternura.

Acredito que uma questão essencial na combinação entre intuição e resiliência é o quanto a intuição pode proporcionar ao sujeito a possibilidade de ir além do que vive, do que sente, do que imagina e, principalmente, do que pode fisicamente, socialmente ou cognitivamente, ajudando na busca de soluções através da curiosidade pelo novo, almejando algo que até então lhe era impossível, sentindo-se capaz de superar as dificuldades. Promovendo, portanto, a resiliência.

A combinação entre resiliência e intuição é um grande desafio para os psicopedagogos. Até o momento, existem poucas pesquisas e artigos sobre essa relação, mas acredito que seja essencial para o trabalho em instituições e consultórios com diferentes faixas etárias e situações de vida.

Quando se trabalha com a capacidade de superar problemas utilizando a criatividade na busca de saídas, é possível desenvolver pessoas mais fortes, pois promove-se o autoconhecimento e o fortalecimento para lidar com as dificuldades.

 

Considerações finais

Este artigo teve o intuito de refletir sobre como auxiliar as crianças portadoras de necessidades especiais na busca de recursos que ajudem a lidar com as suas limitações, de forma que aprendam a valorizar suas potencialidades e a utilizar a imaginação para superar situações difíceis, a fim de terem uma vida melhor.

Acredito que seria importante aprofundar as pesquisas sobre como realizar a inclusão de alunos com necessidades especiais em salas regulares de ensino de forma plena, não apenas social, levando em conta os estilos cognitivos afetivos (Eloisa Fagali) e o desenvolvimento da resiliência.

Dessa forma, a inclusão seria muito mais rica para a criança com dificuldades, e para os demais alunos, por perceberem que todos são capazes de aprender, independentemente de suas limitações.

 

Referências

ANTUNES, C. Resiliência - a construção de uma nova pedagogia para uma escola pública de qualidade. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.         [ Links ]

CARMELLO, E. Resiliência. São Paulo: Gente. 2008.         [ Links ]

COSTA, A. Resiliência - Pedagogia da presença. São Paulo: Modus Faciend, 1995.         [ Links ]

FAGALI, E. Múltiplas faces do aprender - novos paradigmas da Pós-modernidade. São Paulo: Unidos, 2001.         [ Links ]

GRUNSPUN, H. Educação resiliente - um longo e bom caminho a percorrer. In: Abceducatio, ano 6, nº 42, fevereiro/05.         [ Links ]

JUNG, C. (1921) Tipos Psicológicos. Petrópolis: Vozes, 2008.         [ Links ]

JUNG, C. O Homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964.         [ Links ]

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