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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.19 no.19 São Paulo  2011

 

EDITORIAL

 

 

Elegemos, para iniciar as apresentações dos artigos deste volume, pensamentos do psicólogo Dr Gilberto Safra (2005) que merece destaque em relação às suas elaborações ampliadas e mais atuais a respeito de Winnicott, psicanalista muito considerado nas publicações que seguem, principalmente nos artigos sobre pesquisa, com especial destaque para a dissertação de Mestrado da autora Laiz T. Dietschi, que focaliza o desenvolvimento psíquico da criança na relação dinâmica com o meio, tendo em vista as falhas e facilitações da "mãe ambiente-cultura". A escolha dos pensamentos de Safra como introdução deste editorial, deve-se principalmente à amplitude e atualização de suas considerações sobre os fragmentos da cultura e do meio, considerando as sutis e complexas violências que geram desintegrações psíquicas, muito comentados nos primeiros artigos que seguem.

Quando Winnicott afirmou que "não existe um bebê sem sua mãe"', estava assinalando um princípio para a compreensão do self que, na verdade está presente a cada momento do processo maturacional. O acontecer humano demanda a presença de um outro (...) a mãe suficientemente boa também não existe sem os outros. Ela não existe sem um campo sócio-cultural que lhe dê possibilidades de exercer suas funções. A boa maternagem, assim como suas falhas tem origem na mãe, no pai , nos ancestrais, na situação social em que a mãe se encontra, nas características de sua cultura e de sua época. Trata-se de um fenômeno de grande complexidade (SAFRA, 2000, p.147-149).

Vale ressaltar que, no presente volume desta revista, devido às solicitações dos leitores e dos profissionais participantes do Simpósio: "Desafio Frente às Violências: intervenções na Interface Educação/Saúde" realizado no Instituto Sedes Sapientiae (maio de 2011) sobre violências e enfoques interdisciplinares, apresentamos artigos que dão continuidade ao tema do volume anterior sobre violências, com artigos internacional e nacionais, que se aprofundam nessa problemática.

Outros artigos, no entanto, não focam apenas essa questão, pois prosseguem com publicações de pesquisas e elaborações sobre o "outro lado da moeda", isto é, o desenvolvimento psico-educacional, com apoio terapêutico psicopedagógico e educacional, fundamentados nas concepções psicanalíticas de Winnicott e em outros estudos que se aprofundam na psicodinâmica, na psicologia do desenvolvimento e na educação, com destaque sobre os cuidados terapêuticos e possíveis prevenções educacionais e psicopedagógicas frente às ocorrências de desrespeitos, exclusões e sutis níveis de violências em que crianças, adolescentes e profissionais são expostos. Seguem as apresentações dos autores, com destaques sintéticos sobre suas pesquisas e reflexões:

A primeira publicação internacional refere-se às reflexões e pesquisas de Dr Hector S. Basile, psiquiatra infanto-juvenil, professor titular de psicopatologia, presidente honorífico Capitulo Psiquiatria Infanto Juvenil da Associação de Psiquiatras Argentinos e ex-assessor do programa de atenção integral de adolescentes (Hospital de clínicas - Universidade de Buenos Aires) e do Dr Pedreira Massa, psiquiatra infantil e da adolescência do Hospital infantil Universitário Niño Jesus (SERMAS- Universidade Autônoma de Madrid). Suas reflexões se desenvolvem sobre as dimensões e diferentes situações de violências, com apresentações de casos de crianças e adolescentes e ressaltam um fator de grande relevância que nem sempre é tão explícito, mas que merece atenção, por se referir a perigosas tendências de se considerar, de forma generalizada, o comportamento agressivo infantil como fator que ajuda a fortalecer o caráter do jovem, para formar adultos capazes de se adaptarem ao mundo em que vivem. O artigo apresenta significativas ilustrações de casos clínicos ocorridos principalmente na Espanha (Madri). Destaca a incidência cada vez maior dos atos violentos que geram questões em relação às condutas mais graves e considera as potencializações das violências, que podem ocorrer pela retroalimentação pelos meios de comunicação e outros episódios do dia a dia que não passam de "punta del iceberg de la violência" . Ressaltam a importância do curso de formação com equipes psicopedagógicas da área sanitária e assinala a necessidade de se aprofundar nas resistências e ambiguidades das Instituições, principalmente as escolares, frente ao ocultamento dos problemas dessa natureza. Há a necessidade de projetos de ação realizados, a médio e longo prazo.

O artigo que segue apresenta reflexões, pesquisas e ações sobre a violência na mídia (cyberbulying). A autora, psicóloga Ana Olmos (S. Paulo: Brasil), integrante do Conselho de Acompanhamento da Mídia da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal e da equipe do Ministério sobre cuidados na educação infantil, apresenta valiosos dados sobre as violências na mídia no Brasil e aprofunda com suas elaborações teórico-prática, em relação a psicodinâmica da criança e do adolescente. Por exercer função de consultora do Ministério da Justiça para a feitura de critérios da Nova Classificação Indicativa da TV, contribui significativamente com informações sobre a tentativa de modificar o poder quase sem limites das emissoras de TV, desrespeitando o fato de que crianças, adolescentes e adultos são cidadãos, antes de serem consumidores. Seu artigo aprofunda sobre os cuidados da comunicação e principalmente da educação infantil, com ênfase num processo educativo integrado e ressalta a importância da função da escola, que precisa se comprometer cada vez mais com os direitos e com o apoio à criança, ao adolescente, ao professor e aos pais. A autora desenvolve suas pesquisas e atuações em parceria com a ligação da Diplomatura em Vínculos na "Asociación Argentina de Psicología y Psicoterapia de Grupo" e considera que a clínica psicanalítica com crianças permite alcançar um melhor entendimento do significado e das motivações desses comportamentos. Aprofunda, em seu artigo, sobre a complexidade da dinâmica psíquica, com base nos fundamentos psicanalíticos e no desenvolvimento cognitivo-afetivo das crianças e adolescentes e ressalta o valor das atuações profissionais, na interface educação e saúde e o papel fundamental da escola e das contribuições psicopedagógicas que focalizam o desenvolvimento integral da criança e da cultura.

As reflexões sobre violências prosseguem com as relevantes elaborações da psicanalista Dra Ively Taralli. Com base no seu profundo conhecimento psicanalítico desenvolvido, durante muitos anos, em parceria com colegas psicólogos e psiquiatras, do Instituto Sedes Sapientiae e do Instituto de Estudos Psicodinâmicos (IEP) do qual é diretora, apresenta no presente artigo o enfoque psicodinâmico sistêmico sobre o desenvolvimento da criança e as sutis violências, e as conceituações associadas aos impactos disruptivos (Beniakar:2006). Taralli apresenta significativas diferenciações em relação à agressão, ao considerar o desenvolvimento psíquico da criança, em interação constante com o meio. Reflete sobre o fenômeno "bullying" e os níveis de vulnerabilidade dos que sofrem o impacto disruptivo, bem como os elementos psíquicos que definem a "condição de resiliência":

Não são muitos os que conseguem, como uma fênix, renascer, mais fortes ainda, das cinzas de uma imagem de si mesmo tão destruída. Porém, é possível e felizmente algumas crianças e jovens são capazes de superar e elaborar estas ações de violência e agressão, principalmente se acompanhados por alguém que, como um "tutor", os ajude a encontrar e trilhar esse caminho do "renascimento". (TARALLI, 2011, p.53 )

Os artigos prosseguem com pesquisas e elaborações sobre apoios clínicos, psicopedagógicos e educacionais, favoráveis ao desenvolvimento das crianças e adolescentes, com análises e delineações de procedimentos de poio a crianças e adolescentes. A autora Laiz T. Dietschi, licenciada em Letras (UNISINOS-R.S), psicopedagoga (PUC/SP), Mestre em Psicologia Clínica (PUC/SP), apresenta focos de sua tese (2010) sobre um caso clínico psicopedagógico, em que aprofunda sobre os impasses vividos pelo psicopedagogo no atendimento a crianças com dificuldades de aprendizagem. Essa foi a situação problema que gerou suas análises e elaborações que culminaram na sua dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica. A autora utiliza a metodologia clínica e a partir de seus procedimentos e análises, apresenta alguns parâmetros importantes na abordagem do sintoma "dificuldade de aprendizagem", entendido de forma generalizada como sinal de que algo não vai bem com a criança, em relação ao desempenho escolar. Suas reflexões teóricas se apóiam no pensamento psicanalítico de Donald W. Winnicott que ressalta a necessidade da criança representar, num gesto criativo singular, os desencontros em que a comunicação entre ambiente e bebê deixou a desejar e que compromete as relações associadas a aprendizagem formal. Suas análises buscam uma compreensão sobre a experiência do encontro vivido, ao longo dos atendimentos, que possibilitaram a retomada do caminho, rumo ao amadurecimento pessoal do qual a escola, na nossa cultura, faz parte. Apresenta recursos estratégicos com apoio nas expressões não verbais e verbais do cliente, associados a desenhos, rabiscos, argilas, colagens, entre outros recursos expressivos.

As reflexões e pesquisas científicas continuam em relação aos vínculos afetivos e a necessita de escuta e apoio, com foco na orientação psicopedagógica às mães. A autora psicopedagoga Dra Marcia Siqueira, professora e coordenadora do programa de Psicologia educacional (Centro Universitário Fieo), faz recortes de suas pesquisas, com análises qualitativas das respostas de mães que se apresentam com dificuldades de acolher e aceitar seus filhos com necessidades educacionais especiais. A autora faz suas análises em torno do tema "ser mãe/aprendente de sujeitos com necessidades educacionais especiais" e considera a importância das significativas orientações a mães, segundo referenciais teóricos psicopedagógicos e estudos psicanalíticos de Winnicott , entre outras teorias sobre o desenvolvimento da criança. Considera o papel significativo do psicopedagogo na orientação às mães, diante do sofrimento e ocultamente das mesmas em relação aos seus filhos com necessidades educacionais especiais. Faz considerações sobre o que cabe ao psicopedagogo em determinadas situações de acolhimento e escuta da angústia materna em relação à aceitação das condições de ser e de aprender de seus filhos e ressalta a importância do conhecimento, considerando as posições subjetivas do ensinante/aprendente em que este último ocupa um lugar específico e surge: "num espaço transdisciplinar, existente devido à fecundação entre sujeito desejante e sujeito cognoscente" (SIQUEIRA, 2011, p.75)

As reflexões do próximo artigo continuam em torno das dinâmicas associadas às relações afetivas. Dra. Claudia Broetto Rossetti (Universidade Federal do Espírito Santo) e Lorena Santos Ricardo (Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES) apresentam uma pesquisa (método clínico) sobre o conceito de amizade na infância, com o objetivo de investigar o processo de construção do conceito de amizade e de ampliar os estudos realizados no Brasil sobre o assunto, até o presente momento. A pesquisa realizada com 12 crianças (7 a 11 anos, de ambos os sexos), estudantes da rede pública de um município do interior do Espírito Santo, apresenta análises qualitativas e quantitativas das respostas, por meio de desenhos temáticos e de entrevistas. As análises permitem avaliar os sentidos e significados do conceito de amizade das crianças que vão se alterando, ao longo do processo de desenvolvimento. Ressaltam os fundamentos teóricos da Psicologia do desenvolvimento (La Taille, 2002; Tortella, 1996; Piaget; entre outros) e consideram, a partir de suas análises, a necessidade de dar continuidade à pesquisa utilizando de um número maior de participantes, de faixas etárias diversificadas, a fim de se investigar a evolução do significado e sentidos da amizade, ao longo da vida. Essa dinâmica, que envolve ser, ter e fazer amigos,representa um dos fatores fundamentais para o desenvolvimento e aprendizagem saudável do ser humano. Destacam que é possível conhecer o processo de construção do conceito de amizade pelo método clínico e que no Brasil ainda são poucos os estudos que investigam essa temática. Os resultados apontam para a importância social das amizades que deve ser sempre levada em consideração, uma vez que transformações sociais, culturais, políticas e econômicas vêm abrindo uma nova dimensão para as relações desse tipo, desde a infância até a vida adulta e que é de grande valor a criação de condições ambientais, principalmente na escola, que propiciem amizades saudáveis e que beneficiam a criança em seu desenvolvimento cognitivo, possibilitando o desenvolvimento da solidariedade e resiliência das crianças e adolescentes, nas suas relações com o outro, frente às ameaças dos múltiplos e sutis efeitos das discriminações e desrespeitos, de diferentes naturezas.    

O artigo da psicopedadagoga   Carolina Gil Santos Wolff  e da pedagoga, psicopedagoga e mestre em Psicologia, Elisa Maria Pitombo, co-autora, focaliza as questões das relações com o outro na aprendizagem clínica psicopedagógica. As autoras aprofundam sobre a importância das relações interpessoais dos aprendizes com problemas de aprendizagem, fundamentando-se na teoria de Pichon Rivière (grupos operativos) no diálogo com as diferenças e identidades, enquanto o aprendiz constrói seus conhecimentos e aprendem em grupo no trabalho clínico psicopedagógico.

Conclui-se o presente volume com uma publicação da psicóloga e psicopedagoga Dra Nívea Maria de Carvalho Fabrício e da psicóloga Paula Virgínia Viana Cantos, que trazem elaborações sobre o diagnóstico e intervenção psicopedagógica, na perspectiva da atuação da escola inclusiva. Faz um resgate histórico das pesquisas desenvolvidas numa escola particular, de grande representatividade na cidade de S. Paulo e que teve suas origens (1977) em um berçário com proposta de educação inclusiva. As autoras narram e analisam essa experiência escolar, iniciada antes do movimento pela inclusão que trouxe à tona a necessidade das escolas se adaptarem ao trabalho com todos os alunos. A referida escola iniciou-se pela busca de um modelo de inclusão, onde todos os alunos pudessem ser escolarizados, considerando suas singularidades, dificuldades e potencialidades. Nas avaliações posteriores, concluiu-se, por meio de diagnósticos psicopedagógicos e multidisciplinares, sobre a necessidade de desenvolver um novo tipo de estrutura e dinâmica escolar que possibilitasse preparar os alunos para uma inserção social positiva. Segundo suas análises, as Intervenções terapêuticas eficazes precisam ser realizadas, com base na compreensão integral do indivíduo e por meio de uma postura diagnóstica dos profissionais, durante todo o período de contato com as crianças e adolescentes e que engloba a conduta investigativa, o estabelecimento de vínculo, a troca de informações entre profissionais, bem como as reavaliações periódicas das ações realizadas e replanejadas. As autoras destacam posturas e procedimentos com reavaliações constantes e apoio múltiplo de profissionais, dispostos a reverem paradigmas e com alto grau de resiliência. As avaliações apontam a importância da escolarização, para além da construção acadêmica formal. O ambiente educacional escolar pode favorecer mediações de situações conflituosas, enquanto o aluno e educadores constroem saberes, ampliam o repertório sócio-cultural, diversificam as possibilidades relacionais e desenvolvem habilidades necessárias.

Concluímos este editorial com um destaque num pensamento do Dr. Beniakar (2006), muito citado pelos autores que refletem sobre violências nos artigos deste volume

Intervimos como representantes do mundo externo capazes de reinstaurar funções mediadoras de contenção e holding necessárias para todas aquelas pessoas cujas subjetividades resultaram afetadas pelo fenômeno. As ações dos profissionais tendem a reestabelecer os processamentos psíquicos adequados, antes de que se transformem em patologias, e a ajudar para que a irrupção do mundo externo no interno tenha um efeito menos disruptivo" ( BENIAKAR, 2006, p.105)

 

Referências

SAFRA, Gilberto. A face estética do Self, Idéias e Letras São Paulo: Unimarco, 2000.         [ Links ]

BENYAKAR, Moty. O disruptivo Buenos Aires: Ediorial Biblos , 2006.         [ Links ]

 

 

Eloisa Quadros Fagali (editora cientifica) e Equipe editorial

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