SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.20 número20Reflexões sobre psicopedagogia em saúde a partir de um casoAtendimento psicopedagógico em uma clínica-escola: um olhar para aspectos da adolescência índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.20 no.20 São Paulo  2012

 

Envelhecimento saudável, através de intervenção psicopedagógica, com enfoque neuropsicológico

 

 

Maria Angélica Moreira Rocha

Salvador, Bahia, Brasil. Pedagoga, com especialização em: Psicodrama, Educação Especial, Psicopedagogia, Modificabilidade Cognitiva e Neuropsicologia. Diretora Cultural - Associação Brasileira de Psicopedagogia - Seção Bahia (ABPp - BA). Conselheira - Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp). Contato: Mapsi Consultoria e Clínica Psicopedagógica, Rua Alceu Amoroso Lima, 668, sala 1306, Caminho das Árvores. Salvador - BA, CEP: 41820-77, Tel.: (71)3797-6270 / (71)8625-2432, email: mapsiaperfeicoamento@hotmail.com

 

 


RESUMO

Os avanços da ciência apontam para um aumento da longevidade das pessoas, requerendo aprimorar a sua qualidade de vida, principalmente, na fase mais adiantada.
Estudos têm demonstrado que as etapas da maturidade e velhice, mesmo com alguns declínios, apresentam também, outros ganhos, frutos da vivência de experiências e maturação. Esse fato é explicado pela ciência como reconhecimento de padrões, que se dá através de uma reserva cognitiva. Então, os efeitos do tempo podem ser compensados, quando se estabelecem hábitos saudáveis e um estilo de vida estimulante.
Este artigo trata de uma revisão sobre o processo evolutivo do ser humano, da apresentação de resultados de alguns centros de pesquisa sobre as fases da maturidade e do envelhecimento e, ainda, da possibilidade de uma abordagem psicopedagógica, embasada na neuropsicologia, visando à preservação cognitiva e uma vida útil e produtiva, até sua finitude.
Não se trata de uma perspectiva imaginária ou mágica para deter o que é inevitável, o envelhecimento; mas é real e ultrapassa os desígnios biológicos, avançando para o possível. Mas, para alcançar essa condição satisfatória é necessário passar por muitas experiências, apropriar-se delas e colocá-las em prática no seu cotidiano.

Palavras-chave: Modificabilidade, Plasticidade cerebral, Neurogênese, Reconhecimento de padrões, Reserva cognitiva, Modalidade de aprendizagem, Estimulação cognitiva, Qualidade de vida.


ABSTRACT

The progress of science point to an increased longevity of people, requiring improve their quality of life, especially in the later stage. Studies have shown that the stages of maturity and old age, even with these declines, they also show other gains, the fruits of experience and maturity. This fact is explained by science as pattern recognition, which occurs through a cognitive reserve. Then, the effects of time can be compensated, when establishing healthy habits and na exceting lifestyle.
This article is a review of the evolutionary process of being human, the presentation of results of some research centers on the stages of maturity and old age, and also the possibility of a psychoeducational approach, based on neuropsychology, aiming at preserving cognitive and a useful and productive life until his finitude. This is not an imaginary prospect, or Magic to stop what is inevitable, the aging, but it is real and goes beyond the ideological designs, advancing to the possible. But to achieve this satisfactory condition is necessary to go through many experiences, appropriating them and put the, into practice in their daily lives.

Keywords: Modificability, Brain Plasticity, Neurogenesis, Pattern Recognition, Cognitive Reserve, Style of Learning, Cognitive Stimulation, Quality of Life.


 

 

Introdução

Garantir uma velhice com independência implica em apresentar habilidades preservadas, possibilidades de exercer alguma atividade intelectual, além de uma vida social ativa; essa é a perspectiva e o desejo da maioria das pessoas, que, comumente, interrogam: isto é possível? Como conseguir? Como manter?

Porém, essa situação não se constitui imutável, mas suscetível de modificabilidade neurofuncional, sustentada na condição da plasticidade cerebral.

Considera-se como Princípio da Plasticidade, a possibilidade de mudanças e adaptações, em função de novas experiências e aprendizagens, de novas incorporações internas e de estímulos externos. Esse princípio reúne os mecanismos de reorganização cortical, que possibilita ao indivíduo, aprender novos conhecimentos e executar tarefas diversificadas.

À medida que acontecem novas aprendizagens, a rede neural é estimulada a formar novas conexões e, com isso, o processo de envelhecimento pode ser retardado.

 

Técnicas de Imageamento

Os estudos da neurociência tiveram grande avanço nos anos 90, sendo considerada a década do cérebro, principalmente devido ao uso de técnicas de neuroimagem, que possibilitam a visão de como os processos mentais estão operando.

Essas técnicas visam fornecer informações sobre a fisiologia cerebral, porém os princípios físicos, de cada, são diferentes. A neuroimagem estrutural fornece fotos da morfologia do cérebro e a neuroimagem funcional mostra a atividade cerebral. A prescrição do tipo de exame, pelo neurologista, depende da situação do quadro; e os resultados, além de contribuírem para o diagnóstico médico, trazem subsídios para definir estratégias de estimulação ou reabilitação.

 

Desenvolvimento Neuropsicológico

A neurociência constata que o desenvolvimento neuropsicológico dos indivíduos passa por estágios, ao longo da sua existência. Esses não são separados nem delimitados, mas se transformam gradualmente, de um para o outro, com variações entre as pessoas, pois ocorre a depender das características de cada uma, da sua história de vida e, ainda, do ambiente em que vive.

Considerando as etapas evolutivas principais: desenvolvimento, maturidade e envelhecimento, "O que acontece no cérebro de alguém, à medida que envelhece, depende, em grande parte, do que essa pessoa fazia quando jovem.". (Goldberg, 2006, p.52)

O cérebro, com seus duzentos bilhões de neurônios, é muito complexo, necessitando, para seu pleno funcionamento e cumprimento da sua tarefa, que é o comando de todas as atividades do corpo, estar preservado e exercendo as conexões, de forma compatível com suas finalidades.

O desenvolvimento neuropsicológico é um processo complexo, que possui muitas especificidades. Nesse artigo não abordarei detalhadamente esses fundamentos, visto que já há uma variada literatura sobre neurologia que trata acerca desses conhecimentos; mas, à título de revisão, saliento alguns aspectos mais relevantes ao tema proposto.

A fase do desenvolvimento inicia-se com a neurogênese, ou seja, o nascimento dos neurônios, que continua durante toda a vida. Em certo ponto começa a mielinização, que favorece a conexão entre as células e formação da estrutura cerebral.

A segunda fase da maturidade caracteriza-se pela diminuição de fluxo neural e maior estabilidade nas estruturas cerebrais.

Vem, a seguir, a fase do envelhecimento, com alguns declínios, decorrentes da evolução, como acontecem com todos os outros órgãos do corpo humano. As mudanças estruturais são globais, mas a funcionalidade das diversas partes é individualizada e particular a cada indivíduo.

 

Evidências de neurogênese adulta

Os estudos contemporâneos apontam para uma nova visão acerca do envelhecimento, constatando-se que acontece uma "sabedoria", conforme define Goldberg, conferida pela vivência de experiências e maturidade adquirida com essas.

Essa ideia é defendida por neurocientistas que afirmam que as mudanças decorrentes da idade, não são só perdas e que acontecem, também, alguns ganhos.

Isso se dá pelo reconhecimento de padrões, em que o indivíduo maduro passa a ter ideias mais facilmente, fazendo associações repentinas (insights), o que proporciona o discernimento para encontrar soluções para situações cotidianas, com mais precisão e eficácia, do que os mais jovens.

Com a maturidade, os indivíduos aprendem uma atitude adaptativa, através do recurso de bilaterização, que consiste no uso concomitante mais frequente dos dois hemisférios cerebrais, o que favorece a visão ampla das situações.

Nessa fase, também é possível lidar melhor com as emoções, sendo capaz de entender o ponto de vista do outro, através da habilidade de se colocar no lugar mental de outra pessoa, chamada pelos neurocientistas de capacidade de formar a teoria da mente. Demonstra a possibilidade de valorizar os pontos relevantes da situação, evitando agir precipitadamente.

Os exames de neuroimagem mostram que as partes do córtex frontal que lidam com a regulação das emoções apresentam menos tempo de atrofiamento se comparados com outras áreas cerebrais.

O pesquisador Laibson, professor da Universidade de Havard e neuroestudioso em neuroeconomia, chegou à conclusão, após pesquisas, que, a partir dos quarenta anos as pessoas tomam melhores decisões financeiras.

Numa subdivisão do lobo frontal, o córtex pré-frontal, que é responsável por planejamentos e pela organização de comportamentos complexos, normalmente é afetado pelo envelhecimento.

Os cientistas definem como reserva cognitiva, o uso aprimorado do córtex frontal, o que leva a uma proteção contra os efeitos do envelhecimento, como as demências.

 

Envelhecimento saudável

Embora tenhamos que considerar que, nesse período, os riscos são aumentados, pode-se prevenir enfermidades e ter um envelhecimento saudável.

Outro dado importante é que na atualidade tem ocorrido um aumento da longevidade. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2011, o tempo médio de vida, no Brasil, apresentou no período de três décadas, aumento de onze anos.

Outras informações de profissionais da área revelam que a característica da maioria da população entre 50 a 70 anos, no nosso país, encontra-se em exercício da sua produtividade, com realizações pessoais e profissionais. Portanto, alguns conceitos, paradigmas e valores necessitam ser revistos.

Uma pesquisa realizada na Universidade de Michigan, EUA, 1993 - 2002, revelou que os resultados relativos à prevalência na deterioração cognitiva leve, têm diminuído, indicando uma redução de 3,5%, comparada com índice anterior (12,2%), atingindo 8,7%, expressa no quadro 1:Q.1

 

 

Interação Neuropsicologia - Psicopedagogia

A interação dos fundamentos, aqui considerados, constitui pontos de interface entre a Neurociência, Neuropsicologia e Psicopedagogia, formando um paradigma essencial para a educação e reabilitação.

Nesta visão, a ação psicopedagógica enfoca a otimização ou reabilitação do potencial cognitivo, com a finalidade de enriquecimento ou compensação das dificuldades.

Essa abordagem tem como ponto de partida o foco da Psicopedagogia, que é a aprendizagem, considerada de forma ampla e abrangente; envolve as várias áreas que compõem o ser humano, durante todas as fases da vida, em ambientes diversos, em que o indivíduo convive.

Neste artigo, privilegio a intervenção psicopedagógica clínica com adultos jovens, maduros e idosos, considerando a concepção dinâmica do potencial de aprendizagem, com possibilidades de modificabilidade - termo cunhado por Feuerstein, autor da Teoria da Modificabilidade Cognitiva, Diretor do HADASSAH - WIZO - CANADA RESEARCH INSTITUTE, Jerusalém.

Nessa perspectiva, a avaliação psicopedagógica com enfoque neuropsicológico, antecede a intervenção ou reabilitação e visa identificar a modalidade de aprendizagem do sujeito; isto é: quais seus melhores recursos para aprender, quais estímulos (visuais, auditivos, cinestésicos) facilitam sua aprendizagem; qual seu estilo de aprendizagem (assimilativo/acomodativo); investiga-se a operacionalidade das funções executivas; como ele aplica a linguagem (uso da semântica e formas convencionais da língua); como utiliza o raciocínio e as funções abstratas; como estabelece relações do aprendido com as suas necessidades; quais suas possibilidades de generalização, ou seja, de aplicação do aprendido na sua vida prática.

A avaliação enfatiza dados quantitativos, que são aqueles que relacionam o indivíduo avaliado a um grupo normativo e da mesma faixa etária. E, dados qualitativos que são observados durante o processo de avaliação, bem como a verificação do impacto das dificuldades, o estado emocional, a dinâmica das relações familiares e se já usa estratégias compensatórias.

A depender do objetivo da avaliação, durante o processo avaliativo, pode-se utilizar a técnica psicopedagógica de mediação, visando melhor identificar as possibilidades de aprendizagem, definido por Vygotsky, como zona do desenvolvimento proximal.

Com esses dados é possível estabelecer o perfil de modificabilidade e prever um programa de intervenção/reabilitação, especificamente de estimulação cognitiva. Esse trabalho é individualizado, a partir das condições e possibilidades de cada sujeito. Mesmo assim, as propostas de intervenção podem ser realizadas, também, com pequenos grupos o que traz como vantagem a troca de experiências e busca de novos desafios, além dos resultados positivos da convivência grupal.

 

Qualidade de vida

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a qualidade de vida como "o estado completo de bem estar físico, mental e social" e ainda, como a "percepção individual sobre sua posição em relação à vida, ao contexto da cultura e o sistema de valor no qual vive em relação aos objetivos, expectativas, modelos e preocupações.".

Uma melhora efetiva na qualidade de vida das pessoas pode ser considerada quando promove benefícios a elas, no que se refere à satisfação na sua vida, nos aspectos sociais e psicológicos, tendo em vista, também, a sua funcionalidade.

A proposta de intervenção psicopedagógica visa à repercussão na vida dos indivíduos, buscando proporcionar melhores condições de adaptação, produtividade e diminuição dos impactos funcionais; portanto, uma qualidade de vida compatível com seus anseios, possibilidades e expectativas.

 

Conclusões

A forma como cada pessoa passa pelo processo vital é multifatorial, dependendo da sua constituição genética e das condições de vida, que incluem hábitos saudáveis de saúde, alimentação e lazer.

Então, conclui-se que é possível interferir, positivamente, no processo de envelhecimento; e que o desenvolvimento de programas de intervenção/reabilitação podem aprimorar as perspectivas de saúde, qualidade de vida, favorecendo um envelhecimento equilibrado.

Respondendo aos questionamentos que inicio o artigo, é possível conseguir um envelhecimento saudável, através de uma estimulação cognitiva, associada a outros cuidados com a saúde geral.

Retomando a ação psicopedagógica, ressalto a necessidade de preparação do profissional, que deve estar atento à sua formação continuada, através de revisões constantes, visando a sua competência técnica.

Como também, respaldar-se na ética profissional, considerando as diretrizes da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA PSICOPEDAGOGIA (ABPp) e limites da sua área de atuação.

É importante levar em consideração a aceitação incondicional dos seus clientes, nas suas diversas formas e especificidades de pensar e agir, e ainda, nos valores pessoais adotados. O respeito aos colegas e a outros profissionais, fortalecendo a ação interdisciplinar.

Esta abordagem psicopedagógica, apoiada nos estudos neuropsicológicos, revela a amplitude de âmbitos em que a Psicopedagogia pode atuar.

Martha Medeiros, na crônica "O que acontece no meio", publicada no jornal Zero Hora, em 04 de dezembro de 2011, fala de forma poética sobre o tema.

"...O que acontece no meio é o que importa.
... A primeira metade da vida é muito boa, mas da metade para o fim pode ser ainda melhor, se a gente aprendeu alguma coisa com os tropeços lá do início. Que o pensamento é uma aventura sem igual. Que é preciso abrir a nossa caixa preta, de vez em quando, apesar do medo do que vamos encontrar lá dentro. Que maduro é aquele que mata no peito as vertigens e os espantos.
...No meio, a gente descobre que reconhecer um problema é o primeiro passo para resolvê-lo...
...Que tocar na dor do outro exige delicadeza. Que ser feliz pode ser uma decisão, não apenas uma contingência.
...E que harmonizar o que pensamos, sentimos e fazemos é um desafio que leva uma vida toda, esse meio todo."

 

Referências

Binotti, Paula e col. Funciones ejecutivas y aprendizaje In: El envejecimento normal. Estimulacion cognitiva desde una mirada psicopedagógica. Rev. Chil. Neuropsicologia, 2009.         [ Links ]

Caroll, Jonh C. Human. Cognitive Abilities: a survey of factor analytic studies. Cambrige University Press. 1993.         [ Links ]

Damásio, Antônio R. O Erro de Descartes: Emoção, Razão e Cérebro Humano. Tradução Portuguesa: Dora Vicente e Georgina Segurado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.         [ Links ]

Feuerstein, R (et al). Pre requisites for assessment of learning pontential. In: Lidz, C. Dynamic Assessment. Nova York. Guilfor Press, 1987.         [ Links ]

______ Learning Potential Assessment Device - LPAD: experimental version. Jerusalém: Hadassah - Wiso - CANADA REASEARCH INSTITUTE, 1987.         [ Links ]

Goldberg, Elkhonom. O Paradoxo da Sabedoria. São Paulo. Editora Melhoramentos, 2006.         [ Links ]

Lousã Neto, M. R. e Lousã J. R. Reabilitação em Psiquiatria. Revista Brasileira de Medicina, Vol. 55, nº 07, 1998.         [ Links ]

Luria, A. R. Desenvolvimento Cognitivo. São Paulo, Icone. 1990.         [ Links ]

_________ The Working Brain. Londres. Penguin Books. 1975.         [ Links ]

Morin, E. Problemas de uma Epistemologia Complexa. Lisboa. Europa América, 1996.         [ Links ]