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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.20 no.20 São Paulo  2012

 

Atendimento psicopedagógico em uma clínica-escola: um olhar para aspectos da adolescência

 

Psycopedagogue attendance in a clinic-school: a look to aspects of adolescence

 

 

Rafael de Souza MenezesI; Maria Gentil Araújo da Silva LopesII; Hilda Rosa Capelão AvogliaIII

ISantos, São Paulo, Brasil. Psicólogo (Bacharel e licenciado) e Psicopedagogo Institucional e Clínico
IIGuarujá, São Paulo, Brasil.Licenciada em História e Psicopedagoga Institucional e Clínica
IIIUniversidade Metodista. Orientadora do trabalho, Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento pela USP, professora da Universidade Metodista de São Paulo

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é a apresentação de caso de uma adolescente de 14 anos de idade com queixa de dificuldade de aprendizagem atendida por um serviço de clínica-escola de Psicopedagogia. Foram realizados seis atendimentos avaliativos, onde foram verificadas e analisadas as dificuldades, e treze atendimentos interventivos, onde foram propostas ações para o tratamento destas. As informações relatadas foram estudadas a partir de um enfoque qualitativo a partir dos atendimentos realizados. Buscou-se uma ampla compreensão dos aspectos envolvidos no aprendizado para abordar o caso. Foram constatadas dificuldades que não poderiam ser contempladas apenas pelo atendimento psicopedagógico clínico, sendo necessária intervenção interdisciplinar, principalmente para a atuação na compreensão de aspectos da adolescência pela família e pela própria paciente, além do cuidado especial com aspectos básicos do aprendizado formal que se encontravam defasados.

Palavras-chaves: Estudo de caso, Dificuldades de aprendizagem, Adolescente, Psicopedagogia.


ABSTRACT

The objective of this work is the presentation of a case of an individual 14 years old and female complaining of difficulty in learning a service attended by school-clinical Psychopedagogy. Were performed six sessions of evaluation, where they were checked and analyzed the difficulties and thirteen interventional care, where actions have been proposed to treat these. The information reported were studied from a qualitative approach from the care provided. We seek a broad understanding of the aspects involved in learning to deal with the case. Difficulties were observed that could not be addressed only by the clinical psychopedagogy service, requiring interdisciplinary intervention, mainly to act in the understanding of aspects of adolescence by family and the patient herself, in addition to the special care of the basics of formal learning that were lagged.

Keywords: Case study, Learning disabilities, Teen, Psychopedagogy.


 

 

Introdução

Atualmente a busca por profissionais que atuam na prevenção e tratamento das questões voltadas às dificuldades de aprendizado é crescente, porém as causas e os modos de trabalhar na eliminação ou redução dos efeitos destas dificuldades nem sempre recebem a atenção merecida. Cada caso possui suas particularidades e cairemos em erro ao analisarmos de forma parcial a dificuldade que nos é apresentada.

A proposta deste estudo é relatar um caso clínico de uma adolescente com dificuldades de aprendizado formal ao qual associamos a aspectos, principalmente, afetivos. Para este estudo, utilizamos um enfoque qualitativo baseado nos atendimentos realizados e em uma bibliografia de referência onde verificamos os papéis assumidos pela Psicopedagogia, a questão do aprendizado e das dificuldades de aprendizado, suas relações com a atenção, a memória, a família e a escola e a própria questão da adolescência, uma vez que nos referimos a um indivíduo nesta fase do desenvolvimento ao longo deste trabalho.

 

Psicopedagogia: Passado e presente

A Psicopedagogia surgiu da necessidade de atendimento e orientação a crianças que apresentavam dificuldades ligadas à sua educação, mais especificamente à sua aprendizagem, quer cognitiva, quer de comportamento social (MASINI, 2006).

Segundo Masini (2006), os primeiros psicopedagogos eram profissionais da educação, que queriam ajudar na reintegração daqueles que estavam à margem. Informa que na década de 1970 começaram os cursos de especialização com profissionais experientes na área de educação, de Psicologia, de aconselhamento escolar e em aprendizagem, que desencadearam várias pesquisas. Denuncia ainda que, nessa etapa da história da Psicopedagogia, todo diagnóstico recaía sobre a criança, demonstrando que era nela que estava o problema. Só a partir da década de 1980, aqui no Brasil, é que aparece a ênfase ao aspecto social ligado ao fracasso escolar: os temas foram ampliados e passaram a ser pesquisados também os fatores intraescolares e sociais, econômicos e políticos envolvidos na aprendizagem. Paín (2008) ressalta que a intervenção psicopedagógica volta-se para a descoberta da articulação que justifica o sintoma e, também, para a construção das condições para que o sujeito possa situar-se em um lugar tal que o comportamento patológico se torne dispensável.

Podemos compreender melhor a visão atual da Psicopedagogia através do trabalho de Scoz e Porcacchia (2009), que afirmam ser necessário um maior aprofundamento de estudos científicos que fundamentem o diagnóstico e o atendimento psicopedagógico considerando suas múltiplas relações, percebendo a aprendizagem humana a partir de um olhar multidisciplinar e interdisciplinar a partir de conhecimentos sobre as bases orgânicas, psicológicas, cognitivas e sociais do sujeito. A respeito desta interdisciplinaridade, Gasparian (2010) afirma que pensar as questões de aprendizagem, neste ponto de vista, é formar um caleidoscópio multifacetado de conhecimentos que abrange questões de vários campos de saberes. Vemos, assim, uma atual e crescente preocupação na atuação psicopedagógica baseada na comunicação de diferentes formas de conhecimento. Souza e Santucci (2009) reforçam ainda que é através da integração entre o tratamento interdisciplinar, a escola e a família que as dificuldades de aprendizagem podem ser superadas ou minimizadas.

 

Aprendizado e suas dificuldades

Utilizando as palavras de Fonseca (1995), Lima et al. (2006) afirmam que a aprendizagem é uma mudança no comportamento resultante da experiência ou prática e depende da interação entre fatores individuais e ambientais. Pantoja (2009) reitera este conceito salientando que a aprendizagem é um processo de apropriação ativa de conteúdos da experiência humana, daquilo que seu grupo social conhece e que está sujeita a influências de fatores internos e externos, sociais e individuais. Ao citar Vygotsky, Luria e Leontiev (1988), Lima et al. (2006) relatam que o aprendizado é um aspecto necessário e universal para o desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e particularmente humanas.

Pastorino (2009) relata que o processo de aprender vai constituindo o sujeito em consequência da necessidade emergente do intercâmbio entre seu organismo e o meio. O sujeito, protagonista que atua para transformar o objeto e transformar-se, vai estruturando sua modalidade de aprender, significando sua experiência, organizando-a e elaborando o que chama de matrizes de aprendizagem, as quais relata serem complexas e fortemente influenciadas por determinações familiares e sociais, compreendendo aspectos emocionais e cognitivos inseparáveis.

Segundo Paín (2008), existem dois tipos de condições para a aprendizagem, as externas e as internas. As externas definem o campo do estímulo e as internas definem o sujeito.

Souza e Santucci (2009) relatam que crianças com dificuldades de aprendizagem formam um grupo heterogêneo que abrange uma grande possibilidade de possíveis fatores causais como, por exemplo, educacionais, ambientais, emocionais, cognitivos, linguísticos, perceptuais e neurológicos, que podem estar associados ou não.

A dificuldade de aprendizagem, conforme Souza e Sisto (2001) é identificada nas crianças pela não reprodução de atividades anteriormente aprendidas e solicitadas sempre que necessário, fazendo com que as crianças que não armazenem ou retenham as informações recebidas, não sejam capazes de evocar o que a atividade determina e, assim, tenham alta probabilidade de serem apontadas como crianças possuidoras de dificuldade de aprendizagem.

Lima et al. (2006) distinguem as dificuldades de aprendizagem em dificuldades escolares, relacionadas a problemas de origem e ordem pedagógica; e distúrbios de aprendizagem, relacionados a alguma disfunção no sistema nervoso central.

 

Atenção e memória

Em seu trabalho, Tanaka (2008) relata que a partir da visão sócio-histórica de Luria e Vygotsky a atenção pode ser definida como a direção da consciência, ou seja, o estado de concentração da atividade mental sobre um objeto. Conforme Oliveira (2003, citado por Tanaka, 2008), o funcionamento da atenção baseia-se inicialmente em mecanismos neurológicos inatos e involuntários, sendo que ela vai sendo submetida, gradualmente, a processos de controle voluntário.

Wajnsztejn (2009) salienta que a percepção exerce um papel determinante na relação entre alunos e os processos educacionais, pois "a partir dela é que o sujeito se põe em posição de interação com a experiência do mundo" (p. 30). Assim, pensarmos em percepção relacionada à atenção nos remete a questão do aprendizado e de suas dificuldades: quando há falhas ou distorções nos processos de percepção do indivíduo, dos modos de como ele percebe o mundo a sua volta, sua interpretação e compreensão do mundo também é falha.

Souza e Sisto (2001) afirmam que "a memória é importante para nossa noção de ser e para a capacidade de conceituar e adaptar-se às transações do mundo" (p.39), reiterando que todo conhecimento que se armazena a respeito do mundo é memória e que ela depende da atenção e da percepção, que são as responsáveis pela seleção do que deverá ser utilizado posteriormente, armazenado e integrado com os conhecimentos existentes.

Pantano (2009) ao estudar transtornos afetivos da infância e adolescência em seu trabalho relata que as dificuldades cognitivas mais frequentes em indivíduos com depressão infantil referem-se à concentração, memorização, capacidade diminuída de pensar e indecisão, informando que essas características estão relacionadas diretamente a dificuldades de aprendizagem no ambiente escolar e já fazem parte dos critérios diagnósticos DSM-IV e CID-10.

O trabalho de Tanaka (2008) aborda os diferentes tipos de atenção, seu desenvolvimento e patologias a fim de oferecer ao psicopedagogo uma ampliação da visão sobre um sintoma que indica problema de aprendizagem. Segundo a autora, cabe ao profissional no processo diagnóstico, investigar o caminho da atenção do cliente no processo de aprendizagem, verificando se ele está sendo capaz de selecionar os estímulos que recebe e se sua estabilidade está adequada, analisando ainda se as oscilações apresentadas são compatíveis com sua idade e situação de aprendizagem. Com relação aos processos de diagnóstico, de análise e de intervenção na atenção, Cantiere e Carreiro (2010) buscam em seu trabalho relacionar processos interventivos para crianças e adolescentes com sinais de desatenção, demonstrando atividades que podem ser aplicadas para este público, a fim de se verificar habilidades específicas para posterior composição de um protocolo de treinamento. Desta forma, verifica-se a qualidade das habilidades existentes para a elaboração de uma intervenção que as melhore.

 

Família e escola

No início dos estudos das dificuldades de aprendizagem pela Psicopedagogia atribuía-se todo o diagnóstico à criança, a qual ficava com o peso e a responsabilidade do fracasso, como vimos em Masini (2006) e Gasparian (2010), sendo encaminhadas para atendimento especializado. Recentemente, o olhar voltou-se para a família e para a escola como participantes no baixo desempenho escolar das crianças.

Masini (2006) relata que após o surgimento da ênfase aos aspectos sociais ligados ao fracasso escolar no Brasil, o que aconteceu na década de 1980, a escola passou a ser vista como uma instituição "ligada por uma trama de valores, hábitos, linguagem, conceitos e padrões de comportamento" (p. 252), favorecendo a diminuição da culpabilização do aluno frente ao fracasso escolar e a ampliação da discussão do efetivo papel e preparo da escola para sua clientela.

Abbud e Santos (2002) afirmam que a ideia de família como conhecemos atualmente é recente. Ariès (1978) relata que a partir do século XVIII ocorreram mudanças na sociedade que atingiram diretamente os modos de organização familiar e a visão da educação da criança. A aprendizagem tradicional foi substituída pela escola e a criança passou da sociedade dos adultos para um regime de confinamento rigoroso, originado a partir da preocupação dos pais com a educação (ABBUD & SANTOS, 2002).

Citando ainda o trabalho de Abbud & Santos (2002), as autoras relatam que na clínica podemos encontrar tanto famílias saudáveis quanto disfuncionais e desta forma, é fundamental para o profissional "compreender a estrutura familiar na qual a criança está inserida e procurar fazer um trabalho não só com a criança, mas também com sua família" (p. 45) para que haja colaboração efetiva no processo de desenvolvimento do filho.

Segundo Winnicott (1999), quando a criança apresenta "doença", ou seja, problemas que lhe causam sofrimento, esta muitas vezes é causada e mantida por outra pessoa, devido ao meio em que vive ou pode até mesmo, ser um problema social. Para ele, o indivíduo possui conteúdos individuais, mas considera que seu desenvolvimento recebe grande influência do meio em que vive, visto que é através do relacionamento familiar e no início da vida que ocorre o desenvolvimento desta criança.

Conforme Aguiar (2001), só ao levar em conta a realidade social poderemos explicar um movimento que é individual e ao mesmo tempo social/histórico. Conforme a autora, o indivíduo, apesar de ser único, inegavelmente possui as características de seus semelhantes e a expressa nas suas ações, pensamentos, sentimentos e é assim que uma informação pode ser generalizada/explicada, através da apreensão dos processos que a constitui.

Para Oliveira (1997), de acordo com a teoria sócio-histórica de Vygotsky, o desenvolvimento do indivíduo se dá de fora para dentro, ou seja, a criança no meio em que vive percebe os acontecimentos e relações com outras pessoas que vivencia, internalizando estas informações externas, e interpretando-as de acordo com os significados culturalmente estabelecidos. Assim, podemos dizer que uma família ou cuidadores que forneçam os cuidados adequados a esta criança, são primordiais para seu desenvolvimento saudável, considerando a saúde um conceito multifatorial.

 

Adolescência

A adolescência é um período de intensas mudanças que afetam todo o desenvolvimento do indivíduo. Aberastury & Knobel (1991), consideram que a adolescência é uma fase de reorganização emocional, de turbulência e instabilidade, caracterizada pelo processo biopsíquico ao qual os adolescentes estão destinados. Ferreira (2003) relata que durante o desenvolvimento da adolescência ocorrem mudanças de capacidade intelectuais, de interesses, atitudes e ajustamentos. Gimenes (2000) relata que simultaneamente às mudanças nas estruturas cognitivas a um patamar superior ocorre o mesmo em relação ao aspecto afetivo. Santos (2003) afirma que a passagem da infância à vida adulta supõe uma mudança fundamental na maneira de pensar do adolescente, onde as novas capacidades cognitivas adquiridas nesta fase os permitem "ter uma visão mais ampla, mais abstrata e mais consciente sobre o mundo e sobre eles mesmos" (p.96).

Para Lilja (2005), na adolescência é iniciada uma série de conflitos que permitirá ao sujeito experiências variadas. "É um período de reorganização psíquica, durante o qual o adolescente vivencia mudanças, conflitos e contradições que desencadeiam uma crise vital que poderá levá-lo a uma decepção e/ou à conquista de si próprio" (p. 75). A autora, em seu trabalho, afirma ainda que à medida que os filhos entram na adolescência evidenciam-se as transformações e turbulências nas relações familiares e sugere que o desenvolvimento da autonomia nos adolescentes seja estimulada por atitudes parentais onde haja clara definição de limites e regras, associadas a uma relação com "avaliação positiva, compartilhamento, expressão de afeição e suporte emocional por parte dos pais" (p. 91). Segundo a autora, "o adolescente que se sente rejeitado (baixo índice de controle, carência de limites) desenvolve intensa insegurança e ansiedade, podendo vir a manifestar perturbações em seu desenvolvimento" (p. 87-8). Esta ansiedade pode ser intensificada ou diminuída através da interação familiar, que contribuirá para o sucesso ou não da resolução dos conflitos.

Macedo, Fensterseifer e Werlang (2004), abordam que a qualidade do processo de adolescer irá "influenciar de forma marcante e determinante a construção da identidade adulta, uma vez que direcionará as escolhas, projetos e metas" (p. 66), caracterizando a adolescência como um momento onde as ressignificações precisam ser feitas, avançando-se ou retrocedendo-se e cabendo ao adolescente uma reestruturação na visão de si mesmo e do mundo que o cerca.

 

Sujeito e metodologia

O presente estudo teve origem a partir dos atendimentos realizados por estagiários supervisionados do curso de Pós-graduação em Psicopedagogia Institucional e Clínica de uma universidade privada da Baixada Santista, litoral do estado de São Paulo. Estes atendimentos ocorreram nas dependências da referida universidade, que oferece gratuitamente à população um espaço onde seus alunos podem atender demandas da mesma e aperfeiçoarem sua prática clínica, tornando este espaço de grande utilidade para a comunidade acadêmica e para a sociedade como um todo. Para a elaboração do trabalho os estagiários solicitaram a assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos responsáveis pela adolescente, no qual foi explicado o trabalho a ser realizado a partir dos dados dos atendimentos bem como o sigilo de informações de identificação. As informações dos atendimentos foram analisadas através de um enfoque psicopedagógico qualitativo, baseado na bibliografia de referência apresentada.

O participante de nosso trabalho foi uma adolescente de 14 anos de idade, residente na região da universidade, estudante de uma escola particular, transferida posteriormente para uma escola pública durante os atendimentos. Possui uma irmã mais velha, filha de sua mãe em outro relacionamento e vive com esta irmã e seus pais. A família possui boas condições socioeconômicas, sendo o pai com nível superior completo, a mãe com ensino médio e onde ambos trabalham. Esta jovem chegou ao serviço de clínica-escola Psicopedagógica da universidade encaminhada pela sua escola após a aluna estar repetindo pela terceira vez o sétimo ano do ensino fundamental.

A queixa relatada pelos responsáveis da adolescente foi sua falta de concentração, a dificuldade em colocar ideias no papel, suas notas baixas e a questão da repetência.

Os atendimentos foram compostos por seis sessões de avaliação e treze sessões interventivas, realizadas em um dos consultórios da Clínica Psicopedagógica da Universidade como parte integrante do curso de pós-graduação em psicopedagogia institucional e clínica da mesma. Durante as sessões de avaliação foram utilizados como instrumentos de investigação:

  • a entrevista de anamnese;
  • observação lúdica;
  • observação de material escolar;
  • exercícios de matemática, leitura e escrita.

No decorrer de cada um dos instrumentos de investigação foram avaliados aspectos afetivos e ambientais da adolescente, vistos como de especial importância no processo diagnóstico e terapêutico. Estes aspectos foram observados a partir dos relatos da jovem e de seus pais durante os atendimentos e dos questionários complementares às atividades aplicadas.

Para as sessões interventivas foram realizadas entrevistas devolutivas aos responsáveis e à própria adolescente, além das próprias atividades interventivas propostas a partir da avaliação, as quais estão descritas na Tabela 1, a seguir:

 

Resultados e discussão

Houve grande facilidade no contato entre os alunos/pesquisadores tanto com os responsáveis quanto com a adolescente desde o início das atividades, o que certamente colaborou com o bom andamento dos trabalhos avaliativos e interventivos propostos. Os responsáveis pareceram bastante solícitos com os estagiários e interessados na evolução dos trabalhos com sua filha, incentivando-a aos atendimentos, sem o estabelecimento de desconfianças ou sentimentos de culpa sobre a jovem e compreendendo de maneira adequada a dificuldade pela qual a jovem passava. Do mesmo modo, a adolescente buscava a cada encontro mostrar novidades e mudanças que atingia em seu cotidiano, como se quisesse demonstrar que os esforços de seus pais, dos estagiários e o seu próprio estavam surtindo bons efeitos.

Com base na avaliação realizada nos seis primeiros atendimentos propostos, conforme relatamos em nossa metodologia, consideramos que a adolescente apresentava boa capacidade cognitiva, oralidade adequada, fala articulada e bom vocabulário. Seu pensamento abstrato era aguçado e possuía boa capacidade de leitura/compreensão de textos. Apresentava dificuldades em fazer conexões entre o que compreendia e o que expunha sobre sua compreensão, dificultando seu relacionamento com o mundo, principalmente no ambiente escolar, onde este fato é de extrema utilização.

Ainda de acordo com a avaliação foi possível afirmar a existência de conflitos psíquicos da jovem, em relação a si mesma e à sua família. Havia também fatores que demonstravam uma desorganização da rotina da adolescente. Por fim, foi possível observar ainda a existência de traços de transtornos obsessivos e depressivos que deverão ser avaliados e trabalhados através de atendimento especializado, pois podem ser fatores indicativos às dificuldades de aprendizado, conforme estudamos com Pantano (2009).

Como resultado da avaliação psicopedagógica, concluímos que as deficiências de atenção e da coordenação entre pensamento e linguagem escrita apareciam como limitantes ao adequado desenvolvimento acadêmico da adolescente e, a partir do que vimos com Souza e Sisto (2001) que relatam que a não reprodução de atividades aprendidas e solicitadas posteriormente aumenta a probabilidade de que o indivíduo seja apontado como possuidor de dificuldade de aprendizado, propusemos uma intervenção que visava trabalhar estes aspectos, fortalecendo os pontos onde apareciam estas dificuldades para que fossem minimizadas ou desaparecessem por completo.

Enfatizamos que estas limitações só poderiam ser trabalhadas eficazmente realizando-se atendimento interdisciplinar com a jovem, uma vez que as origens das dificuldades pareciam provir, principalmente, de fatores emocionais, os quais Pastorino (2009) afirma compreender junto aos aspectos cognitivos e determinações familiares e sociais, como fortes influenciadores da aprendizagem. Ressaltamos que todo aprendizado formal está diretamente relacionado às esferas cognitiva e emocional, assim, caso uma destas esferas apresentem dificuldades, o aprendizado estará prejudicado. Como vimos com Scoz e Porcacchia (2009), Gasparian (2010) e Santucci (2009), faz-se necessária a intervenção interdisciplinar buscando-se uma ampliação das possibilidades de melhora dos sintomas apresentados.

A partir dos treze atendimentos interventivos realizados após a avaliação, conforme relatamos em nossa metodologia, reiteramos a boa capacidade cognitiva da adolescente e enfatizamos a necessidade de estimulação para rotinas que organizem seu cotidiano a fim de conciliar aprendizado a outras atividades diárias. A definição clara de limites e regras associadas ao suporte emocional dos pais desenvolve a autonomia nos adolescentes conforme Lilja (2005), favorecendo seu desenvolvimento saudável.

Não foi possível detectar a presença de transtornos específicos da aprendizagem na adolescente, fato que precisa de maiores investigações, porém podemos afirmar que a maior parte de suas dificuldades específicas se relaciona a fatores ambientais (sociais/familiares), afetivos e comportamentais. Como já falamos, aprendizado não se refere apenas a fatores cognitivos.

Após a conclusão dos atendimentos, não podemos falar em mudanças significativas para uma melhora das queixas apresentadas inicialmente devido, principalmente, à natureza do próprio atendimento proposto pelos estagiários - um número limitado de atendimentos previamente estabelecidos, numa instituição que visa aliar o atendimento à comunidade com a formação de seus alunos - porém, mostraram-se pontos específicos de dificuldades que poderão ser mais bem estudados, explicados e tratados.

Verificamos como necessária a participação da adolescente em atividades coletivas e de aperfeiçoamento pedagógico, visto sua necessidade em relacionar-se socialmente e a estimulação de aspectos básicos de seu aprendizado formal que se encontra defasado. Propusemos, ainda, que se dê continuidade aos atendimentos psicopedagógicos interventivos visando o aperfeiçoamento de aspectos voltados à melhoria de suas condições de aprendizagem, aliados a um atendimento psicológico, para melhor compreensão individual, devido às mudanças que afetam o indivíduo nesta fase e das suas relações sociais, familiares e com a escola - como vimos com Aberastury e Knobel (1991), Ferreira (2003), Santos (2003), Lilja (2005) e Macedo, Fensterseifer e Werlang (2004). Esta última proposta, de atendimento psicológico, foi estendida também aos responsáveis pela adolescente uma vez que apesar de o indivíduo ser único possui consigo características de seus semelhantes, conforme Aguiar (2001), que seu desenvolvimento recebe grande influência no relacionamento familiar, como vimos com Winnicott (1999) e que a criança percebe os acontecimentos e relações com outras pessoas no meio em que vive, internalizando e interpretando as informações de acordo com os significados culturalmente estabelecidos, de acordo com Oliveira (1997). Há de se considerar também que a família deve fazer parte do processo terapêutico para uma efetiva colaboração no desenvolvimento do filho de acordo com Abbud & Santos (2002).

Diante do trabalho exposto, o consideramos como de grande valia para a adolescente atendida, para sua família e para os estagiários no que diz respeito principalmente ao aprendizado conquistado por todos que, possivelmente mesmo sem perceberem, provocou mudanças em suas histórias. Para os profissionais e estudiosos que se beneficiarem da leitura deste artigo deixamos a reflexão da importância de nosso trabalho e de sua influência na vida das pessoas atendidas. A reflexão que devemos ter certeza de uma atuação onde não sejamos parciais nem tendenciosos em nossas avaliações a fim de não criarmos rótulos que marcarão toda uma existência e que, para tanto, é necessário que seja ampliada a visão acerca da queixa trazida, buscando-se não só justificativas isoladas ou que culpabilizem somente o sujeito na explicação de suas dificuldades, mas que, a partir de uma visão interdisciplinar, sejam construídas as possibilidades da gênese das dificuldades bem como de seu tratamento, não esquecendo nunca de que o principal beneficiário de nossa intervenção - nosso cliente, paciente, a pessoa que se apresenta para nós - deve ser visto pelos diferentes aspectos que o constituem.

 

Agradecimentos

Agradecemos às professoras Psicopedagoga Maria Regina de Almeida Ribeiro Jacob e Psicóloga Doutora Hilda Rosa Capelão Avoglia pela atenção dispensada na elaboração deste trabalho além de nossos familiares, fontes de energia e inspiração, que compreendem nossos momentos de ausência devido à difícil rotina de trabalho e estudos que realizamos.

 

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