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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.20 no.21 São Paulo  2012

 

Maternidade, trabalho e formação: lidando com a necessidade de deixar os filhos

 

Motherhood, work and academic, dealing with the need to leave their children

 

 

Rafael de Souza MenezesI; Thais Silva dos SantosII; Nathálya de Oliveira VelosoIII; Valéria Nancy de FreitasIV; Monique Silva SantosV; Mohamad Ali Abdul Rahim (orientador)VI

IPsicólogo e Psicopedagogo Institucional e Clínico Santos, São Paulo, Brasil
IIBacharel e Licenciada em Psicologia Santos, São Paulo, Brasil
IIIBacharel e Licenciada em Psicologia São Vicente, São Paulo, Brasil
IVPsicóloga Clínica Santos, São Paulo, Brasil
VBacharel e Licenciada em Psicologia Cubatão, São Paulo, Brasil
VIPsicólogo e professor universitário. Mestre e Doutor em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Psicologia Clínica e Escolar/Educacional Universidade Paulista, Santos, São Paulo, Brasil

 

 


RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi verificar como mães universitárias que trabalham lidam com a necessidade de deixarem seus filhos crianças durante o período de aula, considerando a perspectiva destas mulheres sobre aspectos psicológicos, sociais e acadêmicos. Constituiu-se em uma pesquisa de campo em Psicologia Social, com base na perspectiva sócio-histórica de Lev Vygotsky. A coleta de dados foi realizada através de 20 entrevistas semi-estruturadas com mulheres universitárias que trabalhavam e eram mães. Concluiu-se que maternidade, trabalho e formação constituem uma dinâmica comum em nossa realidade, mas que se revela de uma forma perversa à subjetividade da mulher atual que se encontra num dilema entre satisfação pessoal e busca por melhores condições socioeconômicas versus o papel de cuidadora atribuído a ela.

Palavras-chaves: Maternidade, Psicologia Social, Universidades, Trabalho.


ABSTRACT

The objective of this research was to identify how university working mothers cope with the need to leave their children during the class, considering the perspective of these women about the psychological, social and academic aspects. It constitutes a field research in social psychology, based on the socio-historical perspective of Lev Vygotsky. Data collection was conducted through 20 semi-structured interviews with university working mothers. We conclude that motherhood, work and academic life is a common dynamic in our reality, but which reveals itself in a perverse way the subjectivity of the modern woman, finding themselves in a dilemma between personal satisfaction and search for better socioeconomic conditions versus the role of caretaker assigned to her.

Keywords: Motherhood, Social Psycology, Colleges, Labour.


 

 

Introdução

Este trabalho buscou verificar como as mães universitárias que também exerciam atividade profissional lidavam com a necessidade de deixarem seus filhos de até doze anos durante o período de aula, considerando a perspectiva destas mães sobre aspectos psicológicos, sociais e acadêmicos.

Nossos objetivos específicos para a realização desta pesquisa foram:

1º) identificar os sentimentos vivenciados por mães universitárias ao deixarem seus filhos em horário de aula, assim como as bases sócio-históricas que possibilitaram suas origens e manutenção;

2º) entender como esses sentimentos influenciaram essas mães para o acesso ao ensino superior e como influenciavam durante os estudos universitários;

3º) verificar quais são as atividades sócio-historicamente construídas para a manutenção da relação entre mães e filhos no que se refere ao tempo que esses passam juntos;

4º) compreender o conceito subjetivo de maternidade que possuíam as mães universitárias nas diferentes faixas etárias pesquisadas; e

5º) levantar propostas das mães universitárias para a melhoria de suas condições gerais de estudo com relação à necessidade de deixarem seus filhos crianças durante as aulas.

Consideramos para análise dos resultados obtidos a perspectiva sócio-histórica de Lev S. Vygotsky, a qual afirma que o desenvolvimento humano se dá através do contato com o outro e com o mundo. Neste sentido, a relação familiar, que inclui diretamente a relação entre mãe e filho, é de fundamental importância para o desenvolvimento biopsicossocial saudável de ambos.

 

Maternidade e relacionamento mãe e filho

A maternidade é uma experiência única na vida de qualquer mulher. Independentemente do fato de ser uma gravidez indesejada ou se o maior sonho da gestante é ter um filho é certo que a gestação traz grandes transformações biológicas e psíquicas na vida da mãe.

Na nossa sociedade, o papel da mãe é visto como fundamental para a sobrevivência e também para o desenvolvimento físico e mental do bebê. O ser humano nasce totalmente dependente do outro para sobreviver: "Pelo fato de os seres humanos serem notavelmente vulneráveis e de crescimento lento, eles exigem um período longo de apoio físico e emocional" (Bee, 1997, p. 425).

Segundo Tourinho (2006), devido ao papel ideal que a sociedade impôs sobre as mulheres de assumirem seus filhos por obrigação, de terem obrigatoriamente um perfil materno, elas podem sofrer de certa culpa caso não consigam dar conta de ser mãe. Se a mulher decide ser mãe, todos os relacionamentos com as pessoas que vivem ao seu redor vão mudar. Há uma nova identidade da mulher agora: ser mãe.

As abordagens psicológicas dão destaque à importância do vínculo entre mãe e bebê. Nas escolas psicanalíticas, por exemplo, acreditam que os primeiros meses do relacionamento entre mãe e filho são determinantes para o desenvolvimento do indivíduo. Para Klein (1985), a mãe é o primeiro objeto a ser introjetado pelo bebê, e é a partir da qualidade desse contato que ele classificará o mundo, até a idade adulta: bom ou mau, de acordo com a sua experiência com a figura materna. Segundo Winnicott (1990), as bases para o equilíbrio psíquico estão no ambiente facilitador, que dá condições para que o bebê desenvolva suas capacidades inatas, através principalmente da atenção materna, que atende às necessidades do bebê, e facilita a transição da dependência absoluta para a independência. Se esse ambiente não oferecer segurança, o indivíduo não se desenvolve plenamente. A teoria do apego, de Bowlby (2002), também enfatiza a influência do relacionamento entre mãe e bebê e possíveis ocorrências com a separação (mesmo que seja de curta duração) no desenvolvimento do indivíduo.

 

O papel da mulher na atualidade

A transformação que ocorreu com a mulher nas últimas décadas influenciou seu papel e sua posição na sociedade. Os valores e práticas experienciados por elas mudaram. Hoje a mulher consegue gradativamente maior inserção social, com igualdade em relação aos homens por um mesmo cargo profissional, por exemplo.

A mulher da atualidade parece querer abraçar o mundo, estando cheia de obrigações e muitas das vezes cobrando de si mesma a perfeição. Quer que tudo em casa esteja na mais perfeita ordem e que seus filhos sejam bem cuidados enquanto ela trabalha. Passa o dia todo no trabalho, mas com os pensamentos em todas essas coisas. "O século XIX é, consequentemente, um importante marco na origem de uma 'nova mulher': educadora, mãe, criadora da sociedade futura. Passou a esperar-se uma quase onipotência por parte da mulher" (Correia, 1998, p.4).

Segundo Melo, Considera & Di Sabbato (2007), as mulheres ficam com os pensamentos ora no trabalho, ora em seus lares, com um grande esforço de tentar fazer com que ambos os trabalhos (no lar e fora dele) sejam bem desempenhados. Não podemos esquecer que muitas famílias atuais são constituídas apenas pela mãe e seus filhos, sem a presença de uma figura paterna. Nestes casos, o peso da responsabilidade pode ser ainda maior, pois as decisões em relação aos filhos cabem exclusivamente à mulher.

 

Família, desenvolvimento infantil e questões socioeconômicas.

Realizando uma análise muito anterior ao conceito atual de família, de acordo com Ariès (1978), na antiga família do século XV o conceito de infância e adolescência não existia, a criança não era vista como um ser em desenvolvimento e não eram consideradas as particularidades desta etapa da vida. O objetivo da antiga família era o de conservar seus bens, a prática de um ofício e a ajuda mútua do casal (marido-esposa). Esses objetivos não implicavam em um vínculo sentimental dessa família, ou seja, o afeto não era o fator primordial de união desse grupo familiar.

Ainda conforme o autor, no final do século XVIII ocorreram mudanças na forma de encarar a criança e consequentemente, mudou a família. A escola tornou-se a responsável pela educação da criança. Assim, com esse novo olhar para a criança, a família passou a relacionar-se mais afetivamente, julgando importante o processo de escolarização e preocupando-se com o desenvolvimento dos menores. A criança ganha nova importância, exigindo da família uma nova organização e, visando cuidá-la melhor, o número de filhos é reduzido no âmbito familiar.

Temos também que ressaltar a importância da família no desenvolvimento de seus filhos crianças, o que implica a responsabilidade dos pais em auxiliar o crescimento saudável de seus filhos nos contextos: físico, psíquico e social. Muitas teorias reforçam a importância de uma família estruturada para o desenvolvimento saudável das crianças, porém, não podemos mais falar apenas sobre o modelo de família tradicional (pai, mãe e filhos), mas de pessoas responsáveis por essas crianças, que lhes ofereçam as condições necessárias para seu desenvolvimento.

Segundo Winnicott (1999), quando a criança apresenta "doença", ou seja, problemas que lhe causam sofrimento, essa, muitas vezes, é causada e mantida por outra(s) pessoa(s), devido ao meio em que vive ou pode, até mesmo, ser um problema social. Para ele, o indivíduo possui conteúdos individuais, mas considera que seu desenvolvimento recebe grande influência do meio em que vive, visto que é através do relacionamento familiar e no início da vida, mais particularmente do relacionamento com a mãe, que ocorre o desenvolvimento desta criança.

De acordo com a teoria sócio-histórica de Vygotsky (OLIVEIRA, 1997), o desenvolvimento do indivíduo se dá de fora para dentro, ou seja, a criança no meio em que vive percebe os acontecimentos e relações com outras pessoas que vivencia, internalizando essas informações externas, e interpretando-as de acordo com os significados culturalmente estabelecidos. Neste sentido, podemos dizer que uma família ou cuidadores que forneçam os cuidados adequados a esta criança, são primordiais para seu desenvolvimento saudável, considerando a saúde um conceito multifatorial, apoiado em uma perspectiva biopsicossocial.

 

O ensino universitário no Brasil

No Brasil, conforme determina a Lei nº 9394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (Lei de Diretrizes e Bases - LDB), a educação escolar é composta pelo nível básico (formado pela educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio) e pelo nível superior. Segundo Severino (2007), o ensino superior no ocidente se consolidou visando atingir três objetivos articulados entre si, que seriam a formação de profissionais, a formação do cientista e a formação do cidadão, afirmando assim sua destinação última que é "contribuir para o aprimoramento da vida humana em sociedade" (Severino, 2007, p. 22-23), concluindo que "a Universidade, em seu sentido mais profundo, deve ser entendida como uma entidade que, funcionária do conhecimento, destina-se a prestar serviço à sociedade no contexto da qual ela se encontra situada..." (Severino, 2007, p. 23). Contudo, conforme afirma o autor, a implantação de escolas superiores no país despreparadas e destinadas apenas a profissionalizar mediante o repasse de informações prontas, não profissionaliza, não forma, nem transmite adequadamente os conhecimentos disponíveis e, dessa forma, não estão cumprindo nenhuma de suas atribuições intrínsecas, apenas reproduzem relações sociais atuais através de técnicas de produção e de valores ideologizados. O autor ainda aponta como grande causa da ineficácia do ensino universitário a forma inadequada de se lidar com o conhecimento, que é tratado como se fosse um produto e não um processo.

Conforme visto no trabalho de Luckesi, Barreto, Cosma & Baptista (2003), o ensino superior no Brasil só é instituído com a vinda da Corte em 1808, quando nasceram as aulas régias, os cursos e academias, devido às novas necessidades militares da Colônia. Porém, como aborda Queiroz (2001), as mulheres começaram a acessar tardiamente a universidade no Brasil, tendo o direito de ingressar no ensino superior somente no final do século XIX com a aprovação por D. Pedro II de uma lei que autorizava a presença feminina na graduação superior, sendo que o pioneirismo deste acesso coube a uma médica, formada pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1887.

O trabalho de Borges e Carnielli (2005) afirma que o crescimento demográfico e a urbanização do país, entre outros fatores, contribuíram para um grande aumento da demanda por educação a partir da década de 1960. Segundo este trabalho, na década de 1980 a economia do país sofreu com sucessivas crises e estagnação, o que acabou repercutindo no setor educacional através da diminuição da procura pelo ensino, vindo a mudar de quadro novamente com o início da década de 1990, a qual trouxe um novo cenário nacional e internacional que fez com que se intensificasse a busca pelo ensino superior devido às novas e crescentes exigências quanto à escolaridade.

Para termos uma noção estatística do acesso feminino aos cursos superiores no país, buscamos dados do Censo 2006 do Sistema de Avaliação do Ensino Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), que registrou a existência de 2.270 instituições de ensino superior no país, quase o dobro das instituições registradas no ano 2.000, que foi de 1.180, e caracteriza, entre outros, o crescimento da busca pelo ensino superior pelos brasileiros. Ainda segundo este Censo, foram realizadas até 30 de junho, 4.676.646 matrículas em cursos de graduação presenciais, sendo que 2.605.611 ou 55,71% destas matrículas foram realizadas por mulheres, o que demonstra à primeira vista que elas já constituem a maior parte do público que acessa o ensino superior atualmente no país.

Conforme informativo do INEP de número 127 de fevereiro de 2006, o número de mulheres ingressantes em cursos de graduação entre 19 e 24 anos compôs a maioria absoluta de ingressantes deste sexo - 412.584 mulheres nessa faixa etária ingressaram na graduação - seguidas pelas mulheres situadas entre a faixa dos 25 e 29 anos, onde 157.068 mulheres nessa faixa etária ingressaram na graduação.

Segundo dados do Banco de Dados sobre o Trabalho das Mulheres, elaborado pela Fundação Carlos Chagas (2004), nos anos 1970 a participação feminina no mercado de trabalho era de apenas 18,2% enquanto no ano de 2002 este número já chegava aos 50,3%. Além deste aumento significativo da participação feminina no mercado de trabalho, outro dado que chama atenção neste banco de dados é que do total das mulheres em atividade no país em 2002, 36,5% delas possuíam mais de onze anos de estudo, contra 26,3% dos homens. Estes dados evidenciam que o mercado de trabalho, apesar de ter crescido para as mulheres, exige uma maior especialização delas para sua continuidade, o que também é constatado quando se observam que, neste mesmo ano, 18% dos empregos ocupados por mulheres destinavam-se àquelas com curso superior completo e 35,8% com ensino médio completo, enquanto no caso dos homens, estes números são respectivamente 9,5% e 23,7%.

Por fim, cabe apresentar que mesmo com estes números, que demonstram a evolução da mulher no mercado de trabalho, sua maior dedicação em anos aos estudos e a questão da maternidade, ela ainda possui um tempo muito maior dedicado aos afazeres domésticos em comparação aos homens, de acordo com as informações apresentadas pela Fundação Carlos Chagas, em 2002 as mulheres realizavam em média 27,2 horas semanais de trabalhos domésticos enquanto para os homens esta média é de 10,6 horas, o que corresponde a menos da metade das mulheres. A mulher acaba ainda sendo dona de casa apesar de todas as suas outras atividades.

 

Ter um filho durante o período acadêmico

Lima (2007) reuniu em seu artigo relatos de universitárias que tiveram filhos durante o período acadêmico, nestes aparecem alguns dos problemas que estas mães tiveram com a chegada da criança e a conciliação com os estudos. Os relatos, que abordam diferentes aspectos, mostram que as mães entrevistadas, em sua maioria, paralisaram o curso com a intenção de voltarem depois, apoiando-se principalmente na (possível) ajuda que teriam de um familiar para os cuidados com o filho enquanto elas estudariam.

Conforme Costa (2008) afirma em seu artigo, as mães universitárias sofrem por sua maternidade durante a graduação e muitas vezes acabam atrasando ou até mesmo paralisando o curso para poderem cuidar de seus filhos, principalmente pelo fato de não terem onde deixá-los.

Na reportagem de Sant'Anna (2006), relata-se o que poderia ser uma alternativa para mães estudantes ao exibir uma entrevista realizada com uma mulher que, apesar de buscar um curso superior, não queria atrapalhar sua vida profissional e o tempo que passava com seu filho, o que a levou a procurar no curso superior à distância a solução para estes problemas.

Segundo Raupp (2004), na década de 1970 surgiram muitos movimentos sociais que, em alguns lugares, apelaram para a creche como um direito das mulheres trabalhadoras em virtude de elas terem aumentado consideravelmente sua participação no mercado de trabalho após mudanças ocorridas com a expansão industrial, com o crescimento das cidades e as modificações na organização e estrutura das famílias. A autora ressaltou a ocorrência de centros de cuidados de crianças nos campus universitários norte-americanos como alternativa para os acadêmicos que tem filhos, afirmando que encontrou dificuldades para encontrar informações sobre creches universitárias no Brasil.

Utilizando como exemplo a sociedade europeia, existe uma crescente preocupação com o amparo a estudantes com responsabilidades familiares, um exemplo é a Lei nº90/2001, de Portugal, que define medidas de apoio social às mães e pais estudantes. Alterações demográficas deste continente surgem como um grande desafio aos Estados que o compõem, chegando a se afirmar a necessidade da criação de condições a nível social, econômico e do ensino para que os jovens europeus tenham os filhos que desejam sem terem de sofrer consequências negativas nas suas carreiras ou de interromper seus estudos (Parlamento Europeu, 2007).

 

Sujeitos e metodologia

Os sujeitos de nossa pesquisa foram 20 mulheres, mães de ao menos uma criança (que conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 2º a define como sendo a pessoa de até doze anos de idade incompletos), que estivessem regularmente matriculadas em um curso universitário e também exercessem alguma atividade no mercado de trabalho. Deste total de sujeitos, dividimos dois grupos, sendo 10 sujeitos na faixa etária dos 19 aos 24 anos e 10 com idade de 25 a 29 anos, assim a abrangência de nossa pesquisa atingiu a faixa etária dos 19 aos 29 anos. Esta divisão fez-se necessária para efeito de comparações apontadas como importantes com base nos dados obtidos em nosso levantamento bibliográfico que revelam, entre outros, que na primeira faixa etária, dos 19 aos 24 anos, encontram-se o maior número de matrículas do sexo feminino em cursos de graduação do país, seguidas pelas mulheres da segunda faixa, dos 25 aos 29 anos. Ainda conforme os dados, mais de 60% das mulheres destas duas faixas etárias encontram-se trabalhando.

 

Instrumentos

Dada a condição desta pesquisa ser qualitativa foi utilizado como instrumento para a coleta de dados a entrevista semi-estruturada elaborada conforme roteiro preestabelecido.

O roteiro da entrevista visava questionar informações básicas sobre as participantes, a fim de obtermos um melhor conhecimento sobre o contexto no qual elas estavam inseridas e também questioná-las com perguntas referentes às suas perspectivas sobre o assunto abordado na pesquisa.

 

Aparatos de pesquisa

Para a realização desta pesquisa foram utilizados os seguintes equipamentos: aparelho gravador - para o registro do conteúdo obtido na realização das entrevistas com as participantes e posterior transcrição das mesmas; computador - para o armazenamento e organização das informações pertinentes à pesquisa.

 

Procedimentos

Para a realização desta pesquisa foram selecionados sujeitos aleatoriamente que estivessem de acordo com as condições listadas anteriormente.

Para a coleta de dados foram realizados os seguintes procedimentos:

  • Triagem dos sujeitos através da entrega de um formulário de seleção de participantes, realizada próximo às universidades ou através da indicação realizada por pessoas que entraram em contato com o tema da pesquisa; houve ainda a indicação de pessoas que se enquadrariam como sujeitos pelas participantes que já tinham sido entrevistadas;

  • Definição dos sujeitos da pesquisa através da análise dos formulários preenchidos pelas estudantes;

  • Verificação do interesse das participantes nos resultados finais da pesquisa oferecendo, através do termo de consentimento livre e esclarecido, uma forma de contato para que os pesquisadores fornecessem uma devolutiva às mesmas;

  • Oferecimento, caso necessário, de apoio psicológico profissional às participantes no Centro de Psicologia Aplicada da universidade à qual os pesquisadores eram alunos de acordo com as normas vigentes nesta instituição;

  • Assinaturas das participantes do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para a realização das entrevistas;

  • Transcrição do conteúdo das entrevistas;

  • Identificação dos núcleos de significados e estabelecimento de categorias de análise a partir das falas dos sujeitos. A análise dos dados foi realizada com base na perspectiva Sócio-histórica de Lev S. Vygotsky.

 

Resultados

Dificuldades de agendamento para as entrevistas foram constantes devido à falta de tempo disponível das entrevistadas ou a própria coincidência de horários nos quais os sujeitos se disponibilizavam à entrevista com o horário de aula, estágio ou trabalho dos pesquisadores. Assim, foi comum a coleta de dados realizada com as entrevistadas ocorrer em lugares ou situações que consideramos inadequados, o que pode ter facilitado uma deficiência nas informações obtidas. Porém, apesar destes fatores, os sujeitos apresentaram-se bastante dispostos a colaborar com a pesquisa, mostrando-se interessados com o tema.

 

Caracterização dos sujeitos

Obtivemos um total de vinte sujeitos entrevistados, sendo 10 deles pertencentes ao grupo de 19 a 24 anos de idade e 10 sujeitos, pertencentes ao segundo grupo etário, de 25 a 29 anos de idade. Deste total de sujeitos, apenas um possuía dois filhos crianças enquanto o restante possuía apenas um filho menor de 12 anos de idade.

As idades das crianças filhas das entrevistadas variaram entre os quatro meses e os dez anos, sendo que quase metade destas crianças possuíam até três anos de idade.

Os rendimentos obtidos com o seu próprio trabalho conferiam às entrevistadas valores diferenciados que se concentravam na faixa de R$500,00 a R$999,99. Com relação à renda familiar média das entrevistadas, a maioria delas relatou situarem-se na faixa de R$2.000,00 a R$2.499,99.

A metade de nossas entrevistadas estavam casadas e oito delas solteiras. A orientação religiosa dividiu-se em católicas, evangélicas e espíritas, além destas, outras três participantes não definiram se seguiam alguma religião.

Com relação ao curso universitário das entrevistadas, provavelmente por serem cursos onde a presença feminina é tradicionalmente maior que a masculina, destacaram-se em número as alunas do curso de pedagogia e psicologia. Aliado a este fator, cabe salientar que houve seguidas indicações de pessoas que estavam sendo entrevistadas de outras pessoas de seus cursos que se encontravam nas condições possíveis para serem sujeitos de nossa pesquisa.

Por fim, destacamos o setor onde trabalhavam os sujeitos de nossas entrevistas: área de educação, comércio e saúde. Os demais sujeitos estavam distribuídos em setores diversos.

 

Núcleos de significados

Conforme descrito em nossos procedimentos, analisamos as respostas dos sujeitos relacionando-as aos objetivos específicos propostos e agrupando-as em núcleos de significados conforme a Tabela 1, que irão compor a discussão e posterior conclusão do trabalho.

 

Discussão

Com relação ao primeiro objetivo específico proposto, buscávamos identificar os sentimentos vivenciados por mães universitárias que trabalham ao deixarem seus filhos em horário de aula, assim como as bases sócio-históricas que possibilitaram suas origens e manutenção. Em nossas hipóteses supúnhamos que essas mães vivenciavam diferentes sentimentos ao deixarem os filhos para poderem assistir às aulas universitárias e que estes sentimentos foram construídos e se mantém social e historicamente, como observamos na bibliografia estudada em Tourinho (2006) e Correia (1998). Esta hipótese foi confirmada ao verificarmos na fala de nossas entrevistadas sentimentos de medo e culpa pela ausência e distância de seus filhos. A satisfação pessoal da mulher nesta condição pode se ver comprometida e seu desempenho pode ser prejudicado nas diferentes atividades, como verificamos na bibliografia levantada (Tourinho, 2006), o estresse causado pela rotina agitada e sua interferência no relacionamento mãe e filho também foi evidente na fala das entrevistadas, explicitando que as tarefas desempenhadas pelas mulheres, atualmente, levam-nas a se cobrarem de maneira perfeccionista em tudo o que fazem (Melo et al., 2007; Tourinho, 2006).

A culpa também aparece na forma de preconceito a si mesmas, quando relatam inverter uma ordem social, que estipula que as mulheres devem primeiramente cumprir etapas, estudando para depois iniciarem a formação de sua família com marido e filhos. Cabe, neste momento, nossa crítica à própria psicologia, ciência à qual nos dedicamos a estudar, que em muito ajudou na formação e na cristalização de conceitos do que é "certo ou errado" ao longo de sua história e, certamente, contribuiu para a naturalização de muitos pensamentos socialmente aceitos que vemos aqui fazerem parte da subjetividade destas mulheres.

Outro sentimento identificado foi a impotência diante da cobrança dos múltiplos papéis herdados ao longo do tempo pelas mulheres. Como vimos, a mulher transformou-se nas últimas décadas e influenciou seus papéis e posições na sociedade (Melo et al., 2007; Carvalho & Almeida, 2003; Fundação Carlos Chagas, 2004), como consequência, demonstrou-se um sentimento de desmotivação para os estudos em vista das dificuldades que surgem, mas que são superados através da importância dada ao apoio dos familiares que se fazem presentes de maneira muito enfática nos relatos das entrevistadas e no fato de que estar estudando, além do horário do trabalho, é um sacrifício visto como bom para o futuro dos próprios filhos.

Com relação ao nosso segundo objetivo específico, pretendíamos entender como os sentimentos vivenciados pelas mães as influenciaram para o acesso ao ensino superior e como veem influenciando durante os estudos universitários. A hipótese levantada pelos pesquisadores foi a de que os sentimentos vivenciados por estas mães influenciaram em suas decisões para o acesso ao ensino superior e que as influenciam em seu desenvolvimento acadêmico. Quanto às influências de sentimentos antes do acesso ao ensino superior, ficou claro na fala das entrevistadas que, apesar da idade dos seus filhos necessitarem de cuidados mais próximos, principalmente no caso dos bebês (Bee, 1997), as expectativas de melhora da renda familiar e de uma mudança de vida após a conclusão do curso universitário funcionam como motivadores ao ingresso e continuidade no curso aliado também ao fato de que a faculdade é vista, em alguns casos, como sonho a ser realizado. O papel e a posição da mulher na sociedade se transformaram (Melo et al., 2007), seus valores e práticas mudaram, assim como as exigências quanto à escolaridade dos indivíduos (Borges & Carnielli, 2005).

Quanto às influências dos sentimentos atualmente vivenciados, verificou-se que eles interferem de maneira significativa no desenvolvimento acadêmico destas mães. A partir do momento que a mulher passou a ser responsabilizada socialmente pela qualidade de vida de seus filhos independentemente de seus desejos e vontades, ela se vê pressionada a exercer este papel com perfeição o que nem sempre está de acordo com sua satisfação pessoal (Correia, 1998; Melo et al., 2007; Tourinho, 2006).

Após esta constatação de dificuldade vivenciada no desenvolvimento acadêmico podemos elencar outros problemas causados em consequência destes sentimentos obtidos através da fala de nossas entrevistadas, tais como: a necessidade de rever os planos e uma melhor organização da rotina devido, inclusive, à expressa necessidade de um momento para a realização de seus próprios desejos. Além disso, o sentimento de culpa gerado por não desempenhar um papel socialmente adequado no cuidado com os filhos e pela própria cobrança destes pode atrapalhar seu desempenho no trabalho e em outras atividades, conforme Melo et al. (2007). Vimos que apesar da evolução do número de mulheres no mercado de trabalho e da maior exigência com relação a seus estudos, a mulher continua dedicando um tempo muito maior para os afazeres domésticos em comparação aos homens (Fundação Carlos Chagas, 2004), demonstrando que sua rotina deve estar de uma forma cruelmente estruturada para que atenda estas atividades às quais se "propôs" a enfrentar de uma maneira que os infortúnios sejam ignorados e que não reflitam em sua satisfação e desenvolvimento pessoal.

Outros sentimentos que influenciam o acesso e o desenvolvimento acadêmico destas mães são a importância dada ao papel da família, relatados por algumas das entrevistadas e a utilização de conceitos aprendidos em seus atuais estudos universitários na vida cotidiana com seus filhos e no contexto familiar. Conforme estudamos com Klein (1985), Winnicott (1990), Bowlby (2002), Oliveira (1997), Vigotski (2001) e Lucci (2006), o desenvolvimento da criança pode depender de múltiplos fatores e da qualidade das suas relações com o meio e, assim, é de grande importância o apoio de uma família acolhedora neste momento vivido pelas mães e a utilização de novos conceitos aprendidos nos estudos que trazem segurança para o desenvolvimento da criança e o relacionamento entre mãe e filho. Ressaltamos, ainda, o fato de que o aprendizado obtido na universidade sendo utilizado como mediador na relação mãe-filho ou mãe-família vem fortalecer ainda mais as características de nossa sociedade atual, onde o saber técnico-científico é supervalorizado em relação até aos cuidados com a própria vida, como se as pessoas comuns não tivessem competência para cuidarem de si e dos que estão a sua volta.

O terceiro objetivo específico proposto buscava verificar quais as atividades sócio historicamente construídas eram realizadas para a manutenção da relação entre mães e filhos no tempo em que estes passam juntos e, para este objetivo, foi levantada a hipótese de que as mães nestas condições, de trabalho e estudo, buscam de alguma forma compensar o tempo que ficam distantes através de diferentes modos construídos ao longo da história do meio em que vivem.

Ao analisarmos as falas de nossos sujeitos, destacaram-se as atividades de estimulação do desenvolvimento infantil, principalmente quando se falava de crianças menores e, com relação às crianças maiores, referiam-se a elas como protagonistas nas horas vagas da mãe onde, na maioria das vezes, eram as crianças que direcionavam quais as atividades seriam realizadas, significando para elas que o cuidar dos filhos implicava em participar nas atividades e necessidades que os filhos viviam no momento. Vendo-se a maternidade e o papel da mãe de forma diferente para cada sociedade e seu tempo histórico (Correia, 1998; Tourinho, 2006), observamos que os conceitos de dependência absoluta das crianças bem como o papel de cuidadora da mãe estão bem enraizados nas subjetividades das entrevistadas através de uma representação social passada provavelmente no meio familiar onde estas atuais mães se desenvolveram.

Também ficou claro, após a análise das entrevistas, que a falta de tempo disponível é considerado um inimigo ao convívio mãe e filho e que a qualidade do tempo que passam juntos funciona como um diferencial que alivia a angústia da distância. As mudanças ocorridas na dinâmica social, que refletiram em transformações no papel das mulheres, as impuseram um número maior de tarefas a cumprir num mesmo tempo, que se torna escasso em seu dia a dia e acaba exigindo sacrifícios que podem gerar inúmeros conflitos (Melo et al., 2007; Correia, 1998; Tourinho, 2006). A participação na vida dos filhos, no trabalho e na vida acadêmica demanda uma reorganização constante do tempo para a conciliação de todas as suas atividades (Tourinho, 2006; Lima, 2007; Costa, 2008; Sant'Anna, 2006).

A preocupação com o desenvolvimento da criança que ganhou importância com as mudanças ocorridas na família e na sociedade como um todo exigiu sua organização visando melhores cuidados (Ariès, 1978) e, apesar de atualmente a família, a comunidade e o poder público aparecerem como responsáveis pela proteção e responsabilidade quanto ao desenvolvimento das crianças, conforme a Lei nº8069/1990 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, é sobre a primeira que recai o papel mais significativo, cabendo aos demais apenas o suporte. Um fato que pode ser aqui comentado é que não foram percebidas nas entrevistas a intenção das mães em "dividir" esse papel histórico de cuidadora com a sociedade ou o Estado, por exemplo, no máximo aceita-se a família como auxiliar nesta tarefa excluindo-se a sociedade como um todo e o próprio poder público. A ideologia individualista submete a subjetividade das pessoas que, mesmo vivendo em coletividades e democracias, não conseguem admitir que suas privacidades sejam invadidas pelo que é considerado da esfera pública. A histórica usurpação dos direitos das mulheres pela sociedade reflete-se numa dificuldade em enxergarem-se como sujeitos de direitos e assim, o individualismo - num sentido de responsabilidade tomada só para si - sobrepõe-se ao coletivismo e, apesar de toda a carga de atividades que possuem, no discurso destas mães entrevistadas, não coube a divisão da responsabilidade dos cuidados aos filhos.

Com relação ao quarto objetivo específico proposto, buscávamos compreender o conceito subjetivo de maternidade de nossas entrevistadas nas duas faixas etárias pesquisadas, uma vez que acreditamos que este seja um conceito construído social e historicamente e faz parte da mediação do pensamento feminino com o mundo ao seu redor. Supúnhamos que este conceito variaria de acordo com o conceito social do que é ser mãe e, da mesma forma, variaria de acordo com a faixa etária na qual elas se incluíam devido ao momento histórico no qual se situavam e se desenvolveram. Porém, com a análise das entrevistas realizadas nos dois grupos etários verificou-se uma proximidade dos discursos dos sujeitos no que se refere à maternidade implicar em responsabilidades, no cuidar e no afeto, deixando claro que apesar de diferentes faixas etárias, a internalização destas implicações se fazem de uma maneira profunda mediando a relação de mulheres de diferentes faixas etárias com o mundo social que as envolve.

Outro núcleo de significado importante identificado como ligado ao conceito subjetivo de maternidade destes sujeitos está o fato de verem a maternidade como uma prioridade e fonte de realizações na vida, evidenciando que apesar das transformações conseguidas pelas mulheres (Melo et al., 2007; Correia, 1998), os papéis socialmente entregues a elas como cuidadoras, responsáveis pelo desenvolvimento dos filhos e de importância fundamental à sustentação da família, fazem-se de tal forma marcados em suas subjetividades que a maternidade seja vista como prioridade em suas vidas ou mesmo um modo de se realizarem, "completando" suas existências.

Dois núcleos de significados se destacaram de forma diferenciada aos apresentados anteriormente: um núcleo onde predominaram as falas das mães da faixa etária menor e um núcleo onde se destacaram as falas das mães da faixa etária maior. Caracterizou o significado atribuído à maternidade pelas mães mais jovens da pesquisa, dos 19 aos 24 anos de idade, as falas que se referiam às mudanças sofridas no conceito de maternidade ao longo do tempo para si mesmas e para a sociedade como um todo. Acreditamos que a predominância de falas de sujeitos da faixa etária mais jovem da pesquisa com esta significação esteja relacionada ao mais recente desprendimento da "rotina adolescente" que viviam estas mulheres, às quais, ainda bastante jovens, conheceram a maternidade, tendo assim que aprender a lidar com as mudanças físicas, psíquicas e sociais que a partir de então surgiriam e que talvez nunca tivessem pensado, tornando a maternidade um momento de ruptura com o passado, modificando suas visões de mundo e perspectivas de futuro.

Com relação às mulheres da faixa etária maior de nossa pesquisa, dos 25 aos 29 anos de idade, aparece como significado relevante o fato de a maternidade estar relacionada ao processo de amadurecimento da mulher, demonstrando a internalização de um discurso socialmente aceito e formalizando a naturalização da maturidade feminina diretamente ao fato da maternidade, em que as mulheres poderiam, então, sentirem-se satisfeitas. É sempre importante ressaltar que não estamos fazendo nenhum juízo da mulher que se realiza com a maternidade, apenas nos preocupamos em compreender o que investigamos, descrevendo os dados e procurando as suas possíveis relações numa integração entre o social e o individual, conforme Freitas (2004).

O último objetivo específico que buscávamos em nossa pesquisa visava levantar propostas das entrevistadas para a melhoria de suas condições gerais de estudo com relação à necessidade de deixarem seus filhos crianças durante as aulas e tínhamos como hipótese o crédito de que as mesmas possuiriam propostas para que estas melhorias ocorressem. Normalmente quando questionadas, as entrevistadas apresentavam muitas dúvidas e autocensura, que podemos relacionar à falta de habilidade de nossa sociedade em exercer seus direitos de opinião, uma vez que na história recente do país este direito foi proibido por um longo período de ditadura militar que marcou a população brasileira de tal forma que seus resultados ainda hoje estão enraizados na sociedade.

Um dos fatos analisados foi que em muitos relatos a melhoria das condições de estudo relacionava-se à questão da melhor administração/organização do próprio tempo, tomando como puramente individual - característico de nossa sociedade atual - algo que pode ser discutido num domínio mais amplo que não acarrete apenas na culpabilização do sujeito pelos fracassos em suas atividades sem levar em consideração o contexto grupal, social, histórico e das instituições.

Outra questão levantada na análise das entrevistas foi com relação a procedimentos utilizados pela faculdade, vistos parte como facilitadores, parte como dificultadores das condições de estudo das entrevistadas. Excesso de trabalhos e estágios podem funcionar como vilões a estas mães. Em contrapartida, a flexibilização dada por alguns professores (o que não quer dizer que seja uma norma da instituição de ensino) no que se refere a prazos para entrega de trabalhos e realização de provas parecem ajudar em diferentes situações as entrevistadas.

Em geral, decisões políticas não foram apontadas diretamente como algo que poderia trazer melhorias às condições de estudo no que se refere ao deixar os filhos em horário de aula. Foi relatado brevemente a necessidade de programas que mantenham a possibilidade do aluno de continuar cursando o ensino superior, porém sem relação direta ao fato de este aluno ser "pai ou mãe de família", apenas como uma forma de inclusão social.

Foi citado também o aumento da licença maternidade como algo positivo, estendida além do trabalho à faculdade, mas há uma certa passividade no que se refere à questão dos cuidados após esta licença. Forma-se um ambiente de descrédito quando se fala em política e sociedade, como se fizessem parte de dois mundos distintos, porém com algo em comum que seria a corrupção de seus valores. Parece que, na fala das entrevistadas, seria impossível criarem-se leis que as auxiliassem em seus estudos, pois desagradariam ao mundo do trabalho ou poderiam ser utilizadas como uma espécie de subterfúgio para enganar as normas das instituições de ensino, por exemplo.

Aparece, ainda, a questão financeira dos estudantes relacionada ao acesso e desempenho dos universitários como um grande empecilho ao seu desenvolvimento acadêmico, porém sem relacionar nas falas esta questão à necessidade de se ter que deixar os filhos em casa para poderem estudar e almejarem uma nova condição socioeconômica, por exemplo, com isto. A preocupação com a saúde financeira de alunos pode ser alvo de políticas dos governos, como vimos na bibliografia estudada (Parlamento Europeu, 2007) e das instituições de ensino, uma vez que seu papel final seria a contribuição para o aprimoramento da vida humana em sociedade (Severino, 2007).

Por fim, a análise dos resultados destacou na fala das mães como importante, para uma melhoria em suas condições gerais de estudo, a necessidade da utilização do espaço acadêmico como um instrumento facilitador para elas, onde se apresentaram propostas para a criação de espaços nos quais as crianças poderiam permanecer durante o período de aulas para que fosse facilitado o contato mãe e filho, no intuito da redução de ansiedades provocadas pela distância e no próprio alívio aos cuidadores destas crianças. Poderíamos associar estas propostas ao estudo de Raupp (2004).

 

Conclusão

Apesar de à primeira vista o tema maternidade, trabalho e formação parecer simples devido a sua presença atual em nossas vidas, numa análise mais aprofundada, nos revela questões que se tornam pertinentes a diversas áreas de conhecimento as quais optamos pela busca de seus aspectos psicológicos - uma vez que estudamos esta ciência - , seus aspectos sociais - devido à abordagem que escolhemos como referencial - e aos aspectos acadêmicos - que não poderíamos deixar de lado ao falarmos sobre a busca de formação.

Ao estudarmos a maternidade e a vida acadêmica, verificamos uma realidade que se revelou de forma perversa à subjetividade da mulher, que se encontra num dilema entre sua satisfação pessoal e busca por melhores condições socioeconômicas - ideologia vigente - e o papel que entendemos aqui como sendo social e histórico, de cuidado e doação à família, atribuído a ela. A mulher atual vê-se encurralada entre aspectos de sua subjetividade, entendida aqui como construída social e historicamente, em que vemos fortes oposições entre necessidade de realização pessoal, aquilo que é socialmente aceito ou adequado e a crescente necessidade de formação acadêmica.

Diante dos resultados obtidos, deixamos como possíveis desdobramentos a esta pesquisa trabalhos que visem o acolhimento das necessidades de universitárias com responsabilidades maternais que dizem respeito às questões psicológicas, sociais e acadêmicas; que estudem o papel das ciências e da sociedade no que diz respeito à formação e manutenção de conceitos sobre o que é certo e o errado para os indivíduos; que se aprofundem nos limites do que é público e privado, bem como da satisfação pessoal e a dedicação ao outro; que relatem e estudem a importância do papel da família e o apoio que esta oferece em diferentes momentos aos indivíduos; que abordem a questão da conscientização das pessoas quanto à participação ativa em processos político-educacionais; que estudem o papel das universidades como produtoras de conhecimento e reais contribuidoras para o desenvolvimento da vida humana em sociedade; e que discutam a importância da condição de proteção integral e prioritária às crianças, qual o papel ético e os limites dos profissionais que atuam na educação com relação aos cuidados que são dispensados às crianças deixadas pelas mães para poderem estudar.

 

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