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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.20 no.21 São Paulo  2012

 

A Violência nas Escolas sob a Ótica do Pensamento de D. W. Winnicott

 

Violence in Schools on the Thoughts' Optics of Winnicott

 

 

Danuza Sgobbi Saes

Mestre pelo Instituto de Psicologia no Programa de Psicologia Clínica da USP São Paulo, SP, Brasil

 

 


RESUMO

A sociedade contemporânea atravessa muitas dificuldades e passa por um processo de modificação de valores e paradigmas, sendo que sua pior face manifesta-se na banalização e generalização da violência. A escola sente os reflexos desse fenômeno, que traz efeitos funestos para as pessoas envolvidas, bem como para todo o processo pedagógico. No sentido de buscar formas de compreensão e enfrentamento da violência no âmbito das escolas, o presente artigo traz reflexões a partir da obra de D. W. Winnicott. A escolha do autor não foi aleatória, pois ele possui uma concepção única e singular sobre a agressividade e a tendência antissocial. Tal leitura, conclui-se, pode ajudar com um olhar despatologizante sobre esses fenômenos, bem como com um enfrentamento baseado em relações humanas confiáveis e na proposta de criação de um ambiente escolar suficientemente bom, isto é, de respeito e valorização das necessidades e características dos alunos, espaços de comunicação, criatividade e expressividade emocional, pautados no cuidado efetivo para com todos os envolvidos.

Palavras-chave: Winnicott. Violência. Escolas.


ABSTRACT

The contemporary society crosses a lot of difficulties and goes through a process of modification of values and paradigms, and its worst manifest shows itself in the widespread and trivialization of the violence. The school feels the consequences of this phenomenon, that brings disastrous effects for the people involved, as well as for whole the educational process. In order to find ways of understanding and confrontation forms of the violence in schools, this article presents reflections based in the work of D. W. Winnicott. The author's choice was not random, because he possesses an unique and singular conception about the aggressiveness and anti-social tendency. Such a reading, it is concluded, can help with a less pathological glance on these phenomena, as well as with a confrontation based on reliable human relations and the proposal of creation of a sufficiently good school atmosphere, in other words, an atmosphere of respect and appreciation of the students' needs and characteristics, communication, creativity and emotional expressiveness spaces, based in the effective care to all involved.

Keywords: Winnicott. Violence. Schools.


 

 

Introdução

A escola, atualmente, enfrenta diversas dificuldades de ordem pedagógica e estrutural, com professores insatisfeitos, trabalhando em condições precárias e diante de situações que fogem do seu campo de atuação, como, por exemplo, aquelas de ordem social. Na maioria das vezes, atribuem a justificativa das dificuldades dos alunos a fatores extraclasses, sentindo-se impotentes, sós e desamparados (BRACCO, 2005; MACIEL, 2005; DUPAS, 2008).

Os alunos, por sua vez, mostram-se desinteressados e entediados, não veem necessidade nem têm interesse nos conteúdos e experiências oferecidos pela escola, vivem uma realidade muito distante da mostrada nessa instituição, bem como são marcados pela estigmatização de "alunos-problema", de modo que se acomodam e se rendem a essa percepção (DUPAS, 2008; CEREZER; OUTEIRAL, 2011).

Esse cenário parece estar relacionado ao mínimo investimento nas questões mais complexas da educação, que levariam a uma maior pesquisa, reflexão e crítica sobre o setor (SCHWARTZMAN, 2005). Tal situação, ainda, é característica da falta de um projeto político pedagógico comprometido, pois a questão da educação em nosso país sempre apresentou objetivos ideológicos e políticos, estando sua expansão aliada à disputa pelo poder e controle da formação do homem e da sociedade (PENTEADO; GUZZO, 2010). Esses problemas ainda são seguidos por tantos outros do âmbito das relações humanas, pois a escola contemporânea está marcada pela apatia e banalização da violência, reflexos da própria sociedade em que vivemos (MACIEL, 2005).

Em Debarbieux e Blaya (2002), verifica-se que a violência nas escolas não é um fenômeno exclusivo do Brasil, parecendo estar afetando todos os níveis, classes e sociedades pelo mundo. De fato, o conflito da escola é representativo de um momento da sociedade contemporânea de contestação, modificação e substituição de paradigmas e valores (CEREZER; OUTEIRAL, 2011).

Sposito (2001), por sua vez, revela que, além desse aspecto da violência como característica da sociedade contemporânea, pesquisas vêm demonstrando que ela também pode ser reflexo de práticas escolares inadequadas, bem como característica de uma crise entre os jovens (alunos) e o mundo adulto, que tem na escola uma de suas instâncias representativas. Nesse sentido, o desdobramento mais nocivo da violência nas escolas é sua ação direta e perversa sobre o processo pedagógico, pois, na pior das hipóteses, a disseminação da violência nas relações leva a um prejuízo da eficácia educativa, bem como ao abandono dos estudos (MADEIRA, 1999).

A escola pode ser um espaço de encontro e de experiências ricas, oferecer ensinamentos e aprendizagens, sustentar sonhos e desejos por meio da criatividade; no entanto, isso somente é possível se colocar-se como um agente crítico em meio à sociedade, ajudando o aluno a se ligar afetivamente ao conteúdo programático (DUPAS, 2008; CEREZER; OUTEIRAL, 2011). Para tanto, é necessário encontrar meios de repensar a situação das relações humanas na escola, entender e enfrentar os fenômenos da violência, a fim de que ela não incida na deterioração do verdadeiro papel da educação e dessa instituição.

Nesse sentido, acredita-se em uma real e possível contribuição da psicanálise, visto que, na violência, crê-se, estão envolvidos aspectos do âmbito social e coletivo, como também aqueles de nível individual e subjetivo. Ressalte-se que, atualmente, está reconhecido que a psicanálise não pode voltar o seu olhar apenas para o mundo intrapsíquico, devendo se voltar para fora e considerar os aspectos doentes da cultura que o indivíduo assume como sua (BRACCO, 2005).

Não se pretende, neste trabalho, apresentar a psicanálise como um todo ou todas as possíveis relações e contribuições para o entendimento da violência na escola, pois este é um trabalho que há muito já está sendo realizado. Faz-se, tão somente, um breve passeio pela obra de apenas um autor representativo: Donald Woods Winnicott.

Nascido em 1896, na Grã-Bretanha, Winnicott era médico pediatra de formação, mas iniciou sua formação em psicanálise por meio de análise pessoal e supervisão, com figuras proeminentes como: Melanie Klein, Joan Riviere e James Strachey. Posteriormente, tornou-se membro da Sociedade Britânica de Psicanálise, vindo a ocupar sua presidência nos períodos de 1956 a 1959 e de 1965 a 1968.

Morreu em Londres, em 25 de janeiro de 1971, deixando vasta obra destinada não apenas a leitores da psicanálise e seus estudiosos, como também ao público leigo e a profissionais de diversas áreas. Portanto, ele não se absteve de se posicionar em relação a diversos temas da atualidade (GIOVACHINNI, 1995; ABADI, 1998).

Sua teoria é fruto de sua trajetória profissional e teve início na observação da relação mãe-bebê, bem como nas questões da infância, mas desenvolveu-se até abarcar uma concepção do psiquismo humano, seu desenvolvimento e patologia, de forma singular e inovadora.

A escolha desse autor não é aleatória, pois a singularidade do seu pensamento é notória, principalmente em suas proposições sobre a agressividade e a tendência antissocial. A agressividade é vista como um processo normal, que só tomará um caminho patológico de acordo com a resposta do ambiente a ela; já a tendência antissocial é um sinal de esperança, um pedido de ajuda para buscar retroceder a possíveis falhas ambientais. Essas perspectivas, aliás, diferem muito da concepção freudiana sobre a agressão e o crime (LUZ, 2008).

Diante disso, busca-se, no presente trabalho, apresentar dados e reflexões que levem a entender como os conceitos encontrados na obra de Winnicott (1975a, 1975b, 1989, 1990a, 1990b, 1999, 2000, 2001) - sobre a agressividade e a tendência antissocial - podem auxiliar em uma melhor compreensão da violência na escola e, se possível, pensar em estratégias de enfrentamento a partir daí. Para tanto, são realizadas reflexões teóricas que podem despertar o interesse daquele que educa para a obra de Winnicott, bem como levar aqueles que se interessam pela sua psicanálise a refletir sobre a fecundidade de seu pensamento e de seus muitos desdobramentos.

Acredita-se, também, que tais reflexões podem ser de especial interesse aos psicólogos escolares e psicopedagogos, pois a estes interessa não só as questões específicas da aprendizagem, mas, como se vê em Masini (1993), também as condições necessárias para que aconteça uma aprendizagem significativa. Entre essas condições, entende-se que está o oferecimento de um espaço seguro, confiável e sustentado por relações saudáveis.

 

Winnicott, a Agressividade e a Tendência Antissocial

A tendência antissocial não é entendida como um quadro diagnóstico específico, mas tem sua origem assentada também no fracasso ambiental; contudo, de acordo com a fase em que esse fracasso ocorrer, ela se manifestará por diferentes caminhos, como a violência, o roubo e a mentira.

Em um período inicial, em que ainda não há integração, o bebê apresenta um impulso amoroso primitivo de qualidade destrutiva, relacionado à motilidade, à voracidade, ao movimento corporal e ao estabelecimento de um eu e um não eu, ou seja, é o começo da relação com o mundo externo. Assim, essa agressão inicial pode ser vista como uma fonte de energia do indivíduo que o impele ao encontro do ambiente.

Quando a criança vai estabelecendo a noção de não eu, dá-se conta de que o objeto atacado ferozmente é o mesmo que ela deseja em momentos tranquilos. Essa percepção leva a um sentimento de culpa, que só é aliviado pela contribuição que o bebê pode dar à sua mãe, sendo que essa possibilidade só surge por meio de uma presença confiável. A agressividade, então, é coexistente com o amor, pois a elaboração do impulso destrutivo converte-se no desejo de reparar, de construir, de assumir a responsabilidade.

Segundo Winnicott (1999), toda agressão que não é negada e pela qual se aceita a responsabilidade pessoal pode ser sublimada. O desenvolvimento da capacidade de envolver-se depende, portanto, de um ambiente suficientemente bom, pois exige uma complexa organização do ego, que se constrói a partir dos cuidados adequados com o bebê. Nesse sentido, a não estabilidade da presença da mãe leva à perda da capacidade de envolvimento e ao surgimento de angústias e defesas, como a clivagem e a desintegração, assim como ao não desenvolvimento de um ambiente interno bom.

Da mesma forma, as falhas ambientais podem despertar ódio, frustração e reações de acordo com o montante de tensão já existente na fantasia inconsciente do bebê; assim, a criança pode tornar-se agressiva por autodefesa contra ataques imaginários. A agressividade, dessa forma, passa a inibir o impulso criativo, visto que este depende da capacidade de construção e reparação que foi bloqueada, e a ser cada vez mais excessiva e incontrolável, sendo a partir daí dramatizada e podendo o indivíduo provocar seu controle por uma autoridade externa.

Ressalte-se, ainda, que, se em nenhum momento dessa busca for encontrada alguma estabilidade ambiental, os atos antissociais repetir-se-ão, aumentando a violência, até que o indivíduo torne-se um criminoso cada vez mais deprimido, despersonalizado e incapaz de sentir a realidade. Essa patologia da agressividade transforma-se, assim, em violência e passa a ser atuada compulsivamente contra a família, a comunidade e a sociedade, porque o indivíduo espera que alguma dessas instâncias ofereça a autoridade, a estabilidade ambiental, impedindo-o de prosseguir.

Agora, é necessário retroceder para tentar explicar outros caminhos da tendência antissocial.

Após certo grau de integração, mesmo que tudo tenha ocorrido bem até ali e o ego do bebê já tenha alcançado certo grau de maturidade, conseguindo diferenciar o eu do não eu, ainda está ocorrendo a fusão entre as raízes libidinais e agressivas da personalidade e não houve tempo hábil para a incorporação de um sentimento de segurança ambiental e a criação de um ambiente interno bom. Nesse contexto, algumas tarefas ainda precisam ser realizadas e conquistas, concretizadas, pois é o momento em que o pai surge como uma figura total. Estabelecendo-se uma relação triangular, intensifica-se o uso do objeto transicional e do espaço potencial como uma forma de gradativa inserção no mundo real, no qual se constituem o brincar e, posteriormente, as artes, a religião e a criatividade.

Nessa fase, a criança pode se tornar capaz de assumir a responsabilidade por seus instintos e de ter responsabilidade por seus atos destrutivos. Para que isso aconteça, ela precisa que o ambiente (neste caso, a família) ofereça estabilidade e suporte a tensão resultante de seu comportamento impulsivo e a possibilidade de reparação, por meio de uma presença confiável. Pode acontecer, porém, que o ambiente não possibilite o desenvolvimento dessas capacidades, em decorrência de uma omissão ou privação da vida familiar, e ocorram falhas que o bebê/a criança já conseguirá perceber como de responsabilidade do ambiente. Assim, por meio de um impulso inconsciente, busca o objeto que foi perdido, isto é, a relação com as figuras materna e paterna, e a estabilidade da convivência familiar, sendo que, se não os encontrar, procurará em outros lugares e, não os encontrando, recorrerá a tomar os objetos para si, como uma representação simbólica do que lhe foi tomado, e passará a infringir regras.

Essa busca pelo objeto perdido é também uma busca pelos limites, que não lhe foram oferecidos, por uma relação que foi perdida, por ter havido uma privação da convivência familiar de alguma forma. Se, em nenhum momento, encontrar o que inconscientemente busca, os atos antissociais repetir-se-ão e, não encontrando a estabilidade das figuras materna e paterna, será buscado o controle por meio da atuação da comunidade, da sociedade, compelindo o meio a retroceder com ele até o momento em que o ambiente falhou, para que essa falha seja reparada.

Dessa forma, a tendência antissocial é interpretada como um pedido de ajuda, em que o autor dos atos infracionais convida o meio a lhe socorrer, reparando as falhas que ocorreram em seu desenvolvimento psíquico. Os infratores, portanto, procuram o controle externo para não se sentirem ameaçados pela loucura, possuem motivações inconscientes e devem ser tratados como pessoas que não conseguiram desenvolver um sentimento interno de segurança.

Para Winnicott (1999), no atendimento a essas pessoas, não deve ser adotada uma postura sentimentalista impregnada de ódio recalcado, assim como seu tratamento ideal não é oferecido pela psicanálise, mas pelo provimento do ambiente estável que sempre foi buscado.

 

Contribuições de Winnicott à Escola

A partir dos escritos de Winnicott (1975a, 1975b, 1989, 1990a, 1990b, 1999, 2000), bem como das pesquisas sobre sua contribuição (DIETSCHI, 2011; FRELLER, 1999; FULGENCIO, 2008; GODOY et al., 2006; KAWAGOE; SONZOGNO, 2006; MACHADO DE OLIVEIRA; FULGENCIO, 2010; MACIEL, 2008; SILVA, 2005) para os mais diversos aspectos da educação, percebe-se que existem dois caminhos para tratar dessa questão: aquele em que se busca aplicar a sua teoria do desenvolvimento emocional na pedagogia e aquele em que se buscam suas próprias referências sobre o assunto. Pretende-se, aqui, trilhar os dois caminhos.

Inicialmente, é preciso pensar sobre o lugar que a escola ocupa na vida da criança, pois, dentro de uma perspectiva winnicottiana, ela se insere em um continuum de experiências. Assim, a relação mãe-bebê vai prepará-la para a relação com a família mais extensa, a qual, por sua vez, vai instrumentalizá-la para vivências sociais que começam na escola. A criança, então, começa a ocupar o seu lugar na sociedade por meio da educação (tendo a escola como sua representante).

Como a mãe realiza tarefas que vão habilitar a criança a lidar com situações cada vez mais complexas da vida e só pouco a pouco a criança sai de um estado de dependência absoluta para uma independência relativa, a escola também deve se adaptar às necessidades de cada fase (KAWAGOE; SONZOGNO, 2006). Assim, a escola precisa oferecer diferentes experiências, de acordo com as diferentes idades e, consequentemente, necessidades de seus alunos.

Fica claro em Winnicott (1989), que o brincar tem múltiplos desdobramentos e funções. Na escola, além do aspecto da socialização, também se encontra nele o espaço ideal para a vivência de experiências emocionais e de aprendizagem, que, posteriormente, vão passar para atividades de jogos que desenvolvem habilidades.

Esse espaço intermediário entre o real e o subjetivo instrumentalizará a criança com experiências ricas e que construirão a base para o desenvolvimento da fantasia, imaginação e criatividade (WINNICOTT, 1975a). O mesmo espaço potencial originará, ainda, as atividades criativas, como as artes, portanto o estímulo ao brincar deve desembocar, posteriormente, na oferta de espaços, para crianças mais velhas, para a criação e a vivência artística.

Winnicott (1990b) deixa claro que a pessoa saudável é aquela que pôde passar por um processo de integração do psiquismo no soma, isto é, da mente no corpo, e, por isso, sente prazer com seu corpo e trata dele com naturalidade. Nessa perspectiva, as crianças, desde muito cedo, precisam na escola de espaços para vivenciar atividades físicas, não apenas exercícios, mas experiências sensórias e perceptivas, bem como de conhecimento do próprio corpo e imagem corporal.

Além disso, quando inicia o processo de aprendizagem, a escola deve compreender que as crianças lidarão de diferentes formas com a aprendizagem, dependendo de suas condições e necessidades emocionais. Inclusive, em muitos casos, problemas aparentemente difíceis são apenas resultado do fato de que algumas crianças possuem um ritmo mais rápido e outras, mais devagar (WINNICOTT, 2000). Nesse sentido, ressalte-se que a criança, na educação primária, beneficia-se e sente-se bem com a experiência escolar de elaborar complexidades e aceitar regras e padrões, esperando-se que apenas na adolescência volte a questioná-los (WINNICOTT, 1989).

Winnicott (1975b) esclarece, ainda, que crianças vindas de lares satisfatórios vão à escola para que se adicione algo à vida delas, mas outras que não tiveram essa possibilidade procuram na escola o lar que perderam, como uma segunda chance. Nesse sentido, o ambiente escolar pode estar sendo usado para suprir determinadas faltas, impondo ao professor atribuições que vão além do ensinar e obrigando-o a suportar a agressividade do aluno (BRACCO, 2005). Logo, a escola deve garantir a essas crianças e, principalmente, aos adolescentes a vivência de experiências, a possibilidade de comunicação, o enriquecimento da capacidade criativa, tolerando a imaturidade de cada fase e oferecendo apoio, sem dispensar a firmeza, mesmo no confronto (MACHADO DE OLIVEIRA; FULGENCIO, 2010). Deve-se, portanto, permitir ao aluno a vivência de espaços potenciais, nos quais ele exerça sua criatividade e utilize sua agressividade de maneira positiva para experimentar seus próprios instintos (FULGENCIO, 2008).

Nesse contexto, o professor suficientemente bom é aquele que se coloca como facilitador de uma interação criativa, explorando e ampliando o espaço potencial da criança, com a sensibilidade necessária para que o aluno relacione-se bem com o aprendizado. Para tanto, precisa ter uma relação pessoal com a criança, reconhecendo suas necessidades específicas por meio do contato e da comunicação em uma relação verdadeira e coerente. Ademais, é necessário lembrar que, assim como a mãe suficientemente boa de Winnicott (2001) precisa de um aparato que sustente sua relação com o filho, também o professor necessita de um campo externo que sustente seu trabalho e atuação.

A escola, por sua vez, pode e deve oferecer limites, pois eles são uma proteção necessária às vivências instintuais da criança, bem como às tentativas de irrupção da agressividade, mas deve acolher tanto quanto restringir (FULGENCIO, 2008; KAWAGOE; SONZOGNO, 2006; SILVA, 2005).

Quanto mais observamos, tanto mais concluímos que, Se os professores e alunos estão convivendo de um modo saudável, encontram-se empenhados em um sacrifício mútuo de espontaneidade e independência, e isso é quase tão importante, como parte da educação, quanto o ensino e aprendizagem dos assuntos programados. (WINNICOTT, 1975b, p. 230).

Em relação à disciplina e ao senso moral, Winnicott (1989, 2001) traz uma proposta inovadora: 1) não basta restringir, deve-se conter amorosamente; 2) a educação moral não pode ser algo impositivo, ou seja, as regras não podem ser colocadas de forma drástica ou doutrinária, pois as crianças devem ser levadas a amadurecê-las dentro de si mesmas, desenvolvendo sua capacidade moral própria.

As crianças sadias necessitam de quem lhes imponha um certo controle; mas os indivíduos que impõem a disciplina devem poder ser amados e odiados, desafiados e chamados a ajudar; os controles mecânicos não tem aí qualquer utilidade, E o medo não é o instrumento mais adequado para estimular a colaboração. (WINNICOTT, 2001, p. 47).

Essa escola que acolhe e restringe pressupõe regras para o seu funcionamento, não podendo esperar que a criança submeta-se ou acolha o que lhe foi imposto. Além disso, o ensinar depende da capacidade da criança de crer, que, por sua vez, está assentada em uma relação de confiabilidade entre as partes envolvidas. Assim, as regras de funcionamento da escola precisam ser formuladas na coletividade e por meio da coerência com uma proposta política e pedagógica.

A escola, assim, pode se colocar como um espaço criativo, não apenas reproduzindo a sociedade, mas transformando-a, de modo a ser um lugar de passagem até que o aluno possa questionar por si mesmo (MACIEL, 2008). Isso se justifica devido aos indivíduos saudáveis e críticos serem a base de uma sociedade justa e igualitária, em que todos podem exercer suas potencialidades. Esta é, segundo Winnicott (2001), a base da democracia. Ainda, o autor deixa claro que o professor não é um terapeuta, nem a escola tradicional é o lugar de atendimento específico de problemas emocionais, mas que todos podem se beneficiar dos conhecimentos e das contribuições de uma compreensão do desenvolvimento emocional da criança e da psicanálise em sua atuação.

 

Possíveis Conexões

Acredita-se que a violência que ocorre nas escolas, aquela causada pelas crianças e jovens, pode, nessa perspectiva, ser vista como um sinal de esperança, pois esses indivíduos, para não perecerem diante da loucura, estão buscando a escola para socorrê-los.

A agressividade manifestada pelos alunos, então, deve ser vista como um pedido de socorro, ou seja, eles estão convidando a escola a retroceder com eles até o ponto em que houve falhas, que podem ter sido causadas pela família, mas também pela sociedade e pela própria escola. Nesse momento, a escola tem grande oportunidade de contribuir com crianças que podem ter nela uma segunda chance de sobrevivência psíquica.

Nesse sentido, adotar a concepção de Winnicott (1999) sobre a agressividade significa não tomá-la como algo a ser eliminado, mas como uma tendência que precisa ser manifestada, controlada e valorizada, pois o agir de modo construtivo está relacionado com a destruição. Isso obriga os educadores a repensarem seu papel e a se colocarem numa relação genuína com a criança, respeitando-as e indo além da visão de crianças-problema (LUZ, 2008).

Não se pode acreditar que a escola deve desempenhar o papel das famílias, mas pensar que ela pode ser um caminho para que as crianças privadas da convivência familiar ou que sofreram com as inúmeras falhas e violências recebam ajuda, pois, muitas vezes, é o professor ou qualquer outro profissional da escola que consegue detectar que há um problema e encaminha a criança para as vias de atendimento. Em muitos casos também, os profissionais da escola podem oferecer uma relação genuína, verdadeira e confiável, algo único e inédito na vida de muitas crianças, e, dessa forma, proporcionar vivências terapêuticas em suas vidas.

A escola, por sua vez, deve entender que, para lidar com a violência e agressividade de seus alunos, não basta ditar regras e normas de convivência, uma vez que os alunos precisar crer nelas, vivenciá-las. Assim, essas regras precisam ser construídas coletivamente, da iniciativa e entendimento de cada um, isto é, precisam nascer de um processo que vai do interno para o externo e não o contrário.

Ainda, a escola, como uma mãe suficientemente boa, precisa entender as necessidades de cada aluno; para tanto, precisa estar com todas as vias de comunicação e contato abertas, bem como não temer a proximidade e a intimidade com ele. Adaptar-se às necessidades, neste caso, talvez signifique se reinventar, pois as crianças e jovens de hoje lidam com questões diferentes das que possuíam há décadas, visto que suas vivências e experiências estão permeadas pelas características da contemporaneidade.

Já os alunos precisam receber as informações e conteúdos de forma diferenciada, por meio dos recursos e meios que lhes são familiares, com a linguagem que lhes é conhecida. Isso é possível ao oferecer aos alunos a possibilidade de experienciar espaços de aprendizagem que vão além daqueles exclusivos da oferta de conteúdos programáticos, isto é, trabalhar com o corpo, com as artes. Dessa forma, a agressividade manifestar-se-á por meio das vias saudáveis de expressão, de forma que sua destrutividade e reparação possibilitarão a criação e recriação, em diferentes formas de manifestação.

Na escola em que se proponha enfrentar esses desafios, poderá haver um diálogo real e genuíno, relações verdadeiras, espaços de criatividade, de crítica e até de contestação e não a erupção de comportamentos agressivos como única via de comunicação. Assim, pensar a questão da violência e da agressividade na escola exige um exercício de reflexão e crítica, para que se possa identificar o que ela está querendo mostrar, não bastando combater, mas entender e até vivenciar.

Na esteira de Winnicott (1999), não se devem adotar condutas moralistas ou estigmatizantes, negando ou recalcando essa questão, mas sim entendê-la e aceitá-la como inerente ao processo de crescimento e à vida; se ela está tomando formas assustadoras, é porque algo está errado na relação que todas as instâncias de convívio - família, comunidade e sociedade - estão mantendo com esses alunos. Assim, como já mencionado, da mesma forma que a mãe suficientemente boa necessita de um aparato que possibilite viver as experiências necessárias com seu bebê, também a escola suficientemente boa precisa de um aparato que lhe apoie em termos de infraestrutura e projeto político pedagógico.

 

Conclusão

Os dados e as reflexões apresentados demonstram a fecundidade do pensamento de Winnicott, que possui desdobramentos com ramificações em muitas áreas do acontecer humano. A violência que acontece nas escolas, por exemplo, é um fenômeno de abrangência mundial e irrestrita, pois todas as sociedades e culturas parecem estar sendo afetadas; então, há que se pensar que ela pode ser sintomática da dor de um tempo.

A sociedade contemporânea, em seu modo de viver característico, vem causando um efeito desastroso em diversas instâncias, que vão das instituições até as famílias, atingindo de forma cruel aqueles que ainda estão em desenvolvimento. Diante disso, é necessário olhar para essas crianças, privadas em tantos níveis em relação a relacionamentos confiáveis e reais, que precisam lançar seu grito de socorro sobre os muros da escola. Contudo, há ainda que se pensar que, se lá está o pedido, também pode estar a ajuda. Em outras palavras, a escola, como intermediária entre o mundo familiar e o macrossocial, talvez seja detentora, em muitos casos, da grande responsabilidade de oferecer um espaço terapêutico. Nesse sentido, mais do que o ensino de conteúdos programáticos, é preciso oferecer relações humanas e espaços únicos para o crescimento integral dos indivíduos.

Winnicott traz lições grandiosas sobre a natureza humana, desenvolvimento psíquico, saúde-doença e, por que não, sobre a educação e todas as suas dificuldades, manifestações e possibilidades. Tirar proveito dessas lições, incluindo um olhar mais abrangente sobre a questão da violência que permeia a rotina escolar hoje, é importante função dos profissionais psi,pois psicólogos e psicopedagogos estão empenhados em descortinar o que ninguém mais vê.

Assim, cabe a esses profissionais a difícil tarefa de realizar uma leitura mais aprofundada de todos os fenômenos que podem estar influenciando os processos de ensino e aprendizagem, voltando o olhar para as dimensões sociais, cognitivas e afetivas que determinam o ser humano, o ser que aprende. Deve-se trabalhar não apenas na intervenção diante das dificuldades, mas também no âmbito da prevenção e, em relação às violências que ocorrem na escola, atuar continuamente para a criação desse espaço visualizado por meio da teoria de Winnicott.

 

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