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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.21 no.22 São Paulo  2013

 

Música e arteterapia como recurso terapêutico nas dificuldades de aprendizagem e desenvolvimento humano1

 

Music and art therapy as a therapeutic resource for difficulties in learning and human being development

 

 

Pedro Alves de Oliveira

Historiador e psicopedagogo

 

 


RESUMO

Ignorado em seu aspecto psicomotor e afetivo, em um passado não tão distante, as instituições de ensino contemplavam somente o aspecto cognitivo do aprendente. Hoje, através de uma visão psicopedagógica, a subjetividade tornou-se o ponto de partida. Com esse olhar peculiar, justifica-se o desenvolvimento dessa pesquisa teórico-prática a qual apresenta experiências e propostas de projeto psicopedagógico referindo-se ao uso da Arte, em especial da Música, como instrumento para possibilitar ao aprendiz atravessar ou ir além das dificuldades de aprendizagem em busca da constituição do sujeito, o que fortalece sua autoestima e amplia suas capacidades de construir a si próprio e o conhecimento, na relação com o outro. As reflexões envolvendo teoria e práticas revelam como a Música enquanto recurso terapêutico e educacional funciona como agente libertário.

Palavras-chave: Ensino/Aprendizagem, Arte/Música, Subjetividade.


ABSTRACT

Ignored in their psychomotor and affective aspect, not long ago educational institutions beheld only the cognitive aspect of the learner. Today through a pedagogical vision, the subjectivity has become the starting point of this theorical and practical research which presents experiences and proposals of a psycopedagogical project, referring to the arts, in special music, as an instrument to enable the learner go through and beyond their difficulties in learning. Also in search of a subject constitution that strengthens their self-esteem and increases their capability to build itself and knowledge in relation to the others. The reflections involving theory and practices reveal how the music as a therapeutic resource and educational functions as a libertarian agent.

Keywords: Teaching / Learning, Art / Music, Subjectivity.


 

 

Introdução

Com a implantação da escola para todos, nas últimas décadas, as atenções do meio acadêmico estão direcionadas para que se encontre uma alternativa que resolva os mais variados problemas de aprendizagem e evasão escolar que assolam a educação em sua totalidade.

Muito se tem questionado no sentido de: "Qual o papel da escola na formação do indivíduo? Como "segurar" o indivíduo no ambiente escolar? O que o impede de aprender?" Tais reflexões, e outras mais, têm se tornado alvo de calorosos debates na pretensão de esclarecer qual seria o verdadeiro sentido da educação.

Registrar as diferentes opiniões, tanto do senso comum quanto de renomados educadores, sobre o que seria a verdadeira educação formal, se constituiria em tarefa árdua. Este artigo por mais extenso que fosse, ainda assim não conseguiria chegar a um consenso pleno; isto pelo simples fato de que o significado da palavra educar, semanticamente, não se esgotar em si mesmo. Para cada indivíduo, seja ele leigo ou intelectual, a explicação partirá sempre de argumentos próprios, segundo a sua realidade.

Por este motivo, percebe-se que o educar tem uma abrangência muito maior e alcança dimensões às quais o meio acadêmico em seu percurso de maturação, ainda não desenvolveu a sensibilidade suficiente para vislumbrar tal complexidade, e, por consequência, os problemas aflorados nas instituições acadêmicas pode ser fruto da limitação desse olhar pedagógico, em que o espaço escolar persiste como modelo de educação centrado em si mesmo e não nas necessidades de sua clientela.

Após mensurar as pesquisas, experiências, análises e minhas considerações apresentadas neste artigo, observou-se que educar supera o ensinar, é mais do que mediar; é conseguir entrar em contato com a especificidade das capacidades e dificuldades do aprendiz e com a sua singularidade, analisando e compreendendo as condições de aprender e construir o conhecimento. Ao integrar o cognitivo ao aspecto psicomotor e afetivo do indivíduo, a Psicopedagogia, gradativamente, vem ganhando um espaço dentro da instituição acadêmica que era pouco explorado, uma vez que o aprendente era contemplado apenas em sua função cognitiva e ignorado em suas diferentes formas de aprender.

Fruto da observação e reflexão sobre o processo do aprender que resgata a subjetividade do aluno em sala de aula ou em outras condições de aprendizagem, a Psicopedagogia, através de uma visão holística-interacionista, amplia as abordagens psicopedagógicas no que se refere ao diagnóstico e às intervenções do profissional que orienta o aprendiz à luz do desenvolvimento cognitivo-afetivo da criança, adolescente e adulto. Essa nova forma de ver o sujeito aprendente, foi além dos porquês: Por que não aprende? Por que não retém o conhecimento apreendido? Por que se nega a estudar? As causas/consequências deixaram de ser primazia ou referenciais para justificar a dificuldade na aprendizagem.

Na visão psicopedagógica, colocada em foco no presente estudo, a subjetividade de quem orienta e de quem aprende dialoga com a multiplicidade de recursos com base nas artes e expressões criativas, interagindo e se constituindo como o ponto de partida das reflexões teóricas, relato de experiências e análises. A proposta do estudo é considerar a vivência do indivíduo em suas diferentes formas de ser e de aprender, levando em conta: os diferentes tipos psicológicos conforme Carl Jung apresenta em sua obra - Tipos de Personalidade; as múltiplas inteligências, segundo Howard Gardner - Estruturas da Mente e os desdobramentos de pesquisas psicopedagógicas decorrente dos estilos cognitivo-afetivos de Eloisa Fagali, na obra Enfoque Clínico-Terapêutico Psicopedagógico.

Esta análise demonstra a complexidade do homem, no seu processo de conhecimento e aprendizagem, distanciando-se daquele foco de querer compreender o indivíduo de forma linear e com base apenas nas capacidades do pensamento lógico associado à inteligência e às ações isoladas no processo do aprender. Dentro dessa abordagem, permitiu-se entender e ampliar as possibilidades da criança de se relacionar com as diferentes práticas de aprendizagem e do processo criativo que permeiam o espaço escolar ou outros contextos de aprendizagem; através de um novo olhar, uma nova forma de sentir, pensar e agir frente ao objeto do conhecimento, utilizando-se do recurso da Arte, em especial a Música.

Para tanto, coloco em destaque as pesquisas teóricas e práticas relacionadas às experiências vividas e refletidas ao longo do estágio clínico supervisionado em Psicopedagogia, no momento em que vivenciei este processo como estagiário psicopedagogo no diagnóstico e orientação desenvolvidos com duas crianças que apresentavam dificuldades na aprendizagem.

O método consistiu numa pesquisa teórica sobre o tema, complementado com análises de procedimentos das respostas e expressões criativas das crianças. Os relatos de experiências vividas se constituem como ilustrações que confirmam e consolidam as hipóteses geradas pelas reflexões teóricas. Portanto, os objetivos em pauta restringiram-se a, primeiro, desenvolver reflexões teóricas sobre arte/música; segundo, apresentar um relato de experiências discutindo a aquisição da linguagem e o desenvolvimento de atitudes, do autoconhecimento e da autoestima através da escuta musical e do fazer artístico, atividades, estas, capazes de mobilizar o aspecto afetivo-cognitivo do sujeito aprendente; terceiro, elaborar registros de como estes recursos foram adaptados e contextualizados a fim de promover a socialização e o diálogo com a subjetividade das crianças em foco, enquanto estas estiveram nas situações educacionais e terapêuticas em que se valorizava a escuta e o apoio psicopedagógico.

 

Um breve olhar sobre a Música

Falar sobre a origem da música é algo muito complexo devido a esta preceder, e muito, à escrita. Mas, acredita-se que na pré-história o homem já estava sensível à produção natural do som; através da manifestação do vento, o som produzido pelo balançar das árvores, o ruído das águas, o murmúrio dos animais e até mesmo dos humanos em seus primeiros colóquios.

Segundo Schafer (1997), na falta da escrita, o indivíduo exercitava mais a audição porque necessitava dela para apreender o conhecimento que era transmitido, assim os sons ganharam um 'status quo' que ainda perdura em algumas civilizações. Este autor afirma que:

Antes da era da escrita, na época dos profetas e épicos, o sentido da audição era mais vital que o da visão. A palavra de Deus, a história das tribos e todas as outras informações importantes eram ouvidas, e não vistas. Em algumas partes do mundo, o sentido da audição ainda tende a predominar (1997, p. 28).

Somente mais tarde, com os gregos, surgiu o conceito de música, "mousiké", relativo à "arte das musas". Segundo a mitologia grega, as musas eram as deusas da música, da poesia, da dança, e, por serem guardiãs das lembranças do passado, eram também, responsáveis pelo conhecimento. Portanto, era comum a veneração de suas imagens por artistas, filósofos, poetas e outros intelectuais da época, na busca por inspirações.

De acordo com as elaborações de Tomás (2004), observa-se que a música, abarcava, simultaneamente, duas funções consideradas importantes para a sociedade grega. Por ter reflexo direto nas artes, no teatro e na própria música, funcionava como mecanismo de conservação da cultura; através dessas representações artísticas eram transmitidos os costumes, garantindo todo um legado cultural. Ao mesmo tempo, a música exercia uma forte influência sobre o pensamento grego, ou seja, por seu poder inspiratório atuava diretamente no estado de espírito do indivíduo levando-o a filosofar. Nessa perspectiva, a música poderia tanto estar a serviço da harmonia preconizada pelo aspecto educativo e ético, bem como associada ao mundo das ideias, pensamentos e restrita ao campo filosófico.

Associa-se música com as musas, as deusas protetoras da educação, e por extensão, aos termos poesia e cultura geral; em um segundo momento, seu contrário (amousos, não musical) refere-se a pessoas incultas e ignorantes; na sequência, o termo pode ser compreendido como música no sentido mais convencional, pois se refere aos ensinos específicos da área, mas também pode ser usado como sinônimo de filosofia; finalizando, a palavra mousa, de onde provém mousiké, pode ser associada ao verbo manthanein, "aprender", que por coincidência é também o verbo do qual se origina a palavra "matemática" (TOMÁS, 2004, p.13).

Em sua essência, a música através de suas especificidades educativas, a qual discorremos, possuía o poder de garantir a preservação de toda a cultura grega, mas também alimentava um novo saber por meio de seu atributo inspiratório, portanto, dialeticamente, reunia em si mesma a propriedade de conservar e renovar simultaneamente.

Já na Idade Média, com o poderio da igreja, principalmente do lado ocidental, a educação e todo conhecimento ficou submetido a essa instituição e com isso a música foi descaracterizando-se, perdendo o seu viés mais educacional e adquirindo uma nova conotação: a de interligar o homem a Deus.

Pode-se dizer que, na época, a música é considerada uma disciplina científica, mas, de acordo com santo Agostinho, "não serve a propósitos educacionais e morais, como queria o pensamento platônico e de outros filósofos gregos"... A agilidade mental obtida pelo estudo das artes deveria mostrar a via de salvação àqueles que tomam o caminho errado. Esse caminho, porém, não deveria vir da razão, mas do "fogo do amor divino" (FONTERRADA, 2005, p.24).

Fonterrada (2005) fala que devido à música atingir um status importante na religião, a igreja passou a oferecer o curso de canto, desenvolvendo uma produção musical voltada exclusivamente para as liturgias das igrejas. Foi quando, em meados do século XII, surge o método revolucionário de Guido D' Arezzo com o propósito de propiciar uma aprendizagem de menor duração àquele que estava submetido ao ensino da música. D'Arezzo começou a escrever os cantos a partir de notação escrita, e esse método teórico prático transformou-se num facilitador, permitindo que cada abadia, a partir de então, criasse o seu próprio coro, e, pela primeira vez na história, fosse capaz de cantar não só o repertório tradicional, mas também cantos desconhecidos.

Dessa forma, a música que tinha algo de científico foi, gradativamente, se compondo em uma arte voltada especificamente para o canto, ou seja, a música foi se estruturando a partir de si mesma: as linhas melódicas, o campo harmônico, o sistema de acordes e outros caracteres próprios. Isso é o que encontramos, também, nas palavras de Cardoso (2010) através dos relatos que traz de suas pesquisas sobre a história da música, às quais estão registradas em sua obra "História Breve da Música Ocidental":

A música utilizada nos diversos ritos da Missa e da liturgia das Horas na igreja durante o primeiro milênio era o cantochão nas suas várias tradições, como se viu acima. O canto gregoriano, imposto a todo o ocidente, mesmo à Ibéria desde o século XI, com alguma exceção do moçárabe, converteu-se na música litúrgica oficial da igreja de Roma até quase aos nossos dias (CARDOSO, 2010, p.19).

Advinda a Idade Moderna, o homem se coloca como o centro do universo, e assim contextualizado, surge um indivíduo epistêmico, político religioso, contudo um sujeito mais ativo e com participações mais globais. Os fenômenos não mais se constituíam como avisos dos deuses; mas passaram a ser explicados partindo da lógica humana.

A música, que durante toda a Idade Média constituiu-se como elo entre Deus e os homens, aos poucos foi perdendo esse caráter rígido de estar vinculada somente ao sagrado e, neste contexto histórico, o homem se apropria dela para falar de suas paixões, seus medos, suas virtudes e fantasias. Uma música voltada para explicar o contraste humano e não mais objeto exclusivo de devoção ao divino.

Toda música não é senão de homens e para homens... A verdade é que o homem, que se descobriu a si mesmo e se definiu desde o espelho da Antiguidade Clássica, é o mesmo que vive de afetos, ou paixões da alma, e que organiza o seu pensamento enquanto persegue a luz total. E em todos estes momentos da história humana, a música, na senda de Orfeu, foi presença constante e criadora (CARDOSO, 2010, p. 35).

Assim como Cardoso, Queiroz (1997), também enfatiza esta maneira peculiar da música moderna, centrada na subjetividade do homem. Cada um compõe música da melhor forma que lhe apraz, não há regras e nem limites; é o indivíduo se redescobrindo afetivamente através dos sons.

Nossa música caminhou no sentido de retratar a subjetividade da psicologia humana. Este é o material que nós, ocidentais, temos em mãos como patrimônio da arte musical... Hoje não há padrões que orientam a audição musical no Ocidente, ou que lhe confiram um padrão de unidade (em meio à diversidade). Ouve quem quer, o que quer... Cada um pretende escolher por si aquilo com que sente afinidade e lhe faz bem... (QUEIROZ, 1997, p. 11).

As palavras de Queiroz não podem ser interpretadas sob uma ótica depreciativa (sinônimo de desordem), devemos entender que as variedades de estilos musicais aos quais estamos expostos constantemente (usando como parâmetro a música brasileira) são sintomáticas; reflexo da diferença cultural, política e econômica a que estamos expostos enquanto cidadãos brasileiros e, desse amálgama, é que se compõe a estratificação social a qual cada indivíduo está inserido. Porém, ao contrário do que muitos pensam, não é o estilo musical que determina a classe social a qual o indivíduo é pertencente, mas cada indivíduo, em potencial, é capaz de criar o seu próprio repertório musical partindo de sua realidade.

Neste caso, a música, enquanto representação de uma esfera social trará em sua composição as aflições ou deleites dos atores em questão; é o que observamos quando ouvimos as canções do homem do campo, do operariado ou da elite, cada um trazendo, em sua cantiga, as experiências vivenciadas no cotidiano, de forma clara, contextualizadas segundo a realidade de cada segmento e manifestadas através da diferenciação ou da fusão dos mais variados ritmos. É um caminho para entendermos as nuances musicais: MPB, Funk, Rap/Hip-Hop, Sertanejo, Forró e, a maneira diversificada com que os mesmos temas são abordados (amor, ódio, paixão, desgosto, sensualidade, protestos, entre outros) dando origem a estilos musicais distintos.

Portanto, a música não deve ser interpretada como instrumento segregador que, a partir de seu estilo, rotula o grupo-ouvinte em bom ou mau; ou música com um fim em si mesma; música ruim ou de boa qualidade. A música do século XXI é simplesmente uma arte, com autonomia própria, sem regras ou amarras, revelando para os que sabem como ler suas mensagens sintomáticas, uma maneira de reordenar acontecimentos sociais, políticos ou, até mesmo, as expressões de sentimentos característicos de um indivíduo ou de um coletivo em diferentes momentos, em diferentes lugares.

 

Os poderes terapêuticos da música e suas contribuições à Psicopedagogia

Dra. Eloisa Quadros Fagali, psicopedagoga e arteterapeuta, desenvolve desde 1998 experiências de oficinas arteterapêuticas em que ressalta a importância da música nos trabalhos educacionais e terapêuticos psicopedagógicos. A autora destaca, entre os diferentes objetivos e atividades, as vivências musicais que possibilitam às pessoas participarem de experiências do processo de transição de uma situação paralisadora para outra de liberação e criação. Este transitar de uma situação para outra, por meio das variações melódicas e rítmicas, amplia a criação e o autoconhecimento do aprendiz ou cliente em relação às suas capacidades, à valorização da vida e do seu eu.

Transitar entre diferentes situações, viajar pelas variações sensório-rítmicas, pelas diferentes situações de uma história (conto)... Essas experiências focalizam mais intensamente a exploração de sons corporais e instrumentais, identificando o que esses sons falam se saíssem dos seus corpos. Esses sons e corpos  transformam-se então  em personagens e heróis que contam suas histórias  e que necessitam estar juntos para se fortalecerem e para buscarem  coisas que desejam. A proposta é identificar pelos sons  o que as partes do corpo falam e em seguida  personalizá-las, tendo em vista a sua força e fraqueza e reintegrá-las (FAGALI, 2005, p. 80).

Compreendida como uma linguagem artística, a música também expressa o desenvolvimento psíquico e sociocultural, pois agrega em si valores e significados provenientes dos desejos e dos sentimentos que vão desde o desenvolvimento individual até o social. Dessa forma, a música é um dos únicos recursos linguísticos em que uma expressão pode estar instantaneamente representando tanto a subjetividade de um indivíduo quanto os sentimentos, valores e as ideias individuais e coletivas. Essa característica ímpar da música é oriunda de sua própria capacidade de nos mobilizar, levando-nos ao processo de criação e recriação por meio de nossas próprias ações acrescidas de experiências vivenciadas por outros de nossos iguais, ou seja, respostas de estímulos intrapsíquicos e extrapsíquicos. Olhando por esse viés, deduzimos que a música fomenta o desenvolvimento cognitivo e motor, instigando a criatividade do indivíduo.

A Neurociência que vem contribuindo para uma melhor compreensão do funcionamento do cérebro tem motivado grandes pesquisas e é consenso entre os pesquisadores a verificação do poder estimulador que a música exerce sobre as atividades cerebrais em consonância com o corpo, a alma e o espírito; levando o sujeito àquilo que Jung denominou de processo de individuação. O indivíduo, exposto a uma realidade externa, desenvolve a capacidade de fazer uma releitura dessa realidade, criando sua própria realidade através de suas reelaborações interiores.

Benenzon (1988) relata que a partir do momento em que nascemos o nosso repertório sonoro, adquirido ainda no período intrauterino, vai se complementando por vivências sonoras vibratórias e de movimento que constituem os principais meios de estímulos e comunicação, caracterizando o nosso processo de maturação; porém, logo após o nascimento, perdem força por aparecer em cena outras circunstâncias, como o social e o cultural, que passam a estimular através de outros ângulos. É importante ressaltar que este repertório sonoro em competitividade com o meio sociocultural, apenas perde força, como lembra-nos Benenzon, mas não se exaure.

Esta reflexão acima pode ser uma das respostas para entendermos o porquê de a música mexer tanto conosco, colocando-nos em contato com os sentimentos mais íntimos, fazendo-nos chorar, sorrir, refletir, odiar, amar, lembrar... A música tem uma capacidade prévia de alcançar o inconsciente através do nosso emocional, pois nos remete ao encontro com as primeiras experiências, adquiridas, ainda, no período embrionário. Muitas pesquisas apontam a influência da música e das artes em geral na dinâmica psíquica do indivíduo, desde a sua tenra idade, levando em conta a dinâmica inconsciente/ consciente. Vale ressaltar os fundamentos teóricos do analista Carl Jung sobre a dinâmica do inconsciente, considerando o poder e o valor das artes em geral. Em suas observações, concluiu que o homem enquanto produto é regido através das interações consciente e inconsciente imanente de sua psique, e quando esse diálogo é interrompido, há um enrijecimento no indivíduo gerando uma perturbação na alma.

O interesse de Jung pelo inconsciente não se dá por achá-lo mais importante que o consciente, pois acreditava que a formação do self só é possível mediante o ponto de equilíbrio resultante da junção do consciente com o inconsciente; mas por acreditar que somos a história dessa união, onde o inconsciente é a matriz da consciência e nele estão depositadas as expectativas das novas possibilidades de vida.

A análise junguiana considera o inconsciente individual a esfera que contém elementos reprimidos e percepções que não foram percebidas pela consciência e o inconsciente coletivo, a esfera mais profunda e oculta da psique humana, resultado das experiências da espécie humana em toda sua história de desenvolvimento, que tem como conteúdos psíquicos os arquétipos. Essas observações foram feitas quando chama a atenção de Jung, em escuta aos sonhos e imaginações de seus pacientes, o fato de que figuras, situações e cenas se repetirem nos sonhos de diferentes indivíduos e, igualmente são encontrados nos mitos, contos de fadas e narrativas atreladas a diferentes culturas.

Todo arquétipo traz em sua essência um aspecto dual, caracterizado por movimentos opostos, como: ódio e amor, dia e noite, tristeza e alegria, vida e morte, entre outros. Através dos arquétipos temos a possibilidade de unirmos o que racionalmente o nosso intelecto procura separar e, quando conseguimos equilibrar esse movimento, avançamos para outro estágio de consciência, o qual Jung denominou de função transcendente.

Este equilíbrio funda a análise junguiana, ou seja, para Jung, quanto menor a distância entre o consciente e o inconsciente maiores são as chances de o indivíduo adquirir sua autonomia própria, isto porque, ao dialogarmos com a nossa natureza interna, criamos a possibilidade de acessar os esquemas organizadores inconscientes, podendo direcioná-los para que tenham uma ação mais efetiva sobre a vida. Isso caracteriza o processo de individuação; é o 'vir a ser' de que tanto fala a filosofia. Crema reafirma essa ideia quando diz que: - "sou eu próprio uma questão colocada ao mundo e devo fornecer minha resposta; caso contrário, estarei reduzido à resposta que o mundo me der" (1985, p. 286).

Na visão junguiana, todo indivíduo possui os pré-requisitos para o autodesenvolvimento, pois a nossa psique, em si mesma, já reúne as imagens e os elementos estruturantes que impulsionam o ser humano em direção à individuação. Mas o fato de possuirmos essa essência inata, não significa que o caminho para a individuação pode ser regido pela simples vontade de nosso ego, determinando quando e onde podemos chegar; até mesmo porque a nossa psique, segundo Jung, funciona em espiral, num contínuo retorno a temas e experiências antigas. O que se torna diferente é a nossa postura frente aos fatos em si, dessa forma, lidamos com as mesmas questões no decorrer da vida secular, mas as situações conflitantes são resolvidas sempre de forma distintas, legitimadas pelo nosso grau de desenvolvimento alcançado.

Toda emoção, enquanto não reconhecida, ao ser renegada pelo consciente, acaba sendo absorvida pelo inconsciente e ressurgindo a qualquer momento em nossa psique, mas de forma falsificada, deformada, iludindo nossa percepção, uma sombra, como é lembrado por Jung. A 'sombra' estará sempre ao lado do indivíduo tendo influência direta em suas decisões e, por essa razão, é considerada um poderoso arquétipo e com participação efetiva na construção da personalidade do ser humano.

Quando falamos em individuação devemos ter consciência de que se trata de um processo e, neste, o confronto com a 'sombra' é um dos mais conflitantes a qual estamos propensos a enfrentar. Considerando que a própria imagem do ego pode ser alterada, dependendo do complexo ou de suas combinações, podendo haver uma unilateralidade da consciência, abrindo caminho para a neurose.

Olhando por este viés, percebemos que a 'sombra', embora receptora de aspectos negativos, portanto rejeitados, é também fonte que reúne em si, aspectos que impulsionam o indivíduo à criatividade e desafios em busca de novos horizontes, quando é percebida por um ego bem estruturado.

Em síntese, haverá sempre um meio por onde os impulsos latentes inconscientes tendem a se manifestar, seja através de sonhos, das produções artísticas ou outros canais pelos quais os símbolos imagéticos podem alcançar a consciência. Neste aspecto, apresentando principalmente a Música, como recurso terapêutico, tem-se nela o poder de propiciar ao ser humano um encontro consigo mesmo, dialogando com a sua 'sombra' e com o seu Self; oferecendo uma oportunidade ímpar de torná-lo coautor de suas próprias ações, pois, ao expressar seus conteúdos inconscientes, o homem tem todas as possibilidades de tornar-se livre, reorganizando harmonicamente o seu mundo interno e externo.

 

Relato e análise de experiência clínica com recursos da música

Descobrindo a mim e o meu cliente através da música

Identificando meu cliente: Paulo (nome fictício), criança com dez anos de idade, cursa o terceiro ano do ensino fundamental em uma escola particular do subúrbio de SP e apresenta dificuldade no processo de aquisição da linguagem e comportamento extremamente intempestivo.

O garoto fora previamente avisado de que, nesta sessão, trabalharíamos com temas musicais e, portanto, ao chegar foi logo indagando onde estava a caixa de som. Abri o computador com as caixinhas de som instaladas e dei início à música em animação; 'A Casa' de Vinícius de Morais. Escolhi esta música por perceber que eu, quando estou necessitando de um reencontro comigo mesmo, procuro por músicas mais suaves que trazem letras reflexivas; a música, paulatinamente, invade os meus ouvidos e, como um passe de mágica, encontra o mais profundo do meu ser, ali se aninhando, trazendo grandes momentos de paz e refrigério ao meu espírito. Esperava que com a criança se desse o mesmo. Grande foi a minha surpresa quando a mesma simplesmente ignorou a música, desligando o computador. Tentei convidar os seus sentimentos, assim como em outras sessões, para experimentar o movimento da música enquanto recurso terapêutico. Sugeri-lhe que meditasse na letra da música e se deixasse levar pela melodia, mas nada foi capaz de mobilizar o sentimento que eu queria que aflorasse na criança; ao contrário, o meu diálogo abriu espaço para um desabafo:

Tio, eu sei o que você está falando, mas quem te disse que é este tipo de música que eu gosto. A música que me deixa calmo é aquela agitada: Funk, Rap, Rock... Você é igual meu pai, não me deixa ouvir as minhas músicas, só estas que não gosto.

A sessão terapêutica que tinha por finalidade mostrar o caminho da liberdade para a criança estava reforçando ainda mais a grade aprisionante ao seu redor, assim como os pais faziam em casa. Esse é o fator mais complicado para quem está ocupando o papel de mediador; se despir de sua visão preconceituosa, de ter a sutileza para se colocar no lugar do outro; saber que somos movidos por paixões e escolhas, porém, estas não podem ter influência em nosso trabalho.

Este fato em si, muito mobilizou as minhas reelaborações no nível da subjetividade: pedi para que o garoto falasse mais de seus gostos musicais, e o que sentia quando ouvia tais músicas. O resultado não poderia ter sido melhor; a criança se 'soltou' exteriorizando seus sentimentos mais profundos e suas fragilidades ficaram evidenciadas.

Se fôssemos enumerar, seriam muitos os ressentimentos do menino em relação ao convívio familiar, escolar e social; abrindo espaço para um precedente: até onde realmente ele é vítima de um sistema ou de si mesmo, se colocando na posição de "injustiçado"? Ou ainda, usa desse artifício para sensibilizar as pessoas a fim de tê-las a seu favor? Muitas eram as possibilidades; abrindo um campo de investigações, mas, uma coisa ficou claro, os recursos terapêuticos da música, não pelos caminhos que eu queria, mas por outro, foi capaz de começar a penetrar um pouco mais no mundo tão reservado dessa criança; explicitando também, as minhas deficiências e os aspectos em que necessito de autocorreção. A inter-relação entre cliente e o estagiário é um processo necessário no fazer psicopedagógico enquanto possibilidade para que o (futuro) psicopedagogo se aproprie paulatinamente dos recursos terapêuticos em todas as instâncias e vá percebendo que não há como trabalhar alguém sem antes trabalhar a si mesmo!

Outra experiência interessante, a qual não esquecerei tão cedo, aconteceu durante uma sessão em que fiz um atendimento em dupla, proposto pela supervisão do estágio. Pela própria característica do trabalho psicopedagógico, os atendimentos tendem a ser individuais por estar dialogando diretamente com as emoções do indivíduo envolvido no processo. Passado esse momento de acolhimento, é importante trabalhar a etapa seguinte, que caracteriza a inserção desse indivíduo em seu convívio social. Para tanto, é salutar que este atendimento personalizado possa ser constituído em grupo, momento este em que o terapeuta necessita estar atento ao comportamento desse indivíduo quando diante de seus pares, observando como ele vai estabelecer as suas relações em meio à presença do outro.

Especificamente para esta sessão, o garoto Geraldo (nome fictício) que estava sendo acompanhado por outra estagiária em psicopedagogia, passou a compor uma parceria com o meu cliente. Embora houvesse me preparado para uma sessão com música e arte, lembrando-me da recomendação da terapeuta de Geraldo, que informou que o garoto gostava de jogos lúdicos, achei oportuno iniciar a sessão com uma rodada de jogo - 'Jogo do Mico'. Momento acolhedor, propício para desenvolver uma integração entre eu, Geraldo e Paulo; também uma oportunidade para conhecer melhor o menino Geraldo; como ele e Paulo se comportariam estando um diante do outro e, principalmente, para me autoavaliar na condição de terapeuta, como eu conduziria aquela sessão?

Foram estipuladas as regras do jogo. A cada rodada o participante deveria retirar uma carta; contando com a sorte, na próxima rodada o mesmo participante deveria retirar outra carta semelhante para formar o par. Ganharia o jogo quem acumulasse o maior número de cartas semelhantes, mas com uma condição, o ganhador não poderia estar com a carta que continha a figura do mico.

De estilo bem diferente de Paulo, Geraldo se mostrou passivo e, quando instigado, dificilmente se oferecia para tomar iniciativa. Mobilizado por seu estilo, aparentemente - sentimento-introvertido - pouco falava, se expressando mais por intermédio de seu olhar perscrutador. Muito reflexivo, dividia sua atenção entre mim e Paulo, estudando o nosso semblante como que procurando sondar o pensamento alheio. Por outro lado, Paulo de temperamento impulsivo, se consumia de impaciência; a todo instante reclamava de que o colega ao invés de jogar ficava perdendo o seu tempo olhando-o, retardando a partida. Nesses momentos, Geraldo gesticulava com a cabeça em sinal de reprovação às queixas do companheiro.

Querendo instigar uma ação mais pontual por parte do garoto, eu o inquiria:

_ Geraldo, o que você tem a dizer da colocação de seu parceiro?

O menino apenas deu um 'sorriso amarelo' e completou:

- Ah!... Deixa de lado, ele é muito sem paciência.

Paulo ganhou o jogo, e de forma arrogante chamou a mim e a Geraldo de 'marrecos'. Novamente questionado sobre o que achou do jogo, Geraldo foi bem econômico nas palavras:

_ Legal, é só um jogo.

Ao término dessa atividade, resolvi mudar o curso da sessão, passando a trabalhar com a música. Expliquei para ambos o fascínio que a música exerce sobre nós, e como podemos tirar proveito dessa influência benéfica para, terapeuticamente, trabalhar as nossas questões emocionais. Paulo, enquanto meu cliente, já estava ciente de alguns conceitos que eu estava discutindo, portanto seguia disperso mexendo em alguns objetos que estavam sobre a mesa. Quanto a Geraldo, olhava atentamente para mim, ignorando a presença do amigo. Após essa apresentação da música, fui até o armário que estava no canto na sala e retirei alguns instrumentos musicais que eu havia trazido para esta sessão. Mostrando o timbre de cada instrumento, expliquei que, com exceção da flauta, considerada instrumento solo, o restante eram instrumentos de percussão, servindo para marcar a cadência da música.

 

 

Quando Paulo viu os instrumentos, ficou deslumbrado. Irrequieto, alheio a minha e a presença do amigo, batia vigorosamente as baquetas no repinique fazendo um enorme barulho. Fiquei observando, propositadamente, Paulo dar vazão a sua euforia enquanto Geraldo, visivelmente incomodado com a situação, olhava para o colega e depois para mim, como que cobrando uma atitude de minha parte. Percebi que Paulo, em seu frenesi, não se dava conta do incômodo que estava causando ao amigo. Foi quando eu resolvi intervir; em tom enérgico, mas sem deixar soar ameaçador, pedi para que Paulo parasse; ao mesmo tempo em que com uma das mãos segurava-lhe o braço para impedir que continuasse a ressoar o tambor. Ele parou; protestou rispidamente, alegando que eu não queria deixá-lo tocar. Afaguei-lhe os cabelos dizendo que em outro momento ele iria ter muitas oportunidades para mostrar o seu talento musical; retirando gentilmente o instrumento de sua mão pedi para que Paulo sentasse na cadeira que estava junto à mesa, ao mesmo tempo em que fazia o mesmo pedido para o menino Geraldo.

Ao perguntar para Geraldo se ele havia se identificado com algum daqueles instrumentos, ele respondeu que gostou da flauta e tinha vontade de tocá-la. Sabia tocar a música -'Parabéns pra você'. Fiz menção de levantar-me para ir buscar o instrumento, mas fui contido por ele que segurou a minha mão dizendo que deixasse para outra ocasião. Perguntei-lhe o porquê de não ter tocado quando teve a oportunidade, assim como o colega Paulo. Geraldo simplesmente comentou que já havia muito barulho naquele momento. Percebi na fala do menino Geraldo que, apesar de reprovar todas as atitudes do colega, evitava o confronto direto com Paulo, seu aparente desconforto era manifestado tão somente através de gestos e das palavras que sutilmente eram dirigidas ao outro.

Instintivamente, olhando para os dois garotos, perguntei-lhes se haviam percebido alguma diferença entre eles. Paulo nem esperou o término da frase e respondeu que o colega não gostava de falar e só gostava de música de criança. Observei a reprovação no olhar de Geraldo e indaguei-o com um:

_ E você?

Com um olhar distante, Geraldo resumiu as suas palavras na seguinte expressão:

- Ele é muito diferente de mim.

Quando solicitei um exemplo, ele apenas respondeu:

- Em tudo.

Novamente, olhando para os dois garotos expliquei para ambos que tudo na vida tinha o seu oposto, mas que se complementavam no final. Peguei exemplos básicos de sentimentos para demonstrar estes paradoxos: amor e ódio, tristeza e alegria, dor e prazer, choro e riso... Continuei argumentando que todos nós somos um pouco disso e um pouco daquilo e somente nos sentimos completos quando experimentamos estes extremos. Olhei bem nos olhos de Geraldo e disse:

- Olhe para o seu amigo Paulo, ele representa aquilo que te falta, você precisa de sua ousadia para fazer novos amigos; para ter coragem de dizer não quando algo te desagrada e de gritar diante da euforia ou da raiva; não ter vergonha de chorar diante da tristeza ou dar gargalhadas diante da alegria. Enfim, você precisa liberar a criança que há dentro de você; quando isso acontecer naturalmente você se sentirá mais confiante, abrindo um espaço para o seu desenvolvimento pessoal.

Da mesma forma olhei para Paulo e disse:

- Olhe bem para o rosto do colega que está ao seu lado, ele representa aquilo que falta em você: você necessita conter um pouco os seus ímpetos; precisa pensar mais antes de tomar as decisões; ser mais tolerante frente ao outro; ter paciência para ouvir o que as pessoas têm a dizer; aprender a admitir e enxergar os seus erros. Sem essas virtudes, o seu amadurecimento como pessoa, pode ficar comprometido.

Finalizando a sessão pedi para que os meninos selassem suas amizades com um aperto de mãos. Continuei falando que, em suas casas, cada um pensasse em todas as suas ações e nas ações do colega, desde o momento em que se iniciou a sessão até o seu término. Refletindo sempre, como se comportariam se lhes fosse concedida uma nova oportunidade de reviver a mesma sessão. Seriam capazes de mudar suas atitudes? Ambos respeitariam os sentimentos do colega? Enxergariam no outro a sua própria metade?

Essa forma de trabalho vivenciada nesta sessão foi apenas um caminho entre tantos outros, que quando bem escolhido, pode nos conduzir a um mundo de possibilidades, criando espaço para trabalhar o ser humano em sua adversidade; permitindo que através de intervenções pontuais o sujeito possa refletir sobre a sua práxis, oferecendo-lhe a oportunidade de se completar nas inter-relações com o seu semelhante. É bem verdade que se trata de sessões em que o terapeuta sente sua energia verdadeiramente sugada, por estar o tempo todo mediando os conflitos e atento à escuta; foi o meu caso, já em meu domicílio relatei toda a sessão para a minha supervisora de estágio. Era o meu emocional pedindo maternagem2...

 

Considerações finais

As experiências relatadas estavam centradas no estudo da música enquanto recurso terapêutico, a fim de se trabalhar as questões relacionadas às emoções e sentimentos que se integrariam ao desenvolvimento e estruturação da linguagem e do pensamento das crianças em foco. Reiterando que a descrição desses relatos se trata apenas de recortes, embora contextualizados, em que selecionei as experiências que julguei mais significativas e coerentes com a discussão em pauta e que se propôs na temática desse artigo.

Diante das dificuldades de aprendizagem vivenciadas pelo aprendente, devemos, enquanto mediadores, priorizar as metodologias de ensino ou o sujeito aprendente? Este foi o principal questionamento que orientou os procedimentos da pesquisa, as análises das respostas e as experiências de orientação psicopedagógica. As experiências e reflexões demonstraram o quanto a escuta do aprendiz levando em conta a subjetividade, seu processo criativo e as formas diferentes de mobilizar as construções do conhecimento são significativos para o desenvolvimento psíquico, cognitivo e ampliação de sua aprendizagem, e que a música foi um fator importante, de grande relevância para o autoconhecimento e elaboração cognitiva associada ao desenvolvimento da linguagem e pensamento do aprendiz.

As análises dos dados derivados desta experiência confirmam a importância da subjetividade, integrada à cognição e aos múltiplos recursos metodológicos e criativos que atendam a estas interações, afeto e cognição. Tendo em vista estas constatações, considera-se que os procedimentos metodológicos de diagnóstico e intervenção na aprendizagem, pensados e aplicados sem levar em conta o sujeito que sente e pensa com sua singularidade, em meio a diversidades do aprender, fatalmente tenderão a alimentar e proliferar as teorias pseudocientíficas, distanciando-se das experiências do sujeito que ensina e aprende. Embora se observe a existência de diferentes pesquisas teórico-práticas psicopedagógicas que elucidam a importância da subjetividade e criatividade na construção do conhecimento e aprendizagem, ainda presencia-se esse impasse, hoje, na maioria das instituições escolares. Os programas apresentam um plano de ensino e aprendizagem muito bem elaborado, mas que não surtem o efeito desejado por se encontrarem distantes da realidade do sujeito que aprende e que ensina, tendo em vista as diferenças de estilos e os múltiplos recursos, principalmente artísticos e criativos.

Dessa forma, faz-se necessário que, primeiramente, identifiquemos e contextualizemos que tipo de sujeito é esse que não consegue ser alcançado por essas metodologias, verificando em que circunstâncias ele se difere de seus pares. Ao focalizar a pergunta que fiz para este trabalho, sobre qual o poder e valor do trabalho criativo e das mediações da arte e em especial da Música para o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças, bem mais que responder a esta pergunta, unindo teoria à práxis, apresento sugestões sobre como a Música, quando bem trabalhada, pode se constituir como ferramenta de grande valor como sensibilizadora e desencadeadora das expressões criativas e construções de conhecimento. Ela tem o poder de resgatar o sujeito na sua complexidade e subjetividade, levando-o a dialogar melhor com o seu mundo interior e com a realidade que o cerca, deixando-o mais preparado para lidar com o conhecimento formal apresentado pelas instituições acadêmicas, bem como outros conhecimentos construídos no próprio ato de viver, nas diferentes situações experienciais.

Pelas observações vividas, pela análise das respostas e atividades das crianças, constatou-se o quanto é significativo ampliar a consciência e aceitar os aprendizes em relação ao seu estilo cognitivo-afetivo, ou seja, sua forma singular de aprender, reconhecendo suas capacidades, bem como suas limitações frente aos desafios de aprendizagem.

Em síntese, para efetivar conquistas em relação ao comportamento e pensamento dos aprendizes, foi de fundamental importância avaliar e lidar com as diferentes formas de aprender, analisadas a partir da cognição e também do aspecto afetivo e enriquecer a aprendizagem mediada pelos recursos musicais, sem deixar de lado o enfoque na subjetividade, voltado para o autoconhecimento em que entram em jogo aspectos da cognição e das emoções desenvolvidas. Os recursos artísticos (destaque para a música) foram fundamentais, mas requeriam também as trocas de percepções e experiências do terapeuta/estagiário e dos aprendizes, possibilitadas e ampliadas pelo diálogo verbal interpessoal - aprendizes e terapeuta - mantendo uma relação constante de respeito, escuta e apoio mútuo frente aos desafios do aprender.

 

Referências

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1 Pesquisa orientada pela Dra Eloisa Quadros Fagali, PUC-SP.
2 Para Donald Winnicott, (pediatra e psiquiatra) maternagem é a forma afetuosa de uma mãe cuidar de seu bebê a fim de assegurar-lhe o conforto e a proteção; dispensando um conjunto de cuidados, atenção necessária e suporte emocional visando o bom desenvolvimento neuropsicomotor da criança.