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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.21 no.22 São Paulo  2013

 

Escuta dos aprendizes por meio dos desenhos

 

The apprentices'claim trough the draws

 

 

Georgia Vassimon

Instituto Sedes Sapientiae. Mestranda PPGE Metodista / Diretora do Instituto Sedes Sapientiae e Coord. Psicopedagogia. contato: geovas@terra.com.br

 

 


RESUMO

Este artigo traz a descrição de uma das experiências que o GETEP1 realizou no trabalho de intervenção e acompanhamento das escolas públicas, em parceria com organizações não governamentais. O material aqui relatado é parte do diagnóstico institucional realizado e teve como objetivo colher a visão que o aluno tem da escola, considerando-o como autor fundamental do viver dentro desse espaço.

Palavras Chaves: Desenho, Escola pública, Psicopedagogia.


ABSTRACT

This article describes one of the experiences that GETEP did trough an intervention work and monitoring of public schools, in partnership with a non governamental organization. These data is part of the institutional diagnosis reported held and aimed to take the student's opinion of the school as author of living within that space.

Keywords: Draws, public schools, Psychopedagogy


 

 

Introdução

"Antes eu desenhava como Rafael, mas precisei de toda uma existência para aprender a desenhar como as crianças." Picasso

Para que possamos, efetivamente, pensar em ações na escola, e para a escola, é fundamental transformar a criança e o adolescente em agentes da realidade, investindo-os da importância que lhes cabe no processo do ensino e da aprendizagem.

O presente estudo diz respeito à análise de desenhos de alunos representando a própria escola. As imagens foram o ponto de partida de nossa reflexão, uma vez que presentificam as sensações e as emoções vividas "no aqui e no agora" da escola. Esses símbolos, carregados da cultura e dos valores de um momento, sejam eles estereotipados ou criativos, expressam o cotidiano de um grupo. No trabalho desenvolvido na escola, a ideia central foi a de ouvir e dar voz a todos, indistintamente, priorizando os alunos, porém sem deixar de lado todos os profissionais envolvidos na instituição.

Antes de apresentarmos a descrição de nossas atividades, reflexões e desdobramentos, é importante colocar em destaque o valor da educação e em especial da educação pública, além da importância da psicopedagogia e do uso da arte como metodologia de trabalho. A seleção de teóricos que valorizam o desenho como recurso de pesquisa, foi necessária para que possamos ouvir a voz das crianças e adolescentes e ampliar a conversa, nesta publicação.

Mèredieu (2006, 1) afirma que: "o interesse pelo desenho infantil data dos fins do século passado. A princípio relacionados com os primeiros trabalhos da psicologia experimental, os estudos sobre o desenho diversificaram rapidamente, e disciplinas tão diferentes como a psicologia, a pedagogia, a sociologia e a estética beneficiaram-se com essa contribuição." Todos esses estudos nas diferentes áreas colocam foco num dos muitos meios da expressão infantil e adolescente. O olhar sobre a criança e o jovem foi se ampliando e com ele o modo como encaramos a sua produção. Cada vez mais observamos que suas obras estão interligadas e são representativas da cultura humana.

O desenho infantil e adolescente está ligado a tudo que é oferecido como material cultural e às experiências da vida cotidiana. Como consequência dessa interdependência, percebemos alguns desenhos elaborados e criativos, outros mais estereotipados. Uma vez que estamos embebidos em tudo que vemos e vivemos, é difícil concordar com a afirmação de pesquisadores que enxergam, no desenho infantil, apenas uma expressão espontânea e originária.

Como observar as vivencias Infantis, tão complexas, procurando captar não as representações e reconstruções científicas dos adultos sobre aquelas, mas o "olhar" das próprias crianças? (DEMARTINI, 2011, 11)

O desenho nos ajuda a mostrar como a criança e o adolescente veem o espaço escolar, que cores tem, que sensações trazem e quais os sentimentos que estão envolvidos, pelo menos no instante do desenho, no aqui e no agora da fotografia desenhada.

" (...) grande parcela das crianças carrega em suas experiências de vida as vivências em diferentes espaços, isto é, em diferentes realidades socioeconômicas e culturais." (DEMARTINI, 2011, 12)

Os alunos trazem a história vivida nos anos de escolarização, que se atualiza no momento da elaboração do desenho, descrevendo o seu fazer cotidiano, representando a escola e as relações que estabelecem nesse espaço. Atualizam o cotidiano, as suas experiências escolares e individuais e grifam o que permanece ou que transforma; o que renova ou o que muda de cor.

"A pertinente expressão de Heloisa Fernandes 'sociedade escolarizada' retém a relevância da escola quando afirma estar essa instituição no centro das referências identificatórias do mundo moderno, independente de nossa adesão ou crítica (1994)." (SPOSITO, 2007, 21)
"Os desenhos são também expressões confluentes de múltiplos códigos culturais, por vezes mesmo contraditórios, que exprimem na sua plasticidade distintos níveis e âmbitos de socialização das crianças: a socialização familiar, as culturas locais, as culturas nacionais, a cultura escolar e as culturas globais aportadas pela mídia e a indústria cultural." (SARMENTO, 2011, 53)

Pensar a escola a partir dos desenhos realizados pelos alunos foi a nossa intenção e, para tanto, demos a mesma instrução para todas as classes envolvidas no processo: "Desenhem a escola!". Os professores ajudaram-nos a selecionar os grupos de forma a fornecer uma amostra de trabalhos heterogênea, pré-requisito fundamental para uma visão realista do universo escolar, em que o trabalho se desenrolou.

 

Metodologia : procedimentos e critérios

Este trabalho foi realizado a partir de uma pesquisa de natureza qualitativa tendo por base a análise dos desenhos e comentários escritos pelos alunos de treze turmas do ensino fundamental II.

A heterogeneidade da amostra foi conseguida pela escolha de classes que, segundo o julgamento dos professores representavam a diversidade do universo escolar. Foram selecionadas turmas tendo como critério o aproveitamento e o comportamento dos alunos em suas aulas. As turmas "melhores" e "mais comportadas", as "mais bagunceiras", as compostas por "alunos retidos" etc.

Em cada turma constituíram-se grupos de cinco alunos que receberam uma folha A3 e foram instruídos a fazer um desenho sobre a escola na parte da frente. No verso da folha, registraram em três colunas o que gostariam de:

a. manter na escola;

b. tirar deste contexto escolar;

c. mudar na escola.

 

Análises das informações levantadas

Desenhar a escola é uma das formas de expressão da experiência, da visão e das crenças que se desenvolvem nos alunos durante os anos vividos nesse espaço. Os traços, as escolhas dos elementos e o que é representado como figura central do desenho denotam os valores que permeiam a vida da criança e do adolescente. Por meio dessas configurações reconhecemos, na produção pictórica, suas escolhas e suas representações sociais.

As ilustrações produzidas pelos grupos são resultado de muitas negociações e concessões. Como diz MARTINS, utilizando-se dos desenhos das crianças, compreendidos como produções simbólicas, podemos classificá-lo como artefatos culturais da geração infantil, sendo produzidos em condições culturais e sociais concretas e de vida das crianças e dos adolescentes.

 

 

O Mosaico acima traz uma seleção de desenhos que representam situações e cenas mais frequentes na amostra examinada.

Na presente pesquisa, o conjunto dos desenhos elaborados revelou que os alunos possuem uma visão positiva da escola, como um lugar de aprendizagem, onde grande importância é atribuída ao ensino. Alguns representavam as salas de aula, a lousa, escola em destaque na imagem, a escola como símbolo do conhecimento e da possibilidade de um futuro promissor. Outros traziam caraterísticas ligadas ao lazer e ao esporte e ao acesso a espaços para atividades complementares.

Os desenhos foram o "aquecimento" para uma reflexão mais ampliada e detalhada sobre as necessidades e desejos dos alunos no que diz respeito ao aprimoramento da escola. A etapa seguinte de elaboração dos registros no verso do desenho favoreceu o aprofundamento dessa reflexão, indicando, por meio da frequência em que apareceram, os pontos realmente relevantes e prioritários para uma ação futura que levasse em conta a visão dos alunos.

Os gráficos a seguir mostram a síntese da análise realizada.

 

 

 

 

 

 

Chama atenção o fato de que os fatores relacionados ao ensino aparecem com maior destaque, evidenciando que os alunos de maneira geral tem consciência da função da escola e da infraestrutura necessária para garantir o adequado processo de ensino aprendizagem.

Ao analisar os registros, constatamos que TIRAR foi interpretado por diversos grupos como MODIFICAR, caso dos móveis e objetos em mau estado, sujo desejo seria de substituí-los.

Vários dos itens elencados foram recorrentes nas 3 colunas, tais como bons professores, informática, educação física, o que revela a sua grande importância no contexto escolar. Apareceram também em destaque os itens relacionados à melhoria da infraestrutura.

As necessidades e percepções dos alunos, verificadas nos desenhos a nas listas que esses originaram, deram importantes subsídios para o nosso diálogo com os professores e gestores, buscando tanto rever alguns procedimentos e condutas, como construir novos projetos pedagógicos.

 

Considerações Finais

MURPHY, enfatiza na apostila de formação do PYE (Partners for Youth Empowerment,) aspectos positivos da arte, que, acreditamos, se aplicam particularmente ao desenho:

Estimula a criatividade e a inovação;

É um veiculo para explorar sentimentos e ideias;

Ajuda a desenvolver a intuição e a coesão do grupo;

Une pessoas de diversas culturas e camadas socioeconômicas;

Estimula os diversos estilos de aprendizado dos participantes;

Abre espaço para a brincadeira, alegria e divertimento;

Desenvolve a coragem;

cultiva a autoconfiança e vitalidade.

Usar desenhos como metodologia para recolher as muitas visões, foi um instrumento valioso e que demonstra o quanto a arte, como forma de expressão, favorece a ampliação da criatividade e da espontaneidade na ação das pessoas.

Todo esse trabalho beneficiou tanto a nossa escuta, quanto a escuta da escola sobre o que os alunos sentiam e pensavam, resultando na criação de três projetos de trabalho, elaborados e executados com a ajuda de aprendizes e professores.

O primeiro projeto envolveu o planejamento da reforma do banheiro e a conscientização do uso adequado desse espaço. Buscou-se melhorar as suas instalações, selecionando necessidades e prioridades, tais como conserto de material danificado, colocação de espelho, pintura de ladrilhos, entre outros procedimentos. O trabalho de conscientização foi realizado por meio de cartazes.

O segundo projeto contemplou a ampliação do repertório musical dos alunos. Nessa escola a musica é utilizada como sinal na mudança das aulas e no horário do recreio. Foi realizada uma pesquisa que resultou na diversificação dos gêneros musicais tocados. A cada semana eram ouvidas canções selecionadas, pertencentes a um dos gêneros escolhidos.

O terceiro projeto gerou uma olimpíada de esportes, denominada de Semana dos Esportes, que passou a ser realizada anualmente com o objetivo de intensificar o uso da quadra poliesportiva.

A conclusão dos projetos e a ampla participação de professores e alunos na sua realização demonstrou ter sido acertada a escolha do uso dos desenhos como o ponto de partida para uma intervenção transformadora na escola. Esse caminho também favoreceu nossa interlocução com a gestão e as ações subsequentes desenvolvidas no âmbito da parceria da qual participamos por alguns anos ao lado de uma organização não governamental e algumas escolas públicas da zona sul de São Paulo.

 

Referências

MÈREDIEU, Florence de. O desenho infantil. São Paulo: Cultrix, 2006.         [ Links ]

MARTINS FILHO, Altino José e PRADO, Patricia. (orgs.) Das pesquisas com criança à complexidade da infância, Campinas: Autores Associados, 2011.         [ Links ]

SPOSITO, Marilia Pontes. Uma perspectiva não escolar no estudo sociológico da escola, Revista USP, n. 57. 2007, p. 210-227.         [ Links ]

FARIA, Ana Lúcia G.; DEMARTINI Zeila B. F. et al. (orgs.) Por uma cultura da infância: metodologias de pesquisa com crianças, Campinas: Autores Associados, 2002.         [ Links ]

 

 

1 GETEP – Grupo de Estudos e Trabalhos Psicodramáticos