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Construção psicopedagógica

Print version ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.22 no.23 São Paulo  2014

 

RESENHA

 

Educação para tempos complexos

 

 

Alcione Marquesa

 

 

RESENHA DO LIVRO

SUANNO, João Henrique (Org.); MORAES, Maria Cândida (Org.). O pensar complexo na Educação: sustentabilidade, transdisciplinaridade e criatividade. 1ª. ed. São Paulo: WAK Editora, 2014. v. Único. 230 p.

Nos meios em que se pensa e discute a educação, é consenso de que há uma crise e de que são necessárias mudanças. Mas o que deve permanecer, ser mudado ou, ainda, inventado para uma educação em tempos tão complexos?

Paira uma inquietação entre os profissionais da educação. Há a percepção de que, na escola, os professores estão doentes, as famílias ansiosas e os alunos infelizes.

O estado procura criar modos de promover a melhora da qualidade do ensino na escola pública brasileira e perde-se em processos avaliativos que desconsideram variáveis numerosas e complexas, tentando encontrar referências e constantes que direcionem suas ações.

Neste contexto, os alunos, muitos deles advindos de famílias onde não há a cultura escolar, não se reconhecem no espaço da escola e no conhecimento que se pretende ensinar ali, permanecendo com frequência alienados nos celulares, no absenteísmo ou nas ações de depredação que, de algum modo, possibilitam deixar sua marca num espaço estrangeiro.

No âmbito privado, buscam-se propostas pedagógicas as mais diversas, sob a lógica mercantilista e sob a pressão das demandas por preparar o aluno para conquistar as universidades de destaque e instrumentaliza-lo para o mundo globalizado, inserindo-se a própria escola numa corrida competitiva, perdendo-se na tentativa de conciliar interesses irreconciliáveis.

Um novo pensamento e uma nova atitude em educação é o que propõem os pensadores Maria Cândida Moraes e João Henrique Suanno, organizadores do livro O pensar complexo na educação: sustentabilidade, transdisciplinaridade e criatividade (Wak Editora, 2014, 230 páginas).

Os organizadores tem longo currículo na área educacional. Maria Cândida Moraes é doutora em educação pela PUC-SP, autora de vários livros, entre eles "O paradigma educacional emergente" e "Educar na biologia do amor e da solidariedade". João Henrique Suanno, doutor em educação pela Universidade Católica de Brasília, é palestrante e conferencista. Ambos fazem parte do ECOTRANSD/CNPq, grupo de pesquisa que trabalha a transdisciplinaridade na educação buscando uma prática pedagógica diferenciada.

Numa coletânea de artigos de vários profissionais da área e também dos próprios organizadores, fazem uma reflexão sobre a educação sob a perspectiva do pensamento complexo de Edgar Morin, numa proposta desafiadora de se desconstruir certezas e pragmatismos, linearidades e generalizações que consideram incompatíveis com a complexidade que se impõe nos tempos atuais.

Edgar Morin, pensador francês considerado um dos maiores da contemporaneidade, é um dos principais teóricos do pensamento complexo. Para ele, os estudos que contemplam a complexidade são necessários para melhor se compreender a realidade, uma realidade que se apresenta em multiníveis e multidimensões, cujas causas e efeitos são circulares e se retroalimentam, onde as partes e o todo se influenciam mutuamente num permanente vir a ser. Assim, o pensamento complexo é aberto às aleatoriedades e às incertezas de um mundo mutante: sujeito, sociedade e natureza estão profundamente integrados, alteram-se e modificam-se continuamente. Não diz respeito somente à ciência, mas também a outras áreas da cultura humana; não considera apenas o aspecto cognitivo, mas o homem integrado em suas dimensões mental, emocional, corporal e espiritual.

Os autores ainda apoiam sua nova perspectiva teórica nas ideias de transdisciplinaridade de Basarab Nicolescu e na teoria autopoiética de Humberto Maturana para conceber uma educação que se permita construir na ação e reflexão permanentes dos sujeitos que dela fazem parte, buscando integrar saberes, autorregulando e autoproduzindo suas ações e conhecimentos. Uma educação que contemple o indivíduo, a sociedade e a natureza e que pense o local e o global.

Propõem o desafio de se romper na educação com a lógica binária herdada do racionalismo cartesiano, da linearidade de causa e efeito, de certezas absolutas e permanentes e de verdades generalizáveis, ainda presentes na educação de modo geral. Optam pela lógica do pensamento complexo, da incerteza, das verdades temporárias e impermanentes, de uma realidade que inclui o sujeito - o terceiro - que com seu contexto e significados constrói e é construído pelo conhecimento, em congruência com o pensamento de Paulo Freire de que a educação é uma ação interativa e recíproca, onde as pessoas se educam na relação com os outros e com o ambiente.

Os autores consideram o pensamento complexo na educação como um novo modo de pensar e uma nova atitude frente a educação, não pretendendo propor métodos ou modos de fazer. São princípios que assumem a abertura e a flexibilidade compatíveis com as singularidades dos contextos e sujeitos, num desafio ao modo de pensar pragmático e prescritivo.

Como afirmam os autores, apresenta-se a importante tarefa de se continuar buscando uma educação que verdadeiramente possa formar, a partir de princípios éticos, sujeitos autônomos e responsáveis, que se percebam parte da tessitura de um sistema que influenciam e que por ele são influenciados. E nesta busca, será necessária coragem para questionar pilares da educação vigente, como os conhecimentos que fazem sentido serem ensinados, de que modo avalia-los e como, a partir desta construção, gerar ações que de fato beneficiem o indivíduo, a sociedade e a natureza.

Cabe destacar no livro o artigo de Maria Dolores Fortes Alves intitulado Psicopedagogia, transdisciplinaridade: a sabedoria da diversidade que discute a Psicopedagogia sob a concepção do pensamento complexo, ecossistêmico e transdisciplinar, que lidando com a aprendizagem em seus múltiplos aspectos atua no enriquecimento e integração do sujeito aprendente na busca de sua autoria de pensamento, como afirmou Alícia Fernández citada pela autora, permitindo que construa seu conhecimento, se reconheça como protagonista de sua produção e nela encontre sentido.

 

 

a Alcione Marques é pedagoga e psicopedagoga clínica e escolar formada pelo Instituto Sedes Sapientiae, membro do Projeto Cuca Legal de promoção em Saúde Mental e Educação Socioemocional - UNIFESP e do Projeto PREVISTA de prevenção psicopedagógica.