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Construção psicopedagógica

Print version ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.23 no.24 São Paulo  2015

 

Editorial

 

 

A Revista Construção Psicopedagógica busca contemplar os leitores com um conteúdo atual e sob múltiplos olhares. Este volume traz dois grandes temas que se inter-relacionam em diversos artigos: os diferentes aspectos da aprendizagem, de seus estilos que se refletem na constituição do sujeito, seja ele deficiente mental, rotulado pela escola ou superprotegido pelos pais e a mediação do professor na construção da autoria, quer pela conscientização de si mesmo, quer pelas narrativas, quer pelas práticas de leituras literárias.

O enfoque dos autores favorece um exercício de reflexão dinâmico, ora mantendo um olhar amplo sobre as dificuldades de aprendizagem, em contexto escolar e clínico, ora trazendo reflexões numa linha sócio-histórica sobre a constituição do sujeito leitor e escritor.

O primeiro artigo "Dificultades de aprendizaje y Psicopedagogía: una perspectiva estilística", escrito por Ana Clara Ventura, do Instituto Rosário de Investigaciones en Ciencias de la Educación (CONICET/UNR), Argentina, reflete sobre os diversos estilos de aprendizagem, os possíveis métodos de avaliação dos estilos, a introdução da Psicopedagogia Clínica e a Orientação Educacional como áreas de pesquisa desses estilos, nos âmbitos formais de ensino-aprendizagem:

Existen diferencias en los individuos no necesariamente notorias que influyen directamente en el desarrollo del sujeto, en sus mecánicas de interacción social y, por supuesto, en sus procesos de enseñanza y de aprendizaje. Estas diferencias individuales hacen referencia a la variedad de las características de los diversos sujetos que conforman un grupo susceptibles de ser clasificadas en categorías. Estas diferencias hacen posible la concepción de lo que se denomina estilo y su indagación através de diferentes métodos de evaluación (instrumentos de autoinforme, observaciones, entrevistas, pruebas sobre una habilidad concreta y análisis de productos).

O artigo "Inclusão de alunos deficientes mentais em escolas regulares: sentidos produzidos por professoras de escolas regulares e especiais" produzido por Irene Vicente de Arruda e Marisa Irene Siqueira Castanho, do Centro Universitário - UNIFIEO, a partir de uma pesquisa realizada em duas escolas, uma de Ensino Fundamental e uma de Educação Especial, ambas localizadas na Grande São Paulo, discute os processos subjetivos da pessoa com deficiência mental, ressaltando o caráter único e singular da produção de sentidos subjetivos desse sujeito, em que estão implicados o aspecto individual e o social como sistemas que se articulam mutuamente. As autoras consideram que o sentido subjetivo é uma produção singular da pessoa que está constituída pelos diferentes momentos da vida, no contexto cultural e no momento atual de sua história, mesmo na deficiência mental.

( ) ... destaca-se que o aluno com necessidades educacionais especiais deveria ter a chance de acompanhamento e/ou desenvolvimento pedagógico em atendimento a suas necessidades e em decorrência de não corresponder ao que dele se esperava, permaneceu isolado e invisível, quando o que realmente precisava era ser visto como um sujeito singular e que lhe fosse permitido ser o autor de sua própria história.

O artigo "A parentalidade excessiva e as implicações na aprendizagem" escrito por Alcione Moreira Marques reflete sobre a parentalidade excessiva (overparenting) que tem se apresentado como uma tendência em algumas sociedades ocidentais, caracterizando-se pelo pouco estímulo dos pais para o desenvolvimento da autonomia da criança, grande interferência em âmbitos em que se espera que ela possa atuar por si, dificuldades em deixar que o filho lide com frustrações e as excessivas atividades extraescolares para o desenvolvimento de capacidades. Como consequência desta atuação há vários prejuízos ao processo de aprendizagem da criança, comprometendo a construção da autoria de pensamento e a constituição de um sujeito autônomo que possa atuar sobre o mundo:

O excessivo cuidado e a interferência dos pais podem comprometer diretamente o desenvolvimento emocional e cognitivo, que poderá se traduzir em problemas de aprendizagem no futuro. Esta atuação dos pais diminui a possibilidade da criança de atuar sobre o mundo e entender como ele funciona a partir das tentativas, erros e acertos, empobrecendo estruturas mentais e emocionais que se constroem na primeira infância, principalmente com a experiência.

Além disso, a autonomia neste conhecimento do mundo se construirá gradualmente na medida em que a criança perceber que pode sobreviver a partir de seus próprios recursos e capacidades, conquistando autoconfiança para explorar e para correr riscos. Poderá conhecer-se e reconhecer-se como sujeito, refletindo e atuando sobre sua realidade para transformá-la.

Elisa Maria Pitombo e Maria Christina de Magalhães Silvestre, professoras do Curso de Psicopedagogia do Instituto Sedes Sapientiae, fizeram uma pesquisa documental na Clinica do Instituto que resultou no artigo "Encaminhamento e queixa da clientela da clínica do Instituto Sedes Sapientiae para a área da psicopedagogia", ressaltando que as crianças encaminhadas para a clínica pertencem à escola pública e que a queixa inicial se diferencia conforme o ano da chegada à clinica. As principais razões de encaminhamento não diferem de outras pesquisas já realizadas, apontando para problemas de aprendizagem, problema de atenção/concentração, hiperatividade/agitação, dificuldade em leitura, escrita e cálculo, aprovação, não estudar sozinho/não fazer sozinho as tarefas, dificuldades na alfabetização e baixo rendimento escolar/nota baixa:

( ) ...não se observa nos últimos 20 anos, mudança significativa na tendência de se culpabilizar a criança e sua família pelos problemas de aprendizagem. A persistência dos problemas de aprendizagem na alfabetização, no desenvolvimento da escrita e da leitura compreensiva aponta para a necessidade de se desenvolver ações preventivas como forma de enfrentamento do problema.

Anna Helena Altenfelder, superintendente do CENPEC, reflete sobre as relações entre ensino e aprendizagem dentro da perspectiva sócio histórica de Vigotski e seus seguidores, enfatizando a categoria mediação em um sentido mais amplo, detendo-se nas características específicas da mediação docente. A autora considera como esta mediação se caracteriza e se concretiza na atividade do professor, considerando seus aspectos cognitivos, culturais, políticos e afetivos. Seu artigo "Aspectos constitutivos da mediação docente e seus efeitos no processo de aprendizagem e desenvolvimento" destaca o papel mediador que o professor tem, ao organizar a relação do aluno com os objetos de conhecimento, dando concretude, viabilizando e garantindo o processo de aprendizagem:

É importante observar que não estamos falando de qualquer aprendizagem, mas de um processo que permita que o indivíduo possa se desenvolver plenamente, ou seja, dispor de condições de satisfazer suas necessidades e aspirações e ao mesmo tempo ser comprometido e ter condições de contribuir para o bem comum - em resumo, ser dono da sua própria história.

O artigo "Narrativas biográficas: a formação docente do ponto de vista do aprendente" produzido por Carla Juliana Galvão Alves, Geiva Carolina Calsa e Luciléia de Souza Moreli, problematiza as questões relativas aos processos de formação e de construção da identidade docente e ao papel que as experiências vividas em suas trajetórias pessoais e profissionais desempenham neste contexto. Partem do pressuposto de que a formação docente é indissociável da elaboração de sua identidade, e que ambas se dão em processos contínuos e permanentes. Reforçam um aspecto muito relevante ao destacar que a identidade, socialmente construída, vai sendo elaborada através de uma série de relações que o sujeito estabelece com os outros e com o entorno:

Portanto, as identidades não são inatas nem permanentes, mas incompletas, e em permanente processo de elaboração, sendo construídas por meio das biografias que tecemos ao longo da vida e carregando consigo os traços das nossas culturas, tradições e histórias particulares.

Da mesma forma, a identidade docente está constantemente em elaboração e transformação, através das relações do sujeito com o meio e consigo mesmo. É um permanente construir e reconstruir de saberes que envolvem a docência e que estão intrinsecamente relacionados aos interesses pessoais, às exigências que lhes são postas ao longo de sua trajetória, às experiências coletivas, às relações de poder, à própria prática.

Georgia Vassimon, docente do Instituto Sedes Sapientiae, nos traz um artigo muito instigante, resultado de sua pesquisa para o mestrado, "Mashalim ou a arte de narrar - a educação a prudentia".

Nele, a autora usa a palavra hebraica mashalim, para se referir a distintos vocábulos: provérbios, parábolas, comparações, metáforas, histórias, piadas, analogias, símile, modelo, lição, etc. usados nas narrativas como uma forma de mediação da formação de professores.

Utiliza também o tema da prudentia. De Aristóteles a Tomás de Aquino (1225-1274), a prudentia, classicamente, é a capacidade de tomar decisões no sentido da auto realização e tem sido considerada de extrema importância para a ética:

Vivemos sentindo e refletindo a partir das nossas ilusões e percepções, por isso os mashalim nos ajudam muito a perceber o que está escondido da nossa cultura, nas palavras escritas em várias épocas, que se desvelam a cada leitura, nos instigando a ir além. Favorecem o esclarecimento da situação, sem o uso de muita explicação, sem precisar de tanto discurso.

Poder observar o coletivo através das histórias, nos desperta para as muitas visões e sentimentos do mundo e nos favorece a perceber os nossos sentimentos e ações. Ouvir histórias possibilita melhores escolhas de formas de agir e de se posicionar diante dos outros.

E para fecharmos o presente volume, Lucia Conde traz o artigo "A escolarização da leitura literária" em que relata uma experiência de mediação em leitura utilizando a literatura como prática social para o letramento, ou seja, a leitura literária como uma prática na escolarização:

Esse tipo de proposta promove a circulação, no social, das diferentes visões e vozes a respeito das impressões pessoais dos alunos, bem como suas opiniões, emoções e reflexões sobre o que pensaram durante a leitura. Dessa forma, foi possível a materialização do diálogo interno, tecido com o autor, por meio da mediação do gênero literário. É importante ressaltar ainda que a prática constante da leitura literária possibilitou uma evolução significativa na linguagem escrita desses sujeitos e o resgate pelo prazer da leitura.

Desta forma, a Revista Construção Psicopedagógica convida você leitor para refletir sobre as diferentes possibilidades do trabalho psicopedagógico, bem como a sua interface com outros campos: educação, linguagem, psicologia, sociologia, entre outras. Além da sua companhia, esperamos também a sua contribuição para a próxima revista. Ela é muito importante para nós!

 

Marlene Coelho Alexandroff

Editora Científica

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