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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.24 no.25 São Paulo  2016

 

Nivelamento de habilidades de leitura e escrita: um fazer pedagógico nas escolas públicas de ensino integral frente ao fracasso escolar

 

Leveling skills of reading and writing: a teaching in the public schools of integral education outside the school failure

 

 

Vera Márcia Martens1

Instituto TCP

 

 


RESUMO

É muito frequente a queixa de professores a respeito da defasagem de habilidades básicas das competências leitora e escritora, que muitos alunos trazem consigo, desde os anos iniciais do Ensino Fundamental até o Ensino Superior. Essa defasagem pode ter diferentes causas e graves consequências, como levar ao fracasso escolar e problemas de aprendizagem, além de abalar a autoestima e o projeto de vida de uma pessoa. O presente artigo pretendeu discutir a dimensão pedagógica do fracasso escolar e refletir sobre como o Processo de Nivelamento desenvolvido em doze escolas públicas de São Paulo, que fazem parte do PEI (Programa Ensino Integral) pode ser considerado não apenas uma ação emergencial para combatê-lo, mas também uma ótima oportunidade para a escola se rever enquanto espaço de fato comprometido com a aprendizagem de todos os seus alunos.

Palavras-chave: Fracasso escolar, Defasagem de habilidades básicas em leitura e escrita, Nivelamento, Ensino - Aprendizagem


ABSTRACT

Teachers complains are very frequent about the lack of proficiency in basic skills of reading and writing that many students bring with them from the early years of elementary education, to higher education. This lack of proficiency has different causes and may lead to academic failure and learning disabilities. It can also destroy a person's self-esteem and life goals. This article set out to discuss the pedagogic dimension of academic failure and how the Leveling Process of basic skills in reading and writing can be considered not only an emergency action inside the school to fight academic failure, but also a great opportunity for this same school to review itself as a place in fact dedicated to help all of its students to learn.

Keywords: Academic failure, Teaching - learning, Lack of proficiency in basic skills of reading and writing, Leveling Process


 

 

"São Paulo alcançou o melhor índice da história na educação pública estadual". É o que demonstram os resultados do Idesp (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo) e do Saresp (Sistema de Avaliação e Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) relativos ao ano de 2015, divulgados pela Secretaria da Educação. No entanto, ainda há muito a melhorar, pois é recorrente a queixa dos professores do Ensino Fundamental II, Ensino Médio e até mesmo do Nível Superior quanto `a defasagem de habilidades básicas das competências leitora e escritora, que muitos alunos trazem consigo desde os anos iniciais do Ensino Fundamental e que sérias consequências causam em seu desempenho, ao longo de sua jornada educacional.

Os alunos não são os únicos prejudicados: relatos e questionamentos de professores que atuam no dia a dia, em sala de aula, com esses alunos remetem a dilemas de uma realidade cruel que essa defasagem de habilidades básicas de leitura e escrita impõe para quem precisa ensinar dentro de uma grade de aulas apertada seguindo planejamentos engessados e, não raramente, sem saber como combater esse problema:

*" Para ser aprovado, aluno deve ser capaz de escrever um artigo de opinião na prova, mas ele nem sabe inferir o tema ou assunto principal de um texto, quando que ele lê... Como vou voltar para desenvolver essa habilidade básica sem ter tempo para isso?"

* "Tenho que parar tudo e voltar 'lá trás' com uma turma de 9oano porque os alunos não usam sinais de pontuação quando escrevem? E o planejamento, como fica?"

*" Isso já deveria ter sido feito há anos atrás! "

*"Os alunos já deveriam conseguir reconhecer a ironia contida em uma charge, afinal estão no Ensino Médio!!"

* " Se os alunos não sabem nem localizar uma informação explícita no texto, como vão inferir informações implícitas?"

* "Como e quando eu vou fazer esse trabalho de combate `a defasagem que os alunos trazem de anos anteriores e que atualmente impedem ou atrapalham e muito que eles avancem, durante o processo de aprendizagem daquilo que eu preciso ensinar?" 2

Intervenções pedagógicas coerentes e eficazes no sentido de combater esse quadro de defasagem de habilidades básicas de leitura e de escrita, ainda no Ensino Fundamental, tanto em escolas públicas como privadas, são raras e ineficientes. "Aulas de Reforço" e "Recuperação Paralela" são implementadas, porém na maioria das vezes são ministradas por professores menos experientes, no contra turno e acabam se tornando aulas de "fazer listas de exercícios para nota"; exercícios estes que apenas reforçam o conteúdo que está sendo trabalhado em sala de aula e não recuperam as habilidades essenciais e básicas que esse aluno, enquanto leitor e escritor precisa para ter um desempenho eficiente na relação com esse conteúdo. Segundo Padilha (2001), essa postura da escola piora a situação e pode levar a prejuízos significativos na vida acadêmica de um aluno, como: desenvolvimento de problemas de aprendizagem, distorções idade-série, repetência e evasão, configurando um quadro de fracasso escolar.

Em sua pesquisa, Madalóz, Scalabrin e Jappe ( 2012), discutem o fracasso escolar utilizando a metáfora de uma imensa bola de neve que vai ganhando peso e volume à medida que se configura o processo ensino-aprendizagem; concluem que os professores têm ciência de que o fracasso escolar ocorre pela junção de diversos fatores, entre eles de cunho pedagógico e sociocultural, porém ainda não planejam ações específicas e eficientes para combater o problema e que realmente tragam benefícios e resultados `as práticas de sala de aula e aos alunos.

Diante do quadro de fracassos sucessivos desse aluno, sem saber o que mais e como fazer - e `as vezes até mesmo sem poder fazer - a escola acaba por restringir as ações internas de combate a esse quadro, assumindo o papel de mera identificadora e encaminhadora de "problemas", reforçando a crença de que estes serão sanados apenas por especialistas fora da escola e que nas salas de aula, nada pode ser feito por esse aluno.

Encaminhamentos muitas vezes são necessários e importantes para o enfrentamento interdisciplinar do problema do fracasso escolar, porém encaminhar todos os casos de "problemas de aprendizagem", como única alternativa, pode trazer o risco do que Antunes (2008) chamou d se "patologizar e individualizar o processo educacional". O fracasso escolar acaba assim se tornando o fracasso da escola e não do aluno; um fracasso produzido pela dificuldade da escola em se rever e agir sobre os aspectos pedagógicos dos problemas de aprendizagem, abrindo novos espaços na sua grade de horário, voltados para o desenvolvimento de uma metodologia pedagógica diferenciada e fazendo a sua parte no compromisso de enfrentar esse problema, enquanto os especialistas fazem a deles, fora da escola, quando necessário.

Alícia Fernández, em sua obra " O Saber em Jogo" (2001) afirma que "Mais do que ensinar conteúdos de conhecimentos, ser ensinante significa abrir um espaço para aprender". Esse espaço pode ser simultaneamente objetivo e subjetivo: Objetivo, na forma de aulas específicas de Nivelamento, presentes na grade de horário e voltadas para a recuperação efetiva do que não foi aprendido e causa a defasagem no desempenho dos alunos. O espaço pode ser subjetivo enquanto parte do trabalho de todos os envolvidos no enfrentamento do fracasso escolar e no esforço de se autorizarem a fazer algo diferente de como sempre foi feito, desprendendo-se de práticas que não deram resultados e assim, aprender algo novo. De acordo com a autora," um bom ensinante é um bom aprendente " e o ato de aprender significa a-prender, ou seja, des-prender e desprender-se.

O presente artigo pretende apresentar o Processo de Nivelamento de Português desenvolvido em doze escolas estaduais de Ensino Fundamental II e Ensino Médio, que fazem parte do PEI (Programa de Ensino Integral), criado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, em 2012. Esse processo de Nivelamento é parte fundamental do programa e trata-se de uma ação pedagógica da escola voltada para a aquisição e desenvolvimento de habilidades específicas dos alunos que, de acordo com avaliações diagnósticas aplicadas ao longo do ano, estão em defasagem.

O artigo também apresenta uma reflexão da autora sobre o trabalho de assessoria pedagógica que ela desenvolveu junto `as equipes dessas escolas, no sentido de ajudá-las no enfrentamento desse desafio de abrir novos espaços e no compromisso com a melhoria na qualidade do ensino e nos indicadores de aprendizagem de seus alunos.

O Programa Ensino Integral propõe um Modelo Pedagógico e de Gestão diferenciado que prevê jornada integral de alunos, currículo integrado, matriz curricular diversificada e regime de dedicação plena e integral dos educadores. As escolas do PEI desenvolvem várias ações, entre elas o Nivelamento, ratificando assim, a tal perspectiva da escola no reiterado problema das defasagens de habilidades básicas de leitura e escrita de seus alunos.

As aulas de Nivelamento fazem parte da grade de horário, são ministradas pelos professores de sala de aula e resumem o que sempre se esperou da escola: ela chamando para si a responsabilidade de fazer a sua parte no enfrentamento desse problema, abrindo espaços internos e não apenas repassando "os problemas" para especialistas de fora.

As aulas do Processo de Nivelamento também estão diretamente ligadas ao Projeto de Vida dos alunos, ação também desenvolvida nas escolas do PEI, com o objetivo de possibilitar que os alunos sejam protagonistas de sua formação. Muitos projetos de vida dependem de um adequado rendimento acadêmico, portanto é importantíssimo que todos os alunos possuam as habilidades e competências necessárias para acompanhar sem dificuldades o conteúdo lecionado na série em que estão matriculados. Assim, para garantir um ensino efetivo, o modelo de Ensino Integral preconiza o processo do Nivelamento e o mesmo se inicia a partir da aplicação de avaliações diagnósticas de Leitura, Língua Portuguesa e Matemática e dos indicadores que as mesmas fornecem.

A avaliação Diagnóstica (AAP - Avaliação da Aprendizagem em Processo) é baseada no Currículo do Estado de São Paulo e é realizada em dois momentos diferentes: primeiro e segundo semestres do ano letivo. Os resultados de cada AAP servem de base para a elaboração de um Plano de Ação de Nivelamento (PAN), pois mostram a situação de cada aluno da escola em relação ao rol de habilidades e competências de seu ano/série.

O Plano de Ação de Nivelamento ( PAN) é um instrumento elaborado pelas equipes pedagógicas das áreas de Português e Matemática; é essencial que professores e coordenadores consigam realizar a análise dos dados e indicadores a partir dos resultados da avaliação em processo, seguido do levantamento de hipóteses sobre as causas dos erros, assumindo um posicionamento investigativo e propondo ações reparadoras, definindo prioridades, objetivos, metas, instrumentos de acompanhamento e monitoramento do Nivelamento.

Nesse contexto diferenciado e novo, em 2014, a ONG Parceiros da Educação contratou o Instituto TCP (Treinamento e Capacitação de Professores) para que fosse desenvolvido e colocado em prática um projeto de assessoria pedagógica nas doze escolas estaduais que participam do PEI e contam com a parceria dessa ONG. O projeto teria como objetivo principal a instrumentalização de professores e coordenadores de português e matemática no desenvolvimento de atividades de nivelamento nessas duas disciplinas.

A pedagoga especialista em aprendizagem do instituo TCP e autora desse artigo desenvolveu ao longo de dois anos, esse trabalho com professores de português dessas escolas, PCAs ( professores coordenadores de área ), PCGs ( professores coordenadores gerais ) e diretores e a experiência vivida possibilitou considerações importantes sobre a abrangência de ações de nivelamento de competências, habilidades e conteúdos, enquanto ação interna, preventiva e também terapêutica no combate ao fracasso escolar.

A experiência também possibilitou algumas reflexões importantes, principalmente sobre como inicialmente essas equipes pedagógicas entendiam a ação de nivelamento que deveriam desenvolver com seus alunos; como checavam, avaliavam, e agiam inicialmente, na prática, para combater as defasagens apontadas pelas avaliações diagnósticas e como procedem atualmente, depois do trabalho de assessoria que foi desenvolvido.

Os encontros com as equipes pedagógicas da área de Português começaram e a primeira etapa do trabalho, antes da elaboração das atividades de nivelamento, deveria ser o conhecimento das habilidades em defasagem em cada escola da Parceria, a partir do Plano de Ação de Nivelamento, que, supostamente já deveria estar traçado. E foi exatamente nesse momento que o objetivo do Projeto " Assessoria para Nivelamento" precisou de uma revisão.

Ao todo, eram doze escolas e setenta e dois professores atendidos pelo Instituto TCP e, logo no início do trabalho de Assessoria, foi possível registrar relatos em comum que influenciaram diretamente num processo de reflexão e na (re) adequação do Projeto de "Assessoria Pedagógica para Nivelamento":

* 100% dos professores relataram que os alunos não viam sentido nas aulas de nivelamento: " A gente só fica fazendo exercícios que não servem para nada", " Não vale nota" " Não aprendo nada..."

* 87% dos professores e coordenadores consideravam a AAP: "...mais uma avaliação externa inútil", "...uma prova a mais, os alunos não aguentam mais!" " Para que avaliar as mesmas habilidades duas vezes, em momentos diferentes?"

* 25% dos professores desconheciam as habilidades que fazem parte da Matriz de Referência utilizada na AAP e 45% dos professores declararam ter dificuldades para compreender os descritores das mesmas.

* 78% dos professores tiveram acesso aos resultados da AAP, tabulados exclusivamente pela Coordenação, que também traçou o Plano de Ação de Nivelamento; assim, quando perguntados pela especialista do instituto a respeito de quais habilidades estavam em defasagem de acordo com os indicadores da avaliação, não souberam responder.

* 90% dos professores usavam as Aulas de Nivelamento para seguir com a matéria / conteúdo de sala de aula.

* 78% dos professores verbalizaram dificuldades para traçar o Plano de Ação, pois nunca tinham feito isso, não conseguiam analisar os resultados da AAP e assim, não tinham o percentual de domínio de habilidades; não compreendiam o que precisavam recuperar, muito menos quais metas estipular e em quanto tempo.

* Em apenas uma das doze escolas, a equipe pedagógica de português (professoras e coordenadora) elaborou o Plano de Ação de Nivelamento, analisou os resultados da AAP, organizou-os e transformou-os em indicadores para a definição das ações, porém as mesmas não eram de nivelamento.

Assim, em todas as escolas, a assessoria para desenvolvimento de atividades de nivelamento deveria, primeiramente, se tornar uma assessoria sobre nivelamento.

O fato é que em todas as escolas o nivelamento não estava acontecendo: ou as aulas de nivelamento eram continuação da aula de português dada há pouco, como se fosse "uma aula a mais" ou os exercícios desenvolvidos eram de "reforço", como pode ser observado na situação abaixo:

Constava no Plano de Ação de Nivelamento do Primeiro Ano do Ensino Médio que apenas 17% dos alunos dominavam a seguinte habilidade: "Inferir informações implícitas no texto" e, para superar essa defasagem, os professores elaboraram o exercício abaixo, na forma de ficha com um texto e uma única questão, que cada aluno deveria responder individualmente e "entregar para nota":

 

 

Charges são ótimos textos para desenvolver a habilidade acima descrita e que, segundo o PAN da escola, precisava ser recuperada. Entretanto, dois questionamentos são essenciais a fim de que seja possível refletir sobre a ação de nivelamento pretendida através da atividade elaborada:

1. O objetivo do exercício é desenvolver / recuperar a habilidade em defasagem ou reforçar essa habilidade?

2. Um exercício de Nivelamento deve ser elaborado como um exercício "para fazer individualmente, entregar e valer nota?"

Desenvolver / recuperar uma habilidade é um processo que requer "um percurso" por diferentes níveis cognitivos e o exercício de Nivelamento desenvolvido a partir da charge de Quino apenas reforçava, solicitava que ele fizesse exatamente o que não consegue fazer! O aluno não sabe que percurso seguir, muito menos o que analisar para responder à pergunta. Explicar a crítica contida na charge implica inferir uma informação que está implícita no texto e, para que esse exercício seja, de fato, uma atividade de nivelamento, é essencial que haja um percurso composto por mais questões, que trabalhem com diferentes níveis de complexidade de competências cognitivas. Questões de um exercício de nivelamento devem direcionar o olhar do aluno e mobilizar seus conhecimentos prévios, convidando- o a se aprofundar na análise do texto, com as seguintes objetivos:

* explorar o que está explícito na cena: quem, onde, o que...

* reconhecer e refletir sobre a especificidade desse gênero textual;

* a relacionar as informações do texto entre elas e com o seu conhecimento prévio da realidade, com os fatos da vida;

* levantar hipóteses sobre os motivos, causas e consequências do que está sendo retratado;

* por último, deveria vir a questão que foi numerada como primeira e caracterizada como única...

Mesmo as ações de Nivelamento sendo prioritárias para o PEI, não foi possível constatar na grande maioria das equipes uma consciência sobre a importância ou necessidade de um fazer pedagógico diferenciado, muito menos dessas ações enquanto conquistas importantíssimas para a escola, para os professores, para seus alunos e seus respectivos projetos de vida.

Após a revisão, os encontros de assessoria iniciais passaram a ter com objetivo possibilitar `as equipes escolares uma reflexão sobre: "O que é nivelamento? Por que nivelar? O que nivelar? Como nivelar? " e os participantes desses encontros, aos poucos, foram se autorizando a olhar para as Aulas de Nivelamento por um outro viés: uma conquista da escola, enquanto espaço de aprendizagem; uma conquista dos professores, frente `às queixas recorrentes a respeito da defasagem que muitos alunos trazem consigo, respeitando o aluno, enquanto sujeito de sua aprendizagem e protagonista da sua história de vida.

O PEI, através do Processo de Nivelamento, abriu espaços na grade de horário, mas os professores também precisaram abrir espaços internos, dentro deles mesmos e muitos relataram, surpresos, como foi esse processo:

* " Eu vinha fazendo tudo errado! Não acredito!"

* " Eu achava que como meus alunos estão no terceiro ano, eu deveria elaborar questões de nível mais complexo, mesmo no nivelamento".

* " Agora percebi que finalmente estava tendo a chance de trabalhar o que eu sempre disse que era impossível..."

* "Eu assustava quando ouvia a palavra 'nivelamento', achava horrível e sem fundamento. Hoje entendo porque as minhas aulas de nivelamento não combatiam os problemas dos alunos, problemas que eu só sabia apontar!"

* " Esse momento em que todas aqui percebemos que estávamos fazendo errado foi muito importante. Essa troca foi fundamental para fortalecer a nossa equipe e cada uma de nós".3

Durante os anos de 2014 e 2015 o trabalho de Assessoria Pedagógica para Nivelamento foi desenvolvido com essas equipes escolares que deram um exemplo de comprometimento e de capacidade de refletir sobre a própria prática. Quando entraram em contato e compreenderam a profundidades dos aspectos "Por que? Quando?, O que? Como nivelar?", também se descobriram valentes e, juntamente com seus alunos, abraçaram a causa, agora com sentido e para todos.

Hoje, nas doze escolas onde a especialista do Instituto TCP atuou, o Processo de Nivelamento existe de fato e faz parte do trabalho dessas equipes como um todo, ou seja, nas reuniões de coordenação as ações e os resultados obtidos são discutidos e analisados coletivamente. As professoras que antes não interagiam com os resultados da AAP e não participavam da elaboração do PAN, hoje tomaram as rédeas da função, compreendendo a importância dessa atitude, tanto para seus alunos como para elas mesmas. Entendem como as habilidades básicas de leitura e escrita são essenciais para o desempenho acadêmico de seus alunos e que uma aula de Nivelamento perdida traz um prejuízo considerável para o que vai ser trabalhado em sala de aula; as professoras conseguem identificar pontos fracos e as defasagens que precisam ser superadas, planejam as ações mais adequadas e coerentes para as aulas de nivelamento, desenvolvem estratégias diferenciadas, checam os resultados das mesmas e só seguem em frente quando constatam que a defasagem foi superada e seus alunos conseguem um desempenho adequado em questões que envolvem a habilidade que estava comprometida.

De acordo com os resultados do Idesp de 2015, das doze escolas, oito obtiveram melhoria considerável no desempenho de seus alunos e o trabalho de Assessoria Pedagógica para Nivelamento, desenvolvido pela pedagoga especialista em aprendizagem, nessas escolas, teve um papel fundamental nessa história com final feliz.

 

Conclusão

A defasagem de habilidades básicas das competências leitora e escritora que muitos alunos trazem consigo, desde os anos iniciais de sua trajetória acadêmica é real, pois pode ser verificada e constatada em todos os níveis de ensino, desde o fundamental até o superior. Essa mesma defasagem é cruel e gera sofrimento tanto para quem tem que ensinar, como para quem não consegue aprender, pois o desempenho adequado dos alunos, frente aos conteúdos de sala de aula, pressupõe o domínio de habilidades básicas e essenciais. Se isso não existe, o processo de ensino - aprendizagem se reduz a um rolo compressor para todos os envolvidos. Professores esmagados pelo dilema de "o que, quando e como fazer para combater esse quadro de defasagem, se eu tenho que seguir com o planejamento?" e alunos desmotivados, diante dos fracassos sucessivos nas avaliações internas, externas exames e processos seletivos; fracassos com consequências devastadoras, uma vez que podem levar projetos de vida a serem abandonados, deixados de lado e até mesmo ignorados.

Paulo Freire em sua obra "Pedagogia da Autonomia" afirma que "quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender". Motivos não faltam para que algo seja feito também na escola para que o ensino e a aprendizagem de fato ocorram, de forma que o sofrimento seja combatido, inclusive na sala de aula e as defasagens pedagógicas sejam superadas, enquanto ação interna da escola.

Não basta abrir "novo espaços" apenas no papel impresso com as Diretrizes do PEI e na grade de horário da escola. Há de se abrir também novos espaços pessoais de dimensões subjetivas, pois as pessoas envolvidas nas ações de nivelamento - corpo docente e discente - necessitam estar abertas para fazer diferente de como sempre fizeram e precisam ter a clareza de que uma aula de nivelamento não é apenas "uma aula a mais para poder seguir adiante com a matéria." Ou " Aula chata onde não se aprende nada". Trata-se da conquista, de uma ação frente a uma solicitação antiga de todos os envolvidos, um espaço e momento garantidos pelo programa para "voltar lá atrás" e desenvolver o que, por diferentes razões, não foi aprendido e muitos transtornos causa para o desempenho acadêmico de alguns alunos, bem como para seus projetos de vida.

Também é essencial saber exatamente quais habilidades estão em defasagem e precisam ser recuperadas; portanto a AAP (avaliação da aprendizagem em processo) não é "inútil"; trata-se de uma ferramenta que, apesar de externa, é isenta e muito reveladora para o "O que fazer?". O PAN (Plano de Ação de Nivelamento) deve ser traçado pelos professores e coordenadores, em conjunto. A análise dos resultados da AAP e a reflexão coletiva sobre os mesmos, tornam o trabalho menos complexo e possibilitam uma ação de combate muito mais forte, coletiva e coerente, com metas e estratégias bem definidas por todos os envolvidos do processo de recuperar habilidades e de desenvolver competências em defasagem, dos professores e dos alunos.

Sim, depois de traçado, o PAN deve ser apresentado aos alunos, afinal eles precisam saber o que estão combatendo e o porquê. É essencial que os alunos consigam compreender como a defasagem de algumas habilidades básicas de leitura e escrita afetam o seu desempenho e geram fracassos sucessivos, como uma bola de neve. A comunicação e a compreensão da situação são essenciais para que haja uma reação e adesão dos alunos `a causa. O processo e as aulas de Nivelamento dessas habilidades não serão apenas uma ação isolada dos professores, muito menos uma aula obrigatória e sem sentido para os alunos. Será uma ação coletiva e muito mais significativa para todos.

Sabendo "o que" e "como" fazer nas aulas de Nivelamento, resta a todos os envolvidos na ação, ter muita clareza sobre o que significa "Nivelar", bem como a diferença entre nivelar e reforçar. De acordo com a primeira definição encontrada no Dicionário Houaiss, a palavra REFORÇO significa " ação ou fato de tornar algo mais resistente, mais forte, mais capaz, mais eficaz etc.". Um exercício de reforço, portanto, deve ser elaborado com o objetivo de fortalecer uma habilidade, porém como fortalecê-la antes de desenvolvê-la?

Ainda de acordo com o mesmo dicionário, a palavra NIVELAMENTO significa " ação ou efeito de nivelar; nivelação". Um exercício de nivelamento deve ser elaborado com o objetivo de construir e preencher um espaço vazio que havia entre um nível e outro; desenvolver algo que antes não existia e provocava o desnivelamento.

Todos os aspectos levantados no presente artigo sobre " Por que? Quando?, O que? E como nivelar?", foram surgindo, se inserindo ao longo da prática e do contato próximo e muito sincero com os professores e coordenadores das oito escolas do PEI, as quais a autora deste artigo atuou, enquanto pedagoga e especialista em aprendizagem do Instituto TCP e a experiência vivida por ela provocou as reflexões aqui apresentadas. No documento "Diretrizes do Projeto Ensino Integral" não consta a necessidade de que todos os envolvidos no Processo de Nivelamento reflitam sobre esses aspectos essenciais `a ação pedagógica de nivelamento. Não é de se espantar a forma como o Nivelamento não vinha acontecendo nessas escolas, quando o trabalho de Assessoria Pedagógica para Nivelamento começou.

Mais estudos e pesquisas a respeito do PEI, bem como sobre o próprio processo de Nivelamento e seus resultados a curto e longo prazo, são necessários e o presente artigo pretende colaborar no sentido de colocar o tema em pauta, pois muito se fala e estuda sobre o fracasso escolar, suas diversas causas e, principalmente sobre o que a escola não faz para reverter esse quadro. Há de se olhar também para o que ela faz, pois afinal, trata-se da escola chamando para si a responsabilidade de fazer algo de dimensão pedagógica, frente ao fracasso escolar (que não pode ser do aluno), e de reforçar o seu compromisso efetivo com a melhoria na qualidade do ensino e nos indicadores de aprendizagem de seus alunos.

 

Referências:

ANTUNES, M.A.M. Psicologia Escolar e Educacional: histórias, compromissos e perspectivas, Revista Psicologia Escolar e Educacional, v.12, n.2, 2008.         [ Links ]

COLLARES, C.A.L. A Transformação do espaço pedagógico em espaço clínico: a patologização da educação. In: Alves ML, org. Cultura e Saúde na Escola. São Paulo: FDE, 1994.         [ Links ]

FERNÁNDEZ, E. O Saber em Jogo - A Psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.         [ Links ]

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HOUAISS - http://www.houaiss.uol.com.br        [ Links ]

MADALÓZ, R.J.; SCALABRIN, I; JAPPE, M. Fracasso Escolar sob o olhar docente: Alguns apontamentos. Disponível: http://www.portalanpedsul.com.br/ 2012 /Acesso em 15/04/2016.         [ Links ]

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http://www.educacao.sp.gov.br / Diretrizes do Programa Ensino Integral /Acesso em 22/4/2016.         [ Links ]

 

 

1 Pedagoga (USP), Especialista em Ensino e Aprendizagem (PUC). Coordenadora da área de Português do Instituto TCP.
2 Relatos de professores registrados por Vera Martens, autora deste artigo e pedagoga especialista em aprendizagem, durante os encontros iniciais de Assessoria Pedagógica para Nivelamento, em 2014.
3 Relatos de professores registrados por Vera Martens, autora deste artigo e pedagoga especialista em aprendizagem, durante os encontros de Assessoria para Nivelamento, em 2014 e 2015.

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