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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.25 no.26 São Paulo  2017

 

Editorial

 

 

A folha aprisiona as ideias e quando abrimos a gaiola da escrita, com a chave da leitura, os pássaros de papel saem voando enlouquecidos, desordenando a sequência das páginas e, em seu contentamento, de ter tua voz para voltar à vida, as vozes se misturam, as mãos se confundem e é aí que a criação pode surgir.

Ana Maria Netto Machado

Enquanto sujeitos, somos capazes de nos assumirmos como incompletos e, assim, nos aventurarmos na busca prazerosa de construirmos conhecimentos e de ressignificarmos a nossa prática, no desafio de se conseguir uma escuta, um olhar psicopedagógico vinculado às questões do conhecimento humano e da aprendizagem. A Revista Construção Psicopedagógica tem se colocado como um espaço de interlocução para a construção da autoria e da autonomia no pensar, com a consciência de que não há uma única teoria que possa dar conta de responder a todas as indagações.

Por isso, estamos juntos com os pesquisadores fazendo-nos em redes de conhecimento, participando ativamente de nosso tempo presente. As palavras de Ana Maria Netto Machado veem reforçar o caráter de nossa revista que busca dentro de um enfoque teórico/empírico em diferentes modalidades de trabalhos científicos manter os olhares multi, inter e transdisciplinares, abrindo espaço para a criação e a divulgação desses autores.

Partindo dessas premissas queremos apresentar o presente número da Revista Construção Psicopedagógica, destacando diferentes possibilidades de intervenção psicopedagógica, que podem ocorrer em diferentes espaços, tais como família, escola, clinica ou empresa.

Nosso primeiro artigo nos traz uma análise muito importante e atual, de um fenómeno aparentemente novo. Roberto Pereira Tercero, Diretor da Euskarri, Centro de Intervenção em Violência Filio-Parental e Presidente da Rede Europeia e Latino-americana de Escolas Sistêmicas, da Espanha, ao pesquisar acerca da violência familiar, constata que apesar de sempre ter existido esse tipo de violência, elas mudaram a sua natureza. No passado as violências que mais chamavam a atenção eram, por ordem de emergência social, o abuso infantil, a violência do parceiro e, apenas recentemente, tem surgido a violência contra os pais e ela tem crescido exponencialmente nos últimos anos. Segundo ele, VFP (Violência filio-parental) é o conjunto de comportamentos repetidos de agressões físicas (bater, empurrar, atirar objetos), verbal (repetidos insultos, ameaças) ou não-verbal (gestos ameaçadores, ruptura de objetos valiosos) dirigido aos pais ou adultos que ocupam o seu lugar.

No seu artigo VIOLENCIA FILIO-PARENTAL: FACTORES QUE FAVORECEN SU APARICIÓN, Tercero destaca que essa nova modalidade de VFP refere-se a agressões exercidas por crianças, adolescentes e jovens aparentemente normais, provenientes de qualquer nível social, com prolongados comportamentos violentos que sempre incluem os familiares e que, normalmente, se reduzem a eles, incluindo-se diversas causas: sociais, educativas e individuais, apontadas no artigo com muita clareza. Segundo o autor

La nueva VFP se produce, generalmente, en escalada: comienza habitualmente con descalificaciones e insultos que derivan en amenazas -incluyendo la ruptura de objetos- y finaliza con agresiones físicas de índole cada vez más severa. Es un proceso que puede durar años y debe destacarse que no alberga un fin predeterminado: la violencia crece progresivamente y no se detiene ni siquiera cuando se consigue una sumisión absoluta.

Escrito por Ana Luiza Raggio Colagrossi e Geórgia Vassimon o artigo A APRENDIZAGEM SOCIOEMOCIONAL PODE TRANSFORMAR A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL traz uma discussão muito atual destacando a importância de desenvolver as habilidades socioemocionais na educação infantil no Brasil. Para tanto, traz pesquisas que apontam os desafios e as diferentes formas de implementação e metodologias. As autoras apontam que o altíssimo número de crianças vivendo em vulnerabilidade no Brasil, nos faz refletir sobre a necessidade de se desenvolver ferramentas que minimizem esse impacto negativo nas futuras gerações, pois investir na primeira infância tem um reflexo direto na vida adulta, diminuindo, por exemplo, os índices de criminalidade e de evasão escolar, a taxa de gravidez na adolescência e, por outro lado, aumentando o índice de produtividade. Essencialmente, o objetivo é fazer com que os alunos se tornem indivíduos resilientes, focados, motivados e engajados.

O desenvolvimento das competências socioemocionais das crianças é fundamental para o seu sucesso dentro e fora da escola (Duncan et al., 2007). Essas competências incluem a capacidade das crianças de entender suas próprias emoções, focar a atenção, relacionar-se bem com os outros e demonstrar empatia.

Segundo as autoras, as habilidades e competências socioemocionais podem ser ensinadas e aprendidas, e para tanto, sugerem a estrutura da aprendizagem socioemocional como é desenvolvida e apresentada pelo CASEL (The Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning):

O ensino das habilidades socioemocionais é uma das estratégias mais significativas disponíveis hoje para promover sucesso estudantil e reformas escolares eficazes. Pesquisas extensas apontam que a aprendizagem socioemocional melhora resultados acadêmicos, ajuda alunos a desenvolver autorregulação, melhora as relações da escola com a comunidade, reduz os conflitos entre alunos, melhora a disciplina da sala de aula e ajuda jovens a serem mais saudáveis e bem-sucedidos na escola e na vida. (Casel.org)

Já o artigo A MENSURAÇÃO DA AFETIVIDADE EM SALA DE AULA, produzido por Maria Gizélia de Oliveira Souza Rosa e Rebeca Eugênia Fernandes de Castro nos faz refletir sobre um dos principais problemas enfrentados pela Pedagogia e Psicopedagogia: a aprendizagem significativa e a sua relação com a afetividade.

No estudo realizado em quatro salas de aula, constatam que a afetividade reflete sobre uma série de situações em que os principais personagens - aluno e professor - se encontram em constante relação com o propósito de alcançar a aprendizagem do aluno, podendo provocar avanços ou estagnações.

Quando o professor se vê sem êxito em suas tentativas de contribuir com o crescimento e o aprendizado do aluno, a culpa se instala trazendo consigo ameaças à integridade psíquica em sua própria agressividade reverberada num ciclo de inutilidade e ingratidão como ódio disfarçado contra as atitudes dos alunos em não aproveitar aquilo que lhes é oferecido. Logo a oferta de atenção, carinho e conhecimento é diminuída. Em um primeiro momento, isso acontece com o investimento no outro, mas em seguida, acontece o desinvestimento que afeta o si mesmo, aprisionando em ressentimento. (...)

O próximo artigo, A VISÃO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE ACERCA DO TDAH - PROCESSO DIAGNÓSTICO E PRÁTICAS DE TRATAMENTO, escrito por Virginia Effgem, Cláudia Patrocínio Pedroza Canal, Daniela Dadalto Ambrozine Missawa e Claudia Broetto Rossetti da Universidade Federal do Espírito Santo é resultado de um estudo com profissionais de saúde sobre o TDAH, destacando a amplitude do tema e a falta de uma regra estabelecida de diagnóstico.

O artigo traz a conclusão dos profissionais com especialidades diferentes, oriundos das áreas médicas, psicológicas, fonoaudiológicas e fisioterapêuticas. Os participantes tinham percepções diferentes sobre o que seria um transtorno e sobre questões que envolvem o TDAH. Elas destacam a necessidade que sejam discutidas novas ou melhores formas de avaliação e tratamento do TDAH por esses profissionais na busca de um tratamento mais adequado, de acordo com a necessidades específicas de cada paciente, numa abordagem multidisciplinar.

Quanto mais completa for a avaliação, menor a possibilidade de equívocos no diagnóstico, favorecendo o delineamento de um plano terapêutico para o paciente (GRAEFF, VAZ, 2008). O processo diagnóstico deve incluir anamnese, aplicação de testes neuropsicológicos, integração dos resultados à história de vida do paciente, deve realizar discussão e encaminhamentos para outros profissionais e, finalmente, conduzir o encontro de devolução com os pais e os filhos com as orientações e as indicações necessárias para o tratamento (ERBS, 2010). Atualmente é reconhecida a importância da abordagem multidisciplinar na avaliação clínica e na criação de modelos adequados de diagnóstico e tratamento para pessoas com TDAH (PEREIRA et al, 2005)

O artigo escrito por Melina Blanco Amarins, A RELAÇÃO DO SABER COM O DESEJO DE APRENDER: UMA VISÃO PSICOPEDAGÓGICA ressalta que em muitas situações no processo de aprendizagem do sujeito há uma ausência do desejo, relacionados a uma dificuldade de aprender. Destaca que o movimento desejante pode-se apresentar aprisionando esse sujeito, impedindo que haja aprendizagem e ele se constitua como sujeito pensante. Assim,

A relação estabelecida entre o sujeito e o conhecimento está relacionada com a forma em que o mesmo vivenciou as relações em sua história de vida. A passagem pelo Narcisismo e Édipo são essenciais para que haja a produção de conhecimento, pois é a partir destes momentos que ocorre o surgimento do desejo. Este desejo deve estar presente na relação entre o aprendente e o ensinante. O ensinante deve propiciar um ambiente de construção do conhecimento, sendo um mediador, no qual o aprendente tenha espaço para o surgimento do desejo de conhecer e possa desenvolver a metacognição para a construção de uma autoria de pensamento.

O próximo artigo, escrito por Marina Rodrigues Lara e Eloisa Quadros Fagali, ERA UMA VEZ... UM MEDO QUE NÃO QUERIA IR EMBORA: O USO DO CONTO NA INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA INFANTIL analisa as emoções mobilizadas pelo conto Chapeuzinho Amarelo, uma adaptação de Chico Buarque de Holanda baseada no clássico Chapeuzinho Vermelho, no relato da pesquisa realizada com duas crianças do sexo masculino, com nove anos de idade.

O artigo investiga as questões pontuais fazendo análises sobre o comportamento e ideações produzidas pela criança, reflexos de sua construção histórica e posicionamento no mundo, substanciados através de sua análise da história que ouviu.

O valor dos contos como ferramenta psicopedagógica ressalta os cuidados que o educador e psicopedagogo precisam ter, não reduzindo o uso do conto apenas às estratégias para a expressão do não verbal (como desenhos, por exemplo). As elaborações verbais orais e escritas da criança devem ser colocadas em primeiro plano, com atenção ao poder simbólico dos contos. Eles possibilitam as projeções das emoções, conflitos e valores dos aprendizes. As análises das respostas das crianças revelaram a importância das intervenções psicopedagógicas, valorizando as expressões das crianças sobre os sentimentos projetados no conto, interagindo com os aspectos afetivos e cognitivos necessários à aprendizagem.

Carolina Zuppo Abed E Daniel Coutinho Ayub nos trazem o artigo O PAPEL DA VOLIÇÃO NO ENSINO DE PRODUÇÃO DE TEXTO: UMA ANÁLISE DA PERCEPÇÃO DISCENTE que tem por objetivo refletir sobre uma metodologia de ensino de redação calcada na visão do aluno enquanto autor e no uso de recursos lúdicos e atividades de grupo em sala de aula.

O estudo foi realizado após o trabalho de um ano realizado pela autora numa turma de 6º. do Ensino Fundamenta. A autora organizou um plano de ensino com paradigmas psicopedagógicos, que teve o viés lúdico como elemento centralizador das práticas docentes. Ao final do ano, a pesquisadora aplicou um questionário sobre as aulas e atividades desenvolvidas. Este artigo apresenta alguns resultados dessa pesquisa, bem como hipóteses levantadas a partir da análise dos dados. Trata-se de uma pesquisa muito bem elaborada trazendo novas perspectivas para o ensino de Língua Portuguesa.

As análises preliminares dessa pesquisa corroboram a importância de um plano de aula calcado no saber e no olhar psicopedagógicos, em que sejam estimulados o prazer e o divertimento associados à produção de texto. É preciso enxergar o aluno como sujeito desejante e trabalhar esse desejo, buscando incluir em cada sequência didática atividades - tanto de exploração de gênero como epilinquísticas - que contemplem as múltiplas inteligências e os diferentes estilos cognitivo-afetivos.

E por último, temos a resenha elaborada por Rose Skripka N. Gabriel, trazendo para o nosso conhecimento o livro PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL E A ATUAÇÃO EM GRUPOS DE TRABALHO, de PALERMO, Roberta Rossi Oliveira. Curitiba: Appris, 2016, 109 p.

Doutoranda e Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Roberta Rossi Oliveira Palermo aborda no livro a aplicação prática da Psicopedagogia dentro do espaço de uma organização onde à primeira vista a questão da aprendizagem não é um tema imprescindível, seja nas realizações de projetos de trabalho ou na formação de grupos. No entanto, a autora aponta que é justamente nesse espaço, que o psicopedagogo institucional pode colaborar com a pesquisa, dando pistas para o uso de grupos em empresas, ampliando o campo de atuação da Psicopedagogia.

O conceito de grupo e seu funcionamento são expostos no capítulo oito a partir da teoria de Wilfred Ruprecht Bion, psicanalista, que desenvolveu suas contribuições apresentando a análise do grupo por meio da identificação de padrões de comportamento. A Psicopedagogia está intensamente ligada ao trabalho com grupos dentro da organização, uma vez que examina as políticas e missões das empresas e os aspectos subjacentes das percepções das pessoas e como elas se relacionam.

Desta forma, a Revista Construção Psicopedagógica convida você leitor para refletir sobre as diferentes possibilidades do trabalho psicopedagógico, nos seus diversos aspectos (emocionais, socioemocionais, neurológicos, linguísticos...), bem como de suas possibilidades interventivas em interface com outros campos, tais como educação, linguagem, psicanálise entre outras.

Além da gratidão pela companhia na leitura e divulgação de nossa revista, esperamos também a sua contribuição para o próximo número. Ela é muito importante para nós!

 

Marlene Coelho Alexandroff

Editora Científica

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