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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.25 no.26 São Paulo  2017

 

ARTIGOS

 

O papel da volição no ensino de produção de texto: uma análise da percepção discente

 

The role of volition in composition teaching: an analysis from the student's point of view

 

 

Carolina Zuppo AbedI, 1; Daniel Coutinho AyubII, 2

ISão Paulo/SP - Brasil
IISão Paulo/SP - Brasil

 

 


RESUMO

O objetivo desta pesquisa é refletir sobre uma metodologia de ensino de redação calcada na visão do aluno enquanto autor e no uso de recursos lúdicos e atividades de grupo em sala de aula. Partindo da percepção dos alunos, pretendeu-se analisar se, utilizando-se desses recursos, conseguiu-se estimular o desejo em atividades de produção de texto e se seria possível estabelecer uma relação entre esse desejo e o desempenho na escrita. A pesquisadora lecionou, durante um ano, a disciplina Técnicas de Redação para turmas de 6º ano do Ensino Fundamental, estabelecendo um plano de ensino de acordo com paradigmas psicopedagógicos, tendo o viés lúdico como elemento centralizador das práticas docentes. Ao final do ano, aplicou um questionário sobre as aulas e atividades desenvolvidas. Este artigo apresenta alguns resultados dessa pesquisa, bem como hipóteses levantadas a partir da análise dos dados.

Palavras-chave: Ensino de escrita, Produção de texto, Recursos lúdicos, Volição, Motivação.


ABSTRACT

This research focus on studying a composition teaching methodology that considers the student as an author, along with the usage of playful resources and group activities in the classroom. Starting from the perception of the learners, while using these resources, the intention was to analyse if there was an increase in desire towards text writing activities and to examine if it would be possible to establish a relation between desire and writing performance. The researcher lectured, for one year, a Composition Techniques class for Middle School 6th grade students, establishing a lesson plan according to psychopedagogical paradigms, setting the playful method as centralizer of the teaching practices. At the end of the process, a questionnaire was applied regarding the classes and developed activities. This article shows some results from the quiz, as well as hypotheses raised from its data analysis.

Keywords: Composition teaching, Text production, Playful resources, Volition, Motivation.


 

 

Introdução

Ensinar algo a um outro é sempre desafiador. Quando o educador se depara com a tarefa de lecionar para grupos de mais de trinta crianças, diferentes entre si em suas demandas, a atividade docente passa a exigir um planejamento que não leve em conta apenas os conteúdos programáticos, mas também consiga abarcar, na medida do possível, as diferentes maneiras pelas quais se constrói o conhecimento. Com isso, aumenta-se a chance de que cada sujeito envolvido no processo de ensino-aprendizagem conecte-se com as aulas, potencializando a construção do conhecimento.

Professores, gestores e pesquisadores debatem há décadas sobre a necessidade de uma abordagem docente que integre o sujeito ensinante, o sujeito aprendente e o objeto do conhecimento. Também é recorrente nos discursos educacionais da segunda metade do século XX e deste início do XXI a importância dos aspectos lúdicos na construção dessa prática docente, estimulando a curiosidade e o desejo no aprendente. Esta pesquisa, porém, não tem como objetivo principal compilar tais discursos de modo a compor um arcabouço teórico de intervenções psicopedagógicas que sustentem a prática docente em sala de aula. Traz, como objeto de estudo, a visão discente acerca de tais práticas. Dessa forma, o interesse dessa pesquisa recai sobre a percepção dos próprios alunos após vivenciarem situações de ensino-aprendizagem planejadas com base em teorias psicopedagógicas, nomeadamente as noções de estilos cognitivo-afetivos, de Eloísa Quadros Fagali, de inteligências múltiplas, de Howard Gardner, bem como as reflexões de Alicia Fernández sobre a importância do prazer e do desejo no processo ensino-aprendizagem.

Após um ano de aulas de Técnicas de Redação (TR) planejadas e executadas tendo esses autores por sustentação teórica (como será mais detalhadamente explicado no tópico abaixo), os alunos foram solicitados a responder, anonimamente, a um questionário sobre as aulas. Os objetivos de analisar a percepção discente acerca dos recursos utilizados durante as aulas são: 1) constatar se as estratégias foram eficazes no estímulo do desejo e do prazer dos alunos no momento da produção de texto e 2) investigar se há relação entre a volição, a mobilização e o desempenho na escrita. Foram ouvidas 72 crianças com idade entre 11 e 12 anos, de três turmas diferentes de 6º ano de uma escola particular de classe média, na zona leste de São Paulo.

 

Fundamentação teórica da abordagem de ensino

O ensino de escrita nas escolas passou por muitas modificações ao longo do último século. Atualmente, a grade curricular de Técnicas de Redação (com este ou qualquer outro nome; seja uma disciplina separada ou parte do currículo de língua portuguesa) baseia-se em uma metodologia de ensino por meio de gêneros textuais, explorando suas características de forma e conteúdo. A cada novo tópico do curso é trabalhado um gênero (p. ex.: carta, crônica, notícia, reportagem, conto psicológico, ficção científica, entre outros). Destaque especial é dado à linguagem e à interlocução dentro do contexto de produção e esfera de circulação de cada um deles: quem fala (como o autor vai se posicionar? será objetivo ou subjetivo? vai assumir qual personalidade?); para quem fala (qual será o público leitor desse texto?); para quê (por que o autor escreveu esse texto? com qual objetivo?) como fala (qual linguagem foi usada e por quê?), sobre o quê (quais assuntos costumam ser abordados nesse tipo de texto?); em que meio o texto vai circular (jornal? revista? escola? livro?).

Para o doutor em educação Adair Vieira Gonçalves (2011), os gêneros literários servem como modelos que facilitam a apreensão do funcionamento de diferentes tipos de texto. O autor ressalta que o trabalho com os gêneros deve estar fundamentado em um modelo didático estruturado, que organize os aspectos centrais a serem trabalhados. No entanto, o uso de gêneros textuais como organizadores curriculares de Técnicas de Redação não resolve todos os problemas do professor. Carla Viana Coscarelli (2007), professora do curso de Letras da UFMG, chama a atenção para o perigo de se restringir o estudo de produção textual à mera classificação de gêneros. Em sua concepção, um bom ensino de TR também deve garantir que, tendo em mente as questões suscitadas por essa análise classificatória, os aprendentes possam fazer escolhas linguísticas que provoquem no leitor o efeito pretendido.

Para conseguir esses efeitos, é preciso que os pequenos autores tenham acesso a múltiplos recursos de linguagem. A autora denuncia a deficiência de práticas docentes com foco na reflexão linguística - que, segundo sua análise, ou são tratadas de modo classificatório, ou são inexistentes. Alerta para a necessidade de, ao trabalhar com gêneros na escola, não explorar apenas seus sentidos e propósitos, mas também os mecanismos linguísticos por meio dos quais esses sentidos e propósitos são construídos: pontuação, construção frasal, vocabulário, correlação de ideias, organização do pensamento, uso de conjunções e marcações temporais, manejo das vozes verbais, entre outros. A presença de atividades e exercícios específicos de linguagem no curso de produção de texto é essencial para que o aluno consiga, efetivamente, tornar-se proficiente na escrita de textos de maneira geral, quer dos gêneros estudados, quer de outros gêneros.

Aliando o ensino de gêneros textuais ao de procedimentos de escrita, garante-se o desenvolvimento de habilidades linguísticas que consigam ultrapassar o gênero em estudo e possam ser utilizadas em outros escritos, objetivo maior do ensino de produção de texto. Do contrário, a linguagem, apesar de constituir a própria materialidade de qualquer texto e ser, por excelência, cerne da competência escritora, acaba sendo contemplada apenas em segundo plano e de maneira intuitiva, sem de fato constituir-se como objeto de um estudo formal e estruturado da disciplina. Tal descompasso pode colocar em risco toda a aprendizagem de técnicas de redação, uma vez que é possível que o aluno, mesmo que compreenda todas as características estruturais do texto, ao tentar reproduzi-la não tenha disponíveis as ferramentas linguísticas para tanto.

A esse respeito, as teorias, reflexões e metodologias oriundas do ensino de escrita criativa para escritores profissionais, bastante difundidas em países como Estados Unidos e, mais recentemente, no Brasil, podem contribuir para complementar o trabalho com gêneros textuais. De acordo com Roberto Taddei, coordenador de pós-graduação em Formação de Escritores (2010), nos Estados Unidos o modelo de oficinas de escrita tem sido adaptado e utilizado nas escolas com crianças a partir de sete anos. Por trabalharem fortemente a concepção de autoria de texto enquanto mecanismo ativo do pensar e o desejo enquanto força motriz da aprendizagem, as estratégias docentes provenientes de cursos de formação de escritores mostram-se profícuas para o ensino de escrita também no contexto escolar.

Essa articulação entre pensamento e desejo na construção do papel autoral do aluno vai ao encontro da teoria de Alicia Fernàndez (2000) sobre a autonomia do sujeito aprendente. Para ela, o pensamento não pode "definir suas próprias normas desvinculadas do desejo (...) já que o pensar ancora-se no desejar" (p. 91). Por mais que as metodologias de ensino sejam revistas e atualizadas, sem considerar o aprendente enquanto sujeito desejante o processo ensino-aprendizagem não se dará adequadamente. Encontrar espaço no plano de ensino para estimular o desejo dos alunos é, então, parte integrante da tarefa docente. Nas palavras da autora, é "imprescindível recuperar a alegria como modo de estabelecer espaços onde a autoria de pensamento possa tornar-se forte" (p. 123).

A psicopedagoga defende a ideia de que não há pensamento "puro", dissociado do sentir e do agir; o pensamento deve ser sempre entrelaçado com a experiência, a ação e o sentimento (p. 106). Assim sendo, também a prática docente não deveria voltar-se apenas para a porção racional do aluno, mas considerá-lo em sua totalidade: organismo, corpo, inteligência e desejo3. É essencial estimular sobretudo este último quando se trata de desenvolver um trabalho de escrita autoral. Isso porque a escrita autoral trabalha no âmbito da subjetividade e, portanto, depende dela para se desenvolver4. Do contrário, cindindo cognição e desejo nos aprendentes, a aprendizagem fica "descorporificada" (cf. Fernàndez, 1990) e, portanto, ineficaz.

A arte é o transbordamento estético das paixões humanas. Escrever é capturar a essência das paixões do escritor e reconstruí-las, palavra por palavra, de modo a fazê-las atravessar a barreira intersubjetiva e alcançar o leitor, provocando nele essas mesmas paixões. Ora, se o combustível artístico está no pathos e não no logos, como ignorar as pulsões do escritor ao estimular a escrita criativa? (ABED, 2016a, p. 64)

Caso o curso de produção de texto concentre-se apenas na categorização de gêneros textuais e em aspectos técnicos de linguagem, pode não ajudar o pequeno autor a encontrar o prazer criativo de se expressar, inventar histórias e partilhar ideias. Sem levar em conta o desejo, a vontade e a alegria do aprendente, as técnicas de linguagem e a vontade de se expressar não correrão lado a lado, dificultando o trabalho de produzir uma comunicação escrita eficaz. É preciso, pois, investir de significação o ato da escrita, trabalhando em paralelo a razão e a emoção do autor.

Trabalhando apenas os mecanismos racionais da produção textual, [o ensino de redação] ignora uma lição aprendida e reverenciada pelo escritor Stepen King (apud Koch, 2009, p. 14): "o coração também sabe coisas, assim como a imaginação". Este saber passional, importantíssimo para a escrita criativa (tanto quanto para qualquer outra arte), não pode ser esquecido ou relevado por uma metodologia que busque desenvolver as habilidades presentes na produção de uma obra. (ABED, 2016b)

Quando se fala em estimular o desejo e o prazer em sala de aula, o uso de recursos lúdicos é bastante reverenciado por muitos autores. Se, como formula Alicia Fernàndez (2000), "o jogar, o aprender e o trabalho criativo nutrem-se da mesma seiva e apropriam-se do mesmo saber-sabor" (p. 29), é mais do que natural agregar jogos e brincadeiras às atividades docentes. Ainda mais quando se trata de uma disciplina voltada para o trabalho criativo, numa perspectiva que trata os aprendentes enquanto autores de seus próprios textos - papel muito mais ativo que o de meros redatores de um texto concebido por outra pessoa (o professor, o autor do livro didático) e apenas executado pela criança. A autonomia proporcionada pela situação de jogo é extremamente válida para investi-la com a noção de autoria, uma vez que "a primeira experiência de autoria é o brincar" (op. cit., p. 127).

Tendo em vista que uma sala de aula de ensino básico não raro compreende mais de trinta alunos, todos com diferentes necessidades, habilidades, interesses, vivências e modos de ser, estar atento ao desejo de cada um desses sujeitos exige um planejamento com aulas e estratégias variadas, capazes de instigar todos os aprendentes. Como aponta Eloísa Quadros Fagali (2007), "nas conexões entre afeto e cognição deve-se levar em conta os diferentes estilos cognitivo-afetivos associados aos tipos de personalidade e às diversidades de modalidades de aprendizagem". O termo "estilos cofnitivos-afetivos", proposto pela autora, deriva da teoria dos tipos psicológicos de Jung. Trata-se de maneiras diferentes de ser, de interagir e lidar com o mundo e, consequentemente, de aprender, pelos canais do pensamento, do sentimento, da intuição e da percepção5.

Para a psicopedagoga, um processo ensino-aprendizagem que não contemple as necessidades e facilidades do estilo cognitivo-afetivo de determinado estudante tende a oferecer empecilhos para que este aluno consiga aprender. Portanto, quanto mais múltiplo for um plano de aula, abarcando em algum momento cada um dos quatro estilos cognitivo-afetivos, maior a chance de dar conta das necessidades individuais dos alunos, sem que o tamanho da turma seja um fator impeditivo. É, pois, interessante pensar em sequências didáticas que privilegiem ora a afetividade, ora a lógica, ora a associação livre, ora a sistematização.

Ao pensarmos em reintegrar diferentes formas de aprender e valorizar as habilidades pessoais de cada aluno, é impossível não lembrar de Howard Gardner e suas inteligências múltiplas6. O autor afirma que a definição padrão de inteligência restringe a visão do desenvolvimento humano, relegando a segundo plano quaisquer facilidades - inteligências - de um indivíduo que não sejam associadas ao pensamento lógico-matemático. Ter em mente que há múltiplas inteligências, que todas elas têm igual valor e que indivíduos com inteligências diferentes podem ser estimulados de maneiras diversas auxilia o professor a elaborar um plano de aula mais completo, buscando contemplar e valorizar as diferentes inteligências dos aprendentes.

A teoria de Gardner fornece substrato teórico não apenas para que os educadores atentem para a necessidade de procurar desenvolver todas as inteligências de seus alunos (ou, no mínimo, não atrofiá-las), mas também dá suporte à busca de rotas secundárias - ou alternativas - de aprendizagem, utilizando as potencialidades de cada indivíduo para facilitar o desenvolvimento de outras competências7. Sob essa ótica, nas palavras da educadora Kátia Smole (2000), "o planejamento é o processo de pensar ações de sala de aula de modo amplo e abrangente, é um meio para viabilizar a organização do trabalho e os atendimentos às necessidades dos alunos" (p. 175).

Apesar de a escrita ser, por vezes, um ato solitário, o caráter fortemente comunicacional das aulas de TR propicia terreno fértil para as atividades em grupo. Nas palavras de Fernàndez (2000): "Desmontar solenidades territoriais para ir germinando autorias: essa é a alegria construtiva que cresce nos grupos" (p. 124). Colocar os aprendentes para trabalhar em duplas ou grupos pode ser eficaz para escrever, reescrever, planejar a escrita, ler criticamente e encontrar soluções de linguagem para problemas textuais, pois utiliza esforços combinados, explorando o que cada um pode trazer de contribuição à tarefa. Além disso, ao conversarem sobre um desafio de escrita, os pequenos estarão engajando-se em atividades epilinguísticas, isto é, que exigem reflexão sobre a língua a fim de comunicar-se da melhor maneira possível.

 

Organização das aulas

As aulas de TR foram planejadas, organizadas e desenvolvidas segundo as considerações metodológicas oriundas da psicopedagogia e de cursos de formação de escritores. Buscando maneiras de despertar o prazer pela escrita e melhorar o desempenho linguístico dos aprendentes - vistos como autores, não apenas redatores -, foi escolhida uma abordagem que pensasse os aspectos artísticos/expressivos da produção de texto e agregasse as contribuições da psicopedagogia, sem perder de vista as necessidades de um Ensino Fundamental II.

O material adotado pela escola na qual a pesquisa foi realizada, assim como a grande maioria de livros didáticos que trabalham com a escrita, propunha sequências didáticas em torno de gêneros textuais, que podem ser esquematizadas em três momentos principais: a) leitura de textos de determinado gênero; b) identificação e sistematização de suas características formais e de conteúdo, bem como seu contexto de produção e c) escrita de textos do mesmo gênero, mimetizando as características observadas. O curso completo dividiu-se em três trimestres letivos e, a cada trimestre, foram trabalhados dois gêneros textuais, a saber: conto maravilhoso, fábula, carta, narrativa de mistério, relato pessoal e poema.

As estratégias de exploração dos gêneros textuais foram variadas, mas sempre pautadas por uma metodologia básica:

a. Primeiro contato com o gênero

Conto maravilhoso: exibição do filme "Enrolados" e análise segundo a morfologia dos contos maravilhosos de Vladimir Propp; leitura de "Chapeuzinho Adormecida no País das Maravilhas.

Fábula: leitura de textos clássicos.

Carta: leitura de cartas/cartões postais de família e de um texto narrativo epistolar (construído em forma de cartas).

Narrativa de mistério: leitura de textos selecionados, propostos no livro didático.

Relato pessoal: apresentação da música "O Jumento", do musical Saltimbancos; leitura de "Aventura", de Manoel de Barros e de trecho do "Diário de Tati".

Poema: leitura de poemas variados.

b. Exploração dos textos

Identificação e sistematização de suas características; recorrências formais e de conteúdo; contexto de produção (interlocução, linguagem, esfera de circulação).

c. Proposta de produção

Conto maravilhoso: continuação do início do texto "Conto de fadas para mulheres do século XXI", de Luís Fernando Veríssimo.

Fábula: construção de uma fábula a partir do sorteio de dois animais (figuras recortadas de revista, trazidas de casa pelos próprios alunos) e de um dito popular (também trazido pelos alunos, com base em pesquisa familiar).

Carta: no laboratório de informática, troca de e-mails entre pares de alunos sobre assuntos dirigidos.

Narrativa de mistério: produção de texto baseada em imagens.

Relato pessoal: a partir de uma foto que retratasse um fato marcante da vida, e após contar sua história para a turma oralmente, produção de relato escrito.

Poema: produções dirigidas variadas, feitas em sala, conforme técnicas ensinadas pela professora (assonância e aliteração; rimas tonantes e consonantes; esquema rítmico; associação livre de palavras e ideias; subversão do olhar; novas definições para objetos cotidianos; poesia concreta, haicai).

No caso das aulas que deram origem a esta pesquisa, não havia, no material adotado pela escola, exercícios de linguagem disponíveis para serem trabalhados no curso de Técnicas de Redação. Portanto, em paralelo ao uso do livro, foram realizadas atividades pontuais de técnica, elaboradas e aplicadas pela professora, visando ao desenvolvimento de ferramentas de manejo da língua. Os exercícios específicos de linguagem foram aplicados amiúde durante todo o ano letivo e, mais intensivamente, durante as últimas semanas de aula, em caráter de revisão.

Tais atividades partiram de necessidades específicas detectadas nas produções dos próprios aprendentes. Com base nas observações das produções de texto diagnósticas aplicadas no início do ano, foram estabelecidas prioridades em relação ao domínio da linguagem e elaboradas propostas de atividades visando a fortalecer as habilidades de linguagem necessárias. A seguir, é possível ter uma visão geral das dificuldades detectadas e intervenções realizadas.

 

Tabela 1

 

As atividades acima descritas foram realizadas ora em grupo, ora individualmente, conforme a necessidade e o andamento das aulas. Alguns exercícios - como a "torta na cara da colocação pronominal" - foram apresentados em contextos lúdicos e, em outros momentos, sem mudança substancial de conteúdo e procedimento, de forma tradicional ("Selecione a alternativa que melhor completa as frases abaixo"). Outros, mais convencionais - como o ditado de pontuação e a correção/reelaboração de textos - foram propostos de duas maneiras diferentes: primeiro em forma de lista de exercícios, com os alunos sentados em suas carteiras; depois, exatamente com os mesmos comandos, em forma de gincana, com os alunos espalhados pela sala.

A gincana à qual o questionário faz referência foi desenvolvida ao longo das três últimas semanas de aula, após a última avaliação trimestral. Teve como objetivo fazer uma revisão dos assuntos trabalhados ao longo de todo o ano, tanto para relembrá-los e assegurar sua apreensão como para preparar aqueles que fariam as provas de recuperação e exame.

 

Percepção dos alunos

O questionário aplicado aos aprendentes propôs-se a verificar se as aulas desenvolvidas conforme as bases teóricas explicitadas no início deste artigo atingiram o objetivo de proporcionar estímulos lúdicos e prazerosos para as práticas de produção textual. Também tencionou analisar se e em que medida o prazer proporcionado pelas atividades influenciou o engajamento da turma. Em último grau, pretendeu analisar os impactos das atividades realizadas no desempenho da escrita, segundo a autopercepção discente. A tabela 2 apresenta as perguntas do questionário; as células em destaque representam as respostas majoritárias em cada questão.

Todas as questões foram elaboradas em código direto tendo em vista as hipóteses de pesquisa, ou seja: as respostas "sim" e "mais ou menos" indicam que as práticas pedagógicas atingiram o objetivo, em maior ou menor grau, e as respostas "não" indicam que não atingiram. A visão global dos dados (gráfico 1) demonstra que a maior parte dos alunos respondeu "sim" ou "mais ou menos" à maioria das questões. Apenas as perguntas 1, 2, e 12 não tiveram "sim" como resposta majoritária, sendo que somente a 2 (Você sempre gostou de escrever?) apresenta maior número de respostas negativas, enquanto na 1 (Você gosta de escrever?) e na 12 (Você gostou das atividades de pontuação, correção e reelaboração de textos?) prevalecem a resposta "mais ou menos". Essas informações indicam que a grande maioria dos alunos gostou das aulas e se engajou nas atividades propostas. Demonstram também que a maior parte dos alunos reconheceu a importância das tarefas para facilitar e aprimorar a produção de texto.

A solução usada para tratamento e visualização de dados (Power BI) possibilita enxergar correlações entre respostas de diferentes perguntas, auxiliando a análise. Os dados completos e a ferramenta interativa podem ser acessados em http://bit.ly/abedayub2017a.

Independentemente de gostarem ou não de escrever, todos os alunos afirmam ter gostado (89%) ou gostado mais ou menos (11%) das aulas de TR (pergunta 3). Também relatam que as aulas de TR despertaram seu interesse (pergunta 4) total (73%) ou parcialmente (27%). Apenas 1 aluno relata não ter sentido vontade de participar das atividades propostas (pergunta 5), enquanto os demais responderam "sim" (67%) ou "mais ou menos" (32%) a essa questão. Entre aqueles que não gostam de escrever, 80% gostaram ou gostaram mais ou menos de escrever os textos propostos em aula (pergunta 6). Dos que gostam mais ou menos de escrever, 92% marcaram entre "sim" e "mais ou menos" em resposta a essa pergunta. Os dados indicam que as aulas conseguiram atingir positivamente os alunos, interessando-os, mobilizando-os e engajando-os nas atividades.

Há uma discrepância entre as respostas dadas às perguntas 10 (Você gostou de ter a oportunidade de compartilhar seus textos com os colegas?) e 11 (Você gostou de ouvir os textos dos seus colegas?). Enquanto quase todos os alunos (90%) gostaram de ouvir os textos dos colegas, menos da metade (41%) sentiu o mesmo em relação a ler seus próprios textos. Da mesma forma, 21% não gostaram de ler seus textos, ante apenas 3% que não gostaram de ouvir. Essa diferença pode ser sintoma da falta de confiança dos alunos para exporem suas produções ao olhar do outro.

Curiosamente, alunos que indicaram que sempre gostaram de escrever sentiram-se menos à vontade para mostrar seus textos aos colegas. Dos alunos que responderam "sim" à pergunta 10 (Você gostou de ter a oportunidade de compartilhar seus textos com os colegas?) apenas 13% responderam "sim" à pergunta 2 (Você sempre gostou de escrever?), enquanto 55% responderam "não". Na pergunta 2, (Você sempre gostou de escrever?), dos 47% de alunos que responderam "não", 41% afirmaram gostar de ter a oportunidade de compartilhar seus textos com os colegas (pergunta 10), porcentagem maior do que a dos que indicaram que sempre gostaram de escrever (36%).

Houve uma percepção bastante positiva dos alunos em relação à sua evolução pessoal: 97% dos alunos (69) responderam "sim" ou "mais ou menos" para a pergunta 9 (Você acha que seus textos melhoraram ao longo deste ano?) e apenas 2 alunos relataram não notar nenhuma melhora em suas produções. É possível observar também uma mudança no gosto pela escrita: 79% das crianças (57) responderam "sim" ou "mais ou menos" para a pergunta 1 (Você gosta de escrever?), enquanto 53% (38 crianças) responderam "sim" ou "mais ou menos" para a pergunta 2 (Você sempre gostou de escrever?). Dentre os 34 alunos (47%) que responderam "não" para a segunda pergunta, apenas 15 (35%) relatam que ainda não gostam de escrever; 18 (53%) dizem gostar mais ou menos e 4 (12%) afirmam gostar. Há, portanto, indicativos de aumento no prazer ao produzir um texto e consequente diminuição da rejeição à escrita.

As respostas à pergunta 8 mostram que 61% dos estudantes (41) acreditam que as aulas, brincadeiras e dinâmicas propostas para a elaboração dos textos fizeram com que ficasse mais fácil escrevê-los, enquanto apenas 4% (3 alunos) não veem essa correspondência. Desses 41 alunos, 37 afirmaram gostar ou gostar mais ou menos de escrever. Em contrapartida, de todos os que disseram que gostavam ou gostavam mais ou menos de escrever, apenas 1 não considerou que as atividades facilitaram a escrita de textos. Já dos 15 alunos que não gostam de escrever, 12 disseram que as aulas ajudaram, contra 2 que responderam "não".

Entre os 41 alunos que sentiram maior facilidade para escrever os textos após as atividades propostas, 81% também se sentiram motivados a fazê-lo, enquanto nenhum dos 3 alunos que não consideram que as atividades tornaram a escrita mais fácil se sentiu motivado a escrever. Todos os 51 estudantes (74%) que afirmaram que as aulas, brincadeiras e dinâmicas propostas para a elaboração dos textos deram vontade de escrevê-los (pergunta 7) marcaram "sim" ou "mais ou menos" em resposta à pergunta 8.

Uma análise preliminar do conjunto dessas respostas permite supor que existe uma relação entre o prazer, a motivação e a facilidade na escrita, embora não seja possível saber, apenas com os dados disponíveis, qual ou quais desses aspectos ocasiona(m) o(s) outro(s). Pode-se pensar que aqueles que gostam de escrever - e portanto já estão predispostos a encararem os desafios literários com mais prazer - compreendem melhor (mesmo que intuitivamente) o percurso da sequência didática desenvolvida. Outra possibilidade de interpretação é a de que aqueles que entendem o propósito das atividades às quais estão sendo convidados a participar encontram mais prazer em realizá-las; com isso, constroem um desejo preliminar, que contamina positivamente o momento da escrita do texto em si. Segundo a teoria do processo cognitivo da escrita de Flower & Hayes (2016), quanto mais e melhor um indivíduo compreender e organizar seus processos mentais durante a composição do texto, tanto melhor será seu desempenho enquanto escritor. Portanto, é importante tentar garantir que todos os alunos atribuam sentido às práticas de sala de aula.

Pensando ainda no engajamento e no sentido atribuído às atividades, é interessante comparar as respostas dos alunos quando questionados sobre as atividades de pontuação, correção e reelaboração de textos e sobre a gincana, que foi composta exatamente pelas mesmas atividades. A discrepância nas respostas a essas perguntas fornecem informações sobre a diferente recepção dessas tarefas quando apresentadas em contexto lúdico ou em contexto tradicional.

Ao todo, 84% dos estudantes gostaram da gincana, 13% disseram ter gostado mais ou menos (13%) e apenas 2 (3%) afirmaram não ter gostado. Dos 11 alunos que responderam "não" ou "mais ou menos" a essa questão, 7 afirmaram ter se empenhado nas atividades da gincana (pergunta 15) e os outros 4 responderam "mais ou menos". Dos 60 que gostaram da brincadeira, 7 empenharam-se mais ou menos e um único não se empenhou.

Na questão 16, (Você acha que as atividades da gincana foram importantes para melhorar seus textos?), 67% dos estudantes (47) responderam "sim", enquanto 27% (19) responderam "mais ou menos" e 6% (4), "não". No entanto, em resposta à pergunta 13 (Você acha essas atividades (de pontuação, correção e reelaboração) importantes para melhorar o seu texto?), 91% dos alunos (64) afirmaram que as atividades referidas eram importantes e apenas 1% (1) respondeu "não".

É interessante notar que dentre os 18 alunos que responderam "não" à pergunta 12 (Você gostou das atividades de pontuação, correção e reelaboração de textos?), apenas 2 mantiveram a resposta para a pergunta 14 (Você gostou da Gincana?); ante 7 que responderam "mais ou menos" e 9 que responderam "sim". Dos 34 alunos que disseram ter gostado mais ou menos das atividades de pontuação, correção e reelaboração de textos, apenas 2 mantiveram a resposta para a pergunta 14 e os outros 32 afirmaram ter gostado da gincana. Todos os 19 alunos que gostaram dos exercícios em contexto tradicional também gostaram da gincana.

Quando comparamos as opiniões sobre a importância das atividades tradicionais e da gincana para melhorar a escrita, temos que 91% dos alunos (64) responderam "sim" e 7% (5), "mais ou menos" quando questionados se as atividades tradicionais foram importantes para a melhoria dos textos (pergunta 13). Já sobre as atividades da gincana, esse número se reduz para 67% (47) que responderam "sim" e 27% (19), "mais ou menos", ante 6% (3) que não reconheceram a importância.

Podemos inferir que os mesmos exercícios, quando em contexto lúdico, são vistos com diferente grau de importância para a mesma finalidade. Não obstante, são melhor aceitos pelos alunos se apresentados de maneira divertida. É possível que a maior dificuldade em reconhecer o valor educativo de atividades lúdicas se deva à barreira que os discursos pedagógicos encontram em ultrapassar os muros da academia e modificar os paradigmas do pensamento da sociedade. Ainda assim, os resultados da pesquisa mostram que, mesmo quando não compreendem muito bem a finalidade prática das brincadeiras para seu desenvolvimento escolar, os alunos empenham-se, mobilizando energia e utilizando todos os recursos disponíveis.

 

Considerações finais

As análises preliminares dessa pesquisa corroboram a importância de um plano de aula calcado no saber e no olhar psicopedagógicos, em que sejam estimulados o prazer e o divertimento associados à produção de texto. É preciso enxergar o aluno como sujeito desejante e trabalhar esse desejo, buscando incluir em cada sequência didática atividades - tanto de exploração de gênero como epilinquísticas - que contemplem as múltiplas inteligências e os diferentes estilos cognitivo-afetivos.

De acordo com o resultado da pesquisa, a percepção dos aprendentes parece validar as hipóteses que nortearam o planejamento das aulas aqui descritas. Tudo indica que essa concepção de ensino de Técnicas de Redação oferece condições para alcançar um dos principais objetivos desse componente curricular: colocar o aluno em uma posição em que ele se sinta confortável com a possibilidade de se expressar por meio da escrita.

Pesquisas que proponham avanços metodológicos na área de ensino de produção de texto são essenciais no contexto contemporâneo, em que a competência escritora faz-se cada vez mais necessária. Novas pesquisas podem acrescentar outras análises relacionadas aos processos de ensino e de aprendizagem da produção textual em uma abordagem na qual não se percam de vista as dimensões volitiva e autoral envolvidas na comunicação escrita. As informações disponibilizadas no link podem servir como banco de dados para novas hipóteses.

 

Referências Bibliográficas

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1 Graduada em Letras pela Universidade de São Paulo, tem pós-graduação em Formação de Escritores e em Psicopedagogia Sistêmica. Atualmente, atua como coordenadora do Curso Livre de Formação de Escritores da Baixada Santista, pelo NIP - Núcleo de Incentivo à Palavra, junto à Secretaria Municipal de Cultura de Santos/SP. Trabalhou durante oito anos com ensino de produção de texto no ciclo básico. Fez cursos de escrita no Brasil e em Portugal e ministra oficinas de escrita literária em ambos os países. Email: danielcayub@gmail.com.
2 Graduado em Física pela Universidade de São Paulo, tem MBA em Business Intelligence pela FIAP. Atua na área de ciência de dados, com análise estatística, criação de dashboards e soluções de visualização de dados. Email: carolina.abed@gmail.com.
3 FERNÁNDEZ, 1990.
4 Para mais reflexões sobre os aspectos emocionais envolvidos na produção de texto, ver ABED, 2016b.
5 Para uma explicação mais detalhada sobre os estilos cognitivo-afetivos, ver FAGALI, 2000.
6 Sobre a teoria das inteligências múltiplas, ver GARDNER, 1994.
7 Ver Smole, 2000.

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