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Construção psicopedagógica

Print version ISSN 1415-6954On-line version ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. vol.26 no.27 São Paulo  2018

 

EDITORIAL

 

 

"... As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É, portanto, claro que a palavra será o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados."

(Bakhtin)

Como o sujeito é uma síntese de múltiplas determinações, construída individualmente em conexão com o grupo social em que está inserido e suas contradições, é importante a busca do entendimento de sua história de vida e da dialética das relações constitutivas desta síntese. Então, para a compreensão das atitudes dos aprendentes é importante resgatar os fios da trama que constituíram este sujeito, pois o aprender está cercado pelo outro, pela linguagem e pelo contexto de sua utilização, sendo impossível separar todos os aspectos envolvidos nesse processo, tornando-se fundamental abordar o papel da família, da escola, da sociedade e da cultura. Por isso, abrimos este editorial com o pensamento de Bakhtin que revela a polissemia da palavra e a importância delas na constituição dos sujeitos.

Temos afirmado que a revista "Construção Psicopedagógica" busca contemplar os leitores com um conteúdo atual e sob diferentes olhares. Este volume traz como tônica aspectos do desenvolvimento humano em relação à família, escola, cultura e aspectos da aprendizagem ligados a aspectos físicos, como a respiração bucal e aspectos ligados a intervenção psicopedagógica através de jogos, contos e organização da própria intervenção em diferentes aspectos e espaços.

Os temas se relacionam destacando os diferentes aspectos da constituição do sujeito e de possibilidades de intervenção em contextos institucionais e clínicos, permitido uma análise para a formação de cidadãos abertos ao mundo, flexíveis em seus valores, mais tolerantes e democráticos.

Iniciamos com a entrevista realizada com a Dra. Iara Coelho Zito Guerrieiro, docente do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina ABC, membro titular da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), coordenadora do Grupo de Trabalho em Ciências Humanas e Sociais da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (GT CHS/CONEP) e da Instância CHS/CONEP. Esta entrevista é muito importante para obtermos mais informações sobre a pesquisa na área de educação e aprendizagem, além de conhecermos a abrangência das pesquisas qualitativas nas áreas humanas e sociais. Segundo a autor:

Existem muitas diferenças entre as pesquisas em ciências humanas e sociais, uma vez que diferentes paradigmas da ciência convivem, sem que um supere o outro. Há ainda uma grande diversidade teórico-metodológica para abordar os inúmeros objetos de estudo. Assumir essa diversidade é um grande avanço.

Nosso primeiro artigo PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA E DA ESCOLA NA EDUCAÇÃO DOS JOVENS traz uma contribuição internacional de Carlos Pedro Cláver Yoba, Doutor em Ciências Pedagógicas, mestre em Educação, licenciado em Psicologia, , Reitor para Cooperação da Universidade Lueji A´Nkonde de Angola. Considerando fundamental a participação da família e da escola na formação e no desenvolvimento dos jovens e observando a diversidade cultural de seu país, o autor aponta que as famílias educam os jovens na aspiração de preparar-lhes para a vida em sociedade e que Angola, tem passado por algumas reformas buscando a universalidade do ensino, trazendo em seu bojo vários princípios: unidade, laicidade, democracia, dentre outros.

[...] cada componente do processo educativo desempenha o seu papel e a conjugação entre eles, entende-se componentes, garante a formação adequada dos jovens em homens e mulheres para o desenvolvimento no país. Isto significa que a família e a escola desempenham um papel preponderante na educação dos jovens exigindo para tal o espírito de cooperação e colaboração.

Na sequência, temos o artigo MULTICULTURALIDADE, TRANSCULTURALIDADE, INTERCULTURALIDADE, produzido por Lisette Weissmann, psicóloga, doutora em Psicologia social e membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e do projeto Ponte. A autora nos convida a refletir sobre como as cidades modernas precisam conviver com as migrações, expatriações, exílios, refúgios, intercâmbios de profissionais e mão de obra qualificada entre nações numa sociedade pluralista e diversa em que o respeito e a tolerância cultural são fundamentais. Como consequência, novos termos surgem para explicar essa diversidade e propor formas de lidar com elas: multiculturalidade, transculturalidade e interculturalidade.

A problemática também atravessa as instituições de ensino, nas quais se transmite as gerações futuras o aprendido e construído pelos seus antecessores. Mas as diferenças culturais nem sempre são compreendidas e adequadamente interpretadas pelos educadores. A possibilidade de buscar e construir os caminhos necessários para o diálogo multicultural inicia-se com a disposição de se olhar para o aluno e acolher as suas práticas culturais, encontradas nas histórias de diferentes grupos, nas suas lutas pelo direito à sua especificidade e a seus valores próprios. Segundo a autora,

A escola está imersa em uma cultura local e geral e é pensada para ser transmissora das mesmas. Mas quando as várias culturas aparecem nela, as vezes tentam ser apagadas para apelar a uma educação homogênea na qual as diferenças ficam obturadas já que introduzem irrupções ao status quo. Se pensamos na transmissão do conhecimento, não podemos nos subtrair de aceitar e introduzir as diferenças como motor de aprendizagem e como aquela variável que alenta a criatividade e contribui na formação da subjetividade. Só na possiblidade de dar lugar ao diferente, defrontando-nos com as incertezas que o mundo globalizado nos anuncia, é poderemos gerar gerações nas quais a mudança seja um fator predominante e habilitador. O migrante e o diferente trazem ao social, aquilo que atemoriza, Freud já nos falava do umheimlich como aquilo familiar e estranho ao mesmo tempo, porém difícil de considerar na construção de subjetividade.

O próximo artigo nos traz a contribuição de Patrícia de Souza Marques, Pedagoga, licenciada em Letras e Psicopedagoga formada pela PUC- SP. Com o artigo A INFLUÊNCIA DA RESPIRAÇÃO NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM ressalta o valor da consciência e do trabalho de um psicopedagogo diante da problemática associada às características e necessidades da criança que respira pela boca, bem como valoriza a importância de um atendimento com enfoque multidisciplinar e diálogo com pais e professores em torno da problemática. Os distúrbios de aprendizagem podem ocorrer por razões multifatoriais, dentre elas a respiração oral. Considerando o tema sobre a respiração com foco na "síndrome do respirador bucal", esse trabalho trouxe evidências de que o modo pelo qual o indivíduo respira, pode influenciar o processo de aprendizagem. Conforme a autora,

As escolas certamente recebem crianças com problemas de motricidade oral e não sabem como auxiliá-las nessas dificuldades, na maioria das vezes por não saberem o que está impactando aquela criança. Assim sendo, apresentam queixas sobre crianças desatentas, inquietas, que apresentam trocas e distorções na fala e consequentemente erros na escrita. Por isso, acredito que quanto mais os professores souberem das consequências da respiração oral, mais poderão entender as dificuldades do aluno e auxiliá-lo, evitando assim prejuízos associados aos fracassos escolares.

Maria Thereza C. de Souza, psicóloga e professora da Universidade de São Paulo, Ana Lucia Petty e Clarice Kunsch, mestras em Psicologia Escolar do Desenvolvimento Humano pela IPUSP e Regiane J. Santos, aluna da graduação da USP trazem o artigo DESAFIANDO CRIANÇAS A PENSAR: INTERVENÇÃO COM JOGOS. O artigo traz o relato de uma pesquisa realizada pelo Laboratório de Estudos sobre Desenvolvimento e Aprendizagem (LEDA), do Instituto de Psicologia da USP, com crianças encaminhadas ao laboratório com queixas de dificuldades escolares, por um período de três semestres, sendo o atendimento realizado semanalmente para grupos de até 10 crianças.

A presente pesquisa colheu dados em um dos semestres. Por meio de protocolos de registro foi possível analisar ações quanto a procedimentos e atitudes ao jogar e resolver situações-problema, em um contexto de oficinas de jogos e desafios lógicos. As atividades foram planejadas previamente e propostas por profissionais que atuavam como mediadores para acompanhar e observar, assim como avaliar e intervir nas dificuldades de aprendizagem.

A partir da observação das ações frente às atividades com jogos, realizou-se um inventário que expressasse a configuração cognitiva e sócio afetiva dos participantes, permitindo a indicação de onde e como os profissionais poderiam intervir com maior ênfase. Segundo as autoras

[...] os resultados indicaram uma importante contribuição do programa de intervenção com jogos, uma vez que o mesmo revela particularidades dos modos de enfrentamento das dificuldades, bem como aspectos gerais do processo de autorregulação. Demonstram também que atividades com jogos mediadas por adultos, que propõem dinâmicas e materiais variados estimulam não somente o interesse e a autonomia, mas também motivam as crianças a controlar a impulsividade, bem como a construir soluções para superar dificuldades e conflitos. Tais ações favorecem o protagonismo e a conscientização do que deverá ser modificado em prol de um melhor desempenho escolar, trazendo benefícios também para o desenvolvimento e a aprendizagem de modo mais amplo.

Continuando com as possibilidades de intervenção, trazemos o artigo O CONTO UTILIZADO COMO FERRAMENTA PSICOPEDAGÓGICA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA, assinado por Adriana Greco Marega Ferreira, Psicóloga e Psicopedagoga, atuando em consultório particular no atendimento de crianças, adolescentes, adultos e idosos. O artigo traz um relato de experiência a partir de recortes de atendimentos psicopedagógicos realizados pela autora. Durante a realização do atendimento descrito neste trabalho a autora utilizou o livro O reizinho mandão, de Ruth Rocha. O livro foi escolhido inicialmente para abordar questões referentes à dificuldade de tolerar frustrações, o desejo de fazer tudo como queria e permitir que o paciente pudesse se identificar com aspectos do conto e simbolizar conteúdos inconscientes. Conforme a autora,

O conto é um ótimo exemplo de instrumento que, ao ser utilizado, facilita o surgimento do emocional, do afetivo. O conto usa a mesma linguagem do inconsciente (símbolo), por isso, fala diretamente com uma criança por meio de uma linguagem simbólica, sem a necessidade de explicações, do uso da razão e as imagens existentes vão direto ao inconsciente, podem resolver algum eventual problema e levá-lo a uma mudança pessoal. Nos atendimentos, o conto e as representações simbólicas do paciente foram utilizados como instrumentos psicopedagógicos para a mobilização imaginativa dos conteúdos arquetípicos e expressões criativas, que possibilitaram o desenvolvimento e compreensão da linguagem oral, escrita e gestual da leitura.

E por último, para fecharmos a questão das possibilidades de intervenção, temos a resenha elaborada por Rose Skripka N. Gabriel. A resenha traz o livro A intervenção psicopedagógica nas dificuldades de aprendizagem escolar, da Editora Wak, escrito por Maria Lucia Lemme Weiss, psicóloga, pedagoga e psicopedagoga clínica e institucional, professora e assessora em cursos de Psicopedagogia no Brasil, ex-presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) e professora adjunta do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Nesta obra, a autora aborda a intervenção psicopedagógica sob dois parâmetros que se justapõem a sua experiência pessoal e uma proposta de método de trabalho.

O livro indica caminhos fornecendo um roteiro de atuação do psicopedagogo, tanto dentro do consultório como nos outros ambientes que envolvem a queixa do paciente. Assim, segundo Rose a autora explica que

[...] os recursos que o psicopedagogo pode usar em sua atuação nos atendimentos que paulatinamente conduzem o paciente a lidar melhor com suas dificuldades. São ações nas quais é imprescindível que o profissional tenha clareza de qual objetivo pretende atingir, pois a intervenção neste caso significa mostrar ao paciente outras possibilidades para se chegar ao conhecimento de um objeto, que vêm para acrescentar ao modo de compreender que o paciente já traz consigo.

Desta forma, a Revista Construção Psicopedagógica convida você leitor para dialogar com as diferentes possibilidades do trabalho psicopedagógico, nos seus diversos aspectos, sejam eles culturais, afetivos, sociais, envolvendo os diferentes atores: paciente, família, escola e comunidade, em suas possibilidades interventivas em interface com outros campos, tais como educação, linguagem, saúde, psicanálise entre outras, tendo sempre um olhar multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar.

Além da gratidão pela companhia na leitura e divulgação de nossa revista, esperamos também a sua contribuição para o próximo número. Ela é muito importante para nós!

 

Marlene Coelho Alexandroff

Editora Científica

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