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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. vol.26 no.27 São Paulo  2018

 

ARTIGOS

 

Participação da família e da escola na educação dos jovens

 

Family and school participation in youth education

 

 

Carlos Pedro Cláver Yoba1

Universidade Lueji A'Nkonde - República de Angola

 

 


RESUMO

O processo educativo é reconhecidamente complexo. Neste artigo, se pretende apresentar a concepção teórica do aludido processo fazendo recurso a diferentes teóricos ou autores. Abordam-se os conceitos fundamentais para compreender a "Participação da família e da escola na educação dos jovens" partindo de uma análise geral para uma análise particular e angolana. O objectivo fundamental é demonstrar o empenho da família e da escola na educação das novas gerações, na manutenção dos hábitos e costumes, assim como na educação tradicional. O método aplicado nesta abordagem consistiu na consulta bibliográfica e documental.

Palavras-chave: Família, Escola e Educação.


ABSTRACT

The educational process is recognizable as being a complex one. In this article, we intend to present the theoretical conception of the mentioned process making resource from different authors or scholars. The fundamental concepts are approached to understand the "Participation of the family and the school in the youths' education" based on a general analysis to the particular and Angolan one. The fundamental objective is to demonstrate the pledge of the family and that of the school in the education of the new generations, in the maintenance of the habits and costumes, as well as in the traditional education. The applied method used in this approach consisted of the bibliographical and documental consultation.

Keywords: Family, School and Education.


 

 

Introdução

O desenvolvimento das sociedades deve ser consequência da organização dos diferentes componentes existenciais. Neste sentido, é importante verificar como esses componentes intervêm na organização e funcionamento das sociedades rumo a construção de espaços sociais sãos desde a mais tenra idade. Ao interpretar este anseio existente no seio das populações e/ou comunidades, decidiu-se investigar bibliográfica e documentalmente sobre "A Participação da Família e da Escola na Educação dos Jovens".

Será que a família e a escola podem participar na educação dos jovens? Compreendendo a dinâmica social, neste artigo se coloca como pretensão fundamental a participação da família e da escola na formação e no desenvolvimento dos jovens. Para satisfazer esse desiderato e problematizar a investigação, estabelece-se a seguinte pergunta de partida; Qual pode ser a participação da família e da escola na educação dos jovens? Tendo em conta as características do presente artigo, e para a sua elaboração definiu-se como método a consulta bibliográfica e a consulta documental de modo a ser o sustentáculo da teoria e dos demais posicionamentos.

 

Tratamento conceptual

Para uma real compreensão do texto, considera-se importante apresentar os conceitos básicos inerentes ao assunto a tratar. Desta feita, nesta parte da comunicação são tratados os conceitos fundamentais da comunicação, garantindo deste modo uma abordagem com base científica do tema.

 

A Família

Qualquer abordagem que se pretende fazer sobre determinados assuntos, é extremamente importante exprimir os pontos de vista de autores sobre a matéria e manusear claramente a epistemologia. Ao entender assim este assunto, parte-se do geral (família no sentido lato) para o particular (família sentido restrito) fundamentalmente a família no conceito angolano.

Para a Lei Constitucional da República de Angola no seu, artº 35º a família é o "núcleo fundamental da organização da sociedade e é objecto de especial protecção do Estado ()". (2010:15);

Numa abordagem claramente sociológica, a família constitui um conjunto de pessoas que se encontram unidas por laços de parentesco. Os laços de parentesco de uma família podem ter uma sustentabilidade inicial com a união por casamento, afinidade ou adopção.

O conceito família acaba sendo portador de uma postura polissémica. Ele, conceito família, representa usualmente a sociedade humana, mas a bilogia indica uma apresentação taxinómica e a gramática um conjunto de palavras com a mesma origem.

Contudo, no tocante aos seres humanos, os referidos laços podem agrupar-se em dois tipos: a) família consanguínea ou nuclear na qual convivem somente os progenitores, os geridos ou descendentes (pais e filhos) e b) família por afinidade (extensa ou alargada), na qual se evidenciam relações com outras pessoas não nucleares.

As tendências organizativas das famílias diferenciam-se de sociedade em sociedade. As famílias europeias, americanas, asiáticas apresentam como suporte organizativo familiar os membros da família nuclear. Este comportamento se reflecte directamente nas relações e nos apoios que um determinado membro oferece supostamente a outro que não faça parte dessa aspecto nuclear.

A organização familiar em África, tendencialmente se manifesta na família alargada. Esta situação, não se petrifica somente na ideia, mas sim numa clara concretização. Os parentes beneficiam-se dos apoios de uns e de outros com um profundo sentido de cooperação. Um determinado sujeito pode assumir a responsabilidade na educação de um filho do irmão, primo, tio e até mesmo vizinho em circunstâncias iguais aos seus filhos. Esta postura é mais vivenciada em África respondendo inclusive a escassez de meios de sobrevivência.

Em termos educativos, a família se configura no primeiro espaço de socialização de qualquer sujeito, sendo também o espaço empírico de aprendizagem de conhecimentos, experiência, de dados da vida prática e cultura.

Em Angola, a família pode ser constituída pelos pais e filhos, pelo pai e filhos, pela mãe e filhos (família parental), quando estes (cada progenitor) tomam e desempenham o papel de chefe de família. No entanto, embora não assumido formalmente, entende-se em termos de lei, verificam-se famílias resultantes de relações extraconjugais (um homem com duas ou mais famílias constituídas) cujo tratamento se considera equitativo em função dos costumes regionais.

 

A família e o processo de formação dos jovens

Já se verificou que a família é a primeira instituição formadora da sociedade. Ela, a família, desempenha muitas funções dentro da sua funcionalidade existencial. A família serve de espaço de aprendizagem, embora de modo informal, assim como de ponto de partida para todo um processo de desenvolvimento social.

A família transmite conhecimentos e muitas experiências da vida social, tendo como método específico a prática cotidiana, ou simplesmente, a vivência. O processo de transmissão de conhecimentos e a sua consequente absorção verifica-se no dia a dia das comunidades em geral e das famílias em particular.

Para reconhecer o papel educativo da família, Silva (2017 p. 30) considera que "mesmo sem projecto educativo, e de forma espontânea, a família realiza a educação dos seus membros para os tornar cidadãos úteis à sociedade".

Esse pensamento de Silva demonstra quão espontâneo é o processo de transmissão de conhecimentos no seio familiar, desprovido de regras rígidas ou metodológicas. As normas de conduta e de procedimento no seio da sociedade são deveras reconhecidas pela comunidade tendo esta a responsabilidade de as disseminar como padrão comportamental.

O dito, traz ao de cima a complexidade do processo educativo, mesmo no seio familiar. Sem grandes possibilidades de mensuração formal, se identifica a educação como um processo amplo e transversal cuja influência é contínua sobre os indivíduos que configuram uma determinada família, comunidade ou sociedade.

A educação tradicional sempre foi de importância vital para qualquer sociedade, principalmente as sociedades africanas ou/e também as chamadas indígenas. Sobre a incidência e meios de transmissão de conhecimentos, Neto (2014, p. 90) sustenta que "a educação oral da sociedade, as canções populares descreviam virtudes, () sentimentos () orientação da educação". Aqui, se pode constatar a semelhança deste pensamento com a reflexão apresentada por Silva no concernente a espontaneidade do processo educativo no seio da família. Na antiguidade a transmissão de conhecimentos e experiências era feita de forma oral e durante as noites de luar, com a chamada "noite de estórias" para aprendizagem cultural.

Muitos são os exemplos de como tradicionalmente se educam os jovens na aspiração de preparar-lhes para a vida em sociedade. Existem ritos próprios de iniciação tanto masculino como feminino diferenciando-se de região para região, podendo destacar: mukanda1, txicumby (i)2 , tchicumbi3, ficó4.

Como se pode verificar, o processo de transmissão de conhecimentos, experiências e informações culturais tem o seu início no seio familiar e consequentemente na comunidade. O visto tanto por Silva como por Neto expressa a responsabilidade da família na preparação dos jovens para a sua participação activa no desenvolvimento social, adquirindo assim uma formação inicial cuja prossecução formal passa a ser da Escola.

 

A Escola

A escola deve ser entendida como uma Instituição portadora de uma estrutura multifuncional composta pelo edifício, professores, alunos e outros funcionários. Esta Instituição é formalmente existente para orientar o processo de ensino e aprendizagem, pois tem como objectivo educar as diferentes gerações no processo de desenvolvimento da humanidade. Para o efeito, a escola é detentora de um conjunto de planos organizados de modo sistemático, sistémico e sequencial, garantindo a dosagem da aprendizagem das crianças e jovens em função do seu nível etário e de desenvolvimento cognoscitivo.

A escola tem a responsabilidade de educar os jovens segundo um programa concreto e um conjunto de planos sistemáticos que devem corresponder aos níveis etários dos seus participantes pessoais.

 

A escola e seu caráter funcional

Para consolidar o carácter formal da escola, Silva 2017, p. 34 esclarece que "A acção educativa que decorre na escola obedece a um currículo, a metodologias e processos didácticos assegurados por professores ()" ressaltando o papel importante do professor na organização, realização, avaliação e controlo do processo na sua generalidade.

Para continuar com a sua tarefa, a instituição escolar tem planos organizados de forma sistemática e sequencial. Conhecendo essa particularidade, Silva defende que a escola é uma "instituição educativa hegemónica. () esta é a segunda e, talvez, a mais importante instância educativa, socialmente reconhecida, () que certifica".

Preocupado com o sistema educativo, o Executivo de Angola preparou ao longo do tempo algumas reformas cujo objectivo é corresponder com universalidade do mesmo a nível mundial. Neste sentido, uma primeira grande reforma foi concebida logo apos a independência com a mudança dos paradigmas educativos que transitaram do sistema colonial português para o sistema "popular" e de acesso maioritariamente angolano. A segunda reforma está contida na Lei 13/01 de 31 de Dezembro, cujos princípios foram profundamente trabalhados por Benedito 2012, pp 82-83, com o seguinte esmiuçamento:

  • Integridade- existência de correspondência entre os objectivos de formação e os de desenvolvimento do país () garantindo a articulação horizontal e vertical () dos subsistemas, níveis e modalidades de ensino;

  • Laicidade- pressupõe a independência do sistema de qualquer religião ou credo religioso;

  • Democraticidade- considera que todo o cidadão angolano independentemente da raça, local de nascimento, religião e classe () têm direitos iguais no acesso e frequência dos diferentes níveis de ensino;

  • Gratuitidade- o Estado isenta todos os alunos do ensino primário, regulares ou adultos do pagamento de qualquer taxa pela inscrição, assistência () todos os indivíduos são obrigados a frequentar o ensino primário;

  • Obrigatoriedade- o ensino primário é obrigatório para todos os indivíduos que frequentem o subsistema do ensino geral;

O processo educativo é seriamente dinâmico. Com base nessa dinâmica, a República de Angola, passados quinze anos apresentou a terceira grande reforma no sector educativo cuja descrição se pode consultar na Lei 17/16 da qual os princípios se podem encontrar enunciados na figura abaixo.

 


Figura 1 - Clique para ampliar

 

Para além de outros aspectos inovadores, em termos de filosofia da educação, na actual lei, ressalta-se a introdução do princípio da legalidade. Este princípio vem assegurar a funcionalidade das instituições de ensino somente depois de cumprirem com os desideratos legais, evitando um funcionamento institucional à margem da lei como se verificou durante muito tempo. Com este princípio abre-se um combate cerrado ao comportamento de ilegalidade muitas vezes recorrido pelos distintos promotores em todos os níveis (ensino geral ou secundário e ensino superior).

 

O jovem

Este conceito é certamente amplo e de aplicação também ampla. O jovem é um sujeito com uma determinada idade que muitos autores designam como meia idade, com frescura, moço com características próprias da idade.

Tendencialmente os jovens são animados e intempestivos pois genericamente não medem as consequências das suas acções. Neste sentido, ao lado dos jovens estão sempre um adulto para orientar e apoiar nas suas decisões para o futuro.

 

Componentes educativos

Como se pode verificar ao longo desta descrição no processo educativo no geral e em Angola em particular existem elementos intervenientes, que nesta comunicação se designaram de componentes educativos. Falar de componentes educativos é ressaltar aqueles intervenientes pessoais e impessoais dentro desse complexo processo. Os componentes pessoais são os pais, os familiares, os amigos, os professores, os funcionários administrativos e os próprios alunos, e, os componentes impessoais são os edifícios onde se desenvolvem as actividades escolares.

 

 

A explicação retro manifesta o processo educativo na sua perspectiva mais ampla, pois participam as dimensões educação informal e a educação formal. Os componentes do processo educativo interagem entre si abonando experiências e conhecimentos num verdadeiro intercâmbio, cujo destino final é o jovem, como se pode verificar na figura nº 02.

 

Considerações finais

O processo de educação em geral engendra um conjunto de elementos caracterizados de complexos. Para compreender a funcionalidade desse processo é extremamente importante definir os conceitos fundamentais cuja articulação garante o cumprimento dos objectivos estabelecidos pelos realizadores do mesmo.

A família é assumida como o núcleo de base da sociedade, pelo que se configura no ponto de partida do processo educativo, embora de modo informal. A educação familiar, muitas vezes é considerada tradicional pois resguarda os hábitos e costumes dos diferentes povos africanos em geral e angolanos em particular.

Entretanto, a escola consiste numa estrutura organizada de modo vertical e horizontal cuja realização da educação é formal, sistemática e sistémica. Assim sendo, ela é possuidora de um programa e um cronograma capaz de assegurar a execução das tarefas educativos em prol dos jovens.

Finalmente, cada componente do processo educativo desempenha o seu papel e a conjugação entre eles, entende-se componentes, garante a formação adequada dos jovens em homens e mulheres para o desenvolvimento no país. Isto significa que a família e a escola desempenham um papel preponderante na educação dos jovens exigindo para tal o espírito de cooperação e colaboração.

 

Referências

BENEDITO, Narciso Damásio dos Santos. Centralização, autonomia e diversidade nos sistemas educativos de Angola e Portugal. Editora Setembro. Luanda, 2012        [ Links ]

Dicionário da Língua Portuguesa. Dicionários Editora, Portugal, 2006        [ Links ]

Nova Constituição da República de Angola. 2010        [ Links ]

NETO, Teresa da Silva. Contribuição a História da Educação e Cultura de Angola. Zaina Editores. Portugal, 2014.         [ Links ]

SILVA, Eugénio Alves. Gestão do Ensino Superior em Angola. Realidades, Tendências e Desafios Rumo à Qualidade. Mayamba Editora. Luanda 2016.         [ Links ]

SILVA, Eugénio Alves. Educação, Gestão Escolar e Projecto Educativo, in Educação e Desenvolvimento Local. 1º Fórum Provincial da Educação da Huila. ECO7 Investimentos, Lda. Luanda, 2017.         [ Links ]

https://queconceito.com.br/familia Acesso 22 Out. 2018        [ Links ]

https://www.significados.com.br/educacao/ Acesso 22 Out. 2018        [ Links ]

 

 

1 Doutor em Ciências Pedagógicas pelo Instituto Central de Ciências Pedagógicas de Cuba. Mestre em Educação pelo Instituto Superior Pedagógica "Enrique Jose Varona" de Havana-Cuba. Licenciado em Psicologia Pelo Instituto Superior de Ciências da Educação da Huila-Angola. Professor Catedrático. Reitor da Universidade Lueji A'Nkonde. Email: caryoba@yahoo.com
1 Iniciação masculina com circuncisão no leste de Angola. Os adolescentes são retirados do seio familiar e durante um período definido ficam sob tutela de alguns adultos numa vida de selva. Os adolescentes fazem ratoeiras, caçam pássaros e aprendem muitas coisas referentes a vida masculina. Cumpridas as fases, os adolescentes banham-se no rio e depois de aprumados "roupa nova" regressam a aldeia onde são recebidos em "gala" festiva pelos populares, considerando-os como preparados para a vida.
2 Rito de preparação da jovem logo que se identifica o seu primeiro período menstrual no leste de Angola. A adolescente, sem o conhecimento de muitas pessoas é encaminha para a casa de uma avó onde permanecerá durante um tempo determinado. A roupa íntima da rapariga somente será retirada do corpo depois do período definido e se manterá com a avó que a cuidou durante o referido período. Existem "riscos" nesse acto, pois dizem os mais velhos que caso a avó seja catalogada de má fé pode fazer uso destas vestes com procedimentos obscuros e provocar esterilidade da menina em causa.
3 Rito de celebração da puberdade em Cabinda, principalmente na zona Sul. Este ritual se reveste muito secretismo desde a sua preparação até a realização fundamentalmente para a rapariga que o cumpre. Pode ser individual como colectivo com um número de membros da mesma família definido pela necessidade.
4 Rito feminino no seio das populações da Huila. As raparigas são submetidas a um ritual inclusive para verificar o seu estado de virgindade. NOTA: todos esses rituais sofreram marcadas modificações em termos de organização e realização em função da globalização cultural.

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