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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. vol.27 no.28 São Paulo  2019

 

RELATOS DE EXPERIÊNCIA

 

Assembleias dramatizadas e formação de grupo relatos de experiências com alunos de 2ºs e 3ºs anos do ensino fundamental1

 

Dramatized assemblies and group formation reports of experiences with students of 2nd and 3rd years of elementary school

 

 

Ana Lúcia Arbex2

São Paulo, SP, Brasil

 

 


RESUMO

Esse artigo relata e discute o trabalho realizado com alunos de segundos e terceiros anos do Ensino Fundamental de uma escola particular da cidade de São Paulo, cujo objetivo foi tornar os alunos conscientes de sua responsabilidade na busca pelo bem-estar do grupo ao qual pertenciam. Como metodologia, recorreu-se à estratégia de Assembleias Dramatizadas, atividade que faz uso do teatro e jogos teatrais para solucionar conflitos surgidos no grupo, nas quais os alunos têm voz e são ouvidos. Com foco na importância do desenvolvimento das Competências Socioemocionais, o trabalho percorreu caminhos que levaram os alunos a escolheram assuntos merecedores de sua atenção e reflexão, os quais correspondiam aos seguintes conceitos: respeito mútuo, ética, grupo, convivência, honestidade, cuidado, diferenças e preconceito. Esses conceitos foram considerados em assembleias, realizadas de 2012 a 2016, aqui denominadas: O que nos incomoda (2º ano), Desenho coletivo (2º e 3º anos), História do grupo (2º ano). Constatou-se, de um modo geral, que os alunos se tornaram protagonistas ao estabelecerem, conjuntamente, combinados e regras, apropriando-se com autonomia do que se adequava melhor ao grupo.

Palavras-chave: Assembleia, dramatização, grupo, pertencimento, experiência, autonomia.


ABSTRACT

This article reports and discusses the work carried out with second and third year primary school students from a private school in the city of São Paulo, whose objective was to make the students aware of their responsibility in the search for the wellbeing of the group to which they belonged.As methodology, we used a strategy called Dramatized Assembly, an activity that makes use of theater and theatrical games, where all students have a voice and are heard to resolve conflicts that have arisen in the group. Focusing on the importance of developing Social-Emotional Competence, the work followed paths that led students to choose subjects that deserved attention and reflection, which corresponded to the following concepts: mutual respect, ethics, group, coexistence, honesty, care, differences and prejudice. These concepts were considered in assemblies held from 2012 to 2016, here called: What Bothers Us (2nd year), Collective Drawings (2nd and 3rd years), History of the Group (2nd year).In conclusion, evidence has shown that in general, the students became protagonists, establishing, at the same time, rules and agreements, adjusting with autonomy what was best for the group.

Key-words: Assembly, dramatization, group, belonging, experiences, autonomy.


 

 

UBUNTU, filosofia africana: SOU O QUE SOU PELO QUE NÓS SOMOS

 

Introdução

Esse artigo tem como objeto de estudo e reflexão o efeito de Assembleias Dramatizadas sobre alunos de uma escola particular de São Paulo, dos 2ºs e 3ºs anos do Ensino Fundamental, em sua relação com seus pares. Utilizando-se do teatro e jogos teatrais, propõe a encenação de situações ocorridas no cotidiano da sala de aula no contexto de assembleias dos alunos (Assembleias Dramatizadas) visando à formação do grupo do qual fazem parte, priorizando as relações e a resolução de conflitos.

Essas assembleias aproximam os alunos de conceitos inseridos nas competências socioemocionais, como respeito mútuo, ética, grupo, convivência, honestidade, cuidado, diferenças e preconceito. Envolvidos pelas dramatizações a partir da palavra, caminhando para a experimentação e ação, os conceitos são interiorizados e expressos, ressurgindo novamente por meio da palavra, dessa vez ressignificada. Além disso, as assembleias desenvolvem habilidades para que o aluno possa entrar em contato com suas emoções, encontrando a melhor forma de lidar com questões que aparecem tanto no âmbito individual como no grupo.

Durante as assembleias, a apropriação e aprendizagem de conceitos que envolvam o coletivo surgem por meio da compreensão e elaboração de situações merecedoras de reflexão, buscando a ausência de juízo de valores e preconceito, encontrando novos combinados para o bem-estar da coletividade. Surge daí a autonomia do aluno e do grupo, busca constante e objetivo maior desse trabalho. Saber encontrar, a partir de suas vivências e na troca com o outro, a originalidade nas decisões que, dessa forma interiorizadas, dão um sentido único ao trabalho.

Guillot nos dá a medida do que considera ser autonomia:

Uma definição de autonomia seria se tornar pouco a pouco capaz de existir por si mesmo. A autonomia não é a independência total, mas a capacidade de assumir suas interdependências sociais tendo consciência de suas implicações e do que está em jogo. A autonomia é uma ética de vida pela qual o sujeito se preocupa consigo e com sua liberdade, levando em conta o cuidado com o universal. (GUILLOT, 2008, p.49)

A valorização do pensamento da criança por meio das assembleias vem ao encontro da afirmação de Guillot (2008, p.33) "[...] reconhecer a legitimidade do pensamento da criança fazendo-a perceber que seu pensamento não deve se reduzir ao reflexo do que lhe é inculcado pelo entorno. " e "[...] colocá-la em situação de aprender para favorecer a estruturação de seu pensamento. Aprende-se a pensar."

Os jogos teatrais possibilitam que a abstração (o discurso, a fala) e a ação (o movimento, a mobilização) caminhem juntas e no mesmo grau de importância. Além disso, vivenciar assembleias dramatizadas a partir de situações reais ocorridas em sala de aula aproximará significativamente os assuntos tratados, por meio da ação e da experiência.

A ideia do trabalho é a utilização do teatro, suas características e jogos para proporcionar aos alunos um contato maior com o imaginário e o lúdico, apostando na formação de um grupo de estudantes que, desafiados a resolver conflitos, construam com autonomia combinados e regras, comprometendo-se a respeitá-los e percebendo-se pertencentes ao coletivo.

Durante as dramatizações, a utilização da música como inspiração para a expressão corporal pode contribuir para que o aluno descubra suas habilidades artísticas e inspiradoras durante a concepção e participação nas cenas.

E, por fim, o registro das assembleias também ocupa um lugar de destaque nesse trabalho, já que simboliza a memória do grupo, constituindo-se como fonte histórica de sua trajetória.

O teatro e os jogos teatrais

Fazer teatro é trabalhar em grupo. É lidar consigo mesmo e com os demais, percebendo as próprias limitações e as do outro. Olhar o outro e com ele contracenar, estando atento aos seus gestos, intenções e ações. É respeitar a originalidade de cada um e agir com liberdade, expressando-se de acordo com suas emoções e desejos.

Os jogos teatrais incluem as dramatizações de situações reais ocorridas entre os alunos, como também propostas de atividades que visem à formação de grupo com ênfase nas relações. O teatro é um meio fértil para o desenvolvimento da concentração, improvisação, espontaneidade, imaginação dramática e liberdade de expressão. Durante o jogo teatral, a criança brinca e inventa em um clima lúdico e prazeroso.

Ao assistir às cenas e criticá-las, o aluno treina sua capacidade de observar e relacionar o que viu ao tema tratado, além de aprender a ouvir as observações e críticas dos colegas quando lhe são dirigidas, dessa forma somando e contribuindo para o enriquecimento da criação do próprio grupo e, por conseguinte, de si mesmo. O educador deve proporcionar um clima de liberdade e respeito às ideias e manifestações dos alunos.

Para Reverbel (1989, p.24) "[...] a primeira e talvez única lei na educação pela arte é a liberdade."

Spolin reitera a importância das regras e da liberdade durante os jogos teatrais:

(...) Todos os participantes estão livres para atingir o objetivo do jogo à sua maneira. Desde que respeitem as regras do jogo, os jogadores podem ficar de ponta cabeça ou voar pelo espaço. (SPOLIN, 2010, p.30)

A vida em grupo requer regras, mas também liberdade de opinião e respeito às individualidades. O teatro pode colaborar na formação e constituição do grupo na medida em que trabalha com a identidade da criança, dando-lhe liberdade de se expressar por meio de personagens e cenas, onde estão concentrados seus desejos, seus prazeres, seus conhecimentos e experiências. Também contribui para a compreensão da vida em grupo e a preservação da individualidade.

O teatro e seus jogos colaboram para que a criança se aproprie das nuances da convivência e da relação com o outro, da noção de pertencimento do coletivo e da percepção do público e do privado, de forma lúdica e mais concreta. Oportuniza também o aprender com o coletivo, compreendendo melhor o outro e a si próprio, pois expressar-se por meio dos jogos teatrais permite vivenciar e apreender o que é dito, pois o que é apenas dito nem sempre é compreendido e interiorizado.

Ação e experiência

Dramatizando a própria experiência, o aluno dará um sentido mais amplo às suas queixas, conflitos e necessidade de transformar - se na relação com o outro, priorizando dessa forma a ação e a experiência. Ao mesmo tempo, quando lhe é dada a oportunidade de vivenciar a experiência do outro, por meio das dramatizações, essa experiência passará a ser vivida sobre outra perspectiva e dessa forma ressignificada. Nesse sentido, a experiência que era do outro passa a ser de quem a dramatiza.

De acordo com Larrosa (2015), a experiência de cada um é única e intransferível. Experimentar é permitir-se sentir e refletir sobre o que foi vivido.

Nas assembleias, quando a dramatização acontece, é possível viver novamente a própria experiência e experimentar a do outro, possibilitando aos seus participantes a apropriação de novos conceitos a partir de suas próprias histórias de vida e das histórias do outro.

Segundo Larrosa:

A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. (LARROSA, 2015, p.18)

Inspirada nas reflexões de Larrosa (2015) é possível afirmar que nas assembleias dramatizadas os alunos vivem de fato experiências, na medida em que o que discutem, o que dramatizam e o que concluem acontece porque há uma parada para a reflexão, há um olhar, uma escuta, um desejo...e há o teatro, ferramenta que possibilita essa pausa, essa troca de olhares, o apreço nas relações.

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque requer um gesto de interrupção (...) requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar. Pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar (...) (LARROSA, 2015, p. 25)

O teatro possibilita que experiências sejam vividas, reflexivas e transformadoras. Porém, há ainda um outro aspecto a se considerar no que diz respeito ao teatro e seus meandros: a escuta e o olhar. Quando, nas assembleias dramatizadas, o aluno assiste às cenas vividas sob o ponto de vista da ação e da experiência, a fala se concretiza no olhar e escuta do outro. Portanto, os conflitos, os problemas, as queixas e a procura por soluções ganham contornos concretos e podem dessa forma ser melhor resolvidos.

Para Canário (2006), a escola devia aproveitar as diferentes linguagens para motivar e envolver os alunos, dando espaço ao protagonismo como fonte de saber. Cita, inclusive, o teatro como ferramenta motivadora para a aprendizagem, ao colocar em seu livro uma citação do pedagogo brasileiro Miguel Arroyo (2002):

Todos, como pais e mães que levam os filhos cada dia à escola, devemos ter experiências muito parecidas. Há dias - e muitos - que vão a contragosto, como há dias em que têm pressa por chegar e não querem sair. Na minha experiência, os filhos vão contentes à escola nos dias em que levam um trabalho de pesquisa, um cartaz, ou tem uma maqueta exposta na semana de ciências, ou vão participar de um teatro, um número na semana cultural. (ARROYO, 2002 apud CANÁRIO, 2006, p. 33, grifo nosso)

Roda de conversa e construção de grupo

A roda de conversa é uma dinâmica que permite aos alunos se manifestarem em grupo, apresentando suas ideias, angústias e conflitos. É um exercício constante de observação e escuta do outro e de si próprio. Esperar a vez de falar e estar atento à fala do colega. Dar voz ao aluno, respeitando sua opinião e ajudando-o a sentir-se responsável pelo grupo. Esse exercício de respeito a uma opinião diferente da sua auxilia a percepção da própria identidade e a do outro. A construção do grupo se dará na medida em que exista liberdade e aceitação de diferentes indivíduos e comportamentos dentro do próprio grupo.

As ideias da educadora Freire (1998), no que diz respeito à constituição de um grupo e sua importância para a formação do ser humano, vem ao encontro desse trabalho que prioriza e valoriza a troca de opiniões na busca pela resolução de conflitos.

É no grupo que aprendemos a conviver com o outro e com esse difícil aprendizado de lidar com as diferenças: diferentes ideias, concepções, opções de relacionar o próprio pensamento com o do outro, e a construir o pensamento do grupo (generalizável) a partir do pensamento (socializado) de cada um. (MADALENA FREIRE apud DAVINI,1988, p.64, grifo nosso)

Assembleias de alunos

Diante da necessidade de trabalhar o grupo e sua formação, criou-se a assembleia de alunos, fazendo parte do currículo e da rotina da sala de aula, já que as rodas de conversa surgiam de acordo com a necessidade do grupo e disponibilidade do professor.

Inserir no currículo escolar e na rotina da sala de aula momentos para reflexão e escuta das demandas por meio das assembleias tem sido um instrumento positivo na constituição e formação dos grupos de alunos. Segundo Puig:

As assembleias escolares são o momento institucional da palavra e do diálogo. O momento em que o coletivo se reúne para refletir, tomar consciência de si mesmo e transformar tudo aquilo que os seus membros consideram oportuno. (PUIG, 2000, apud ARAUJO, 2012, p.22, grifo nosso).

Os conteúdos trabalhados nas assembleias auxiliam na formação do conceito de sujeito social. E é papel da escola afirmar esse espaço de abertura e diálogo, o que segundo Puig, deve ser uma de suas prioridades.

Ela (a escola) tem de assumir como uma de suas prioridades a formação de pessoas abertas ao diálogo, capazes de expressar sua opinião e de escutar os demais com a intenção de encontrar soluções em comum acordo para todos os desafios apresentados pela realidade. (PUIG, 2010, p.73-74)

Araújo (2012, p.22-23) também reforça, em seu livro, a importância do diálogo durante as assembleias: "Além de ser um espaço para a elaboração e reelaboração constante das regras que regulam a convivência escolar, as assembleias propiciam momentos para o diálogo, para a negociação e encaminhamento de soluções dos conflitos cotidianos."

Mas, será que apenas discutir e trocar ideias é o suficiente? Permitir à criança agir efetivamente usando seu corpo como instrumento expressivo não estaria também contribuindo para a apreensão do que se pretende? Em outras palavras, por que não fazer uso do teatro e seus jogos nas assembleias mesclando ação e abstração, proporcionando ao aluno expressar-se além do uso da fala?

Assembleias dramatizadas

Desde 2012 tenho incluído elementos do teatro em minha prática como professora, com o objetivo de proporcionar o diálogo entre o trabalho em sala de aula e o teatro. Devido às características do teatro como elemento educativo e social, encontrei nas assembleias de alunos um canal interessante e fértil para desenvolver esse projeto. Tenho, portanto, me utilizado dos jogos teatrais conectados às situações surgidas nas assembleias para encaminhar questões do grupo. Essa aproximação entre assembleia e jogos teatrais tem proporcionado a procura por resolução de conflitos, troca de ideias e opiniões no âmbito também da ação e dramatização.

As assembleias dramatizadas contêm em sua essência um espaço onde todos podem se manifestar, na medida em que abrem caminhos para outras formas de comunicação que não apenas a fala. Por meio do teatro, usando o corpo como expressão, é possível para os alunos mostrarem suas insatisfações, desejos e opiniões. Para quem geralmente não emite opiniões, é dada a oportunidade expressar-se de outra maneira. Dar "voz" a todos os alunos é uma das premissas desse trabalho e, por que não dizer, a mais importante.

Assembleias dramatizadas e inclusivas

O olhar e a escuta, em um espaço de liberdade, onde cada um e todos possam se manifestar, cria um ambiente de acolhimento e cumplicidade, caminho fértil para a inclusão. A percepção e a aceitação de que as diferenças são inerentes ao ser humano construirão grupos cuja busca deve ser a harmonia e a coesão, apesar dos conflitos que fazem parte das relações humanas. Combinados, novas chances, novo olhar, cumplicidades e acolhimento são efeitos desse trabalho.

Nesse sentido, o teatro, uma ferramenta relacional, cuja principal característica é "olho no olho", coloca a inclusão sob a perspectiva da valorização de diferentes habilidades, como a dança, a expressão corporal, o diálogo no jogo, a criação de personagens.

A criação de personagens facilita a comunicação servindo como ponte para a participação nas cenas. Tive um aluno em minhas aulas extracurriculares de teatro com grande comprometimento relacional e de fala, porém, quando participava das cenas criando personagens que lhe agradavam, sua relação com os colegas mudava. Era forte e intensa. Sua alegria durante as cenas era contagiante e sua fala aparecia, ora tímida, ora em alto som!

A expressão corporal também é um facilitador de comunicação para quem tem dificuldade de expressar-se oralmente. Em 2018, tive um aluno que não fazia uso da fala para se comunicar, além de apresentar grande dificuldade para estar em grupo, mas conseguia, por meio da expressão corporal, participar de nossas Assembleias Dramatizadas, com a ajuda do AE (Acompanhante Escolar) e dos colegas. Também assistia com interesse às cenas dos grupos. Enfim, tinha uma participação ativa, o que não aconteceria se utilizássemos apenas a conversa e troca de opiniões durante as assembleias.

Lino de Macedo afirma a importância de se pensar em novas estratégias na sala de aula, o que vem ao encontro do trabalho das assembleias:

(...) a educação inclusiva supõe, sobretudo, uma mudança em nós, em nosso trabalho, das estratégias que utilizamos, dos objetos e do modo como organizamos o espaço e o tempo na sala de aula. (MACEDO, 2017)

Caberá ao professor estimular o grupo a assumir a responsabilidade de incluir e se envolver com quem está tendo dificuldades de relacionamento ou de aprendizagem. O acolhimento e a percepção das diferenças têm sido um caminho fértil nesse trabalho de assembleias.

Macedo confirma a importância do olhar do educador para o que o aluno com dificuldades, chamado erroneamente de "inclusivo", pode e é capaz de fazer.

Por isso, nosso desafio, enquanto professores ou educadores, é pesquisar o que ele pode fazer, o que, apesar de sua restrição, ele tem condições de melhorar, o que, de resto, vale para qualquer um de nós. Como vê-lo não por aquilo que, eventualmente, temos a mais do que ele, mas por aquilo que ele, sendo o que é, pode ser melhor? (MACEDO, 2017)

Registro

Para preservar a memória do caminho trilhado das assembleias, fazemos uso do registro, como ferramenta de consulta e valorização da história do grupo. Esse registro, feito coletivamente pelos alunos e professora, tem como objetivo marcar o processo pelo qual o grupo passou, de forma a refletir sobre seus ganhos, perdas, mudanças e permanências.

O ser humano desde os primórdios conta sua história por meio de registros. Único ser vivo que tem consciência de sua finitude, parece ser uma necessidade valorizar a passagem pela Terra. Quando registra, apropria-se de sua história, reflete sobre ela, ressignifica, compartilha com o outro sua trajetória. Ao registrar, o ser humano deixa marcas de uma história vivida, afirma Warschauer (1993).

Nesse sentido as marcas contam histórias singulares e particulares, valorizando a ação do homem como sujeito social pertencente a uma época com características e emoções próprias. A partir dessas marcas o ser humano se compreende e se transforma.

Enquanto registra, pensa sobre o que viveu numa trajetória única. Refletir é criar asas, pois à medida que avança percebe-se como pertencente a um tempo onde é o protagonista de sua própria história. Warschauer, (1993) valoriza o ato de registrar, pois, ao retratar o que se vive, a reflexão surge em condições especiais.

A valorização da produção do aluno significa demonstrar a importância de seu papel enquanto criador de sua história. Dessa forma, autonomia e significado caminham juntos nessa trajetória de percepção de sua própria história, seja ela na escola, na família, na vida afora. A prática do registro poderá caminhar até sua vida adulta, ajudando-o a se enxergar e enxergar o outro, escrevendo uma história que se constrói a partir das relações. Começar e continuar sempre nesse caminho carregado de significado.

O papel do professor

A trajetória do grupo a partir dos temas trazidos nas assembleias contará sempre com a presença do professor, que irá alinhavar, dar contornos e organizar os assuntos e estratégias para o desenrolar do trabalho.

Segundo Guillot, (2008), a presença do adulto é essencial na formação do grupo de crianças, pois entregues a si mesmas correriam o risco de criar uma sociedade cujo valor seria a lei do mais forte.

Quando a proposta é a discussão em uma assembleia das questões do grupo, onde as diferentes vozes têm seu espaço e tom, caberá ao professor fazer parte desse diálogo, acatando os diversos timbres e acima de tudo dando o contorno para uma convivência sadia. De acordo com Guillot:

A pedagogia é a arte do acompanhamento, com três possibilidades: a criança segue o modelo do mestre, o mestre segue o capricho da criança ou o mestre e a criança caminham lado a lado, mas com uma responsabilidade do mestre na orientação. (GUILLOT, 2008, p.26)

Uma educação democrática supõe a troca e a liberdade, o que, segundo Guillot, colabora para a valorização e aceitação de diferentes opiniões: "O diálogo não é a concordância imediata, ele implica mal-entendido, discussão, polêmica. O debate não é o combate. (GUILLOT, 2008, p.51)"

Ao reforçamos o papel do professor como autoridade e referência para que o grupo caminhe e trabalhe com organização, estamos colocando em suas mãos uma tarefa que faz parte de sua função como educador. Mas o grupo, na figura de seus participantes, também pode assumir esse papel, gerindo a si próprio, se estimulado a isso. Quando lhe é dado o direito de cuidar do que lhe pertence, pode e deve ser seu próprio juiz, tomando para si o controle do grupo. Pedindo silêncio a quem grita, respeito a quem atrapalha e sobretudo participação a quem parece distante e pouco cuidadoso com seus pares e grupo.

Dessa forma, o professor e os alunos podem ser "cuidadores" do grupo, dividindo essa tarefa conforme a necessidade e o momento. Assim, a noção de pertencimento ganha força e o controle fica na mão de todos e não apenas do professor. Não é uma tarefa fácil. É preciso constantemente que o professor "acorde" seus alunos, peça sua participação, ajudando-os a protagonizar seu espaço no grupo. Pois, apesar desse importante exercício de interiorização e prática como cuidador do próprio grupo por parte dos alunos, muitas vezes será o professor quem deverá trazer para si o controle da classe como autoridade máxima que lhe confere seu papel de educador.

Outro ponto a considerar são os rótulos que muitas vezes acompanham os alunos no ambiente escolar. Deve-se condenar a atitude, o comportamento. Os rótulos demonstram a falta de esperança na mudança e na transformação. As palavras ganham uma força ainda maior quando pronunciadas por quem tem autoridade, o professor!

Na escola é igualmente difícil lutar contra a tendência à "rotulação". Não temos o direito de julgar o que são nossos alunos, mas temos o dever de nos ocupar do que eles fazem. (GUILLOT, 2008, p.39).

Talvez a formação inicial e contínua dos professores requeresse módulos de iniciação a uma irritação profissional. Uma formação que ensinasse como reagir, na urgência, sem rejeitar a pessoa, mas unicamente, recusando, aqui e agora, determinado comportamento, e sem voltar ao passado que sedimenta nossa representação do aluno. (GUILLOT, 2008, p.30)

Guillot e sua afirmação a respeito do professor que sabe proibir vem ao encontro do conceito de liberdade, que não existe sem o outro, sem a relação com os iguais, numa atitude de respeito mútuo. O interdito é o primeiro passo para a conquista da tão esperada liberdade!

... para que uma criança construa sua identidade, ela precisa de referências, de um enquadramento, e, portanto, de proibições. O interdito é estruturante da liberdade a ser conquistada. (GUILLOT, 2008, p.55).

Ao citarmos a formação do professor, deixamos aqui algumas reflexões merecedoras de um estudo futuro: Como se comportam os professores em seu ambiente de trabalho? Valorizam a pluralidade de opiniões? Há respeito na convivência com os colegas, com os alunos, com os pais dos alunos, com a comunidade escolar? As competências socioemocionais estão sendo aplicadas e valorizadas no convívio diário com seus pares? Sabemos não ser possível e produtivo um resultado satisfatório com os alunos se o professor não estiver envolvido em sua prática com o que deseja de seus estudantes.

Justificativa

Atualmente as competências socioemocionais são consideradas tão importantes quanto os conteúdos trabalhados. Já se sabe que a apropriação dos conceitos desenvolvidos na escola vem carregada de afetos e significados, portanto o aspecto emocional e relacional de cada um dos alunos deve ser visto com olhar educativo. Em um grupo onde as relações, a troca de saberes e a solidariedade sejam priorizadas, a aprendizagem pode acontecer de forma mais tranquila e significativa.

A Base Nacional Comum Curricular aponta os mesmos valores citados nesse trabalho ao afirmar que ao final da Educação Básica, os estudantes deverão ter desenvolvido as seguintes competências gerais:

Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza. (BRASIL, BNCC, p. 10)

Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. (BRASIL, BNCC, p. 10)

Diante disso, podemos afirmar que ao abrir espaço em sala de aula para que os alunos digam o que lhes aflige e incomoda, estamos proporcionando o diálogo para a resolução dos conflitos, respeitando as diferentes opiniões e procurando acatar a todas, evitando e apontando falas e atitudes preconceituosas quando aparecem.

Dar voz aos alunos para que tomem decisões coletivamente é instrumentá-los para que adquiram autonomia na resolução de problemas e conflitos. Ao valorizar esse espaço de assembleia fica implícito nosso respeito à opinião de nossos alunos, o que pode servir de modelo e inspiração para que o mesmo seja feito entre eles.

 

METODOLOGIA

Procedimentos e etapas da assembleia:

1. Roda de conversa para a escolha do tema da assembleia. O tema pode ser sugerido pelos alunos ou pelo professor.

2. Ainda em roda o professor propõe a dramatização a partir do tema escolhido.

3. Divisão dos alunos em pequenos grupos e ensaio das cenas criadas pelos alunos, na sala de aula, todos juntos e ao mesmo tempo.

4. Ao término dos ensaios, as apresentações têm início.

5. As cenas são assistidas por todos.

6. As cenas são dramatizadas por meio de expressão corporal ao ritmo de músicas instrumentais escolhidas e colocadas pela professora. Ao final da cena, os alunos param como estátuas e a música é interrompida.

7. As apresentações podem ser filmadas ou fotografadas para uma futura discussão do grupo ou mesmo para efeito de registro.

8. Ao final das dramatizações, o grupo, em roda, conversa novamente sobre as impressões a respeito das cenas elaborando as conclusões e combinados a respeito do tema trabalhado.

Periodicidade

A assembleias acontecem uma vez por semana e o mesmo tema é discutido em duas etapas, a saber:

1ª etapa (1ª semana): levantamento do tema, jogo ou dramatização, filmagem ou não das cenas, discussão em roda;

2ª etapa (2ª semana): apresentação do filme das cenas para ser assistido (no caso das cenas terem sido filmadas) ou apenas conversa sobre as conclusões para registro coletivo da assembleia.

Espaço físico

As assembleias acontecem na sala de aula com as cadeiras e mesas dispostas em forma de U, liberando assim um espaço no meio da sala que serve de palco.

Registro

1. O registro coletivo faz parte sistemática do trabalho e é feito na 2ª etapa da assembleia.

2. O professor apresenta o registro incompleto, em folha A3, para que os alunos participem da elaboração final.

3. Não há uma forma única de registro. A cada registro há uma proposta diferente.

 

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS

 

 

Nessa assembleia, propus o jogo do Desenho Coletivo, pois queria trabalhar o Respeito e suas implicações no grupo de alunos.

Posicionei as mesas e cadeiras num grande retângulo fechado. Cada um estava com uma folha em branco na sua mesa e estojo com lápis de cor, lápis grafite e borracha.

As instruções do jogo eram simples:

1. Cada aluno começava a fazer um desenho na folha em branco durante uma música instrumental colocada pela professora.

2. Cada vez que a música era interrompida pela professora, o aluno passava sua folha para o amigo do lado, que continuava o desenho iniciado assim que a música recomeçava.

3. E assim por diante, até a folha voltar às mãos do dono.

4. A expectativa ao final do jogo era cada um ter em mãos sua folha com um desenho feito com a interferência de todos.

Nada mais foi dito e o jogo começou.

Terminado o jogo, começaram as reclamações:

"Meu desenho está todo rabiscado! "

"Tem coisas aqui que não combinam com o meu desenho!"

Alguns desenhos mostravam interferências, como rabiscos. Outros apresentavam formas e cores harmônicas!

Após conversas e combinados sobre a importância de respeitar os trabalhos dos amigos, repetimos o jogo, com novas folhas em branco, mas o problema continuou; além dos rabiscos, apareceu a escrita de um xingamento em um dos desenhos: "idiota"

Precisávamos resolver esse problema que causou raiva e chateação no grupo.

Propus, então, que cada grupo demonstrasse com o corpo um DESENHO HARMÔNICO e em seguida um DESENHO RABISCADO.

Ensaiaram, cada um com seu grupo de 4 ou 5 participantes, ao ritmo de uma música instrumental e ritmada.

Há um ritual antes de cada dramatização, cujo objetivo é obter a concentração de todos, atores e plateia: antes de iniciar a cena, as crianças ficam paradas como estátuas e a apresentação só começa quando ouvem a música. Ao final da apresentação, param novamente como estátuas e a música é interrompida. Todas as cenas contam apenas com expressão corporal, sem uso de falas.

As dramatizações foram envolventes! Cada grupo fez duas cenas: uma mostrando o desenho harmônico e outra o desenho rabiscado. A plateia divertiu-se muito, principalmente com o desenho rabiscado encenado pelos alunos com muito movimento de corpo, muita confusão de braços, pernas, cabeça, tronco e mãos interlaçados. As cenas do desenho harmônico mostravam movimentos corporais lentos e delicados, combinados entre si e plasticamente bonitos de se ver. As cenas foram filmadas pela professora auxiliar.

Durante a discussão, em roda, pós-dramatização, foi unânime a preferência pelas cenas dos desenhos rabiscados. Engraçados de ver e divertidos de fazer. Mas só no teatro, pois "no papel ninguém gosta de ver seu desenho rabiscado." Essa foi a conclusão do grupo: "Desenho rabiscado só no teatro".

Após essa conversa, tiramos fotos das cenas congeladas de cada grupo, representando os desenhos rabiscados e os desenhos harmônicos para o registro da assembleia. Na semana seguinte, assistimos às cenas e elaboramos os registros. Fizemos três registros. O primeiro mostrava os dois tipos de desenhos acompanhados por um texto explicativo da atividade (Figura 8). No segundo, apareciam as fotos das cenas congeladas do desenho rabiscado e a sugestão foi que rabiscassem essas fotos (Figura 9). Finalmente, no terceiro, sugeri que pintassem com muito cuidado e capricho as fotos das cenas dos desenhos harmônicos (Figura 10).

 

 

 

 

 

 

REFLEXÕES

Foi um tema rico e bem aproveitado pelo grupo. Havia uma menina com uma fala articulada que ajudou bastante o grupo a refletir e tirar conclusões.

Interessante a percepção de que foi muito divertido dramatizar o desenho

 

REFLEXÕES

Foi um tema rico e bem aproveitado pelo grupo. Havia uma menina com uma fala articulada que ajudou bastante o grupo a refletir e tirar conclusões.

Interessante a percepção de que foi muito divertido dramatizar o desenho rabiscado, engraçado por causa dos movimentos e da brincadeira. Mas no papel não. Ninguém gostou de ver seu desenho rabiscado, além do que era difícil apagar os rabiscos, o papel ficava marcado! O mesmo não acontecia com o teatro: os rabiscos eram facilmente apagados, não deixavam marcas!

Quanto a palavra "idiota", não foi difícil para mim descobrir de quem era a letra. O assunto foi tratado em particular, já que o responsável pela escrita não quis assumir. Algumas assembleias adiante, esse menino resolveu assumir para o grupo a autoria do xingamento, juntamente com outra ação que também burlava as regras.

 

 

Esse mesmo jogo foi proposto para a turma do 3º ano, em setembro. A proposta surgiu como início do fechamento dos trabalhos, pois o grupo e a professora apostavam na organização e autonomia dos alunos, adquiridos durante o ano, para a resolução dos problemas.

O desenho coletivo e suas implicações podiam ou não confirmar essa hipótese.

O jogo, então, foi explicado e teve seu início.

Tudo corria bem, os alunos estavam concentrados, observando os desenhos e pensando na melhor maneira de interferir.

De repente surgiu uma reclamação:

"Ana, João está rabiscando os desenhos! "

"É mesmo! Olha só! "

Interrompi o jogo e fui verificar. De fato, algumas folhas estavam bem rabiscadas!

Pedi para o aluno que parasse de rabiscar e o jogo continuou! Dessa vez sem rabiscos.

Abrimos a roda, cada um com sua folha.

Algumas crianças ficaram satisfeitas com o resultado, mas muitas reclamaram dos rabiscos.

João, sem graça, pedia para ir ao banheiro. Não permiti. Precisávamos conversar, abrimos a roda. A conversa teve início:

"João, por que você rabiscou? "

João apenas disse que não sabia o que fazer, então rabiscou.

E os amigos foram dando depoimentos:

"Quando eu não sabia, não fazia nada! "

"Eu fazia uma forma bem pequena! "

"Eu fazia formas nos desenhos grandes, para não atrapalhar. "

"Você podia ter pedido ajuda! "

João, arrependido, pediu desculpas e o grupo aceitou.

Durante a conversa notei que o grupo tentou ajudar o amigo, oferecendo opções para a sua dificuldade. Não houve acusação nem briga, houve tentativa de mostrar ao colega que ele poderia ter agido de outra forma, embora o grupo tenha deixado bem claro seu descontentamento.

Os alunos, então, sugeriram que tentássemos dar um jeito nos desenhos, colorindo-os (Figura 11 e 11a). Fizemos outra rodada, tentando consertar os desenhos rabiscados e mais uma vez cada desenho passou por todos. O resultado foi muito interessante e deu frutos. Ficaram coloridos e bonitos, embora os rabiscos continuassem lá!

 

 

 

 

Na assembleia seguinte, apresentei o registro da discussão da semana anterior para a apreciação do grupo. Nesse registro, constava o relato do que havia ocorrido e como tinha sido nossa conversa. Dessa vez não houve a interferência direta dos alunos na confecção do cartaz, pois, ao meu ver, o assunto não havia se esgotado, era rico e podia ser melhor explorado. Queria que o grupo fosse mais além na discussão e reflexão.

Propus, então, que em pequenos grupos dramatizassem os desenhos rabiscados e os harmônicos. As cenas, como sempre, foram acompanhadas por uma música instrumental e ritmada para ajudar nos movimentos corporais e no clima da cena. Dessa vez, não filmei.

As cenas deixaram bem claro a diferença entre os dois tipos de desenhos.

Na roda, abrimos a discussão e, durante a conversa sobre as cenas e os desenhos, uma aluna lembrou de um conto chamado "Os pregos no poste", que seu pai lhe contava. Era a história de um menino que, quando fazia algo errado, o pai colocava um prego no poste e, quando fazia uma coisa certa, tirava o prego. Mas as marcas dos pregos no poste continuavam.

Os alunos imediatamente relacionaram essa história ao ocorrido no grupo, pois, mesmo apagando ou pintando o desenho, os rabiscos continuavam lá. Foram além: "Não conseguimos apagar os rabiscos, porque fazem parte da história do nosso grupo. "

Associaram os rabiscos aos colegas que fazem bagunça, brincadeiras fora de hora, atrapalhando o grupo.

Esse processo de discussão, desenhos e dramatização deixou claro que os alunos conseguiram dar um significado simbólico ao ocorrido - os rabiscos espelham as bagunças - aproveitando para relacioná-lo ao momento do grupo e seu processo de formação.

Na semana seguinte fizemos o registro que deu um fechamento à assembleia, dessa vez com a participação de todos. (Figura 12)

 

 

REFLEXÕES

Embora o jogo tenha sido o mesmo para os dois grupos, seu desdobramento foi bem diferente. Enquanto no 2º ano houve muitos rabiscos de vários alunos, no 3º apenas um aluno rabiscou. O 3º ano demonstrou mais cuidado e respeito pelo trabalho do outro. Os mais novos resolveram nas dramatizações as questões que apareceram e deixaram os desenhos como estavam; já os mais velhos quiseram consertar os rabiscos, e foi por meio de um conto que concluíram e refletiram sobre o ocorrido.

De novo fica aqui a constatação de que é educativo deixar para o grupo as decisões a respeito de seu próprio grupo. Sob a coordenação de um adulto atento e capaz de "ler" seus alunos, é possível dar-lhes essa chance, chance de pensar por si mesmo, chance de resolver problemas e sentir-se reconhecido.

 

 

Em algumas assembleias os assuntos são tantos, tão variados e muitas vezes repetitivos, que só uma dramatização coletiva consegue dar conta de todos os problemas apontados pelo grupo.

Portanto, para essa assembleia, a proposta foi fazer um levantamento com os alunos de tudo que acontecia no grupo e que os incomodava e escrever coletivamente uma história, chamada de história verdadeira do grupo, onde fossem relatadas as ações elencadas na conversa.

Depois disso, iniciamos a dramatização. Nesse tipo de dramatização, não há o ensaio. Improvisando os movimentos, todos juntos, encenaram as ações a partir da narração da professora do texto coletivo, inspirados por uma música instrumental. Cada vez que a música cessava, os alunos paravam como estátuas. A professora lia outra ação, colocava a música e a encenação recomeçava, e assim até chegar ao final da história.

Houve nessa atividade um desafio: os alunos tiveram que se movimentar em câmera lenta. O objetivo foi representarem bem lentamente as agressões físicas que apareceram no texto. Meu receio era que os alunos tivessem atitudes agressivas que pudessem machucar o colega. A atividade foi filmada, para que depois fosse assistida pelo grupo.

Em seguida a essa dramatização, propus uma outra como continuidade. Essa consistia em narrar ações contrárias às da história verdadeira, ou seja, uma história que o grupo gostaria que fosse verdadeira. Essa também foi filmada.

Então, se na primeira o grupo fazia desenhos de gozação do amigo, na outra ele fazia desenhos bonitos do amigo...

Após as dramatizações, muito festejadas por todos, conversamos em roda: Como é dramatizar coletivamente? Foi uma proposta interessante? Por quê? Como foi se movimentar em câmera lenta? Em qual das duas histórias o grupo ficou mais calmo? Qual das duas vocês gostaram mais de dramatizar?

Na semana seguinte, assistimos aos filmes. Foi muito divertido. Segundo os alunos, "foi a assembleia mais legal de fazer"!

Fizemos três registros. O 1º mostra por escrito a história verdadeira (Figura 13), o 2º relata a conversa que tivemos na roda após as dramatizações e as conclusões do grupo (Figura 14) e no 3º há a escrita da história que o grupo gostaria que fosse verdadeira (Figura 15).

 

 

 

 

 

 

 

 

Era o mês de agosto. Nessa época do ano, geralmente os grupos estão mais organizados e maduros emocionalmente. Durante o 1º semestre participaram de várias assembleias e pensaram bastante sobre o grupo do qual faziam parte. No entanto, percebia-se que, como em qualquer grupo, brigas, discussões e provocações aconteciam.

Em roda, iniciei a conversa falando sobre o que considerava que não estava bom no grupo e percebi que o incômodo não era só meu. Muitos não estavam contentes com certas atitudes que aconteciam durante as aulas. Sugeri então que, em pequenos grupos, representassem o que mais os incomodava na sala de aula ou na escola. O que podia estar atrapalhando os trabalhos ou a organização do grupo.

A assembleia teve início com todos deitados no chão de costas. Ao som de uma música instrumental e lenta, pedi que fechassem os olhos, com o objetivo de obter a concentração. Após uns poucos minutos, abriram os olhos, alongaram o corpo como se estivessem espreguiçando e levantaram. Ao ritmo de outra música instrumental, mais rápida, se movimentaram no ritmo dela. Quando a música era interrompida, o movimento deles também parava e eles viravam estátuas. Ao ouvirem novamente a música, retomavam os movimentos.

Após esse esquentamento, dividiram-se em pequenos grupos, combinaram qual seria o tema, ensaiaram com a música mais ritmada e representaram para o grupo. Dessa vez as cenas foram nomeadas pelos alunos: "A BRIGA MALUCA", "CORRENDO NA ESCADA", "NÃO BRIGAR", "OS GRITADORES", "BRIGA OU MORTE", "COPIANDO A PROVA".

Após as apresentações, conversamos sobre as cenas e seus significados. Concluíram que representaram comportamentos que gostariam que não acontecessem mais no grupo e que isso prejudicava a convivência e a relação entre eles. Combinaram que se esforçariam para isso.

Na assembleia da semana seguinte, apresentei ao grupo, em uma folha tamanho A3, um resumo escrito da atividade da assembleia anterior. Nesse cartaz, havia espaços em branco, nomeados de acordo com a cenas apresentadas. Os grupos desenharam nos espaços o que representaram em suas respectivas cenas. (Figura 16)

 

 

 

REFLEXÕES

Nessa assembleia o aluno foi o protagonista. O aluno e seus pares, o aluno e seu grupo, o aluno e seus incômodos. Os alunos vivenciaram o que foi discutido, transformando a abstração em ação, por meio das dramatizações. E ao discutirem novamente os temas propostos após as cenas, os olhares de todos ganharam outros contornos, facilitando as conclusões e reforçando os combinados.

A busca pela autonomia nas decisões, pelos acordos coletivos e pelas negociações transforma o que é apenas um agrupamento de crianças em um grupo consolidado, onde seus integrantes se sintam pertencentes e comprometidos com o coletivo.

 

DEPOIMENTOS E QUESTIONÁRIOS

Ao final de cada ano letivo, foi pedido aos alunos que dessem depoimentos, por meio de questionários e respostas dissertativas, a respeito de seu envolvimento nas assembleias, sua opinião sobre a eficácia delas para a constituição do grupo e como se sentem ao participar das dramatizações.

A maioria dos alunos acha importante fazer assembleias, pois ajuda o grupo a se organizar e os alunos a se conhecerem melhor.

Acham interessante e importante participar das assembleias porque o grupo consegue perceber suas falhas e melhorar. Além disso, notam mudanças individuais importantes e significativas, tanto próprias como nos amigos.

A etapa da assembleia que mais gostam de fazer é a dramatização porque movimenta o corpo e é divertida. Além disso, por meio das dramatizações, conseguem perceber melhor onde precisam mudar. E todos, sem exceção, manifestaram a vontade de continuar com as Assembleias Dramatizadas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho do educador envolve as relações humanas e, por isso, requer do professor um olhar atento para o grupo e para cada um dos envolvidos.

É na escola, nos anos iniciais, que os alunos têm a oportunidade de conviver pela primeira vez com pessoas da mesma faixa etária e é onde os conflitos, as disputas, os afetos e desafetos acontecem com maior intensidade. Por causa disso, é essencial, que como educadores, no contexto de sala de aula, tentemos uma aproximação de uma formação mais global, visando não só a apreensão dos conteúdos, mas também sua formação como cidadãos do mundo na relação com o outro. Nesse sentido, considerando que a aprendizagem acontece quando há espaços de afetos, tolerância, relações e trocas, se faz necessário a busca por cidadãos pensantes e transformadores.

O trabalho com assembleias prioriza o aluno, quando dá voz e espaço para que cada um se manifeste. Prioriza o grupo e sua dinâmica. Prioriza as relações, os valores embutidos em cada gesto e atitude, prioriza o respeito mútuo...

Como educadora, minha busca é compor com os alunos um grupo onde se possa falar, pensar e sentir, respeitando cada um e todos ao mesmo tempo.

E ao ter a chance de refletir sobre meu trabalho e colocar no papel o que penso e de que maneira atuo como professora, a tendência é a escrita das conquistas, dos prazeres e dos aprendizados, porque é um trabalho pelo qual tenho um grande apreço. É prazeroso perceber o envolvimento do grupo, suas conquistas e amadurecimento.

Mas...nem tudo são flores!!

O que fazer quando o grupo se desorganiza de tal maneira que não é possível desenvolver a assembleia? E quando é preciso dar uma "bronca" imensa porque alguns alunos brincavam e pareciam não estar dando a devida importância ao trabalho? E na roda inicial, quando todos falavam ao mesmo tempo e não era possível entender o que diziam? E quando não conseguiam assistir com atenção às cenas dos colegas? E quando.......?

O que não deu certo também faz parte do trabalho. Tudo pode virar assunto de assembleia, inclusive a própria importância de se fazer assembleias: trazer para o grupo e cada um dos envolvidos a responsabilidade pela eficácia desse tipo de atividade; perguntar se acham importante conversar sobre o grupo; se estão satisfeitos com a maneira como o grupo se comporta. Buscar a parceria e o compromisso de cada um para o desenvolvimento do trabalho costuma ser bem eficiente.

Quando afirmo que a assembleia é um canal eficiente para a formação do grupo e tento provar objetivamente essa afirmação, encontro certa dificuldade dada sua característica subjetiva. Posso afirmar, no entanto, que os grupos com os quais trabalhei terminavam o ano mais amadurecidos e os alunos mais conscientes de sua importância como parte do coletivo. As brigas e os conflitos continuavam durante o ano, porém com menor frequência. A desorganização ainda era visível em alguns momentos, mas havia por parte de muitos o movimento de cuidar do grupo ao chamar a atenção de quem contribuía para essa desorganização. Muitos alunos que tinham mais dificuldade para se manter calmos e respeitosos em relação aos combinados, terminavam o ano considerando uma melhora em seu comportamento.

As assembleias, portanto, têm como papel fundamental possibilitar ao grupo movimentos que mexem e remexem nas relações e que por isso não abrem espaço para a estagnação e o engessamento, proporcionando a autenticidade e o protagonismo, busca de cada um de nós. As assembleias, por meio das dramatizações, das discussões e dos registros criam uma narrativa própria que irá caminhar junto com o grupo e seu processo de amadurecimento e transformação. Narrativas que contam a história de grupo!

Finalizo essas considerações com a esperança de que o olhar e o cuidado nas relações seja "para sempre" uma preocupação dos educadores que acreditam no ser humano e na sua capacidade de se transformar.

 

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1 Artigo escrito a partir do Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação "Inclusão: Práticas Inclusivas e Gestão das Diferenças", sob orientação do Prof. Dr. Lino de Macedo
2 Pedagoga, Especialista em "Inclusão: Práticas Inclusivas e Gestão das Diferenças", pelo Instituto Superior de Educação de São Paulo - Singularidades. analucia.arbex@gmail.com - Cel. (11) 998719856

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