SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.27 issue28Mental health at school psychopedagogy or psychology: digladiate or harmonize? author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Construção psicopedagógica

Print version ISSN 1415-6954On-line version ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. vol.27 no.28 São Paulo  2019

 

RESENHA

 

Resenha

 

 

Rose Skripka N. Gabriel1

Instituto Sedes Sapientiae - SP

 

 

Rogers, S. J., Dawson, G. (2014). Intervenção precoce em crianças com autismo: modelo Denver para a promoção da linguagem, da aprendizagem e da socialização. Lisboa: LIDEL.

A perturbação do espectro autista tem desafiado profissionais de diversas áreas do cuidado humano, não somente em relação ao estudo de suas possíveis causas, mas sobretudo, o desenvolvimento de modelos estratégicos de intervenções precoces específicas e mais eficientes.

Visando contribuir operacionalmente às questões do suporte pedagógico e comportamental à criança portadora de autismo, Sally J. Rogers, Professora Doutora de Psiquiatria do Instituto MIND da Universidade da Califórnia, membro do grupo de trabalho do DSM-5 (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), e Geraldine Dawson, diretora executiva da Autism Speaks, professora pesquisadora de Psiquiatria da Universidade da Carolina do Norte, professora emérita da Universidade de Washington e professora adjunta de psiquiatria na Universidade de Columbia, descrevem em seu livro o Modelo Denver de Intervenção Precoce (do inglês ESDM - Early Start Denver Model).

O ESDM engloba o conhecimento de outros modelos desenvolvidos a partir da década de 1980, que possuem escopos em comum, como o Modelo Denver, um programa para pré-escolares com autismo; o modelo de Desenvolvimento Interpessoal do Autismo de Rogers e Pennington, que aborda a comunicação nas relações e a coordenação emocional; o modelo de Dawson e colegas que se aplica na investigação da perturbação da motivação social do autista, e o treino da resposta induzida (do inglês PRT - pivotal response training), que enfatiza a espontaneidade da criança.

Organizado de forma sistemática para fins de avaliação de competências de todos os domínios do desenvolvimento, o ESDM utiliza uma abordagem que apoia a intervenção multidisciplinar da criança portadora de autismo na faixa de 12 a 60 meses. Deste modo, em formato de checklist, os profissionais comprometidos com o progresso da criança, como psicólogos e educadores, junto com a família, podem contribuir na construção das informações sobre o processo de aprendizagem de forma diligente e organizada.

O capítulo 1 é dedicado à explicação de como a criança autista aprende, já que ela se relaciona com o mundo de forma não prevista pela conceituação do método construtivista. Ou seja, à medida que interagem com o mundo, as competências das crianças aumentam devido ao contato com os objetos e as pessoas. Na sua relação invulgar com o ambiente, a criança autista tem o enfoque no objeto, e não na pessoa. Além disso, a criança autista apresenta importantes diferenças no desenvolvimento e funcionamento neural. Logo, uma simples exposição à linguagem, por exemplo, não será efetiva neste caso. As crianças autistas precisam da interação social para que a percepção da fala se desenvolva, pois são muito sensíveis a padrões estatísticos que encontram no ambiente.

Por meio do protocolo ESDM torna-se possível que cada profissional, em sua área de atuação, possa registrar o que foi observado na evolução da criança, e desta forma, consolidar a intervenção multidisciplinar baseada na comunicação integrada. No capítulo 2, as autoras dissertam sobre a inter-relação das metas que vão ajudar as crianças a manterem os comportamentos desejados, e das práticas pedagógicas e posturas afetivas necessárias por parte dos profissionais, contando imprescindivelmente com a participação da família neste projeto.

Os procedimentos que compõem o ESDM são inspirados em três abordagens tradicionais: a) análise comportamental aplicada (do inglês ABA - Analysis Behavioral Applicated), que engloba a observação de três fases do comportamentos necessários na aprendizagem, os estímulos que devem servir de pistas para as crianças, a expressão do comportamento frente ao estímulo, e feedback positivo para que a criança consiga identificar o comportamento esperado; b) o PRT, que dá conta de uma análise qualitativa do comportamento e trabalha essencialmente com a escolha da criança; c) modelo Denver, que enfatiza os aspectos afetivos positivos da relação entre a criança e o terapeuta.

Já no capítulo 3, as autoras explicam em quais contextos pode-se aplicar o ESDM, e de que forma, dando ênfase na configuração da equipe de trabalho responsável. Desta forma, alertam que a utilização do protocolo ESDM envolve o cuidado ético no manejo das intervenções, além da supervisão, e ainda uma formação mínima dos profissionais nas áreas de educação especial, psicologia educacional, clínica ou do desenvolvimento, terapias da fala e terapia ocupacional.

Voltado para uma abordagem prática, no sentido da definição dos objetivos de aprendizagem, o capítulo 4 descreve como se ocorre a avalição das condições da criança em termos de competências, utilizando uma ferramenta chamada checklist curriculum numa sessão de jogo que dura por volta de uma hora e meia. Os dados coletados, então, são organizados para que se especifiquem quais competências as crianças precisam adquirir. Dando seguimento, o capítulo 5 orienta como observar o comportamento da criança no dia a dia, conforme a área do desenvolvimento apontada, para que cada objetivo definido na etapa anterior possa ser transformado em passos para a aprendizagem num trabalho de checagem diária de um nível mais incipiente, até que a criança adquira domínio das ações propostas.

Um dos aspectos mais marcantes da criança autista é a dificuldade com a motivação social, quando comparada com outras crianças. Porém, é um equívoco pensar que a criança autista não é motivada, uma vez que ela pode manifestar muito interesse em seus objetos favoritos, além de gostar de atividades que envolvem contato físico. O capítulo 6 traz orientações sobre as ações adequadas do adulto que trabalha com a criança autista nas rotinas de atividades de ensino, já que toda a dinâmica do trabalho inclui as ações do adulto em consonância com as ações da criança.

No capítulo 7, as autoras fazem referência a dois elementos fundamentais na aprendizagem: a imitação e o jogo. Justamente por não serem muito hábeis em imitação, a criança autista necessita que sua atenção seja captada, momento no qual o adulto deve reforçar a ação que deseja modelar. Já a aprendizagem dos jogos é derivada da imitação de ações com objetos, isto é, conforme a criança consegue imitar uma determinada ação, o material do jogo é inserido. Em relação ao jogo simbólico, é necessário primeiro a modelagem de um ato funcional dirigido para o adulto, depois para o "outro", por exemplo, "alimentar o gatinho".

Outro aspecto relevante no processo de intervenção com a criança autista é o desenvolvimento precoce da comunicação. As autoras discorrem no capítulo 8 sobre as funções do comportamento comunicativo não verbal, a saber, o trabalho em conjunto com o adulto envolve comunicação intencional, surgindo dos gestos naturais da criança, dos sons e palavras e de suas junções, coordenando o gesto e o contato visual.

O capítulo 9 trata da comunicação verbal. Da mesma forma como é trabalhado o ensino em outras áreas do desenvolvimento, a base do aprendizado da comunicação se dá a partir das competências já prontas na criança, neste caso, em relação às vocalizações intencionais. O trabalho do terapeuta segue paulatinamente, moldando os sons em palavras, à medida em que a criança passa a vocalizar com intenção, até um trabalho mais avançado que alcança a fala espontânea da criança.

No capítulo10, o enfoque da descrição do ESDM é a sua utilização em grupos. As atividades em sala de aula pautadas no ESDM levam em conta a redução de estimulação sensorial, para apoio à atenção e organização meticulosa e objetiva do ambiente físico. Outra questão indispensável é a definição de como as atividades serão apresentadas às crianças, considerando um planejamento cuidadoso para garantir que as crianças fiquem concentradas em cada parte das atividades no decorrer do dia.

O final do livro é composto por dois apêndices detalhados, o Checklist Curriculum do Modelo Denver de Intervenção Precoce para Crianças Pequenas com Autismo, e o Sistema de Classificação da Fidelidade do Ensino do Modelo Denver de Intervenção Precoce - Administração e Codificação. O primeiro é composto por tabelas onde estão registradas todas as competências agrupadas em domínios, e com espaços respectivos para as avaliações. O segundo apêndice trata-se de um protocolo para avaliação do comportamento de ensino do terapeuta que está em formação.

Quando falamos de atenção à aprendizagem das crianças portadoras de autismo, o termo atenção versa de forma bastante literal no que tange à acuidade dos profissionais aos movimentos, aos sons, às vivências, ao afeto, à organização do ambiente e às formas de acompanhar a evolução.

A obra apresentada, num primeiro momento, pode causar a impressão de ser um manual de procedimentos, mas o leitor dedicado com certeza vai se beneficiar muito além no decorrer da leitura, visto que as informações ali presentes vão despertando a sensibilização e o entendimento necessários para o convívio com as crianças autistas, que tanto têm a nos ensinar.

 

 

1 Psicóloga e Psicopedagoga pelo Instituto Sedes Sapientiae.

Creative Commons License