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Construção psicopedagógica

Print version ISSN 1415-6954On-line version ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. vol.30 no.31 São Paulo July/Dec. 2021

http://dx.doi.org/10.37388/CP2021/v03ov031a09 

EDITORIAL

 

Editorial

 

 

As insuficiências e carências de conhecimento durante a crise confirmam que precisamos de um modo de conhecimento e pensamento capaz de responder aos desafios das complexidades e aos des incertezas. Não podemos conhecer o imprevisível , mas podemos prever sua eventualidade. Não devemos nos fiar nas probabilidades nem esquecer que todo acontecimento histórico transformador é imprevisto.(Edgar Morin p.35)

Começamos este editorial reforçando o que escrevemos na revista anterior. A pandemia que vitimou mais de 600.000 vidas no nosso país afetou não somente as famílias, mas a sociedade em geral, trazendo a dor da perda, a angústia da incerteza e o isolamento.. No entanto, o mais grave é que o isolamento revelou as desigualdades que já existiam, mas que cresceram numa grande proporção: aumento da pobreza, diminuição de empregos, dificuldade de acesso ao ensino, aumento das dificuldades de aprendizagem, entre outras.

O isolamento serviu de lente de aumento para as desigualdades sociais: a pandemia acentuou dramaticamente as desigualdades socioespaciais. Nem todo mundo tem residência extra para fugir da cidade. Algumas condições exíguas de moradia para famílias com filhos tornam o isolamento inviável, sem falar dos sem-teto, dos refugiados chamados de migrantes ou imigrante, para quem esse isolamento foi um sofrimento duplo. (MORIN, p.29)

Felizmente a esperança renasce com o avanço da ciência, a descoberta das vacinas, a retomada das atividades presenciais... A sensação de que o pior já passou toma conta de todos, embora o inimigo invisível continue nos rondando.

Agora temos que buscar saídas e a revista mostra que não houve paralisia, mas uma intensa busca rumo ao conhecimento e às diversas possibilidades de acolhimento e intervenção... Mãos à obra, há muito o que se fazer!

Com o objetivo de compartilhar e discutir algumas das experiências realizadas nesse período turbulento que este volume se divide em duas partes: a primeira trazendo artigos relacionados à pandemia e a segunda trazendo artigos gerais, mas ainda como um foco na saúde física e emocional.

 

PRIMEIRA PARTE: ARTIGOS SOBRE A PANDEMIA

Na primeira parte trazemos quatro artigos. O primeiro a ser destacado é o artigo dos autores, Andrés Eduardo Aguire Antunéz; Ana Luiza Raggi Colagrossi; Erika Rodrigues Colombi; Frida Zolty e Nara Helena Lopes Pereira da Silva que trazem para nossa reflexão RODAS DE CONVERSA NA UNIVERSIDADE PUBLICA DURANTE A PANDEMIA COVID-19: Educação e saúde mental. Ele relata a experiencia realizada pelo Escritório de Saúde Mental da Pró-reitora de Graduação da USP tem oferecido acolhimentos, pesquisas e ações de promoção a saúde de estudantes de graduação e pós-graduação, mediados pelas tecnologias digitais. Dentre as modalidades oferecidas, destaca-se a Roda de Conversa que tem como foco a abordagem socioemocional. A finalidade das rodas é sensibilizar, construir e fortalecer redes de apoio entre estudantes, professores e funcionários e seu principal objetivo é acolher de forma ágil a demanda de ajuda decorrente dos problemas psicológicos e emocionais relacionados ao distanciamento físico.

[...] as Rodas de Conversa foram implementadas e estudadas como um instrumento a ser utilizado na condução de estratégias de cuidado em saúde, principalmente no âmbito da saúde mental (COSTA et al, 2014). Tais experiências demonstraram que as Rodas possibilitam encontros dialógicos e criam possibilidades de produção e ressignificação de sentidos e saberes, uma vez que estão pautadas na horizontalização das relações de poder, permitindo a seus participantes se colocarem como atores históricos e sociais, críticos e reflexivos diante da realidade (SAMPAIO et al, 2014).

Importante instrumento utilizado nas 8 Unidades da USP, as rodas de conversa propiciaram um sentimento de pertencimento trazendo alívio para as angústias e reflexão sobre si e o grupo, diminuindo o sentimento de isolamento e de impotência diante das dificuldades.

O segundo artigo FAMILIA NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇAO, escrito por Elisa Maria Pitombo e Sônia Madi, traz o relato de uma experiência elaborada pelo CENPEC Educação e a Fundação Tide Setúbal que se uniram para realizar um projeto de alfabetização para um grupo de alunos do primeiro ano do Ensino Fundamental da Escola Pedro Moreira, no Jardim La Penna, São Paulo, logo após o início da pandemia.

Esse projeto, composto por um grupo de alfabetizadoras denominou-se Letra Móvel e ocorreu durante os anos de 2020 e 2021. As crianças foram atendidas por vídeo chamadas pelas alfabetizadoras com a colaboração das famílias, eixo fundamental do processo de ensino aprendizagem.

No presente trabalho as autoras trazem a reflexão sobre os deslocamentos necessários para que a casa e as relações familiares abrissem espaço, dedicassem tempo e se reorganizassem para possibilitar a continuidade da aprendizagem de seus filhos. Foram desenvolvidos interações, estratégias e didáticas que garantissem a presença da escrita com função social para as crianças e famílias. A sintonia com as necessidades e interesses das crianças, a escuta e os diálogos com as famílias, a reflexão contínua entre as alfabetizadoras foram essenciais para o desenvolvimento do trabalho.

Estabelecer uma parceria com a família, através do vínculo afetivo e social para entender e, sobretudo respeitar, o espaço das aulas: sala, quarto, cozinha, um lugar de muitas funções, disputados e divididos com irmãos, avós, tios e às vezes até vizinhos. Nesse cenário, com cuidado e delicadeza, um espaço de aprender foi sendo estabelecido para descobrir interesses das crianças e seduzi-las para as atividades que propúnhamos - relacionadas à função social da escrita e muitas vezes diferentes de situações escolares, foi um desafio de persistência e paciência com o espaço do outro. Nesse novo cenário surgiram incômodos; Aula sem caderno? Sem cópia? Sem memorização? Com muita conversa? E isso lá era aula? Se a criança não sabe escrever, como pede para escrever? Aceita escritas tão erradas, e isso vai dar certo?

Os cenários descritos e a as reuniões com as famílias descrevem uma série de mudanças, tanto do trato com as crianças, como no processo ensino-aprendizagem.

Mariza Pereira Porto, de Natal, Rio Grande do Norte, nos traz o ponto de vista PSICOPEDAGOGIA E EDUCACAO: Desafios para a saúde, potencial criativo e o ensino possível em tempos pandêmicos em que discute o impacto subjetivo causado pelo enfrentamento dessa pandemia na saúde emocional dos educadores, seus esforços adaptativos e criativos para tornar o ensino possível por meio de videoaulas, mesmo sem vivenciar experiências de formação do professor destinadas para essa realidade.

[...] o momento pandêmico que estamos vivendo nos interpela com algumas exigências, a fim de que possamos fazer do impacto que nos causou movimentos e ações rumo à sua travessia. Desse modo, somos convocados a reagir liberando forças, ânimo e coragem; demonstrando a nossa capacidade de resistir e sobreviver, nos utilizando, principalmente, da nossa capacidade de viver criativamente, de acreditar e confiar que dias melhores estão por vir.

Encerrando a parte da Revista que trata a questão da pandemia chegamos à resenha do livro É HORA DE MUDARMOS DE VIA: as lições do coronavírus, de Edgar Morin (2021), elaborada por Paulo Sergio de Oliveira Junior, do Instituto Sedes Sapientiae.

A leitura desta obra é fundamental neste momento em que ainda estamos mergulhados no caos e suas consequências, pois Morin nos traz a complexidade das mudanças que já enfrentamos e que ainda enfrentaremos pelo surgimento do coronavírus.

Ao propor um exercício de consciência, o autor sugere o diálogo entre os agentes sociais, levando à efetiva participação democrática, ao fortalecimento da economia das necessidades essenciais, ao revigoramento da comunidade e da solidariedade. Para ele, não é possível propor uma radical transformação por meio de uma violenta revolução, mas sim, por um claro exame das teorias políticas existentes, selecionando elementos que contribuam para a construção de uma ética pessoal de responsabilidade.

 

SEGUNDA PARTE: ASSUNTOS GERAIS

O primeiro artigo da segunda parte, DESAFIANDO CRIANÇAS A PENSAR: intervenção com jogos e processos de desenvolvimento , foi escrito por Clarice Kunsch, Maria Thereza C. C. de Souza, Ana Lucia Petty, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). O objetivo do trabalho foi analisar documentos referentes a registros de procedimentos e .dimensões atitudinais de crianças que frequentaram o segundo semestre de um programa de intervenção com oficinas de jogos. A pesquisa documental buscou investigar se os procedimentos de estratégias melhoraram em qualidade, bem como, se as dimensões atitudinais relacionadas a tempo e convivência manifestaram progressos, em virtude dos processos de autorregulação, tomada de consciência e funções executivas.

Em geral, observa-se que as intervenções do primeiro semestre parecem ser mais externas, num movimento de fora para dentro, e isto vai se transformando de tal forma que no segundo semestre há apropriação de um novo modo de lidar com os desafios. Tal mudança ocorre em função do processo de tomada de consciência, que permite à criança internalizar esse movimento inicialmente externo, incorporando-o para si como outra possibilidade de atuar no contexto do jogar e resolver situações-problema. Também é possível notar a ocorrência de mudanças nas autorregulações que, no semestre anterior, eram fruto das necessidades de lidar com as novidades dos atendimentos e agora, passam a se referir aos procedimentos e atitudes enquanto enfrentamento, visando superar os obstáculos e dificuldades

Cássia Bastos Pinheiro; Ana Maria Garcia de Mello e Anita Lillian Zuppo Abed do Centro Universidade São Camilo, nos trazem o relato de pesquisa PSICOPEDAGOGIA E PSICOMOTRICIDADE: contribuições ao professor alfabetizador. Este artigo traz reflexões sobre os saberes advindos da Psicomotricidade e da Psicopedagogia para o professor alfabetizador e especialmente ao professor da Educação Infantil. O artigo traz também várias considerações sobre a importância das habilidades motoras para a aquisição da escrita, com objetivo de apresentar, por meio de alguns aspectos teóricos, caminhos que preparam o processo de ensino-aprendizagem da escrita durante a Educação Infantil.

O trabalho desenvolvido na Educação Infantil é muito importante para a criança, entre outros motivos porque a descoberta do corpo, dos limites e dos movimentos contribui para a construção da sua imagem corporal. Atividades pedagógicas com o olhar psicomotor são essenciais para que sejam estruturadas ações pedagógicas intencionais para colaborar com esta construção, pois durante as brincadeiras, as interações e as explorações do espaço, a criança se organiza tanto nos aspectos motor e sensorial de pesquisa, como no emocional e social, ampliando seus conhecimentos de mundo e de si mesmo.

Está problemática merece uma reflexão consistente no desenvolvimento das práticas psicomotoras, pois esses conceitos nem sempre fazem parte do cotidiano dos professores alfabetizadores.

O artigo ASPECTOS SOCIOCULTURAIS DO TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO HIPERATIVIDADE NA INFÂNCIA, escrito por autores da área de enfermagem, Marcos Venicio Esper, Naiara Barros Polita e Lucila Castanheira Nascimento, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo e Jeferson Santos Araújo, da Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Chapecó, trazem um artigo original, refletindo sobre os aspectos socioculturais do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. O artigo tem a finalidade de explorar as distintas concepções do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade na expectativa de contribuir para melhor desempenho dos profissionais da educação e da saúde no manejo das questões sociais e culturais.

Está problemática é muito atual e merece uma reflexão bem cuidadosa, pois, na maioria das vezes, há uma procura por soluções mágicas, optando-se pela medicalização.

As mudanças socioculturais contemporâneas interferem fortemente nas características do funcionamento mental, no sentido de acentuar a recusa do desenvolvimento psíquico de conflitos: o grau de repressão comportamental de excitação para permanecer civilizado abre potencialidades de somatização. A atmosfera repressiva que se levantou nos últimos anos não tem qualquer utilidade se não vier acompanhada de uma reflexão sobre os paradoxos verticalmente impostos às crianças, fundamentados na violência e nos modelos projetados para o futuro. As tendências na defesa e nos investimentos motores e fálicos, acompanhadas de uma diminuição na eficiência, culpa, tolerância à frustração e do aumento da dependência do ambiente e da busca por estímulos prazerosos, incidem mais facilmente em meninos, enquanto as meninas utilizam, mais frequente e precocemente, suas capacidades de sedução em busca de um espelho para se valorizarem e projetarem positivamente seu exterior. Assim, em um mundo moderno, onde se intensifica cada vez mais o bombardeio de excitações, e tentar dominá-las é uma influência em detrimento da satisfação, é mesmo de se admirar, sem subestimar o peso de eventuais vulnerabilidades somáticas, que nossas crianças sejam agitadas e não possam se agitar diante de alguns? (CHAGNON, 2005

O artigo de revisão CONTRIBUIÇÕES DA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO NO CUIDADO À SAÚDE MENTAL traz uma revisão integrativa da literatura de 2015 a 2020 sobre as contribuições da relação professor-aluno no cuidado a saúde mental de estudantes. As autoras, Maria Manuela dos Santos e, Liberalina Santos de Souza Gondim, da FACESF, Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco , de Belém De São Francisco, PE, tiveram como objetivo geral revisar a literatura de 2015 a 2020 sobre a importância da relação professor-aluno no cuidado em relação ao sofrimento psíquico infanto-juvenil e como objetivos específicos descrever, com base na literatura, as estratégias utilizadas por professores para lidar com demandas de sofrimento psíquico advindas de alunos. Além disso, buscaram sintetizar os achados da literatura sobre os impactos das demandas dos alunos na saúde mental do educador

Tendo em vista que o contexto escolar representa um lugar de grande relevância para o indivíduo, não apenas com relação à aprendizagem, mas sobre o seu desenvolvimento psicossocial, de modo a envolver relações sociais, emocionais e afetivas, torna-se um ambiente essencial para a construção do sujeito enquanto pessoa. O professor, por fazer parte desse conjunto configurado como peça indispensável e assídua, acaba convivendo diariamente com esse aluno, e no decorrer dessa vivência, são construídos vínculos importantes que favorecem tanto o desempenho escolar, quanto a relação socioemocional desse estudante. (PETRUCCI; BORSA; BARBOSA; KOLLER, 2014).

Há vários aspectos que se destacam na relação professor-aluno. Um deles se referem as relações familiares se contrapondo às relações professor-aluno. Segundo Wiezzel (2019), "a relação professor e aluno como semelhante às relações familiares, e exemplifica destacando o "público infantil", descrevendo que a criança tenta encontrar no professor algo próximo ao que busca ou espera encontrar em casa."

O último texto O ENSINO E A ATIVIDADE ESTRUTURADA PARA APRENDIZAGEM DE PESSOAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA, produzido por Fernanda de Souza Machado Rasmussen, Rosemeire da Costa Silva e Carine da Silva Vieira Neix, da Faculdade Messiânica, S.P. nos traz um artigo de revisão baseado numa pesquisa bibliográfica sobre a necessidade da escola buscar conhecimentos sobre os alunos com transtorno do espectro autista e a necessidade de adequar o currículo escolar, para que o ensino estruturado seja eficaz para o aprendizado desses estudantes, sob a supervisão de um psicopedagogo. Segundo as autoras, a atividade estruturada é uma forma de adequação muito eficiente para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), onde o aprendizado é visual e o modelo estruturado possibilita a organização mental, assim facilitando o processo do ensino e aprendizagem.

Para que o aprendizado seja eficaz, os profissionais têm que entender a importância da adaptação e adequação dos materiais, conhecer as dificuldades e identificar quais são as mediações necessárias para o ensino aprendizado da criança autista e quais são os materiais mais indicados para a realização deste. A conscientização da importância do ensino estruturado e a dedicação do professor na adaptação das atividades promove um ensino prazeroso.

Agradecemos aos autores que contribuíram com o presente número da revista Construção Psicopedagógica, enriquecendo o fazer psicopedagógico e convidamos você leitor para dialogar com as diferentes possibilidades do trabalho psicopedagógico, nos seus diversos aspectos e diversas possibilidades interventivas em interface com outros campos, principalmente neste número em que aspectos ligados à saúde física e emocional foram o foco de várias discussões. Além da gratidão pela companhia na leitura, convidamos para que nos ajude na divulgação de nossa revista.

Esperamos também que você leitor nos alegre com a sua contribuição para o próximo número. Seu artigo será muito bem-vindo! Ele é muito importante para nós!

Marlene Coelho Alexandroff

Editora Científica

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