SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.31 número32EditorialBem-estar e prática de manualidades com fios durante a pandemia de Covid-19 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. vol.31 no.32 São Paulo jan./jun. 2022

http://dx.doi.org/10.37388/CP2021/v31n32a05 

PRIMEIRA PARTE: ARTIGOS REFERENTES À PANDEMIA
RELATO DE PESQUISA

 

ENSino remoto em tempos de Covid-19: um estudo etnográfico digital do 'novo normal' no Brasil, Itália, França e Portugal

 

Remote education in times of Covid-19: a digital ethnographic study in Brazil, Italy, France and Portugal

 

 

Carmen Lúcia Guimarães de MattosI, 1; Valentina GrionII, 2; Vera Lucia Anselmi Melis PaolilloIII, 3

IPRISMAS, Brasil
IIUniversità degli Studi di Padova, Itália
IIIPontifícia Universidade Católica de São Paulo

 

 


RESUMO

O Ensino Remoto é uma atividade educacional que se impôs à rotina de milhões de famílias em todo o mundo durante a pandemia da Sars-CoV-2/Corona Vírus/COVID19. Em março de 2020, ela chegou para ficar e em 2022 ainda convivemos com esta realidade. Neste contexto, esse artigo é derivado de uma pesquisa de natureza etnográfica, com o uso de entrevistas online e um estudo de caso presencial, que trata da experiência de 32 participantes, em sua maioria mães e suas filhas, originárias do Brasil, Itália, França e Portugal. É um recorte dos dados da pesquisa original a partir da coleta realizada no Rio de Janeiro e trata das vozes dos participantes. Essas vozes revelam suas apreensões durante o período inicial de isolamento. As categorias de análise descritas são: Sujeitos/Impacto pessoal; Educação; Soluções e dificuldades; Tecnologia; e Tempo. Os resultados apontam que a improvisação e caos impostos pela pandemia no Ensino Remoto revelam que acomodação, adequação e inovação são as palavras da ordem dos tempos pandêmicos. O uso do Ensino Remoto na atualidade e na pós-pandemia compõem as recomendações para professores, pais, gestores e políticos educacionais e indicam caminhos possíveis para este tipo de pedagogia pela escola.

Palavras-chaves: Etnografia digital, Ensino Remoto, Covid19, Tecnologia.


ABSTRACT

Remote Teaching is an educational activity that has imposed itself on the routine of millions of families worldwide during Sars-CoV-2/Corona Virus/COVID19 pandemic. In March 2020, it arrived to stay and in 2022 it is still a reality. In this context, this article derived from ethnographic research, with the use of online interviews and a face-to-face case study, which deals with the experience of 32 participants, mostly mothers, and their daughters, originally from Brazil, Italy, France, and Portugal. It is part of the data from the original research. This part was collected in Rio de Janeiro and deals with the voices of the participants. Their voices reveal apprehensions during the initial period of isolation. The categories of analysis described are: Personal impact/Subjects; Education; Solutions and difficulties; Technology; and Time. The results indicate that the improvisation and chaos imposed by the pandemic in remote teaching reveal that accommodation, adequacy, and innovation are the words of the order of pandemic times. The use of remote teaching today and in the post-pandemic made up the recommendations for teachers, parents, managers, and educational politicians and possible paths to this type of pedagogy by the school.

Keywords: Digital Ethnography, Remote Teaching, Covid19, Technology.


 

 

Introdução

A crise de saúde que abalou o mundo devido à pandemia da Sars-CoV-2/Corona Vírus/COVID19, que chegou ao Brasil em fevereiro de 2020 (UNESCO, 2022a, 2022b) e em março do mesmo ano, as escolas fecharam e forçaram milhões de estudantes a entrar em Ensino Remoto (BRASIL, 2020a, 2020b). Esse fato mudou o cenário das instituições mais tradicionais da humanidade - a família, a escola e o trabalho, forçando bilhões de indivíduos ao isolamento social em suas casas. As casas tornaram-se os espaços individuais, de repente e involuntariamente, para se proteger ou evitar o contágio, as pessoas se encontravam confinadas e começaram a focar suas atividades na convivência diária com os seus pares4.

Este texto reflete, de modo geral, os dados coletados por todas as pesquisadoras associadas à pesquisa original5, mas neste artigo, destacamos os relatos feitos diretamente à Mattos, no Rio de Janeiro. Esses relatos refletem o resultado de uma pesquisa com mães e seus filhos e filhas que vivenciaram o Ensino Remoto, algumas das mães são professoras ou trabalham na equipe de gestão da escola e, embora falem como mães de estudantes, muitas relatam ações como profissionais de educação. As mães entrevistadas pertencem, em sua maioria, a um grupo socioeconômico de classe média alta. Embora seja preocupante as desigualdades socioeconômicas existentes no Brasil e entre os países pesquisados, nesta pesquisa as pesquisadoras não estavam diretamente preocupadas com essas questões, e sim curiosas para ouvir como os problemas de Ensino Remoto ocorria nos cenários socioeducativos pesquisados. Focou-se então nas hipóteses levantadas pelas pesquisadoras sobre a experiência do isolamento, tais como: sentimentos, dificuldades, rotina, mudanças, conflitos, uso de tecnologias, aprendizado e soluções, entre outros aspectos tendo como pano de fundo o Ensino Remoto e como método de pesquisa etnográfica com o uso da etnografia digital e do estudo de caso etnográfico.

Neste contexto, este artigo inclui quatro seções: a primeira é esta introdução onde se apresenta o objeto de estudo - Ensino Remoto e a metodologia utilizada - etnografia; a segunda apresenta o desenvolvimento da pesquisa: acesso aos dados, processo de analise, categorias e subcategorias; a terceira expõe os resultados em forma de vinhetas etnográficas, assim como oferece recomendações para o uso do Ensino Remoto; e, a quarta é a conclusão, onde se levanta proposições que podem auxiliar novos estudos sobre o tema.

 

Sobre o Ensino Remoto

O ensino a distância (EAD) está disponível há mais de um século através de manuais impressos e, posteriormente, no início do século XX, através de fitas de rádio, áudio e vídeo. No entanto, somente no final do século XX a modalidade educacional conhecida como Ensino Remoto se espalhou com o advento da web mundial (WWW).

Vale lembrar as diferenças entre três tipos de ensino que se confundem: EAD; Homeschooling ou ensino domiciliar; e Ensino Remoto.

EAD envolve três elementos principais: o professor/tutor, o conteúdo e os aprendizes (alunos). Nesta modalidade de ensino, o professor pode interagir com os alunos do curso por meio do material impresso, à medida que utiliza materiais preparados para essa finalidade. Na EAD não há limites de espaço geográfico, o importante para esse aluno são as possibilidades de escolha para realizar os estudos, pois, neste caso da EAD, é o aluno quem determina o melhor horário e o local preferido onde poderá estudar à vontade. Nesse caso, objetiva-se que ele adote postura de aprendizagem ativa, pois é necessário ajudá-los a desenvolver sua consciência sobre o aprender, uma vez que tal postura irá influenciar o aprendizado de cada um em relação ao outro durante o curso (GOMES, 2016).

Homeschooling ou ensino domiciliar é outra modalidade de ensino atualmente proibida, mas em regulamentação no Brasil, essa regulamentação prevê a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996). A educação básica domiciliar, se aprovada, passa a ser admitida sob a responsabilidade dos pais ou responsáveis legais dos estudantes. Para optar por esta modalidade de ensino, os responsáveis deverão formalizar a escolha junto a instituições de ensino credenciadas, fazer matrícula anual do estudante e apresentar diversos documentos. Esse modelo de ensino consiste basicamente, na substituição da escolarização formal na escola que será ministrada em casa pelos pais ou tutores por eles escolhidos. E tem sofrido duras críticas da comunidade acadêmica brasileira por vários motivos que vão desde a motivação religiosa, até os possíveis prejuízos pela falta de interação do aluno, visto que se considera que um dos maiores ganhos da criança na escola regular é justamente a convivência constante entre pessoas de diferentes universos. Também se afirma que o ensino domiciliar poderia dificultar a identificação de casos de abuso infantil ou de violência doméstica, que seriam detectados pelos professores na sala de aula convencional (BARBIÉRI, 2022).

E finalmente temos o Ensino Remoto, que é uma forma diferenciada de atividade pedagógica que tem por base a interação professor/aluno onde um está distante do outro. Utiliza a tecnologia para promover o processo de ensino/aprendizagem. No caso desta pesquisa isso ocorreu via internet. O Ensino Remoto geralmente dá-se por duas formas: assíncrona ou síncrona. Na assíncrona a aula é assistida no horário que o aluno escolher, sem a presença do professor. Na síncrona, professor e aluno estão conectados no mesmo horário, embora em espaços distintos.

No Ensino Remoto diversos modelos de atividades educativas surgiram com a Internet eles foram utilizados com propósitos variados: cursos online abertos em massa com plataformas interativas como Mooc, Zoom, Meet6, etc. Com aulas gravadas, interação ao vivo online, tutorias, comunicações curtas e conferências, dentre outros. No entanto, alguns alunos e professores resistiram, ou não possuíam recursos para a adotar as modalidades online de ensino/aprendizagem como prática diária. No caso dos participantes desta pesquisa o Ensino Remoto utilizou os modelos - assíncrono e síncrono, além de diversas tecnologias de ensino aprendizagem.

 

Sobre a Metodologia

A metodologia se caracteriza como qualitativa (SPRADLEY, 1979) com recursos da etnografia digital (MATTOS, 2016). Caracteriza-se por qualitativa, pois priorizou a qualidade do conteúdo acessado e não a quantidade desse conteúdo. Caracteriza-se como etnográfica por ter realizado um estudo de caso da menina Sophia e sua família, por um longo período de aproximação intensa entre esses sujeitos e a pesquisadora, por triangular e validar os dados de modo variado e com frequência e principalmente pelas interpretações terem sido oferecidas pelos sujeitos como agentes de suas ações. Classifica-se como etnografia digital devido à coleta ter sido realizada, no caso das entrevistas, via interações digitais pela internet com os aplicativos Zoom e Meet.

Instrumentos

Os principais instrumentos etnográficos utilizados foram: entrevistas online (HINE, 2015 - individual e coletiva, e estudo de caso (MERRIAM,1988).

A pesquisa teve início no período de isolamento pela COVID19. As entrevistas ocorreram entre fevereiro e maio de 2020, foram realizadas no Rio de Janeiro, da residência de Mattos no bairro da Gávea, zona sul do Rio de Janeiro. Enquanto o estudo de caso ocorreu entre 16 março e 16 de novembro de 2020, na mesma residência onde à família observada viveu junto com a pesquisadora, oportunizando a observação direta e constante junto a família num processo de imersão intensa, participante e colaborativa (SPRADLEY,1980). Essa observação participante diária foi inspiradora para esta pesquisa, promoveu insights para as entrevistas, provocando hipóteses para análises dos dados.

As entrevistas foram realizadas online e duraram entre 1h e 3h e 45min, totalizando 30 horas de entrevistas. O consentimento livre e esclarecido (CLE) das entrevistadas foi registrado verbalmente no início das gravações quando foi lido o CLE e elas autorizaram o uso de suas imagens e conteúdo das falas para fins desta pesquisa. Para o estudo de caso os pais da criança leram o CLE e deram a autorização por escrito.

Vale explicar que existe uma familiaridade entre a pesquisadora com os sujeitos pesquisados, conhecimento de mais de 10 anos. Eles são: amigos, colegas de trabalho e ex-alunas. Esta familiaridade garantiu, de certo modo, o conhecimento da pesquisadora sobre: aspectos socioantropológicos - vida profissional e acadêmica; cultura, hábitos e valores das famílias envolvidas; familiaridade linguística etc. Diferenças predominantes entre as famílias - aspectos socioeconômicos, moradias, escolaridade dos pais etc.

Embora se considere essa familiaridade associada, a ausência da interação face a face causou, no caso das entrevistas, certas dificuldades para o entendimento dos dados devido ao contato rápido via internet, mas houve vários contatos pós-entrevistas para explicação pelos participantes sobre o significado de suas falas na tentativa de superação dessas limitações.

Participantes

Os sujeitos primários da pesquisa foram crianças e jovens em isolamento social e submetidos ao Ensino Remoto. Eles cursavam o ensino fundamental e médio no Brasil, Itália, França e Portugal (MATTOS, at. al., 2020) são considerados sujeitos secundários: suas mães, o pai da Sophia, as professoras e diretoras que participaram diretamente no estudo.

No Rio de Janeiro, a pesquisa envolveu sete grupos, perfazendo um total de 32 participantes: o primeiro, Grupo de Professoras da Escola Pública da Escola Municipal de Educação (SME), é composto por três professoras e uma diretora de escola, o grupo incluiu nove pessoas, cinco delas filhos e filhas das professoras entrevistadas; o segundo, Grupo da Universidade Federal Fluminense (UFF), é composto por duas professoras universitárias que trabalham com professoras em formação, as duas têm três e dois filhos e filhas, respectivamente, formando um total de sete pessoas nesse grupo; o terceiro, Grupo de Portugal (GP), é composto por uma psicóloga, atualmente atuando como juíza de atletismo e suas duas filhas, um total de três sujeitos; o quarto, Grupo da Itália (GI), é composto por uma empresária e suas duas filhas, também um total de três sujeitos; o quinto, o Grupo São Paulo (GSP), incluiu cinco pessoas, a mãe que é oficial de justiça, seus cinco filhos, três de idade escolar e a sogra; o sexto, Grupo da França (GF), é composto por uma diretora de uma escola montessoriana e sua filha de nove anos, um total de dois sujeitos; e por último o Grupo da Sophia (GS), que forma o estudo de caso a menina Sophia, sua mãe e seu pai, portanto três participantes. Ela tinha, em 2020, oito anos e estava no 3º ano do ensino fundamental de uma escola particular e católica. A sua mãe é dona de casa estava dispensada do trabalho como faxineira de uma família de classe alta no Leblon e o seu pai é motorista particular há 25 anos na casa da pesquisadora, ambos têm ensino médio completo e moram num bairro da zona norte do Rio de Janeiro, decidiram compartilhar a moradia da pesquisadora por considerarem apropriado dar apoio à mesma, que mora sozinha e está no grupo de risco da pandemia (mais de 65 anos de idade).

Ouvimos suas vozes sobre expectativas, percepções e experiências, para descrever e dar sentido a esse momento socioeducativo particular - o Ensino Remoto em tempos de confinamento absoluto. Algumas dessas mães eram professoras que trabalhavam durante esse período em casa, ou diretora de escola. As vozes das alunas foram ouvidas diretamente ou através das narrativas de suas mães e do pai, ou por meio da observação participante do estudo de caso (MATTOS; CASTRO, 2011). Na maioria das entrevistas, foram as mães que responderam às perguntas, mas na Itália, França e Portugal, as filhas participaram diretamente da entrevista. Em contrapartida, nos outros grupos, as filhas e os filhos estavam presentes, mas não quiseram falar na frente da câmera.

A seleção desses grupos se deu pelo conhecimento prévio da pesquisadora sobre a história de vida dos participantes, por terem eles se interessado e se incluírem no tema objeto do estudo e pela disponibilidade e aceitação deles em participarem espontaneamente da pesquisa num tempo e espaço de dificuldades em todos sentidos da vida cotidiana das pessoas, de modo geral. Considerando-se ainda o fato de a pesquisadora ter desenvolvido estudos etnográficos anteriormente com a maioria dos participantes, acredita-se que a pesquisa etnográfica compusera um cenário interessante e inédito na área de ensino-aprendizagem com o uso de dois modelos de etnografia - uma etnografia tradicional (estudo de caso presencial) e uma etnografia digital (entrevista online). Ambos parte importante da etnografia em tempos antropocenos (LATOUR, 2021).

Considera-se ainda, que dadas as limitações do confinamento, a seleção dos grupos foi adequada. O fato de eles envolverem pessoas de diferentes países oportunizou uma visão de totalidade da amostra. Para Frederick Erickson (1986) o entendimento da totalidade e da particularidade de um fenômeno são importantes elementos da etnografia. Para o autor não é limitante ter uma amostra reduzida, mas é importante que essa amostra represente uma totalidade do fenômeno. Isto é, a visão do todo e das partes de como se dá o Ensino Remoto em tempos de confinamento foi parte importante das análises.

Objetivo, Questão da Pesquisa e Perguntas da Entrevista

A pesquisa que deu origem a este artigo, foi ampla e incluiu sete países, além de sujeitos variados como: pessoas em abrigos, estudantes em vários níveis de escolaridade e professores universitários. Como já destacado, para esse texto, os dados foram os coletados no Rio de Janeiro por Mattos, mas se pautaram pelo objetivo geral, questão de pesquisa e perguntas formuladas para as entrevistas que foram pensadas por todas as pesquisadoras e balizaram a pesquisa original em todos os países. Mas neste caso, o Rio de Janeiro foi o único local que fez uso do estudo de caso presencial como instrumento de coleta de dados.

A seguir apresentar-se-á o objetivo geral, a questão de pesquisa e as perguntas formuladas para orientar as entrevistas. Estes marcadores metodológicos foram importantes para possibilitar a triangulação, validação e comparação dos dados nos diferentes contextos.

Objetivo

O objetivo geral da pesquisa foi estudar e descrever etnograficamente, a partir das vozes dos sujeitos participantes - crianças e jovens do ensino fundamental e médio - como ocorreu o Ensino Remoto em casa, durante o período de isolamento social por COVID19 em algumas partes do mundo a saber: Brasil, Itália, França, Portugal, Índia e Inglaterra.

Questão de Pesquisa

A questão principal que orientou a pesquisa foi - Qual a natureza e variações das percepções das crianças e jovens do ensino fundamental e médio sobre o Ensino Remoto em casa durante o período de isolamento social por COVID19 em diferentes situações de vida, escolas e países?

Perguntas da entrevista

As perguntas que orientam as entrevistas foram: Como está o Ensino Remoto em sua casa? Como seu filho ou filha se vê como estudante em casa? Como você se vê como a mãe de um aluno ou aluna estudando em casa? Como professor, o que você acha da ideia do ensino se deslocando da escola para casa? Como mãe, o que você gostaria de perguntar à escola do seu filho ou filha sobre o Ensino Remoto?

Também investigamos as dificuldades e soluções em torno do Ensino Remoto para entender o futuro da educação pós-pandemia. As perguntas buscaram semelhanças e diferenças entre as experiências de cada pessoa em cada grupo e em diferentes locais onde os entrevistados viviam.

As perguntas foram enviadas para as entrevistadas previamente de modo a orientá-las sobre possíveis respostas, o objetivo foi ainda auxiliar as pesquisadoras na coleta e análise comparativa dos dados, visto que sujeitos de diferentes países participaram da pesquisa e assim poder-se-ia balizar as respostas, tendo em vista que a entrevista etnográfica é pautada pela manifestação livre do entrevistado. Logo, essas questões não seguiram um guia rígido que apontassem respostas pré-estabelecidas. Ao contrário, elas buscaram similaridades e diferenças entre as vivências de cada pessoa, em cada grupo e em diferentes locais onde viviam as entrevistadas. Considerando-se ainda que os sujeitos são agentes construtores de suas próprias culturas e pensamentos e certamente estes se aproximam e se distanciam de acordo com as vivências particulares de cada um.

Na próxima sessão serão apresentados, de modo sintético, o desenvolvimento da pesquisa, onde inclui-se: 1. acesso aos dados; 2. processo de análise; categorias e subcategorias; resultados em forma de vinhetas enográficas; e recomendações para o uso do Ensino Remoto pelas escolas.

 

Desenvolvimento

Nesta sessão desse artigo apresentar-se-á como desenvolveu-se a pesquisa, nele se incluem os seguintes elementos: acesso aos dados, processo de análise, principais categorias e subcategorias que surgiram das análises.

Acesso

O acesso entre pesquisadoras deu via Zoom e Meet. Houve cinco encontros de quatro horas cada quando se deu a criação do projeto. A seguir cada pesquisadora iniciou a coleta em seus países e as trocas de informações foram constantes até a finalização dessa fase. A partir daí, os contatos foram via e-mail. O acesso aos sujeitos da pesquisa se deu da seguinte forma: o contato com entrevistadas via WhatsApp em diferentes momentos até que se combinou a entrevista coletiva (mães e seus filhos/filhas e professoras/diretoras e seus filhos e filhas). O contato com a família de forma oral e diária. Os horários das entrevistas foram previamente combinados de modo conveniente para as entrevistas das suas famílias e para a pesquisadora, visto que o fuso horário na Europa é no mínimo quatro horas à frente do Brasil.

No caso da família da Sophia, foi de maneira direta e constante. Geralmente as conversas com a Sophia e a mãe ocorriam depois das aulas, visto que ambas assistiam as aulas todo o tempo, enquanto com o pai se deu durante as refeições diárias, com a presença de todos e sempre que alguma dúvida surgia. Por exemplo, em um determinado momento a estudante sentiu dificuldade em lidar com a demanda da escola e das professoras devido: ao número excessivo de tarefas e de tempo de aula; tarefas complexas sem explicação da professora e fora do horário, tipo "para casa"; a inabilidade dela e da mãe em lidar em com as tecnologias, tudo isso acrescido ao fato de ela ter mudado de escola naquele ano. Os pais resolveram reclamar com a coordenadora pedagógica escrevendo uma carta para a escola explicando e pedindo mudança. A pesquisadora os auxiliou na escrita dessa carta.

Entretanto, o acesso se deu de modo tranquilo e sem problemas para a pesquisadora e para os participantes.

Processo de Análise

Os dados foram transcritos em totalidade, minutados e analisados quanto ao conteúdo das falas. Para tal foram eliminados os trechos correspondentes às perguntas e interpolações da entrevistadora e somente foram processadas e analisadas as falas das entrevistadas. Foi utilizado o software Atlas.ti 7, de modo a gerar conexões entre categorias que permitissem estabelecer relações entre elas.

O Atlas.ti. possui a função de realizar uma análise que favorece o entrecruzamento dos dados e proporciona uma verificação que gera conexões e categorias que permitem estabelecer relações entre códigos e documentos. Com o uso do software gerou-se tabelas de frequência de palavras. A partir das análises das palavras formaram se grupamentos delas por significado e deles derivaram-se as categorias temáticas.

O processo de análise indutiva envolveu, inicialmente, a checagem manual das falas, sua categorização por temas e posterior seleção das citações que expressem as categorias derivadas das análises pelo Atlas.ti. As categorias iniciais derivadas dessas análises foram: Impacto pessoal/Sujeito; Educação; Soluções e Dificuldades; Tecnologia; e Tempo.

Após essa seleção decidiu- se associar novamente essas palavras pareando seus grupos de significados para selecionar novas categorias e, assim, sintetizar as categorias por grupos de significados mais próximos. E, a seguir, buscou-se as citações que permitiam explorar as impressões e percepções dos participantes da pesquisa sobre os temas/categorias em acordo com a predominância da frequência das palavras nas falas de modo que fossem equivalentes à frequência representativa dos resultados. Assim, essas citações são unidades hermenêuticas geradas pelo Atlas.ti., foram significadas para o desenvolvimento das análises de modo a validar as expressões textuais e produzir pressupostos teóricos relevantes que consolidaram as conclusões da pesquisa.

Categorias e subcategorias

Nesta seção apresentar-se-ão as categorias e subcategorias em forma de tabelas, incluindo um conjunto de palavras como indicador que lhes deram significado. Inclui-se também a frequência dessas palavras expressas em quantidade e percentual para cada categoria. Na sessão subsequente serão introduzidas as citações, incluindo e a interpretação dos pesquisadores que compõem as vinhetas etnográficas. Inclui-se ainda um conjunto de indicadores derivados das análises.

As categorias gerais resultantes das entrevistas sobre Ensino Remoto foram as seguintes: Sujeitos/Impacto Pessoal (41%), Educação (28%), Dificuldades e Soluções (12%), Tecnologia (10%), Tempo (9%). A redução dos dados se deu da seguinte maneira: de um total de 8.951 (oito mil, novecentos e cinquenta e uma) palavras válidas descartou-se 365 (trezentos e sessenta e cinco) palavras sem sentido. As 8.586 (oito mil quinhentos e oitenta e seis) palavras restantes foram analisadas. O critério para a redução foi por associação de significado após o agrupamento por categorias temáticas. A tabela 1 apresenta as categorias principais, a frequência de palavras em quantidade e em percentual. Os dados representam as análises no contexto da leitura crítica das transcrições realizadas manualmente e resultantes do uso do software Atlas.ti.

Em desdobramento da tabela 1 apresentar-se-á cada uma das categorias e subcategorias em tabelas distintas, em acordo com os resultados dessas análises. Na sequência, a seção 4 apresenta alguns resultados da pesquisa e seguirá a mesma lógica de apresentação das categorias em forma de vinhetas interpretativas.

Impacto Pessoal/Sujeitos

A primeira categoria a ser apresentada é Impacto Pessoal/Sujeitos (Tabela 2) Nela se incluem as subcategorias: Eu, com a frequência de 42% das palavras; Eles, com 35%; Grupo com 17%; Parentes, com 4%; e Governo, com 2%.

Nota-se que a frequência das duas primeiras subcategorias é superior às demais, indicando que os sujeitos mais citados foram as próprias entrevistadas e suas filhas (EU) e as pessoas que lidam diretamente com o ensino remoto (ELES). A subcategoria "Grupo", aparece com relativa importância, enquanto, "Parentes", aparece com menor frequência. Vale notar que o pai e os avós, muitas vezes vivendo na mesma residência, incluem-se nesta subcategoria, o que pode indicar a baixa participação deles no ensino remoto. Por último, aparece a subcategoria "Governo", relativa às pessoas associadas às políticas educacionais, inclusive as diretoras e coordenadoras das escolas.

Educação

A categoria Educação (Tabela 3), inclui as subcategorias: Escola, com 22% da frequência da palavra; Aprender, com 22%; Tarefas, com 14%; Quantidade, com 12%; Ações, com 11%; Exames, com 6%; Ensino, com 5%; Classe e Materiais com 4%. Como se pode observar, os dados apontam para a necessidade de saber lidar com a escola em casa. O que e como se "Aprende", as "Tarefas", as "Ações" associadas e os termos que preponderaram entre as preocupações das entrevistadas. Sem surpresa para as pesquisadoras, "Quantidade" aparece como subcategoria, visto que em todas as entrevistas esta foi uma das falas que se ouviu com muita frequência: "Quantidade" de tempo, "Tarefas", aulas, excesso de equipamentos, diversidade de formatos do acesso online, dentre outros. Isso de deu, em especial, no início das aulas remotas e foi surpreendentemente forte, a ponto de chamar à atenção de todos os envolvidos

Tecnologia

A categoria Tecnologia (Tabela 4) refere-se a ferramentas, técnicas e práticas utilizadas para desenvolver a Educação Remota. As subcategorias são: Uso, com 31% da frequência; Ferramentas, com 19%; Acesso, com 16%; Redes Sociais, com 15%; Aplicações, com 10%; e Tarefas, com 9%.

Embora a subcategoria "Uso", tenha sido a mais citada no contexto da categoria "

Tecnologia", o percentual elencado nas demais subcategorias indicam um equilíbrio entre as escolhas de termos e denotam uma certa familiaridade das entrevistadas com o "Uso" de "Tecnologias", inclusive as remotas. A subcategoria "Redes Sociais" foi apontada como recurso de comunicação entre as escolas e as entrevistadas, entre as famílias e entre os alunos, fato que indica ser esta uma das mais importantes ferramentas interativas utilizadas pelos sujeitos.

Os dados mostram ainda que a infraestrutura para lidar com o acesso remoto foi outro elemento determinante para tornar viável o sistema remoto. Embora "Tarefa" seja uma subcategoria incluída na categoria "Educação", ela aparece como importante elemento do Ensino Remoto, enquanto as subcategorias "Ferramentas", "Acesso" e "Aplicativos" compõem um quadro instrumental e não de ensino-aprendizagem propriamente dito. Os dados indicam que os processos que levam efetivamente as escolas e as residências a serem loci de aprendizagens é a presença da Tecnologia nas residências, que garantem a operacionalização do Ensino Remoto, mas não é a efetividade de seu Uso como instrumento que leva à aprendizagem para as crianças e jovens que se submeteram a ela.

O improviso e a situação de isolamento, associada à necessidade de contato, fez com que o ensino tradicional presencial na escola, obrigatoriamente, se tornasse virtual. Como consequência, fez-se necessário decidir qual o veículo mais compatível com as aulas virtuais, como levar a escola até à casa, copiando um modelo presencial.

Para a comunicação entre as escolas e os entrevistados, e as famílias, os aplicativos vencedores foram: Zoom, YouTube, Microsoft Word, Acrobat PDF Reader. A televisão aberta e seus canais dedicados à Educação foram os instrumentos menos mencionados. Os dados também mostram que a infraestrutura de redes sociais para lidar com o acesso remoto foi outro elemento determinante para viabilizar a Educação Remota. A principal ferramenta usada foi um celular.

Sobre a categoria Tecnologia o período de isolamento revelou o acesso às plataformas de Ensino Remoto como novidade associada às mídias sociais e aplicativos para conferência ao vivo. O simples ato de enviar um link para os alunos por e-mail em contraste com pedir para abrir um livro impresso mudou completamente a natureza da sala de aula.

Dificuldades e Soluções

Na categoria Dificuldades e Soluções, 59% das declarações expressaram Soluções, enquanto 41% Dificuldades. Os números apontam a favor de respostas positivas à pergunta. Em geral, as respostas foram otimistas sobre o futuro da Educação Remota. O ensino híbrido pode ser a direção certa para o futuro da Escola.

Nesta categoria (Tabela 5) foram encontradas as subcategorias: Diálogo, com 31% da frequência das palavras; Bom, com 22%; Isolamento, com 12%; Ruim, com 10%; Problemas, com 7%; Novo, com 7%; Autonomia, com 6%; e Finanças, com 5%.

O "Diálogo" e a "Autonomia" como subcategorias positivas sugerem a necessidade de a escola se abrir aos desejos e necessidades do aluno. O "Isolamento", refere-se ao período de isolamento social. "Ruim", está relacionado à falta de escolhas e à obrigação de ficar em casa e assistir às aulas usando a tecnologia. "Novo", cai em um duplo significado: significa improvisação, caos, incerteza e más notícias, que refletem dificuldades. Mas também implica em esperança, novas aventuras tecnológicas e aprender novas formas de adquirir conhecimento.

Quando questionados sobre as "Dificuldades e Soluções" que enfrentaram durante o Ensino Remoto, os participantes hesitaram em responder. A resposta exigiu um esforço extra dos pesquisadores para examinar o que eles significavam, ao mesmo tempo em que foi um desafio entender/explicar aspectos positivos e negativos do problema que lhes foi colocado. Surpreendentemente, independentemente desse momento desafiador de isolamento, os participantes mostraram otimismo quanto ao presente e pessimismo sobre o futuro.

Tempo

Na categoria "Tempo", as subcategorias que surgiram foram: Agora, com 29% da frequência das palavras; Antes, com 27%; Ano, com 15%; Começo, com 13%; Tarde, com 9%; e, Futuro, com 7%. Com estranheza, verifica-se a emergência da categoria "Tempo", visto que as perguntas formuladas se preocupavam com as percepções, sentimentos e sentido do isolamento no qual ocorre o ensino remoto. No entanto, foi marcante a ênfase das falas das entrevistadas no sentido de revelar o "Tempo" como um marco histórico do momento que se está vivendo. Elas falavam sobre o significado da mudança radical que a escola passará pós-pandemia, o que se convencionou chamar de "novo normal" no contexto mundial. Os dados indicam que as entrevistadas estavam preocupadas com o aqui e o agora, sobre como estava sendo o ano de 2020. Ouviu-se muitas reticências sobre o vir a ser e o futuro da escola.

Outra marca importante das análises foi o fato de que o início do isolamento foi descrito como um momento assustador para todos, por conta de fatores como: improviso, incertezas e o alto nível de estresse das famílias.

Os jovens, em particular, se manifestaram quanto às suas dificuldades, pois viram-se obrigados, neste momento particularmente difícil de suas vidas por serem adolescentes, a se afastarem do convívio com os colegas e conviverem mais de perto com os pais, confinados em casa e se comunicando com os amigos apenas pelas redes sociais. Falaram que despendiam muitas horas nos celulares, assistindo séries e filmes pela TV, como formas de 'matar o tempo'. Quanto ao Ensino Remoto, os jovens explicaram que era uma grande fonte de ansiedade e angústia, em especial entre aqueles que entendiam serem os exames de final de curso e a entrada na universidade definidores do futuro acadêmico e profissional deles, visto que as incertezas quanto a realização deles foi unanimidade, tanto no Brasil como em outros países.

 

Tabela 6

 

Resultados

Nesta sessão serão abordados os resultados da pesquisa em forma de vinheta etnográfica acrescidas de algumas recomendações sobre o uso do Ensino Remoto pelas escolas. Sua apresentação adotará a mesma lógica da sessão anterior, onde as categorias e subcategorias seguem a predominância da frequência das palavras analisadas em ordem decrescente de importância de prevalência nas transcrições.

Impacto pessoal/Sujeitos

Entre as respostas, observou-se diferentes preocupações dos entrevistados com o Ensino Remoto, que incluíram: improvisação, desorganização, tarefas excessivas, dificuldades no uso de tecnologias, angústia, ansiedade e estresse. O isolamento social levou crianças, jovens e suas famílias a uma nova forma de interação com o conhecimento e a aprendizagem, utilizando a tecnologia. Eles também apontam para um certo otimismo e positividade sobre as mudanças nas relações interpessoais entre os membros da família e com as escolas, e o futuro da escola usando a tecnologia. Tarefas envolvendo Ensino Remoto consumiram grande parte da rotina de pais e filhos, causando estresse e ansiedade.

Uma das entrevistadas disse:

Sou mãe de cinco filhos... Os três primeiros estão na escola... Falamos sobre [Ensino Remoto] no dia a dia; estamos falando muito sobre isso: 'Ah, eu estou ficando louca! A Internet está fora do ar! As outras [crianças] me ligam! As aulas aconteceram ao mesmo tempo! Este é um tema grave que mudou a vida de todos. Vou falar sobre o meu caso, mas também acredito que esta é uma questão global que nos surpreendeu. Ninguém estava preparado para este momento, nem como lidar com isso... Tudo começou assim: 'Não haverá aulas em São Paulo amanhã'. Então ficamos em casa, sem saber o que fazer; não sabendo o que ia acontecer. Foi também um novo momento para a escola, uma novidade, porque eles também, perceberam que não sabiam quanto tempo duraria! O que ia acontecer? Como seria? Hoje estamos mais satisfeitos. Sabemos que as crianças não voltarão à escola antes de agosto [2020]. Ter isso em mente já ajuda a fazer a rotina das aulas fluir melhor. É uma coisa que veio ficar por muito tempo! Há muito tempo! (mãe, São Paulo, Brasil)

Tudo é novo para sua família e escola; ela tem que estudar para ensinar seus filhos; ela não entende de pedagogia para ajudar com as tarefas impostas pela escola; ela continua a pagar as taxas escolares, embora, inesperadamente, ela assuma o papel de professora de três séries diferentes; ela define essa situação como nova e complicada, mesmo com o marido e a sogra para ajudar. No decorrer dessas dificuldades, ela ressalta que o Ensino Remoto cria uma rotina para as crianças e as obriga a estudar, o que é positivo.

Algumas alunas disseram:

Está tudo bem, mas é um pouco irritante, porque eu não posso sair. [...] É legal quando estou com os outros, mas tudo bem se eu estiver sozinha também. (aluna, 9 anos, quarta série do ensino fundamental, França)

As experiências são muito estressantes, pois muitos professores não entendem que estamos em casa o dia todo, mas não podemos nos dedicar apenas à escola o tempo todo. (aluna do terceiro ano do ensino médio, 17 anos, Itália)

Educação

O Ensino Remoto exigiu um novo esforço na vida das entrevistadas. Elas relataram as dificuldades, nas análises sugiram subcategorias expressas por palavras fortes como: 'loucura', 'frustração', 'estresse', 'ansiedade', 'angústia', 'pesadelo', 'absurdo', 'assustado' e 'zangado'. No entanto, mesmo demonstrando o pessimismo apontado nas tabelas anteriores: "Sujeitos" e "Educação", de modo geral, as respostas foram otimistas sobre o futuro do Ensino Remoto. Essa dicotomia parecer ser uma combinação do aprendizado presencial com o Ensino Remoro, abrindo novas possibilidades de ensino como por exemplo o ensino híbrido que foi a direção apontada para o futuro da escola (FREIRE, 2021).

Também observamos subcategorias positivas como o "Diálogo" e a "Autonomia", sugerindo a necessidade de a escola se abrir aos desejos e necessidades dos estudantes, entender seus caminhos de aprendizagem, e para ouvir suas vozes. Como a narrativa que se segue:

Na primeira vez que tivemos aula [remota], foi com o professor de Matemática, ele fala um pouco com a gente, a gente fala um pouco [sugerindo turnos de fala]; ou da mesma forma com o [professor] de italiano, - nós argumentamos - falando sobre a realidade de agora [...] quando estamos falando com o professor sobre o que estamos pensando, o que gostaríamos de fazer quando tudo isso acabar; então eu acho que é legal. (aluna, primeiro ano do ensino médio, 15 anos, Itália)

Observamos que a natureza das atividades educativas era confusa e improvisada. Preocupações levantadas foram: o excesso de trabalho dos alunos; despreparo dos professores; até mesmo sua mudança de postura na frente das câmeras; a falta de autonomia de crianças e jovens; dificuldades com a transição da escola para casa; a diversidade de tarefas; dificuldades com a gestão de plataformas digitais; e a compreensão das atividades. Isso gerou estresse, angústia e ansiedade entre alunos e mães, exigindo atenção e tempo. Como disseram as alunas:

Acho que esse tipo de trabalho dá muito pouca estimulação para a gente estudar, colocar o máximo esforço para fazer o trabalho. (aluna do terceiro ano do ensino médio, 17 anos, Itália)

Às vezes, há professores que são mais rígidos que outros. Por exemplo, meu professor de francês expulsou um aluno da classe por falar fora do assunto. Há uma opção, para falar temos que levantar a mão, mesmo assim ela não me deixa falar. A conversa não é fluida; se temos uma pergunta, temos que levantar a mão; não podemos falar quando sabemos uma resposta. (aluna, nono ano do ensino fundamental,15 anos, Portugal)

Uma possível interpretação é que não podemos transferir as mesmas atividades das escolas para as casas. As mães tornaram-se professoras em tempo integral, embora não tivessem domínio de habilidades didáticas e curriculares. Por outro lado, elas tinham, ao mesmo tempo, que cuidar de seus filhos. A escola não pode transferir seus padrões de exigência para a casa. As entrevistadas nos contaram sobre seus sentimentos de incapacidade de aprender os conteúdos e de realizar as tarefas no tempo exigido pela escola. Por sua vez, a escola perdeu o senso de controle de sua função e lidou com pouca habilidade com as tecnologias disponíveis, causando a impressão de desorganização, falta de planejamento e desatenção às necessidades dos alunos.

Ao tentar impor as mesmas regras da escola para a Ensino Remoto, a escola se perdeu. Em vez de se adaptar a uma nova realidade, manteve uma estrutura fixa como a única possível. Com isso, perdeu um espaço potencial de conduzir conhecimentos, buscar, dialogar, debater, ser prazerosa e colaboradora, provocar desafios, descobertas de diferentes possibilidades de expressões e de linguagens.

Um exemplo foi a avaliação, que na opinião das alunas, foi descontextualizada:

A avaliação online manteve o ritmo da presencial, com a mesma lógica regulatória e medidas classificatórias, não houve nenhuma mudança. Assim, a escola não considerou a dimensão pedagógica da avaliação e a ideia de avaliação para a aprendizagem. É impossível ter contato humano com professores, isso torna tudo mais difícil de entender nas aulas, e nas provas também, porque estávamos acostumados a fazer perguntas durante as provas. (aluna do terceiro ano do ensino médio, 17 anos, Itália)

Porque ficamos em casa, fazemos muitas chamadas de vídeo, mesmo durante as provas, porque, tipo, os professores não veem se usamos nosso celular ou não, então às vezes durante os exames a gente se ajuda também. (aluna, primeiro ano do ensino médio, 15 anos, Itália)

Da mesma forma, o número excessivo de tarefas utilizando múltiplos veículos de comunicação e a variedade e quantidade de materiais didáticos demonstram o despreparo da escola em entender outros tempos e espaços de aprender. Como vimos, parece ser uma maneira de 'passar o tempo'. Em suma, lidar com a crise da saúde, sem saber o que esperar, levou a escola a desacreditar das iniciativas dos alunos e de seus pais.

Soluções e dificuldades

Os aspectos negativos ou dificuldades incluíram: 'isolamento' - período de isolamento social devido às exigências pandêmicas; a falta de escolhas - a obrigação de ficar em casa e assistir às aulas usando a tecnologia; frustração emocional e incerteza; e finanças - o impacto de tempos difíceis na economia na família. No entanto, também é essencial notar a positividade nas percepções. As pessoas, também contraditoriamente as afirmativas anteriores, demonstraram-se otimistas sobre um futuro melhor. As entrevistadas apontaram aspectos positivos para enfrentar a pandemia e soluções possíveis para o futuro:

A família se aproximou, nos conhecemos muito mais, conversamos mais. Acredito que todos nos conhecemos, especialmente pais e filhos. Como marido e mulher têm parceria e colaboração, não que isso não mude também, mas já compartilhamos os problemas; nós somos adultos. Ainda assim, com minhas filhas, acho que amadureceram muito, começaram a ter outros valores. Tenho certeza de que elas sairão dessa melhor. (mãe, Itália)

Nós não valorizamos nossa vida diária. Muitas vezes reclamamos, não valorizamos e agora estamos vendo o quanto tínhamos. Quantas oportunidades... Por exemplo, eu e minha irmã, quantas vezes reclamamos que tínhamos que ir para a escola, tivemos que acordar cedo, mas agora... Eu acho o quanto a vida é delicada e que temos que agradecer que estamos bem, que temos um lugar onde podemos estar. Aqui temos uma situação de crise econômica e muitas pessoas nem estão tendo coisas para comer, perdendo o trabalho, e estamos aqui com saúde, com comida, todos juntos; faz você pensar muito sobre o dia que temos. Acho que um impacto mais forte vai ser quanto voltarmos à realidade e ver que tudo vai ser diferente. Você pode conhecer pessoas como antes, mas você não pode abraçar seus amigos ou sua família, nós não podemos fazer muitas coisas que fazíamos antes. Nós não valorizávamos isso e não sabíamos o que tínhamos. (aluna do terceiro ano do ensino médio, 17 anos, Itália)

Aprendemos a dar mais valor às coisas de cada dia... dar mais valor ao que fazemos todos os dias, aproveitar cada momento, pois não sei quando poderemos ter esse momento novamente. Se você quer dizer algo, é melhor falar, porque de repente você não vai ser mais capaz de falar, certo! Então aproveite tudo. (aluna, primeiro ano do ensino médio, 15 anos, Itália)

Uma coisa positiva, eu acho, na verdade, é este novo uso para casa! Até então, nossa casa era um espaço de convivência, mas nunca pensei nela como uma escola. Então, eu vejo que, mesmo com todas as dificuldades, conseguimos nos tornar uma escola. Precisávamos de organização, programação e planejamento. Mas está funcionando hoje. Vejo que se eu tiver que fazer da minha casa uma escola para meus filhos, eu poderia fazê-lo. A outra coisa é, se eu não tivesse essa medida de isolamento, eu não estaria em paz com eles indo para a escola em uma situação pandêmica. Seria desconfortável ter aulas a qualquer custo na escola. Então, eu vejo isso como uma oportunidade para nos preservar. Espero que esses valores venham para ficar... Tenho a oportunidade de estar com meus filhos, de ensinar algo a eles (mãe, São Paulo, Brasil).

Aspectos negativos que expressam as dificuldades durante a pandemia também foram apontados:

Ter aulas em casa é legal, porque... Não, espere, não é legal. Eu prefiro ir para a escola, é claro. Fazemos muito mais testes agora que é online. Tipo, todo dia tem um teste; hoje eu fiz um teste de gramática, ontem eu fiz um teste de história da arte, todo dia tem um teste. Então temos aulas e muito mais. Um dos assuntos que faço é artístico e depois tenho que desenhar ainda mais. Isso fica muito chato porque eu não sou uma pessoa que gosta muito de estudar. Pelo menos quando ia para a escola eu tinha meus amigos e ficava com eles lá. Isso era legal, mas ficar em casa, eu tenho que estudar, e nem mesmo ser capaz de ver meus amigos; eu acho que é muito irritante. (aluna, primeiro ano do ensino médio, 15 anos, Itália)

Muitas vezes temos problemas de conexão. Tenho algumas pessoas da minha classe que moram em lugares distantes da cidade, então a conexão nem sempre é muito boa. (aluna do terceiro ano do ensino médio, 17 anos, Itália)

Alguns garotos não têm internet em casa, e muitas vezes alguns dos meus amigos não participam de videoconferências. Uma amiga só esteve lá uma vez. (aluna, terceiro ano do ensino fundamental, 13 anos, Portugal)

As impressões desses entrevistados são cruciais para a compreensão do impacto que essa pesquisa pode ter na educação, especialmente em relação às tecnologias e à educação. Os entrevistados apontaram como "soluções" para a situação atual [Ensino Remoto] e o futuro da escola o seguinte: a) A mudança na linguagem tornou-se universal e interdisciplinar; b) O papel fundamental da tecnologia nas práticas pedagógicas 'inovadoras'; c) A interação com ferramentas tecnológicas tornou-se mais familiar e facilitou conexões humanizadas entre pessoas em casa e nas escolas; d) A valorização do papel do professor como mediador entre ensino e aprendizagem; e) Possibilidade de abertura de formação em serviço para profissionais que utilizam Ensino Remoto; e) O novo uso das casas como espaços de ensino e aprendizagem; f) A aproximação entre os familiares em decorrência do Ensino Remoto e o consequente redesenho das atividades domésticas; g) A necessidade de uma mudança de mentalidade diante do paradigma da educação virtual e do uso da tecnologia na educação, não apenas para o acesso à informação, mas também para um propósito pedagógico; h) A mudança na rotina de casas e das escolas; e i) O papel da escola, que precisa adaptar-se às novas estratégias em relação às tarefas, as avaliações, as atividades curriculares e outros aspectos, preparando-se para a educação pós-pandemia.

As entrevistadas também identificaram algumas "dificuldades" no período e para o futuro: a) A descontextualização dos conteúdos curriculares durante o Ensino Remoto: não lidar com a pandemia e isolamento; b) A falta de conexão com o aluno; c) A estranheza das tarefas online como uma mera reprodução do aprendizado face-a-face; d) Necessidade de preparação pedagógica para a Ensino Remoto por professores, pais e alunos; e) O número excessivo de atividades e limitação de tempo necessários para a realização do Ensino Remoto; f) A diversidade de atividades, o número excessivo de mídias remotas, a falta de acesso e a escassez de equipamentos necessários para a realização do Ensino Remoto no dia a dia; g) A natureza precária das redes de internet nas escolas e nas casas, escassez de equipamentos e o despreparo geral para iniciar e continuar o Ensino Remoto com regularidade; h) A relação problemática entre escolas e famílias, em particular para famílias que não têm formação acadêmica suficiente para lidar com a demanda da escola em relação aos seus filhos; i) As inconsistências entre o apoio oferecido aos alunos pelas escolas e professores e suas necessidades de Ensino Remoto; j) A falta de contato humano e sociabilidade durante a Ensino Remoto; k) Necessidade de controle sobre aspectos pedagógicos do ensino por escolas e professores, especialmente no que diz respeito à frequência das atividades, avaliação, tempo, desempenho das tarefas e elaboração de atividades; o que levou à falta de flexibilidade nos exames, mas incentivou a autonomia e a autoaprendizagem pelos alunos; l) A desorganização, a falta de planejamento adequado, a estrutura insuficiente e a dificuldade de planejamento para realizar as atividades necessárias no tempo estabelecido online; m) Necessidade de diálogo constante e consistente entre a família e a escola; n) A quantidade de tempo, rotinas e materiais envolvidos com vídeos e conferências online; e o) O tráfego congestionado da rede de internet.

Tecnologia

Observamos um duplo significado na visão dos entrevistados sobre inovação: significa improvisação, caos, incerteza e más notícias; mas também implica esperança, novas aventuras tecnológicas e aprender novas formas de adquirir conhecimento. Isso revela uma excelente oportunidade para transformar o sistema educacional introduzindo tecnologias de aprendizagem remota nas escolas.

Improvisação e isolamento associados à necessidade de contato tornaram o ensino presencial tradicional necessariamente virtual; consequentemente, eles precisavam decidir qual a ferramenta tecnológica era compatível com classes online.

O isolamento revelou que o acesso às plataformas de Ensino Remoto exige um "novo acordo" associado ao uso das mídias sociais nas escolas, entre os professores, com os alunos e com os pais.

Aplicativos de conferência, vídeos, PDFs e televisão tornaram-se parte da nossa rotina mais do que queríamos. O simples ato de enviar um link para os alunos por e-mail, contrastou com o fato de pedir que eles abrissem um livro impresso - e isso mudou completamente a natureza da sala de aula. De acordo com as entrevistadas, o caos que se instalou ao redor do mundo com Ensino Remoto tem a ver com: a) A qualidade e o poder da banda larga da internet, que não suportou e não suporta o volume de tráfego de dados que se tornou intenso com as pessoas em isolamento; b) O despreparo das escolas, professores e famílias para lidar com tecnologias de comunicação para a Ensino Remoto, que exige horas de treinamento especializado; c) A perda do controle - modelo escolar tradicional pela escola e pelos professores, em contraste com um modelo autônomo e descontrolado que exige alternativas do usuário, inclusive se permanecerá on-line ou não; d) As tarefas propostas em um modelo tradicional de ensino presencial, que não são compatíveis com o modelo online; e, e) A linguagem estabelecida entre a escola e a casa causando um curto-circuito, resultando em descontentamento, ansiedade, angústia e estresse para todos.

Vamos ver o que algumas das narrativas sobre 'Tecnologia' nos contam:

Quando usamos videoconferências, usamos Drive. É o mesmo do Google Meet. Não é tão bom porque muitas pessoas estão falando e o professor não pode desligar seus microfones, e, mesmo quando todo mundo está quieto, corta muito, mas não tem boa qualidade! (aluna do terceiro ano do ensino fundamental, 9 anos, Portugal)

Ter que gravar a voz em si é a coisa mais difícil, então você perde contato completamente com o professor. Acho que é muito melhor fazer chamadas de vídeo onde o professor faz perguntas diretamente. Acho que você perde contato. Nunca fomos acostumados a fazer uma coisa dessas... Aprendi a fazer algumas coisas com o computador que eu não sabia fazer, como alguns programas. Aprendi a transcrever. Baixei um programa para transcrever os vídeos. (aluna do terceiro ano do ensino médio, 17 anos, Itália)

Por exemplo, temos que enviar um documento salvo em PDF, mas ninguém nunca nos ensinou sobre o envio de um documento em PDF; Eu não sabia como fazer isso, então eu sempre guardei normalmente, você sabe. Então toda a turma estava enviando o documento e veio uma mensagem de que só poderíamos enviar em PDF e então eu tive que ligar para minha mãe para me ajudar; então todo mundo enviou um e-mail para a professora dizendo que não poderíamos enviá-lo desta forma, e então ela brigou conosco, disse que quem não enviasse o documento em PDF teria que refazer o teste, mas ninguém nunca nos ensinou, você entende... Agora eu sei como usar melhor o computador, e eu vou saber como fazer as coisas mais sozinha. (aluna do terceiro ano do ensino médio, 17 anos, Itália)

Embora alguns desafios sejam universais, a maioria é específica do contexto. A tecnologia é um deles. Primeiro, vemos a improvisação, usando os recursos em mãos para permitir o Ensino Remoto, que fez do celular uma das ferramentas com uma tremenda demanda. Em segundo lugar veio a aplicação de redes sociais usando comunicação que mudou a utilidade de computadores e telefones, de um mero instrumento de troca de mensagens e imagens, para telas para vídeo-classes, reuniões, home-offices, webinars, teleconferências, trocas de documentos, links etc.

A linguagem tecnológica tomou conta das casas e, de repente, usamos celulares para tudo: comprar, vender, conversar com amigos e estudar (FREIRE, 2022). As discussões abrangeram uma série de temas associados a diferentes formas de acessar 'a vida fora de casa', por exemplo: a) Várias plataformas virtuais rapidamente tomaram seu lugar nas mãos e nas mentes dos usuários; b) Podemos reconhecer que existem diferenças e semelhanças entre as funções de cada produto, ferramenta e aplicativo tecnológico; c) Há um caos envolvendo o uso de múltiplos instrumentos em múltiplas tarefas educacionais; d) Há desafios na transferência de tecnologia da escola para as casas; e) O uso de celular, computador, TV, o papel foi substituído por arquivos em PDF e outros substitutos para a realidade da sala de aula da casa; f) As incompatibilidades entre os indivíduos e o coletivo no uso de imagens digitais causaram desconforto aos usuários em torno do compartilhamento, presença e atenção coletiva; g) Há forte resistência dos críticos acadêmicos ao uso de tecnologias como ferramenta de ensino em ambientes educacionais; h) Há congestionamento envolvendo o uso de equipamentos em casa, na rede de internet e plataformas digitais simultaneamente; i) Os problemas de ausência de conexões, dificuldades de acesso e escassez de equipamentos causam exclusão digital e socioeducativa.

Como percebemos, a 'tecnologia' tornou-se o ponto-chave na transferência da educação da escola para casa (VALENTE; ALMEIDA, 2020). O despreparo para isso gerou caos, mas também permitiu a mediação, o diálogo, o estudo, o entendimento, o aprendizado e o compartilhamento como alternativas ao impasse criado pelo Ensino Remoto.

Tempo

As declarações dos entrevistados enfatizam o "tempo" como este momento histórico notável em que estamos vivendo. Eles apontaram para a mudança radical que as escolas têm que enfrentar pós-pandemia, chamado o "novo normal".

O período inicial de isolamento foi assustador, pois envolvia improvisação, incertezas, dúvidas e alto nível de estresse nas famílias. Em particular, os jovens expressaram suas dificuldades em serem forçados a se afastar da interação com seus pares, e viver sob os olhos de seus pais, confinados em casa e nas redes sociais. Eles disseram que passavam muitas horas em seus celulares, assistindo programas de TV e filmes, como maneiras de 'matar o tempo'. Os jovens explicaram que o Ensino Remoto era uma grande fonte de ansiedade e angústia para eles, especialmente entre aqueles próximos aos exames de fim do ensino médio e ao ingresso em uma universidade, o que definiria seu futuro acadêmico e profissional. Incertezas e raiva sobre isso situação foram unânimes, como declara essa jovem:

Isso também é muito pesado para pessoas que estão terminando o curso de estudos como eu - que estão no penúltimo ano ou que estão no último ano. Já temos que escolher a faculdade sem poder visitá-la ou ter que fazer o teste online. A maioria das faculdades aqui tem testes e estes nunca foram feitos online. (aluna do terceiro ano do ensino médio, 17 anos, Itália)

O tempo surge no contexto de um período perdido, que não temos. Este é um novo movimento, quando tudo evolui, e nada pode esperar. É um momento de mudança constante e rápida. O COVID-19 traz perplexidade: o mundo permanece paralisado, as ruas estão vazias, as casas cheias, a internet lenta, as TVs ganham novos assinantes, as plataformas digitais atingem grandes lucros, e o 'novo normal' está cheio de adversidades (BRASIL, 2021).

No entanto, as escolas permanecem; professores se tornam rostos na tela do celular ou computador, vidas se desenvolvem nas redes sociais. Crianças e jovens foram forçados a um "tempo" em frente à tela, e o resultado é fascinante. Como afirmam os participantes:

Nem todos os professores fazem aulas por reuniões; alguns colocam um vídeo deles falando na unidade e só temos uma reunião por semana que dura uma hora, por exemplo em italiano e história, para fazer perguntas. O problema é que transcrever um vídeo ao vivo de meia hora leva quase mais que o dobro do tempo. A carga de trabalho fica muito pesada. Pela manhã temos mais ou menos três lições de professores que pedem nas reuniões online e mais aqueles que fazem as conexões diretas para responder perguntas. O tempo que você tem para lidar como o estudo off-line, com as transcrições de vídeos e exercícios, fica mais pesado do que ir para a escola. (aluna do terceiro ano do ensino médio, 17 anos, Itália)

Tenho um aluno da minha turma. Ele é mais velho, em termos de faixa etária e abaixo do nível de conhecimento, de seus colegas de classe. Meu objetivo era aproximá-lo de mim! Ele participou de tudo. Ele parou de andar pela sala e prestou atenção nas tarefas porque sabia que eu pediria respostas. Tínhamos afeição um pelo outro. Agora, o Sistema Municipal de Ensino impediu que os professores tenham reuniões virtuais diretamente com os alunos com recurso de Ensino Remoto. Assim, preparei as atividades em vídeo e enviei para eles através do Diretor da Escola. Assim, na minha mente, eu vejo a classe. Vejo os alunos acompanhados de seus pais fazendo seu trabalho, mas eu não vejo [ele]. Estou muito chocada, porque eu sei como [ele] está! A família que ele tem! Na minha rotina, eu tenho o interesse nele, mas ele não está mais perto de mim! Ele está na rua. Ele não deveria estar, mas ele está! Eu digo isso nos meus vídeos: Eu sei que [ele] está brincando na rua! Eu sei que [ele] está fora de rotina! E isso me preocupa muito. Sua higiene e saúde, bem como: O que [ele] está aprendendo com a Ensino Remoto? Porque, quando voltarmos, não sei como ele seguirá seus colegas de classe! (mãe e professora, Rio de Janeiro, Brasil)

Há uma coisa que eu acho que é um ponto essencial para nós. Meu filho estuda de forma independente, assiste às aulas e é interessante porque o professor pede para ligarem o vídeo, e ele diz: Mãe, eu não vou abrir a câmera! Eu não quero me mostrar! Eu não me sinto bem! E eu pergunto: O quê? Você tem uma aula! Você não gosta de interagir com seus amigos? E ele responde: É uma droga! Odeio estar online! Eu sei o que ele queria. Ele quer fazer outras coisas, mas com todas as limitações do "tempo" online... (mãe, Rio de Janeiro, Brasil)

Ele se sai bem nas atividades, acorda, fica lá, mas não se vê como um estudante dentro de casa! Ele quer assistir à aula, mas, simultaneamente, usa o telefone, assiste TV, se deita no sofá, joga videogame. Ele tem dúvidas, e ao invés de perguntar ao professor, ele me chama. Eu digo: se você estivesse na escola, você não estaria me chamando! Não estaria me perguntando! Você estaria perguntando ao seu professor e trabalhando! Essas coisas acontecem o tempo todo. (mãe e professora, Rio de Janeiro, Brasil)

Para mim, o tempo não está passando tão rápido assim. Mas, não vejo a hora de fazer as coisas que eu queria fazer, mas não dá tempo, não é da mesma maneira! (aluna, primeiro ano do ensino médio, 15 anos, Itália).

Recomendações

Como parte dos resultados da pesquisa, cientes de que as mudanças ocorridas como a implantação do Ensino Remoto afetaram profundamente as escola e principalmente as relações professores/alunos e ensino/aprendizagem, incluiu-se nesta sessão algumas recomendações que são indicadores sobre o que mudou e como mudou a escola, a gestão escolar, os professores, os alunos e os pais durante a pandemia e que provavelmente essas mudanças continuarão a existir pós-pandemia no formato de ensino hibrido, isto é, misto de presencial e remoto. As recomendações são: a) A Ensino Remoto não deve implicar a transferência de salas presenciais para casa; b) A colaboração e o diálogo entre as partes é uma das chaves para o desenvolvimento do Ensino Remoto; c) Tecnologias que estão em sintonia com a realidade, e a preparação para seu uso, são elementos fundamentais para o desenvolvimento do Ensino Remoto; d) O foco na interação humana e não no conteúdo é essencial para o processo de escolaridade em qualquer situação de ensino; e) Mudanças nos paradigmas de avaliação, pedagogia e instrução são necessárias para compreender a conexão e partes inseparáveis do ensino e da aprendizagem; f) O controle é substituído pela autonomia; instrução por mediação e abordagens didáticas por autoaprendizagem; g) A formação continuada de professores pode ocorrer online, por meio de abordagens interacionais e interdisciplinares, em vez de curriculares e estruturadas; h) Rotinas, planejamento e organização são compartilhados de baixo para cima, não de cima para baixo; i) Os sistemas educacionais precisam estar alinhados com a realidade das famílias; J) As plataformas digitais precisam se adaptar às necessidades dos usuários em tempo real; k) Currículos e programas precisam ser mediados pela escola em colaboração com pais e alunos; l) A escola precisa redefinir seu papel: como meio de compartilhamento e reconciliação, em vez de controlar e punir; m) Observar e ouvir o aluno deve se tornar a norma, onde os alunos são considerados autônomos, críticos, transformadores e capazes de se tornarem agentes de sua aprendizagem.

 

Consideraçoes Finais

Em conclusão a esse artigo afirma-se que a improvisação e caos impostos pela pandemia no Ensino Remoto revelam que acomodação, adequação e inovação são as palavras da ordem dos tempos pandêmicos. Afirma-se ainda que o Ensino Remoto chegou para ficar e se transformou em ensino híbrido em 2022, quando parte do sistema educacional retornou ao ensino presencial. Muitas mudanças ainda serão necessárias para que as tecnologias remotas sejam assimiladas pelo seu usuário, assim como uma grande maioria da população, não só no Brasil, mas em todo o mundo, ainda se encontra excluída digitalmente. O alto custo e a falta de treinamento em tecnologia são os principais impedimentos para que esta realidade seja mais democrática e atinja um número significativo daqueles que necessitam desses recursos. A camada menos favorecida da população é a que mais depende da melhoria na educação, embora seja cada vez menos atendida por ela.

O que vemos em 2022 é o retorno do fracasso escolar na pauta das discussões acadêmicas e com ele chega ainda o fantasma da evasão e da exclusão escolar. O Ensino Remoto pode reverter esse quadro de modo mais rápido e eficaz, mas as políticas públicas necessárias para que isso aconteça estão longe de entrar na pauta dos governos.

Fica aqui a contribuição das pesquisadoras para se pensar uma saída. Entretanto, o relatório completo da pesquisa original foi publicado por Mattos, at. al., 20208 e mostra o resultado mais completo do trabalho incluindo outros países como a Índia e o Reino Unido. Como falado anteriormente, neste texto esses resultados foram reduzidos, contudo espera-se não haver comprometimento dos seus significados para os sujeitos ouvidos, assim como para os leitores.

 

Referências

BARBIÉRI, Luiz Felipe. 'Homeschooling': Câmara conclui aprovação de projeto que regulamenta educação domiciliar. G1: Globo, 2022. Disponível em <https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/05/19/homeschooling-camara-conclui-aprovacao-de-projeto-que-regulamenta-educacao-domiciliar.ghtml> Acessado em 22/05/2022.         [ Links ]

BRASIL, LEI Nº 9.394 Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 20 de dezembro de 1996. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf> Acesso em 22/05/2022.         [ Links ]

BRASIL. Ações do MEC em resposta à pandemia de covid-19 março/2020 a março 2021. Relatório de atividades. Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=183641-ebook&category_slug=2020&Itemid=30192 Acessado em 24/03/2022.         [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Coronavírus: monitoramento nas instituições de ensino. Brasília, DF: MEC, 2020a. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/coronavirus/. Acessado em: 14/06/2020.         [ Links ]

BRASIL. Portaria nº 343, de 17.3.2020: Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19. Publicada no DOU de 18.03.2020 Legislação COVID 19. 2020b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Portaria/quadro_portaria.htm Acessado em 24/03/2022.         [ Links ]

BURNS, Tracey. A helping hand: education responding to the coronavirus pandemic. OECD - Organization for Economic Co-operation and Development.         [ Links ]

Education and Skills Today. 18 Mar. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3iw3abG Acessado em 8/5/2020.         [ Links ]

ERICKSON, Frederick. Qualitative methods in research on teaching. In: WITTROCK, M.C. (ed.). Handbook of research on teaching. New York: Macmillan, 1986        [ Links ]

FREIRE, Maximina M. O Ensino Remoto emergencial e a exigência imediata de letramento: reflexões sobre um tempo de exceção. DELTA 37 (4). 2021. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/1678-460X202156287 Acessado em 28/03/2022        [ Links ]

GOMES, Silvane Guimarães Silva. Os elementos dos sistemas de EAD. e-Tec Brasil - Tópicos em Educação a Distância. 2016. Disponível em: <http://proedu.rnp.br/bitstream/handle/123456789/587/Aula_06.pdf?sequence=6&isAllowed=y> Acessado em 22/05/2022.         [ Links ]

HINE, Christine. Ethnography for the Internet: embedded, embodied, and every day. London: Routledge. 2015. 240p.         [ Links ]

HODGES, Charles Brent, et. al. The difference between emergency remote teaching and online learning. Boulder: Educase Review. 2020.         [ Links ]

LATOUR. Bruno. After Lockdown: A Metamorphosis. Tradução por Julie Rose. Cambridge: Polity Press. 2021.         [ Links ]

MATTOS, Carmen Lúcia Guimarães de at. al. Remote Education in Times of COVID-19: A digital ethnographic study of the 'New Normal' in some parts of the world. International Perspectives, from Brazil. Melbourne, Austrália: Connect 246. Dez, 2020.         [ Links ]

MATTOS, C. L. G.; CASTRO, P. A. Etnografia e educação: conceitos e usos. Campina Grande: SciELO - EDUEPB. 2011. 309p. Disponível em https://books.scielo.org/id/8fcfr. Acessado em 28/03/2022.         [ Links ]

MERRIAM, Sharan. B. Qualitative Research and Case Study Application in Education. San Francisco: Jossey-Bass Publishers. 1988        [ Links ]

UNESCO COVID 19. Education: From disruption to recovery - Global monitoring of school closures. Disponível em https://en.unesco.org/covid19/educationresponse#schoolclosures. 2022a. Acessado em 24/03/2022.         [ Links ]

UNESCO. Distance learning solutions. Disponível em: https://en.unesco.org/covid19/educationresponse/solutions. Acesso em 24/03/2022 2022b        [ Links ]

VALENTE, José Armando; ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini. Políticas de tecnologia na educação no Brasil: Visão histórica e lições aprendidas, Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, 28(94). 2020). Disponível em https://doi.org/10.14507/epaa.28.4295. Acessado em 28/03/2022.         [ Links ]

 

 

1 Professora Titular aposentada pela Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro e CEO da PRISMAS. Ph.D. in Education, University of Pennsylvania, USA. E-mail: clgmattos@gmail.com
2 Professora Associada do Department of Philosophy, Sociology, Education and Applied Psychology (FISPPA). Ph.D. In education, Università degli Studi di Padova, Itália. E-mail: valentina.grion@unipd.it
3 Professora Titular Aposentada pela Faculdade de Educação, Universidade Mackenzie. Pesquisadora, membro do grupo de Pesquisa Educação infantil e o Brincar da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Doutora em Administração, Universidade Mackenzie. E-mail: veramelis@uol.com.br
4 Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), 165 países foram afetados pela pandemia da Covid-19, contabilizando 1,5 bilhão de crianças e jovens - 87% da população mundial de estudantes (BURNS, 2020; UNESCO, 2020a). Para enfrentar esse desafio, a Unesco lançou a campanha Learning Never Stops, com a organização de um portal com a disponibilização das soluções que os países estão adotando para o enfrentamento da situação, permitindo que tais dados fossem utilizados por pesquisadores e por formuladores de políticas educacionais nos diversos países (UNESCO, p.410, 2020b)
5 Carmen Lúcia Guimarães de Mattos (Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ PRISMAS, Brasil); Valentina Grion (Università degli Studi di Padova, Itália); Vera Lucia Anselmi Melis Paolillo, Cristina Devecchi (Universidade de Northampton, Inglaterra); e Nishi Mitra vom Berg (Instituto Tata de Ciências Sociais, Índia).
6 Mooc é uma plataforma de ensino. Para mais informações acesse< https://www.mooc.org/>.
Zoom uma plataforma/aplicativo que permite que um grupo de duas ou mais pessoas vejam e conversem entre si pela internet usando seus, ou . Explodiu enquanto em popularidade durante a pandemia.
Meet e/ou Meet Now é um aplicativo da Microsoft criado em 2020 que permite iniciar conversas rápidas por vídeo através de um navegador sem a necessidade de contas. Os participantes só precisam de um link para a reunião, um navegador da Web compatível (Microsoft Edge ou Google Chrome), e uma câmera de vídeo e microfone em funcionamento em seu dispositivo. Também foi amplamente utilizado e tornou-se popular durante a pandemia.
7 Software Atlas.ti. é programa computacional que ajuda o pesquisador a descobrir insights acionáveis com ferramentas de pesquisa intuitivas, auxilia nas tarefas básicas de análise e nos projetos de pesquisa mais aprofundados.
8 Nota: Agradecemos as contribuições das entrevistadas e suas famílias por compartilharem suas percepções e experiências conosco em um momento tão difícil como o vivido durante a coleta de dados.

Creative Commons License